Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #136: Flamengo 5×0 Nova Iguaçu 2022

    Jogos eternos #136: Flamengo 5×0 Nova Iguaçu 2022

    Apesar de Nova Iguaçu ser um adversário relativamente novo na longa tradição do campeonato carioca, tinha algumas possibilidades de um jogo eterno antes do jogo de ida da final do campeonato carioca. Eu já escrevi sobre a vitória 2×0 de 2012, jogo que marcou a reestreia de Vágner Love com o Manto Sagrado. Vou avançar então de 10 anos (e um dia) para um jogo ainda recente na história do Flamengo.

    No campeonato carioca de 2022, antes de enfrentar o Nova Iguaçu, Flamengo tinha 3 vitórias, um empate e uma derrota, no Fla-Flu. No 13 de fevereiro de 2022, um dia antes do Dia dos Namorados na França, o técnico português Paulo Sousa escalou Flamengo assim: Hugo Souza; Gustavo Henrique, Léo Pereira, Fabrício Bruno; Rodinei, Willian Arão, João Gomes, Arrascaeta, Éverton Ribeiro; Marinho, Gabigol. Não gostava do sistema tático de Paulo Sousa e Flamengo não foi bem no início de 2022.

    Mas Flamengo tinha craques, brasileiros e gringos. Com apenas 4 minutos de jogo, Arrascaeta cruzou perfeitamente na grande área, Gustavo Henrique, já grandão, subiu alto e cabeceou para abrir o placar. Não foi o único doce, o único presente, o único gesto de amor de Arrascaeta no primeiro tempo. Com 38 minutos, teve uma falta, bem perto da grande área. Arrascaeta chutou colocado, angulado, golaçado. De maneira geral, é impressionante a queda de gols de falta no futebol mundial. Acho que tem nos treinos uma falta de dedicação ao exercício, de repetições no trabalho. O Flamengo viveu um jejum de mais de 3 anos, entre 2018 e 2021, sem gol de falta. Depois de gol de Arrascaeta contra Nova Iguaçu, Flamengo esperou mais 15 meses antes de ver outro gol de falta, também assinado pelo Arrascaeta. Ainda bem que ainda tem craques diferenciados como Arrascaeta para ver golaços de falta.

    Arrascaeta ainda apareceu no segundo, o uruguaio cruzou na grande área e a bola morreu no braço de Vinícius. O juiz apitou o pênalti e Gabigol, no seu estilo particular, fez o terceiro gol do jogo com tranquilidade. Era impressionante a facilidade de Gabigol nesse exercício particular e difícil, que também exige trabalho e repetições nos treinos. A partir de 2023, Gabigol começou a perder pênaltis com mais frequência, mas o gol contra Nova Iguaçu foi o 27o pênalti convertido pelo Gabigol em apenas 29 tentativas. Impressionante.

    O que também era impressionante era a facilidade de Pedro para fazer o gol, mesmo saindo do banco. Pedro entrou no final do jogo e apenas cinco minutos depois, com boa triangulação e passe de Gabigol, chegou ao cara a cara com o goleiro e, no estilo matador dele, fez o quarto gol do dia. O placar final foi de 5×0 depois de mais uma jogada coletiva e participação de 4 jogadores saindo do banco. Lance começou na direita com Rodinei e Vitinho, que de trivela mandou a bola na esquerda. Renê achou na grande área Pedro, que com inteligência e drible de bico, esperou o overlapping para devolver a Renê. Com um passe atrás do lateral-esquerdo, bola caiu nos pés de Diego, bola levantou no domínio de Diego, bola no fundo do gol, goleada, Flamengo 5×0 Nova Iguaçu.

    Um dia antes do Dia dos Namorados, Flamengo fazia lindo jogo, e eu jurava mais uma vez amor eterno ao Flamengo.

  • Jogos eternos #135: Flamengo 4×1 Santos 1984

    Jogos eternos #135: Flamengo 4×1 Santos 1984

    A estreia de Flamengo na Copa Libertadores se aproxima e vamos então para o jogo eterno de hoje de uma estreia na Libertadores. Tinha várias opções, contra a Universidad Católica em 2010, contra San Lorenzo em 2017 ou até jogos mais recentes, mas finalmente decidi de voltar 40 anos atrás, com um jogo contra Santos, até porque ainda não tinha escrito sobre um jogo de 1984.

    Em 1984, Flamengo fazia sua quarta Copa Libertadores consecutiva e já era um gigante do continente. Na época, a fase inicial da Libertadores tinha grupos de 4 times, com 2 times de 2 países diferentes. Assim, os dois finalistas do Brasileirão sempre se reencontravam na Copa Libertadores alguns meses depois. Foi o caso em 1984 com um novo Flamengo x Santos, depois do 3×0 na final do Brasileirão, um jogo ainda não eternizado no Francêsguista.

    Na época, Flamengo aprendia a viver sem Zico, vendido pelo presidente Antônio Augusto Dunshee de Abranches, que renunciou logo depois. No 11 de fevereiro de 1984, o técnico Cláudio Garcia escalou Flamengo assim: Fillol; Leandro, Figueiredo, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Tita; Lúcio, João Paulo, Nunes. Detalhe, os dois únicos jogadores estrangeiros em campo eram os goleiros, o argentino Fillol para Flamengo e, do lado de Santos, o também lendário uruguaio Rodolfo Rodríguez. Santos tinha outros craques ou jogadores consagrados: Pita, Paulo Isidoro e Serginho Chulapa. Um jogaço antes do apito inicial.

    Nos anos 1980, a Copa Libertadores tinha prestígio, mas nada comparável ao de hoje e num sábado de fevereiro de 1984, o Maracanã tinha um público de 37.682 pagantes, com geral em bom número, sem ser lotada como podia ser na época. Em comparação, o Flamengo x Santos da final do Brasileirão alguns meses antes conquistou 155.253 pagantes, um recorde para um jogo do Brasileirão.

    Na Libertadores de 1984, Flamengo estreou bem, com um gol aos 33 minutos. A falta de Tita foi desviada pela barreira – afinal Flamengo estava sem Zico, mas a bola seguiu viva depois de duas cabeçadas, de um flamenguista, de um santista, bem alto no ar, Mozer pegou de primeira, de voleio, e abriu o placar. Já no segundo tempo, o zagueirão Mozer conseguiu o doblete, sem a ajuda de ninguém. Recuperou a bola no campo de Santos, acelerou na esquerda, fixou um defensor e abriu o espaço com uma finta e um drible seco. Em seguida, literalmente fuzilou o pobre Rodríguez para fazer o gol. O chute não foi tão bem colocado, mas foi tão potente, tão poderoso, que deixou o goleiro uruguaio sem chance de defender.

    Mozer já tinha feito o trabalho dele e com uma hora de jogo, Cláudio Garcia o trocou para a entrada em campo de Marinho. Outra mudança, João Paulo cedeu seu lugar ao Lico. Com 27 minutos no segundo tempo, Santos descontou com uma cabeçada do quase homônimo, Lino, num escanteio. Mas Lico era mais craque que Lino e no minuto seguinte do gol santista, Flamengo já voltou com 2 gols de vantagem. Júnior procurou na esquerda Tita, que cruzou muito alto. O domínio de Lico foi de craque, a finta, a categoria com drible de calcanhar para passar entre três defensores foi de craque, a finalização também, Lico era craque, Flamengo 3×1 Santos.

