Times históricos #27: Flamengo 2007

Eu já escrevi nas crônicas dos jogos eternos contra Real Potosi e Cruzeiro que realmente comecei a conhecer mais o Flamengo em 2007. Já tinha vivido o título da Copa do Brasil de 2006 contra Vasco, já sabia que era um rival, já conhecia alguns jogadores, mas acompanhava de longe por causa da distância, de quilômetros e do idioma – ainda não falava português, nem sabia qual site usar para ver os jogos, ou apenas os melhores momentos, para ter notícias mais completas que as de um site francês sobre o futebol brasileiro, sambafoot.

Em 2007, passei a usar o site brasileiro Placar para ter mais notícias, mais imagens. Usava um tradutor online para entender o que não entendia e pouco a pouco, comecei a melhorar meu português. O que entendia muito bem é o que era Flamengo, um clube diferente, no Brasil, no mundo. Antes de falar português, já respirava rubro-negro. E comecei a assistir, ainda não os jogos completos, mas os melhores momentos de cada jogo. Pouco a pouco, conhecia mais o elenco, quem era craque, quem era menos craque, quem era ídolo, ídolo da geral ou meu ídolo particular. O time de hoje claramente é diferente, mais forte, mas já tinha vários ídolos em 2007, ainda mais para um torcedor francês de 15 anos, ainda em formação quando se fala do conhecimento história do Flamengo.

De tantos ídolos, vale a pena anunciar a escalação completa do primeiro jogo de 2007, contra Cabofriense no campeonato carioca: Bruno; Léo Moura, Moises, Irineu, Juan; Paulinho, Claiton, Juninho Paulista, Renato Abreu, Renato Augusto; Obina. Flamengo ganhou 2×0, com gols de Renato Abreu e Obina, que já eternizei na categoria dos ídolos no blog. Renato Abreu fez um gol de pênalti com força, à la Roberto Carlos, canhoto como Roberto Carlos, já me encantava a potência do chute de Renato Abreu. Obina fez o segundo gol de primeira, um gol que lembra um pouco o gol contra Vasco na final da Copa de 2006. Obina era meu ídolo particular, meu maior ídolo. Tinha raça, tinha carisma, tinha amor da torcida. Porque, Obina não era só meu ídolo particular, era o ídolo de toda a torcida, toda a Nação.

Além de todos esses jogadores, Flamengo tinha a torcida, tinha o Maracanã. Claro, já sabia muito sobre o Maracanã, o Maracanaço de 1950, as festas das torcidas, não só de Flamengo, também de Fluminense, Vasco, até do Botafogo. O Maracanã era o templo do futebol, o coração do Rio, a alma do futebol brasileiro. E, pela primeira vez, podia ver o Maracanã vivo, ao vivo. Era mais vazio do que alguns jogos eternos das décadas precedentes, mas ainda o Maracanã pré-2014, o da reforma para os jogos pan-americanos de 2007, com cadeiras brancas, azuis, amarelas e verdes, aquele estádio sempre será “meu” Maracanã, mesmo sem nunca ter ido. Porque eu era Flamengo de longe na distância quilométrica, mas de muito perto no coração, na alma.

No segundo jogo de 2007, Flamengo venceu Americano com vitória 2×1, gols de Juan e Renato Augusto. Adorava a dupla de laterais Juan – Léo Moura. Laterais ofensivos eram para mim uma característica do futebol brasileiro, cresci torcendo para a seleção brasileira de 1998 com Roberto Carlos e Cafu, conhecia as histórias da Seleção de 1982 com Júnior e Leonardo, ainda sem saber tudo que fizeram com o Manto Sagrado, adorava a Seleção de 1958 com os dois Santos, Nílton e Djalma. E agora no Flamengo tinha Juan e Léo Moura, sempre apoiando no ataque, fazendo a assistência, o gol, a alegria da torcida.

Outro característica do futebol brasileiro que começava a adorar era o surgimento precoce do craque. Relembro que quando Ronaldinho Gaúcho surgiu no Paris Saint-Germain, meu clube na França, nem sabia em qual clube ele jogava antes no Brasil. Depois, conheci Robinho por um lance, as pedaladas na final do Brasileirão de 2002 contra Corinthians, imagens que chegaram até na Europa. Robinho jogava no Santos, no clube de Pelé, era o novo Pelé. Mas só isso. Agora tinha a possibilidade de conhecer o craque brasileiro antes dos amigos franceses e para mim, Renato Augusto, de apenas 18 anos, era a nova esperança, a nova cara do futebol brasileiro, de meu Flamengo.