    Dez minutos depois, de novo a tripla Júnior – Tita – Lico, agora em outra ordem. Passe na esquerda de Júnior para Lico, que fez um drible e para evitar a saída da bola, cruzou diretamente, cruzou alto, cruzou na cabeça de Tita, que fez o gol do 4×1. A camisa 10 do Flamengo estava órfã de Zico, mas Tita, outro ídolo no Francêsguista, foi um dos maiores sucessores possíveis, capaz de fazer uma tarefa impossível de fazer, honrar a camisa 10 do Flamengo. Com goleada na estreia da Liberta e geral feliz, Flamengo podia sonhar da conquista de uma outra Copa Libertadores.

  • Ídolos #31: Dida

    Ídolos #31: Dida

    Dida ainda não tinha a crônica dele na categoria dos ídolos e vamos reparar essa anomalia no dia que ele completaria 90 anos. Dida foi um grande ídolo, e mais, foi o ídolo do maior ídolo do Flamengo, Zico. Vamos então começar essa crônica com a palavra de Nosso Rei, no livro Zico conta sua história: “Futebol era o que mais me dava prazer na vida. Contam lá em casa que, depois de papai e mamãe, a primeira palavra que eu disse foi Dida – meu primeiro e até hoje meu maior ídolo no futebol. Não era para menos. Foi o ano do tricampeonato do Flamengo, e o Dida foi o artilheiro da competição. O Dida, com sua postura elegante, chutando bem com as duas pernas e com aquela imensa alegria que passava ao comemorar o gol – jogar, para ele, era decididamente uma satisfação”. Confirma seu Antunes, o pai de Zico, também rubro-negro roxo: “Ele aprendeu primeira a dizer ‘Dida’ depois de papai e mamãe”. Como todos nós, Zico é flamenguista, e ele tem um primeiro ídolo do Flamengo, que é Dida. Basta isso para entender a qualidade de Dida.

    Edvaldo Alves de Santa Rosa nasceu no 26 de março de 1934, em Maceió, terra de outro ídolo do Flamengo e do Brasil, Zagallo. A história de Dida e o Flamengo começa em 1953, com… o voleibol e uma excursão do time feminino do Flamengo no Nordeste, em Maceió. Lá, as meninas rubro-negras assistiram a um jogo de futebol entre a seleção alagoana e a seleção baiana, que, como favorito, dominou o primeiro tempo, com um placar parcial de 3×1. E o jovem Dida, então com 19 anos, entrou no segundo tempo. E dominou o jogo, acabou com o jogo. No livro Os dez mais do Flamengo, Roberto Sander escreveu: “Nos primeiros lances dos quais participou, Dida já mostrou um algo mais que não passaria despercebido nem para quem jogava bola somente com as mãos. Boquiabertos, os atletas rubro-negros de vôlei acompanhavam aquele garoto de 19 anos fazer misérias. Eram dribles desconcertantes, toques de primeira, passes de trivela, chutes bem colocados e, de quebra, três gols que deram a vitória de virada para o estado de Alagoas por 4 a 3. Na volta ao Rio de Janeiro, foi impossível não se comentar a façanha daquele garoto. Não demorou e o clube inteiro sabia da história”.

    Dida chegou na Gávea em 1954, mas, como Zico anos depois, estava muito franzino. E sem confiança, quase desmaiou quando soube que ia jogar com Rubens, o Doutor Rúbis, outro ídolo no Francêsguista. Continua Roberto Sander: “Quando soube que ia treinar com o grande Doutor Rubens, craque do meio-campo do time, Dida ficou nervoso e começou a apresentar os primeiros sinais de icterícia: sentiu tonteiras, a pele ficou amarela, os olhos brancos, feridas surgiram na boca e seu corpo passou a arder em febre. Foram vinte dias se recuperando até que pudesse voltar a treinar. Só então, aos poucos, Dida foi se soltando, deixando de lado a timidez e mostrando aquele futebol que tanto encantara os atletas de vôlei do clube. Para isso, contou também com a ajuda de seus companheiros – virou uma espécie de xodó do grupo”. Pouco a pouco, Dida fazia jogadas paradisíacas com os aspirantes nos jogos e infernizava os zagueiros titulares Tomires e Pavão nos treinos. E finalmente teve a primeira oportunidade no time principal, em 1954.

    Flamengo foi campeão carioca em 1953 e tinha um rolo compressor em 1954, principalmente no setor ofensivo: Rubens, Benítez, Joel, Evaristo, Paulinho, Índio, Esquerdinha, Zagallo, só craques. A chance de Dida chegou no final do ano de 1954, com as lesões de Benítez, Evaristo e Zagallo, Dida foi chamado com outro jovem, nordestino, promissor e franzino, Babá. Como Zico anos depois, Dida foi lançado pelo técnico Fleitas Solich. Como Zico, estreou contra Vasco. E como Zico, Dida brilhou no Clássico dos Milhões, que acabou, como Zico em 1971, numa vitória 2×1 de Flamengo. Na estreia, Dida brilhou ainda mais que Zico, como escreveu Aristélio Andrade para Placar em 1971: “A estreia de Zico no Flamengo não foi igual ao lançamento de Dida em 1954. Foi comedida, menos espetacular, mas eficiente. De seus pés saiu a jogada que resultou no gol de Ney. Zico simplifica todas as jogadas: toca de primeira e procura os espaços vazios para receber os passes. Não tem medo de jogo duro e está sempre na área. Fora de dúvida, a posição é sua”. É que, no 17 de outubro de 1954, Dida fez um autêntico show contra Vasco. Não fez gol, a tarefa coube ao Rubens, de falta, e Índio, mas fez viver um inferno aos vascaínos, especialmente ao meia Ely do Amparo, grande craque da época. “Como se fosse desconhecedor do nome, do prestígio do médio do Vasco, Dida prosseguiu passando por Eli como se Eli não existisse” explicou a grande voz do futebol brasileiro da época, Luiz Mendes.

    Dida jogou na semana seguinte o Fla-Flu, que acabou num 0x0, mas com as voltas dos craques mais consagrados, voltou nos aspirantes. Com uma diferença, os torcedores do Flamengo chegavam mais cedo ao Maracanã para ver Dida e os aspirantes. E tinha uma constante, Dida brilhava. O jovem atacante fez mais um jogo com o time principal no campeonato carioca, contra a Portuguesa. No 21 de novembro de 1954, Flamengo venceu a Portuguesa 2×1. O primeiro gol, há quem viu que foi Dida que marcou, mas o juiz assinalou o tento para Rubens. O segundo gol, agora não teve dúvidas, como escreveu o Jornal dos Sports no dia seguinte: “Dida, recebendo ótimo passe de Rubens, manobrou rápido e atirou violentamente, vencendo a meta guarnecida por Antoninho, que viu baldados seus esforços para deter o couro. Seria esse o tento da vitória do Flamengo sobre a Portuguesa, embora a essa altura o placar fosse 2×0”. Dida fazia seu primeiro gol com o Manto Sagrado e algumas semanas depois, sem a presença de Dida, Flamengo faturava o bicampeonato.

    Em 1955, um ano histórico no Francêsguista, Dida beneficiou-se de várias lesões dos craques do ataque para ter mais tempo de jogo. E não decepcionou: doblete contra Olaria, hat-trick contra Canto do Rio, gol contra America. Também teve participação fundamental no Fla-Flu, com 2 gols na vitória 6×1, maior goleada do Fla-Flu no campeonato carioca, junto com o 6×1 de 1944, também em favor do Flamengo, claro. Infelizmente, o ano de 1955 também foi de tristezas, com a morte do presidente Gilberto Cardoso, que não resistiu a uma parada cardíaca num jogo de basquete de seu tão amado Flamengo. Mas também é o poder do futebol, a morte do Gilberto Cardoso reuniu no mesmo time alguns dos rivais mais ferozes do futebol internacional, um combinado Flamengo-Vasco enfrentou um combinado Racing-Independiente, da Argentina. E o time do Rio derrotou o time de Avellaneda 3×1 com um gol de Dida, que, agora apenas com o time de Flamengo, também fez gol contra o Racing e o Independiente, ajudando o rubro-negro a conquistar o Torneio Internacional do Rio de Janeiro.