Eu era tão Flamengo que tinha desenhado o escudo do Flamengo no meu estojo na escola, tinha botado o nome de Ney Franco, ainda não sabendo que ser técnico de Flamengo é um trabalho muito fugaz. Tinha comprado uma camisa do Flamengo no Ebay, único jeito para mim de conseguir o Manto Sagrado. Relembro que quando chegou estava dividido entre a alegria de ter o Manto Sagrado e a frustração de ver que era uma fake, na pressa de comprar, não tinha visto que era fake. No final, a alegria de ter o Manto prevaleceu. Também me registrei num fórum de discussões sobre o futebol em francês no 7 de março de 2007, dia da final da Taça Guanabara, provavelmente para achar um link para assistir ao jogo na Internet, único jeito para mim de conseguir ver meu Flamengo. Meu apelido no fórum era bem simples: flamengo_10. Eu era Flamengo, simples. Não relembro se consegui assistir ao jogo – os lances ao menos são familiares, mas Flamengo goleou Madureira, com doblete de Souza Caveirão, que eu também gostava muito, gols dos 2 Renatos, Augusto e Abreu. E Flamengo de novo campeão, mexendo com meu coração, cada vez mais rubro-negro.

Eu também sempre tive consciência da importância da Copa Libertadores. Falei na crônica sobre Real Potosí que teve uma matéria da revista francesa So Foot sobre o jogo, e valia ouro para mim. Não podia assistir aos jogos ao vivo por causa do horário nada agradável para os europeus, mas assistia no dia seguinte aos melhores momentos do jogo. Flamengo foi quase perfeito na fase de grupos, cedendo (obtendo?) o empate na altitude da Bolívia no primeiro jogo. Depois, 5 vitórias, com apenas 4 jogadores que fizeram gols: 3 gols de Renato Abreu e Souza, um gol para Obina e Renato Augusto, todos meus ídolos. Flamengo fechou a fase de grupos na segundo colocação geral e era o favorito absoluto nas oitavas de final contra Defensor.

Lembro muito bem onde estava quando soube do placar no jogo de ida contra Defensor. No dia seguinte, acordei pensando com meu Flamengo, mas eram outros tempos, sem smartfone, sem possibilidade de ir na Internet na manhã. A solução era esperar a aula de informática na tarde e ver o placar na Internet, já no Globo que começava a usar. A aula começou e esqueci do jogo. De nada, relembrei que Flamengo tinha jogado, que finalmente podia ver o placar. Fui no site de Globo, meio ansioso, muito animado, e descobri que Flamengo tinha perdido 3×0. Pela primeira vez, descobria que o mundo inteiro podia cair por causa do Flamengo. Era uma mistura de choque, de raiva, de tristeza, de oração atrasada para mudar o placar inalterável. Nas etapas da morte, só faltava a aceitação.

Mas Flamengo ainda estava vivo e durante toda a semana antes do jogo de volta, a torcida passou mensagens que acreditava na virada, que ia apoiar como sempre o time, até apoiar mais. Entre os dois jogos da Liberta, o jogo de volta da final do campeonato carioca, contra Botafogo. E foi emoção no Maraca. Tudo se fez em apenas 15 minutos, Souza abriu o placar, Botafogo empatou, virou, até o gol de Renato Augusto. E que golaço do camisa 10, um chutaço, na gaveta. A camisa 10 é especial no futebol, no Flamengo ainda mais, e estava bem representada com Renato Augusto. Eu vivia a emoção do jogo, dos gols, mais ainda mais da arquibancada, o Maracanã vibrava diferente na época. 2×2 na ida, 2×2 na volta, título na disputa de penalidades. Flamengo era muito emoção. Bruno defendeu as duas primeiras tentativas do Botafogo, eu adorava Bruno, realmente um goleiro diferente, que podia brilhar muito mais ainda, pena que jogou tudo para fora. Léo Moura, outro que jogou a idolatria para fora, por motivos bem menos graves, fez o gol do título, o gol da alegria. Pela primeira vez, eu vivia ao vivo um título do campeonato carioca. Adorava o campeonato carioca, ser campeão do Rio me dava a ilusão de ser campeão do mundo.