    Mas a maior façanha de Dida no ano de 1955 chegou no início de 1956. O campeonato carioca de 1955 ainda estava em andamento em 1956 e o Padre Góes, flamenguista roxo, anunciou o tricampeonato do Flamengo. Na final contra o America, Flamengo ganhou o jogo de ida 1×0, gol de Evaristo, mais foi duramente goleado na volta, 5×1. Dida jogou nenhum desses jogos. Sem saber realmente se foi por questões táticas ou disciplinares, Fleitas Solich sacou do time Paulinho e Jadir, para a entrada dos jovens Dida e Duca no jogo-desempate. Esse jogo do 4 de abril de 1956 merece uma crônica à parte na categoria dos jogos eternos. Porque jogo o foi eternizado só pelo talento de Dida. Segundo o próprio Dida, o favoritismo era mais do America: “Eu e meus companheiros estávamos dispostos a dar a vida pelo tricampeonato. No vestiário, fizemos uma espécie de pacto: a “negra” há de ser nossa! Só Deus sabia nosso estado de nervos. Afinal, entramos em campo debaixo do calor de 200 mil bocas. Nossos adversários eram francos favoritos. Apostava-se na cidade pela vitória americana. Eis a verdade: ninguém fazia fé no Flamengo, a não ser a nossa fabulosa torcida”.

    Flamengo tinha fé, tinha ídolos, tinha o talento e a raça de Dida que acabou com o jogo, fazendo nada menos do que os 4 gols do Flamengo na vitória 4×1. E a torcida rubro-negra partiu para um carnaval atrasado na cidade. Era o segundo tricampeonato da história do Flamengo, a maior homenagem possível ao falecido Gilberto Cardoso. E lá em Quitino, o pequeno Arthur, de 3 anos, só falava uma coisa: “Dida, Dida, Dida, Dida”. Em apenas um jogo, Dida passou de jovem promissor no banco de reservas até a idolatria da maior torcida do Brasil. Nessa época, os números nas camisas de futebol ainda eram novidade e Dida tornou-se o primeiro grande camisa 10 do Flamengo, inspirando Zico, que explicou no livro Uma vez Zico, sempre Zico, de Luís Miguel Pereira: “Quando era garoto, o meu único sonho era jogar com a camisa 10 do Dida. Era isso que me motivava”. No jogo de botão, era só Dida. Continua Zico: “Fazia os campeonatos, havia aqueles botões em que punha a cara dos jogadores: o Flamengo era sempre o campeão; e o Dida, invariavelmente o artilheiro…”.

    O Dida conhecia a maior alegria e o maior orgulho que um homem pode conhecer, ser ídolo do Flamengo. Um mês depois do poker contra o America, Dida descartou qualquer troca de clube e jurou amor eterno ao Flamengo, falando ingenuamente para Manchete Esportiva: “Meu passe é de propriedade do Flamengo. Em quanto está estipulado? Não sei e nem me interessa, porque não cogito, em futuro próximo ou remoto, trocar de camisa. No Flamengo é que me sinto bem e vestindo a camisa do Flamengo é que sinto vontade de lutar. Acho que isso acontece porque sou Flamengo; assim como sou alagoano, assim como sou brasileiro”. Dida bateu seu recorde de gols em 1956 e brilhou ainda mais em 1957. Nos históricos jogos contra o Honved, base do poderoso time da Hungria, Dida fez gols em 3 partidas, nas vitórias 6×4 e 5×3 e na derrota 4×6. Outros tempos do futebol. Em outro jogo internacional, na inauguração do Camp Nou contra Burnley, também jogo eterno no Francêsguista, Dida abriu o placar de cabeça para uma vitória 4×0 do Flamengo. No final do ano, fez em um pouco mais de um mês, 4 hat-tricks no campeonato carioca, contra Madureira, Vasco, Bonsucesso e a Portuguesa. Ninguém resistia ao talento de Dida.

    Em 1958, Dida estreou com a Seleção brasileira, numa vitória 5×1 contra o Paraguai no Maracanã. Deixou seu gol e depois deixou seu lugar para ninguém menos de que Pelé. Também abriu o placar contra a Bulgária no último jogo no Maracanã antes da Copa do Mundo. Dida foi titular na estreia da Copa do Mundo, uma vitória 3×0 contra a Áustria, mas saiu do time no jogo seguinte e não jogou mais. Alguns falaram que estava machucado, outros que amarelou, ainda eram tempos do complexo de vira-lata. Para Placar em 1971, falou o próprio Dida: “Faltavam duas horas para o jogo com a Inglaterra. O Feola se aproximou de mim e disse: ‘Você não vai jogar’. Até hoje o Feola me deve uma explicação […] Os homens já queriam me queimar há muito tempo. Diziam que eu era de vidro, medroso. Nunca tive medo. Não tremi contra a Áustria. Como iria tremer num jogo fácil daquele? Pedi então para voltar ao Brasil. Muito pedido, muitos conselhos e acabei ficando. Acabei não jogando ao lado do Pelé. Feola dizia que não queria complicar as posições. Mas não era nada disso”. Mesmo assim, Dida foi campeão do mundo e na volta ao Brasil, dois meses depois da Copa, fez cinco gols na goleada 8×0 contra Olaria.

    Em 1959, Dida inscreveu-se ainda mais na idolatria da torcida e na história do Flamengo. Durante o ano, fez 46 gols, então um recorde para um jogador do Flamengo numa mesma temporada, ultrapassando Leônidas e Pirillo. Apesar de todos os gols, Flamengo não vencia título desde o tricampeonato de 1955. A volta aos títulos chegou em 1961 com o Torneio Rio – São Paulo, que começou de forma bem ruim para Flamengo. No Maracanã, levou uma derrota 7×1 contra o Santos de Pelé, Pepe e Coutinho. A vingança rubro-negra chegou um mês depois, no Pacaembu. Sem Pelé, Santos levou um 5×1, com dois de Dida e três de Gérson, que formava ao lado do ídolo Carlinhos um meio de campo jovem e de alta qualidade.

    Falou o então jogador e futuro técnico de Zico na base e no time profissional, Joubert: “O que mais me marcou naquele Rio – São Paulo de 1961 foram os confrontos do Flamengo com o Santos. No Maracanã, perdemos por 7 a 1. Nós, jogadores, ficamos envergonhados. Foi terrível. A nossa própria torcida gritou “olé!”. Ninguém mais acreditava na gente. Fizemos uma reunião, com a promessa de reverter a situação. Daí, o nosso time não perdeu mais. Durante o jogo no Maracanã, eu falava para os jogadores do Santos: ‘Vai ter a volta, lá o nosso troca será pior’. No dia da forra, do jogo com eles no Pacaembu, em São Paulo, pagamos a promessa. Disse ao falecido Dida: ‘Vamos botar na roda’. Não deu outra: metemos 5 a 1. O Dida chegou a sentar na bola, e aí veio o Zito para dar bronca. Essa revanche é inesquecível. Pelé poderia estar em campo, que venceríamos do mesmo jeito. Ali, passamos a ter a autoconfiança de que seríamos campeões. O Flamengo tinha um belo time. O Bolero era um zagueiro altamente técnico, tipo Leandro, era realmente excepcional. Dida era infernal, Gérson estava começando a carreira”.