Com o título carioca, passei a acreditar ainda mais na virada na Libertadores, como toda a Nação, que prometeu mais um show no Maracanã, e deu. E Flamengo quase fez o milagre, Renato Abreu fez dois golaços de longe, fez o que provavelmente é seu gol de falta mais marcante com o Manto Sagrado, e teve muitos. Flamengo quase virou, parou no 2×0 insuficiente, e eu tinha outra mistura de sentimentos, a tristeza sim, mas também o orgulho do time e a fascinação pela torcida, quero dizer a Nação. Flamengo é diferente de todos por vários motivos, mas primeiramente vem a torcida. Também acho que a arrancada que ainda tinha a vir foi possível também por causa desse jogo contra Defensor, onde todo mundo acreditou que, quando se tratava do Flamengo, tudo é possível, até o impossível.

Flamengo começou o Brasileirão de 2007 no Maracanã contra Palmeiras e o primeiro gol rubro-negro no campeonato foi marcado pelo Claiton, um jogador esquecido hoje, mas que eu adorava, pela faixa que usava, pelo estilo, pela raça, pelo carisma. Não jogou tanto no Flamengo, em nível e em partidas, apenas 21 com o Manto Sagrado, mas marcou uma época, minha época de descobrimento do que era o Flamengo. E no estilo dele, Claiton era Flamengo. Mas Flamengo perdeu o jogo, vitima de um doblete de Edmundo. Também adorava o futebol brasileiro para isso, além de poder ver o craque-promessa antes da ida na Europa, podia ver o craque consagrado e veterano, de volta ao futebol brasileiro, como Romário no Vasco, ou no Palmeiras, Edmundo, que descobri como tantos outros jogadores brasileiros na Copa de 1998 e que também adorava pela raça e pelo carisma.

Em seguida, Flamengo derrotou Goiás mas depois passou 8 jogos sem vencer. Eu tinha que aprender também isso com Flamengo, o clube tinha uma facilidade absurda para entrar em crise, se complicar com jogos fáceis, frustrar sua torcida. Flamengo ficou até a última colocação, respirou um pouco com um sucesso contra o América de Natal, insuficiente para manter o técnico Ney Franco no cargo, substituído por uma lenda do clube, o Papai Joel Santana. Mas Flamengo ainda perdia, contra Santos e o Athletico Paranaense. Na penúltima rodada do primeiro turno, Flamengo ficava na penúltima colocação. Depois de anos lutando contra o rebaixamento, Flamengo conhecia mais uma temporada ruim.

Pior que o time era bom. Já falei das mãos do goleiro Bruno, tinha nos lados os braços Juan e Léo Moura, que podiam cobrir todo o campo. Também falei do pulmão do time, o Pitbull Claiton. No ataque, meu ídolo Obina jogava menos, mas tinha o Souza Caveirão, mortal de cabeça. Faltava ainda duas coisas importantíssimas num time, num corpo, um coração e um cérebro. E Flamengo conseguiu os dois quase ao mesmo tempo e mudou completamente sua temporada.

Fábio Luciano chegou do Fenerbahçe onde fazia sucesso, com também fez sucesso no Corinthians. Incrível com um grande zagueiro pode mudar um time inteiro. Fábio Luciano tinha qualidades técnicas e defensivas, e mais, tinha liderança e carisma. Foi um dos maiores capitães da história do Flamengo, parecia que a braçadeira de capitão já estava na camisa quando ele a vestia. Abro aqui um parêntese para falar sobre o Manto Sagrado de 2007. Gostava muito das camisas de Nike e acho que a 2008, outro ano histórico no blog, foi a mais bonita da história do Flamengo. Mas também gosto muito da camisa de 2007, que ajuda a eternizar esse ano. A camisa era bonita, ainda mais quando Fábio Luciano a vestia. Era chamado de xerife, mas me parecia mais um prefeito, de tanto ele mandava na grande área com classe, jogando de terno. Fábio Luciano foi o coração do Flamengo de 2007, ainda devo o eternizar na categoria dos ídolos. Ao lado dele, Ronaldo Angelim melhorou muito e a dupla da zaga se juntou a dupla de laterais Juan – Léo Moura com uma das minhas mais preferidas no Flamengo.