    Quatro dias depois da vitória contra Santos, Flamengo enfrentava o Corinthians no Maracanã e precisava de uma combinação de resultados para ser campeão. No primeiro tempo, Dida ganhou o escanteio que viu Joel abrir o placar. No segundo tempo, Dida recebeu um passe de Henrique e fez o gol do 2×0, o gol do título. Com essa vitória contra o Corinthians, também um jogo eterno no Francêsguista, Flamengo conquistava seu único título do Rio – São Paulo. E mais, na arquibancada, tinha para sentir a emoção da torcida rubro-negra, a presença do fã de sempre, Zico, que recordou no livro Zico, 50 anos de futebol: “Meu pai já me levara antes, bem pequeno. Mas a imagem que guardei para sempre foi ver da arquibancada o Dida fazer um gol no Corinthians”.

    O Botafogo de Garrincha passou a dominar o futebol carioca e Flamengo estava sem condições de luta, apesar dos gols de sempre de Dida. Teve um hat-trick num 4×1 contra Fluminense em 1961, um doblete num 3×2 contra Botafogo em 1962. Não fazia gols apenas contra os grandes rivais cariocas. Apenas no ano de 1962, Dida fez gol na Costa Rica, no México, na Tchecoslováquia, na Itália, na Espanha, na Suécia, na URSS, na Noruega, na Tunísia, no Gana. Fez brilhar o futebol brasileiro e o Manto Sagrado quase em todos os continentes, todos os lugares do Mundo. Eram tempos de futebol ainda sem as estatísticas de hoje, mas considerando que o Pirillo era o então maior artilheiro do Flamengo com 204 gols, Dida igualou e ultrapassou a marca no mesmo jogo. No 30 de abril de 1962, no Camp Nou, Flamengo venceu Barcelona 2×0 com 2 gols de Dida, agora artilheiro máximo da história do Flamengo com 205 gols. Pena que não tinha na época a consciência do momento histórico, e não tem hoje as imagens dos gols. Uma época do futebol com estádios cheios, ingressos baratos, mas também sem televisão, o que infelizmente fez esquecer um pouco Dida na galeria dos ídolos do Flamengo, restringindo sua classe e habilidade às testemunhas do Maracanã, como Zico e muitos outros flamenguistas dos anos 1950 e 1960.

    Em 1963, Dida fez outros gols na Europa, na Romênia, na Polônia, na Dinamarca, na Suécia e na minha França, em Tolosa. Mas o campeonato carioca foi mais difícil e Dida fez apenas 4 gols no torneio. Um empate sem gol contra Madureira quando o jornalista José Castolo falou de uma “sabotagem dos jogadores ao comando técnico” foi o ápice da crise, com expulsão de Dida durante o jogo. No dia seguinte, o presidente Fadel Fadel deu plenos poderes ao autoritário técnico Flávio Costa, que barrou Dida e Gérson. Contra Ferroviário no Ceará, Dida fez algumas semanas antes seu 253o e último gol com o Manto Sagrado, em 358 jogos, com uma média superior inclusive à de Zico. E como para simbolizar o fim de uma Era, Flamengo voltou neste mesmo ano de 1963 a ser campeão carioca depois de 8 anos sem título, depois de um 0x0 eterno no Fla-Flu. Dida ainda passou pela Portuguesa, fazendo 54 gols em um ano, e exportou-se na Colômbia, no Júnior Baranquilla, que contratou ao mesmo tempo outros craques brasileiros, Garrincha e Quarentinha. Garrincha fez apenas um jogo, Dida fez 46 gols com o time colombiano e pendurou as chuteiras em 1967.

    O fim da trajetória no Flamengo foi triste e deixou Dida amargurado, como ele falou para Placar em 1978: “Dei tudo a eles, não me deram nada, só migalhas. Diziam: ‘Dida, não vá para a Itália, você é imprescindível’. Eu ficava cheio de vento, topava. Fui um grande torcedor do Flamengo, não fui profissional. Fui ídolo sim, mas ninguém fala mais em Dida. O Dida, o jogador, morreu”. Mas o ídolo da torcida nunca morreu, apesar de ter alguns recordes quebrados pelo seu maior fã, Zico. Em 1974, Zico, quase contra sua vontade, quebrou o recorde de gols no Flamengo em um ano, com 49 gols, 3 a mais que Dida em 1959. E em 1979, Zico tornou-se maior artilheiro da história do Flamengo, ultrapassando mais uma vez Dida. Decepcionado com a diretoria do Flamengo, Dida nunca escondeu sua admiração por Zico, falando depois da marca batida pelo Galinho: “Se Zico igualou o meu recorde é porque ele é um fora-de-série”. Algumas semanas depois, no amistoso contra o Atlético Mineiro com Pelé vestindo o Manto Sagrado, também um jogo eterno no blog, Dida foi no gramado para finalmente receber uma homenagem, junto com Pelé e Zico.

    Em 1982, Dida voltou a falar sobre Zico: “Zico é mais completo do que eu. Além de artilheiro, arma as jogadas, crias oportunidades para os companheiros, dá gols para todos eles. Ah, se eu tivesse a firmeza do chute de Zico, nem sei o que teria feito no futebol…”. Zico conseguiu ser o ídolo de seu ídolo, conseguiu o ultrapassar na hierarquia dos ídolos do Flamengo. Em 2002, alguns meses antes da morte de Dida, Zico entrevistou Dida por uma rádio, como lembrou Zico ao Roberto Sander: “Pouca gente sabe, mas essa foi a última entrevista do Dida. Fiquei muito emocionado e senti que aquilo mexeu com ele também. Eu lembro que ele estava contente por estarmos ali. Dida foi um craque de uma época diferente do futebol, de atletas mais ingênuos que sofreram muito por isso”. Infelizmente, como outros craques da época, Dida sofreu depois da carreira de jogador. Investiu na própria casa de loteria, Didasorte, mas foi um fracasso. Escreveu Roberto Sander: “Dida foi obrigado a viver da renda proveniente da venda de seus imóveis. Aos poucos, acossado por problemas familiares, como a diabetes de um dos filhos, foi perdendo tudo. Acabou voltando à Gávea para ser auxiliar-técnico e trabalhar nas categorias de base. Àquela altura, era um homem amargurado. Consumia-se na bebida, em vários maços de cigarros diários e numa mágoa profunda. Um fim de vida anunciado”. Dida morreu de insuficiência hepática e respiratória no 17 de setembro de 2002, com apenas 68 anos. Ainda hoje, Dida é o segundo artilheiro da história do Flamengo. Para sempre, mesmo sem muitos lances disponíveis na Internet, Dida é um dos maiores ídolos da história do Flamengo. Para a eternidade, Dida é o maior ídolo do maior ídolo do Flamengo.

  • Jogos eternos #134: Valencia 1×3 Flamengo 1997

    Jogos eternos #134: Valencia 1×3 Flamengo 1997

    Na quarta-feira, a Seleção brasileira joga contra a Espanha num jogo contra o racismo, infelizmente tão presente na Espanha. O estádio é o Santiago Bernabéu, onde Flamengo nunca jogou, mas que viu muitas atuações brilhantes de nosso Vinícius Júnior. Vamos então de um jogo em outro estádio da Espanha, na Mestalla de Valência, que infelizmente viu recentemente casos de racismo contra Vinícius de parte de alguns dos torceburros de Valencia.

    Eu já escrevi sobre a vitória 3×0 contra o Real Madrid em 1997, com show de Sávio. Nesta altura, o Real Madrid já estava convencido de contratar nosso craque e ídolo. Mas Sávio fez mais um show apenas uma semana depois, agora no Troféu Naranja de Valência. No 23 de agosto de 1997, Paulo Autuori escalou Flamengo assim: Clemer; Fábio Baiano, Júnior Baiano, Luís Alberto, Gilberto; Jamir, Jorginho, Lúcio, Iranildo; Sávio, Renato Gaúcho. Do lado de Valencia, outro ídolo do Flamengo, Romário, bem acompanhado no ataque com os argentinos Ariel Ortega e Claudio López.

    E foi justamente Romário o primeiro em ação, bem servido pelo Ortega, Romário dominou na grande área. Tantas vezes os torcedores do Flamengo viu Romário fazer gol assim com o Manto Sagrado, e agora Flamengo era vítima da genialidade do Baixinho. Mas Flamengo tinha seu craque diferenciado também. No final do primeiro tempo, Lúcio foi derrubado por um último defensor, mas o juiz reagiu bem, não apitou e deu sequência a jogada. Sávio recuperou a bola, driblou o grande goleiro Zubizarreta e empatou com um chute no gol vazio.

    E de novo, agora no segundo tempo, jogada do gol começou com Lúcio, que arrancou quase 40 metros na esquerda e achou Sávio na profundidade. Já na tomada do posse da bola, Sávio eliminou Javi Navarro com um lindo corte. Uma jogada de craque. Sávio ainda abriu o ângulo e no pé direito, achou a gaveta, sem chance para Zubi. Um golaço e agora, Flamengo na frente na Mestalla.

    O Flamengo estava melhor que Valencia, na técnica e na velocidade. Com outro contra-ataque e grande passe, agora de Iranildo, Sávio de novo foi lançando na profundidade. De novo com grande classe e estilo à la Romário, Sávio deixou nenhuma chance ao Zubizarreta e completou o hat-trick, agora de pé esquerdo. Nas arquibancadas, os jogadores do Palmeiras comemoram o placar, que lhes dava o título do Troféu Naranja. Palmeiras campeão talvez, mas certeza é que só nós flamenguistas tínhamos um craque como Sávio.

  • Jogos eternos #133: Flamengo 0x0 Vasco 1974

    Jogos eternos #133: Flamengo 0x0 Vasco 1974

    O adversário do Flamengo na final do campeonato carioca está definido, o Nova Iguaçu, que pela primeira vez chega na final. Vamos então para enfrentar os adversários clássicos voltar ao passado, em 1974, quando Flamengo foi campeão em cima do Vasco.

    Eu já escrevi sobre o time histórico de 1974, uma marca na carreira de Zico. O técnico era Joubert, antigo zagueiro do time, que quase só jogou no Flamengo, entre 1955 e 1964. Como técnico, sucedeu ao Zagallo e lançou no time principal 11 craques da base, um time inteiro: Cantareli, Ivanir, Rondinelli, Jaime, Julinho, Léo, Ney, Paulinho, Geraldo, Rui Rei e Silvinho. E ainda mais importante, teve um papel fundamental na carreira de Zico, que estreou em 1971 mas ainda era reserva no comando de Zagallo. Com Joubert, Zico foi titular, camisa 10, cérebro do time e artilheiro. Zico fez gols, gols e ainda gols, até quebrou o recorde do ídolo Dida, que tinha feito 46 gols em 1959. “Foi uma marca quebrada contra a vontade” falou depois Zico, que fez 49 gols em 1974.

    Campeão do terceiro turno, a Taça Pedro Magalhães Corrêa, Flamengo chegou no triangular final do campeonato carioca, junto com o America e o Vasco. Com um jogo “nota 10” do jovem Júnior e vitória 2×1 contra o America, Flamengo precisava de apenas um empate contra Vasco para ser campeão. E tinha o apoio da torcida, com 165.358 presentes no Maracanã, o sétimo público da história do Maraca e o segundo do Clássico dos Milhões, ultrapassado apenas para o jogo de 1976, também um jogo eterno no Francêsguista.

    Mas tinha um ausente nas arquibancadas, o presidente do Flamengo, Hélio Maurício. Cardíaco, ele foi vetado para assistir ao jogo e foi no parque aquático do Fluminense, ouvindo o jogo com um (não tão) antigo radinho de pilha. Tinha também um ausente no gramado, o craque argentino Doval estava machucado e não teve condições de jogar. Assim, no 22 de dezembro de 1974, Joubert escalou Flamengo assim: Renato; Júnior, Jayme, Luís Carlos, Rodrigues Neto; Zé Mario, Paulinho, Geraldo; Zico, Julinho, Edson. Do lado do Vasco, campeão brasileiro alguns meses antes, grandes nomes como Andrada, Fidélis, Zanata, Jorginho Carvoeiro e claro, o artilheiro Roberto Dinamite, que iniciava com Zico uma das rivalidades mais lindas e limpas do esporte.

    No Maracanã, calor de Natal e jogo equilibrado, Vasco querendo o gol para ser campeão, Flamengo querendo o gol para matar o campeonato. Zico quase abriu o placar, com giro de corpo para driblar um defensor, uma pisada e drible curto para eliminar um outro, e chute do pé esquerdo, apenas desviado pelo Andrada. Seria um golaço, mas um defensor salvou em cima da linha. Do outro lado, num escanteio, Roberto Dinamite matou a bola de peito e deixou atrás para o chute do companheiro, que flirtou, apenas flirtou com a trave de Renato.

    No segundo tempo, Roberto Dinamite fez outro ótimo passe, agora para Jair Pereira, livre para chutar. E de novo, a bola fugia do gol rubro-negro, a taça fugia das mãos vascaínas. Não foi o melhor Clássico dos Milhões da história, mas Flamengo segurou o 0x0, segurou a taça. Zico não fez gol, ficando com 19 gols no campeonato, um a menos que o artilheiro americano Luisinho Lemos. Mas Zico tinha ali a recompensa de um duro trabalho coletivo, e também individual. Falou Deus no livro Zico conta sua história: “Procurava corresponder ao que se esperava de mim dentro de campo. Além dos treinamentos coletivos e de controle de bola, batia até 80 faltas por dia, das mais variadas posições. Chegava a bater 10 a 20 pênaltis por dia – costumava avisar ao goleiro onde ia colocar a bola, para me dificultar ainda mais. Isso, naturalmente, sem contar os exercícios físicos e de minha eterna musculação”. Zico era campeão carioca e começava uma caminhada que ia culminar até a maior idolatria da maior torcida do mundo.

  • Times históricos #26: Flamengo 2016

    Times históricos #26: Flamengo 2016

    Eu já escrevi sobre os anos históricos de 2015 e 2017 e vamos hoje para o ano de 2016, que foi a consolidação do projeto de Eduardo Bandeira de Mello. Depois de sacrifícios financeiros, Flamengo conseguiu contratar alguns jogadores no início do ano, com a maioria das despesas para dois meios campistas gringos, Cuéllar e Mancuello. Também vieram Alex Muralha, que brilhou no Brasileirão de 2015 como goleiro de Figueirense e dois jogadores importantes nas temporadas seguintes, Rodinei e Willian Arão. Até teve a volta de um ídolo, Juan, que logicamente pegou a braçadeira de capitão. Também teve um novo técnico, Muricy Ramalho, tetracampeão brasileiro e campeão da Libertadores. Sempre fui um grande fã de Muricy, que soube combinar eficiência defensiva e futebol ofensivo, e eu estava muito feliz com essa nominação.

    Flamengo começou o ano com amistosos valendo taças no Nordeste e coube ao Emerson Sheik fazer o primeiro gol do Flamengo da temporada. Mas Flamengo perdeu a Taça Asa Branca contra Ceará e a Taça Chico Science contra Santa Cruz. Flamengo estreou oficialmente na primeira edição da Primeira Liga, também chamada de Copa Sul-Minas-Rio. Ao lado de Fluminense, Flamengo foi um dos líderes da criação da competição, sob fundos de racha com a FERJ e de conflitos no comando da CBF. Sempre fui contra essa competição que não tinha tradição e só colocava mais jogos num calendário já cheio. Flamengo fechou seu grupo na liderança mas caiu na semifinal, contra o Athletico Paranaense.