Além do coração, Flamengo ganhou o cérebro, um jogador que já eternizei no blog, Ibson. Como Fábio Luciano, chegou da Europa, de Porto. Como Joel Santana, começou no Fla em 2007 com duas derrotas, contra Santos e o Athletico. Conhecia Ibson de nome, sem ter visto o jogar muitas vezes. Jornais diziam que ia melhorar tecnicamente o meio de campo do Flamengo. Ainda mais, era um jogador vindo da base no Flamengo. Não acompanhei a primeira passagem dele no Flamengo, mas com tudo isso, eu era bem em favor da chegada dele no Mengo. Ainda mais, não era apenas um jogador de criação, era o chamado pianista e carregador de piano, fazia de tudo no meio de campo, só não fazia chover, e talvez até isso ele fazia. Impossível separar a arrancada de 2007 da presença omnipotente de Ibson no meio de campo, fazendo tudo, ganhando bolas divididas, dando passes e assistências, fazendo gols e golaços. Ibson foi a cara do Flamengo de 2007.

Outro personagem impossível de esquecer quando se fala da arrancada de 2007 é o próprio Maracanã. A cada jogo, o clima do Maraca parecia melhor, mais foda. Flamengo começou a ganhar, e não parou de ganhar, o Maracanã cantava, e não parava de cantar. Hoje tem muitos cantos lindos na arquibancada, mesmo com apenas a metade da Norte cantando. Mas nesta época, tinha uma emoção maior, que talvez é possível de atingir só na simplicidade de um “Meeeeeengo” cantado várias vezes, cada vez mais alto. A cada jogo do Flamengo ou quase, o Maracanã batia a marca do maior público do ano. Primeiramente, no jogo contra São Paulo, um jogo que já eternizei no Francêsguista, um jogo com atuação magistral de Ibson, um jogo que viu o nascimento do canto “Eu sempre te amarei, onde estiver estarei, oh meu Mengo”, um canto capaz de arrepiar qualquer um, flamenguista ou simples amante do futebol, do esporte, saudosista de Senna. Três dias depois, no Fla-Flu, o Maracanã – quero dizer a torcida do Flamengo, bateu de novo o recorde de público do ano. E de novo contra o Corinthians, contra Santos, contra o Athletico Paranaense, outros jogos que preciso eternizar aqui.

Em 2007, me distanciei muito do futebol europeu. Só assistia aos jogos do Milan, onde meu primeiro ídolo, Ronaldo Fenômeno, tinha chegado. No ataque milanista, também acabava de chegar o jovem Alexandre Pato, que já conhecia no Internacional, privilegio de quem assistia ao futebol brasileiro. Minha paixão era vermelha e preta, mas não era rossonero, eu era rubro-negro de paixão, flamenguista no coração e na cabeça, no sangue e na alma. A cada jogo, me apaixonava mais pelos ídolos, Bruno, Léo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Juan, Claiton, Ibson, Renato Augusto, Souza e todos que vestiam o Manto Sagrado. A cada jogo, me apaixonava mais pelo Maracanã, pela torcida, pelo Flamengo. O ápice foi a penúltima rodada, Maracanã cheio, último recorde de público, 82.044 pagantes, 87.895 presentes. Dos 10 maiores públicos do ano, apenas um jogo, São Paulo x América-RN, não foi do Flamengo. E contra o Athletico, uma última vitória, com classificação garantida na Libertadores. Em apenas um turno, Flamengo passou do Z-4 ao G-4, do inferno ao paraíso, fazendo uma arrancada eterna e inesquecível. E eu, felizão a 10.000 quilômetros de lá, sabia que, mesmo lutando e dependendo da riqueza e às vezes da fraqueza da Internet para conseguir assistir ou não ao jogo, às vezes só os melhores momentos, sabia que ia continuar em 2008 a vibrar com o maior amor de minha vida, Flamengo.

2 respostas para “Times históricos #27: Flamengo 2007”.

  1. Avatar de Jogos eternos #169: Flamengo 2×0 Nacional 2008 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] escrevi na última crônica dos times históricos que foi realmente em 2007 que comecei a acompanhar de mais perto o Flamengo, mesmo com 10.000 […]

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  2. Avatar de Jogos eternos #249: Flamengo 2×2 Botafogo 2007 – Francêsguista, as crônicas de um francês apaixonado pelo Flamengo

    […] conhecia mal os jogadores, não tinha o prazer de os ver jogar, os ver brilhar com o Manto Sagrado. O ano de 2007 foi […]

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O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”