    No campeonato carioca, coube ao Paolo Guerrero fazer o primeiro gol do Flamengo na competição, aliás um golaço. O peruano Guerrero ainda era a grande promessa do elenco para a temporada de 2016 e foi de meia satisfação até meia decepção. Por causa dos Jogos Olímpicos, Flamengo deslocalizou muitos jogos do campeonato, no Pacaembu de São Paulo, no Mané Garrincha de São Paulo ou na Arena da Amazônia de Manaus, quando foi eliminado pelo Vasco. A casa, não importa o local, estava sempre cheia, sempre rubro-negra, mas não foi suficiente e Vasco chegou ao bicampeonato. Outros tempos do futebol e uma competição para esquecer.

    Na Copa do Brasil, Flamengo estreou com derrota, contra Confiança. Virou na volta e se classificou graças ao doblete de Marcelo Cirino, mas caiu na segunda fase, com duas derrotas 2×1 contra Fortaleza. Mais uma competição para esquecer e agora o foco era no Brasileirão. Na estreia contra Sport, Éverton fez o único gol da partida, recebendo cruzamento de Willian Arão. E infelizmente, Muricy Ramalho teve que parar a carreira de técnico por conta de problemas no coração. Em 2023, voltou ao tema para ESPN: “No Flamengo eu tive um problema sério, fui duas vezes para a UTI. É terrível, um quarto fechado, que não tem ninguém, só aparelho piscando e fazendo barulho. E você pensa: não vi minha filha nascer, não vi meu pai ser enterrado, não criei meus filhos, perdi todos os aniversários. Foi o maior contrato que eu fiz na minha carreira, no Flamengo. Aí larguei, cara. Não quero esse dinheiro. Daqui a pouco eu vou morrer, então não quero isso. Foi uma decisão dura para caramba, do jeito que eu era pilhado, contrato ótimo. Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida”. Uma notícia ruim para Flamengo, mas sensata. Depois de mais um interino de Jayme de Almeida, assumiu Zé Ricardo, um técnico promissor, porém ao meu ver, limitado.

    No primeiro turno, Flamengo foi irregular sim, mas convincente de maneira geral, com grande temporada de alguns jogadores, como Willian Arão, Alan Patrick e Éverton, e gols importantes de Paolo Guerrero. Também gostei das atuações do jovem lateral-esquerdo Jorge, que fez um golaço impressionante contra a Ponte Preta. Flamengo fechou o primeiro turno com vitória 1×0 sobre o Athletico e golaço de letra de Mancuello, ficando na quarta colocação, com apenas 2 pontos a menos que o líder, Palmeiras. E a torcida teve motivos de mais alegrias ainda, com a contratação de dois jogadores confirmados do Brasileirão, o zagueiro Réver e o centroavante Leandro Damião. Réver alternou o bom e o menos convincente, mas Leandro Damião foi uma decepção mesmo, apesar de um início lindo, com 2 gols e uma assistência nos 3 primeiros jogos.

    Mas a torcida estava ainda mais feliz com a contratação de Diego, craque da Seleção e que mostrou sua classe nos gramados europeus, no Portugal, na Alemanha, na Itália, na Espanha, na Turquia. Já falei que para mim o projeto de Eduardo Bandeira de Mello não começou com a contratação de Diego, mas de Paolo Guerrero um ano antes. Porém, a contratação de Diego foi mais um passo na frente e Flamengo mudou de patamar só com essa chegada. Diego, um ídolo no Francêsguista, estreou muito bem, fazendo o gol da vitória contra Grêmio, achando as redes de novo no jogo seguinte contra a Chape. Flamengo venceu 4 jogos consecutivos e tinha apenas um ponto a menos do que o líder Palmeiras, justamente o próximo adversário. E a torcida sentiu um cheirinho de título.

    No Allianz Parque, Alan Patrick abriu o placar num passe de Éverton, Flamengo teve oportunidades de ampliar, mas cedeu o empate nos minutos finais com gol de Gabriel Jesus. Flamengo se recuperou, ganhou o Fla-Flu, mas na reta final, perdeu de virada contra o Inter e concedeu 3 empates seguidos apesar da volta ao Maracanã depois de longes meses fora do estádio. Palmeiras era um time melhor e foi quase impecável no segundo turno, com apenas uma derrota no turno inteiro. Palmeiras fechou o campeonato com 80 pontos, e Flamengo ficou no terceiro lugar com 71 pontos, quatro a mais do que quando conquistou seu último Brasileirão, em 2009. O título tão esperado também não veio com a Copa Sudamericana, Flamengo foi eliminado nas oitavas de final contra Palestino no critério do gol fora da casa, no caso o Kleber Andrade. Talvez faltou um Maracanã mais presente para buscar mais coisas na temporada.

    Depois, teve que aguentar as piadas dos rivais, ou até não-rivais, sobre o cheirinho. Mas já falei que não me incomodou, porque eu sabia que os títulos iam chegar um dia ou um outro, só não podia esperar de tal forma como aconteceu. Depois de anos ficando no meio da tabela, no melhor, lutando contra o rebaixamento, no pior, Flamengo estava de volta no G-4, de volta na Libertadores. A espera, às vezes tão sofrida, para a alegria de ser campeão, se aproximava do fim.

  • Jogos eternos #132: Flamengo 1×1 Fluminense 2019

    Jogos eternos #132: Flamengo 1×1 Fluminense 2019

    Hoje, Flamengo enfrenta Fluminense na semifinal do campeonato carioca, podendo até perder por 2 gols de diferença e se classificar para a final, contra Vasco ou Nova Iguaçu. Em 2019, também teve Fla-Flu na semifinal do campeonato carioca, com vantagem para Flamengo, embora menor, que podia se classificar para a final com empate.

    E o jogo foi sofrido, com emoção, digno da grande história do Fla-Flu. No 6 de abril de 2019, o então técnico Abel Braga escalou Flamengo assim: Diego Alves; Pará, Rodrigo Caio, Léo Duarte, Renê; Willian Arão, Cuéllar, Diego; Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Uribe. No banco, Arrascaeta, que não caía nas graças de Abel Braga, e Gabigol, apesar de ter feito 8 gols nos últimos 7 jogos.

    No início do jogo, Arão (achou que) fez um gol de cabeça, mas eram novos tempos do futebol, com o VAR e a possibilidade de anular um gol. Na câmera, o juiz viu falta no goleiro e anulou a alegria da torcida rubro-negra. Estou em favor do vídeo no futebol, apesar de ser frustrante às vezes com uma utilização mal feita, mas acho o futebol mais justo com o VAR. Flamengo continuou a dominar o jogo e quase abriu o placar no final do primeiro tempo, mas Rodolfo defendeu com o pé um chute de Bruno Henrique, e Gilberto chegou na linha antes do Uribe para impedir o gol do Flamengo.

    E na sequência, o lateral tricolor Gilberto foi mais uma vez decisivo, agora no ataque. Recebendo um cruzamento de Caio Henrique, Gilberto, sozinho na grande área, cabeceou e abriu o placar. No intervalo, classificação parcial do Fluminense. Abel Braga resolveu mudar o time, com a entrada de Gabigol no lugar do ineficiente Uribe. Início do segundo tempo foi equilibrado, Rodolfo defendeu um chute de Bruno Henrique, Diego Alves salvou o Flamengo num chute de Luciano. O 2×0 para Fluminense quase teria sido sinônimo de classificação do Flu, mas o Fla ainda estava vivo e Abel Braga fez mais uma troca, Arrascaeta entrando no lugar de Diego.

    Flamengo voltou a dominar o jogo, atacava na esquerda, atacava no meio, atacava na direita, mas sempre tinha um defensor tricolor para impedir o gol do empate, o gol da classificação do Flamengo. Até o meio do segundo tempo, quando Gabigol recebeu na esquerda. Gabigol olhou no gol, olhou na pequena área para o cruzamento que parecia evidente, mas Gabigol surpreendeu e chutou diretamente no gol com força, bem no cantinho. Gol do Gabigol, que comemorou com raça, com amor, com paixão. Gol do Flamengo, que ainda não era o time inesquecível de 2019, mas que já fazia vibrar a torcida, com vitória no Fla-Flu e classificação na final do campeonato carioca e em seguida, título contra Vasco, o que pode ser repetido em 2024.

  • Jogos eternos #131: Flamengo 4×0 America 1979

    Jogos eternos #131: Flamengo 4×0 America 1979

    Sem jogo hoje, eu vou para a lembrança do dia de um jogo do campeonato carioca contra um adversário que não joga mais na elite, mas um adversário de tradição, o America. Durante muitos anos, o clube alvirrubro era a quinta força do futebol carioca e fechou justamente no quinto lugar o campeonato carioca 1978, conquistado pelo Flamengo, que iniciou assim sua Era de ouro.

    Apenas algumas semanas depois, Flamengo voltou no campeonato carioca que, pela primeira vez, incluía times do interior do Rio de Janeiro. Flamengo estreou, sem Zico, com vitória sobre Volta Redonda, três dias antes do jogo contra America. No 11 de fevereiro de 1979, o saudoso Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Manguito, Rondinelli, Júnior; Leandro, Adílio, Zico; Reinaldo, Júlio César Uri Geller, Cláudio Adão. Um time ainda em transformação, com o jovem Leandro escalado no meio de campo.

    E o jogo contra o America foi histórico antes mesmo do apito inicial. Foi o jogo da inauguração do placar eletrônico do Maracanã, que se tornara tão mítico nos anos seguintes. E o primeiro artilheiro do placar eletrônico foi Reinaldo Gueldini, contratado pelo Flamengo em 1979, vindo justamente do America. Com 28 minutos de jogo, a defesa do America saiu mal a bola, que voltou nos pés de Júlio César Uri Geller. No seu estilo particular, Júlio César deu um drible encantador, se livrou de um outro adversário com mais um drible e cruzou. A bola desfilou na grande área alvirrubra e chegou até os pés de Reinaldo. No domínio de Reinaldo, a bola se elevou, Reinaldo deixou a cair antes de chutar cruzado para ter o primeiro “GOL” no placar, tudo lindo, tudo eletrônico.

    Com 28 minutos de jogo, agora no segundo tempo, num escanteio, de novo uma bola mal afastada pela defesa do America. E o craque Adílio apareceu. Sem tocar a bola, mas com a finta necessária, ganhou a bola, e com dois toques leves, perfeitos, ganhou a dividida. Voltou contra o mesmo zagueiro, e o eliminou mais uma vez, com apenas um drible curto. E agora mais uma vez, a jogada cerebral do autêntico craque. Adílio fez uma pequena finta de passe, quase imperceptível, mas que fixou o zagueiro, deixando tempo para Adílio de fazer mais um drible seco do pé esquerdo e de chutar forte na gaveta, indefensável para o goleiro País. Um golaço, um gol de placa, para o novo placar. “Só o gol vale o ingresso” falou o grande narrador Luciano do Valle. Mas para os 45.021 presentes no Maracanã, tinha ainda mais, muito mais.

    Zico ainda não tinha aparecido muito no jogo, mas ele tinha gosto de vingança na boca e nas pernas. Um ano antes, Nosso Rei bateu uma falta e o goleiro americano País defendeu. Defender uma falta de Zico era como defender um pênalti. O País, saindo como vencedor, exibiu a bola como um troféu para a torcida flamenguista, irritando uma Nação inteira e o próprio Zico, que foi para o País falar: “Te cuida que, no ano que vem, eu desconto”. E em 1979, um ano histórico para Flamengo e Zico, Deus descontou.

    Faltando dez minutos para o jogo acabar, Zico lançou Luisinho, um defensor do America chegou e fez uma falta desnecessária, uma “falta a caráter para Zico” segundo Luciano do Valle. “Dali é pênalti” acrescentou o comentarista Raul Quadros. E foi mesmo, o goleiro País ficou no meio do gol e apenas olhou para a bola, que chegou cirurgicamente na gaveta. Mais um golaço no Maracanã, mas o gosto de vingança de Zico ainda não era completamente adocicado. Apenas um minuto depois, de novo passe de Zico, levemente desviado pelo Adílio, até Luisinho, que cravou outra falta, quase no mesmo lugar do que a primeira falta, quase de novo um pênalti para o talento de Zico. “Outra vez uma falta no mesmo lugar, é tudo igual, parece um videoteipe, só falta a saber se a conclusão do lance será idêntica” antecipou Luciano do Valle.

    E foi, ou quase. A bola de Zico, de novo cirúrgica, foi um pouco em baixo da gaveta, quase a meia altura. Mas o desfecho foi o mesmo, bola nas redes, mais um gol no placar, mais um golaço no Maraca. E o País abatido, nunca mais provocou Zico. Nosso Rei não foi o inaugurador do placar eletrônico, mas foi o primeiro a fazer 2 gols no mesmo jogo, e quais golaços. Fazer um gol de falta já é uma façanha, ainda mais hoje, fazer 2 gols de falta no mesmo jogo é para poucos, mas 2 gols em 2 minutos, apenas para Deus, Nosso Rei, Zico.

    Deixo na crônica a sequência impressionante dos gols de Zico, mas vale a pena procurar também os dois primeiros golaços da história do placar eletrônico, principalmente o de Adílio, uma obra de arte, um pouco apagada pela genialidade de Zico.

  • Jogos eternos #130: Flamengo 3×2 Fluminense 2000

    Jogos eternos #130: Flamengo 3×2 Fluminense 2000

    Hoje é dia de Fla-Flu, meu clássico favorito no futebol. Também é o clássico sobre qual escrevi mais, já são 11 crônicas sobre o Fla-Flu no blog. As possibilidades são (quase) inumerosas e finalmente escolhi para hoje um Fla-Flu de 2000, no campeonato carioca.

    Em 2000, o favorito para ganhar o campeonato era o Vasco de Edmundo e Romário, que facilmente levou o primeiro turno, a Taça Guanabara. Do lado do Flamengo, o técnico Paulo César Carpegiani, campeão do mundo em 1981, pediu demissão depois de uma das maiores vergonhas da história do Flamengo, o chocolate 5×1 contra Vasco no dia de Pascoa.

    Antes de mais uma volta de Carlinhos no banco, a diretoria do Flamengo chamou como técnico interino Carlos César, que tinha feito um grande trabalho com a base do Flamengo, conquistando o campeonato carioca sub-20 em 1999. Depois de uma vitória contra o America na estreia da Taça Rio e de uma classificação na Copa do Brasil com duas vitórias contra Guarani, Carlos César conheceu seu primeiro clássico como técnico, contra Fluminense.

    No 7 de maio de 2000, Carlos César escalou Flamengo assim: Clemer; Maurinho, Juan, Luiz Alberto, Athirson; Leandro Ávila, Rocha, Mozart, Petkovic; Leandro Machado, Reinaldo. Do lado do Fluminense, o time decepcionou na Taça Guanabara com um quinto lugar e, como Flamengo, precisava absolutamente de conquistar a Taça Rio para ver as finais do campeonato. Estreou na Taça Rio com vitória sobre Friburguense, acabando com um jejum de 6 jogos sem vitória no campeonato.

    E no Maracanã, com um pouco menos de 50 mil espectadores, foi Fluminense que abriu o placar, Agnaldo driblando o Clemer antes de chutar no gol vazio. Antes do intervalo, Reinaldo puxou a contra-ataque rubro-negra e conseguiu uma falta, perto da grande área, bem no centro. Tinha a opção do canhoto Athirson ou do destro Petkovic. De qualquer modo, muito medo para o Fluminense. Petkovic, com o estilo particular, cobrou. O goleiro Zetti, com também seu estilo particular, ficou preso na calça, apenas olhou a bola morrer na gaveta. Mais um golaço de Petkovic, e no intervalo, empate no Fla-Flu.

    E no início do segundo tempo, Flamengo virou, com passe de Maurinho para Reinaldo. O lance é cirúrgico, o domínio de Reinaldo é perfeito, eliminando o zagueiro no controle de bola e já ficando em condições de fazer o gol. Zetti saiu, e de novo Reinaldo foi perfeito, derrubando o goleiro com um leve toque para fazer o gol de cobertura. Mais um golaço e agora Flamengo na frente.

    No meio do segundo tempo, Rocha achou Reinaldo, que achou Leandro Machado na grande área. Leandro Machado fez a finta para derrubar um adversário e chutou. Zetti defendeu, a bola foi no alto, Zetti se levantou e (quase) pegou a bola com uma mão. De forma inacreditável, Zetti jogou a bola nas próprias redes. Zetti foi um grande goleiro, mas também é conhecido pelos frangos que tomou, um inclusive já contra o Flamengo no Maracanã em 1993. Eu tinha esquecido que ele jogou no Fluminense, mas ele certamente não esqueceu desse Fla-Flu, com golaços de Petkovic e Reinaldo, com frango próprio.

    No final, Luiz Gustavo fez um gol para Fluminense, sem consequências para Flamengo, o Fla-Flu era rubro-negro. Depois, Flamengo ganhou todos os jogos da Taça Rio e derrotou o Vasco na final. O Rio era Flamengo. Vamos tentar uma primeira vez esse ano, se inspira, Flamengo de 2024.

  • Jogos eternos #129: Guarani 2×3 Flamengo 1982

    Jogos eternos #129: Guarani 2×3 Flamengo 1982

    Sem jogo no meio de semana, vamos aproveitar da pausa para homenagear mais uma vez Zico, que completou neste domingo 71 anos. Campeão de tudo em 1981, Flamengo continuou no início de 1982, um ano histórico no Francêsguista, com o Brasileirão.

    Depois de vários jogos, Flamengo chegou na semifinal, contra Guarani. Hoje na Série B, Guarani foi um time poderoso algumas décadas atrás, tornando-se o primeiro campeão brasileiro do interior, em 1978. Quatro anos depois, o time dirigido pelo José Duarte foi o melhor ataque do Brasileirão e tinha dois craques diferenciados, Jorge Mendonça e Careca.

    No jogo de ida no Maracanã, Flamengo estava desfalcado de Tita e Nunes, substituídos pelos Chiquinho e Peu. No primeiro tempo, Flamengo abriu 2×0 com gols de Zico e Peu, mas quase deixou escapar a vitória no segundo tempo depois do gol de Lúcio, outro craque do time bugrino. O jogo de volta no Brinco de Ouro prometia.

    O jogo prometia e o Brinco de Ouro estava cheio, com 52.002 pessoas, um recorde até hoje, provavelmente para a eternidade. Como a atuação de Zico está na eternidade. No 15 de abril de 1982, o técnico Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Marinho, Figueiredo, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Lico, Nunes. Um dos maiores times da história do Flamengo, com apenas uma troca em relação ao time que conquistou o Mundial contra Liverpool, Figueiredo sendo escalado na zaga no lugar de Mozer.

    E o Brinco de Ouro, ainda cheio de fumaças, pegou fogo bem no início do jogo, quando Jorge Mendonça, esquecido na segunda trave, abriu o placar num escanteio. Com esse resultado, quem chegava na final era o Guarani, apoiado pelos mais de 50 mil torcedores. E vinte minutos depois, Zico botou frio no estádio. Vale a pena voltar à jogada antes do escanteio. Zico recebeu no meio de campo, fez um drible “à la Cruyff” para escapar de um adversário, e achou de trivela Lico, que achou de volta Zico com um toque de calcanhar. Zico errou no domínio mas, antes da chegada de um defensor, se recuperou com um toque leve de bico. Era a jogada que precisava ser feita, impressionante a capacidade de adaptação de Zico, ainda mais com uma velocidade para pensar tão alta. A bola foi nos pés de Nunes, que cruzou, um adversário chegou na bola para afastar o perigo de cabeça. Escanteio para o Flamengo.

    Na cobrança, Lico para o ambidextro Júnior, que dominou pé direito, cruzou imediatamente pé esquerdo. De novo, Zico foi perfeito. Percebendo a curva do cruzamento de Júnior, Zico fez um passo atrás para cabecear, sem chance para o goleiro Wendell. Apesar do gol de empate, o estádio ainda era um caldeirão. Relembra Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Róger Garcia e Roberto Assaf: “Um dos jogos mais complicados foi contra o Guarani, nas semifinais, lá em Campinas. No Rio, vencemos por 2 a 1, eles começaram fazendo 1 a 0. Com a vitória iriam à decisão. Eu empatei de cabeça. Então teve um córner a nosso favor e os caras resolveram jogar tudo dentro do campo. Foi um dia em que eu apelei… com o Leandro. Ele queria bater e eu falei para ele: ‘Não vai bater o córner porra nenhuma. Sai daí’. Aí eu puxei o Leandro pra fora, voltei para dentro do campo, cheguei lá, botei a bola no córner e falei para o Carlos Rosa (o juiz gaúcho Carlos Rosa Martins), que me respeitava muito: ‘Não vamos bater esse córner enquanto não parar isso aí’. Olha, os caras xingaram muito, levei tanta latada… mas depois acalmaram”.

    Guarani dominava o jogo, e Flamengo foi salvo algumas vezes pelo goleiro Raul Plassmann, mais um ídolo desse time inesquecível. Depois, Júnior abriu para Zico, que fez um gol, anulado por um impedimento muito duvidoso. E no início do segundo tempo, Zico acalmou mais uma vez a torcida do Guarani, recebendo um passe de Lico. Com 30 metros de distância, Zico chutou de primeira, fez seu segundo gol do dia, seu segundo golaço.

    Flamengo estava perto da final e o zagueiro Figueiredo, que morreu precocemente em 1984 com apenas 23 anos de idade, se infiltrou na defesa bugrina num estilo inabitual, mas o juiz não marcou um pênalti que parecia evidente. E alguns minutos depois, Zico achou Tita no espaço, que achou Adílio na profundidade. O goleiro defendeu o chute, a bola voltou nos pés de Lico, que chutou na cabeça de um defensor do time de Campinas. Agora, o juiz marcou um pênalti inexistente, que não faz esquecer a grande atuação do Flamengo e de Zico. Sem tremer, Zico fez o pênalti, completou o hat-trick, botou Flamengo na final apesar do gol de Jorge Mendonça nos instantes finais, colocou o Fla perto do título, que seria efetivado num outro jogo eterno, contra Grêmio. O Flamengo era o campeão e para a eternidade, Zico seu maior ídolo.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”