
Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
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Jogos eternos #145: Jorge Wilstermann 1×2 Flamengo 1981

Hoje, Flamengo joga na Libertadores na Bolívia, onde sempre é difícil de jogar. Até escrevi sobre um empate na Bolívia, um 2×2 contra o Real Potosi em 2007, quando comecei a conhecer melhor o amor de minha vida. Flamengo jogou 7 partidas na Bolívia, todas na Copa Libertadores, com apenas 2 vitórias. Por coincidência, as vitórias foram no primeiro e no último jogo, em 1981 e 2019, dois anos históricos para o Flamengo. Vamos começar então com o primeiro jogo, contra Jorge Wilstermann.
Em 1981, Flamengo passou da primeira fase da Libertadores depois de um jogo extra contra o Atlético Mineiro, jogo polêmico, mas decisão justa do juiz, que mandou para fora um time que não veio para jogar futebol. Na semifinal, com grupos de três times, Flamengo venceu na estreia na Colômbia, e dez dias depois, continua o caminho para o título com um jogo na Bolívia, em Cochabamba, com 2.500 metros de altitude. Ainda não tinha na cidade o Cristo de la Concordia, inaugurado em 1994 e até maior que “nosso” Cristo Redentor, com 34 metros de altura.
O adversário era o Jorge Wilstermann, nome em homenagem ao primeiro piloto comercial da Bolívia. Como Flamengo, Jorge Wilstermann, agora o clube, classificou-se na semifinal da Libertadores de 1981 depois de jogo de desempate, com goleada contra The Strongest e dois gols de um ídolo brasileiro, Jairzinho. Mas na altura do jogo contra Flamengo, Jairzinho já tinha voltado ao Botafogo, inclusive para engolir um mês depois um 6×0 contra Flamengo, ainda não um jogo eterno no Francêsguista.
No 13 de outubro de 1981, o técnico Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Figueiredo, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Chiquinho, Baroninho, Nunes. E com 14 minutos, uma falta para Flamengo de muito longe. O Baroninho foi cobrar. Precisa personalidade para cobrar uma falta quando tem Zico no time. “Do meio da rua”, Baroninho chutou forte, a bola quicou um pouco antes do goleiro, que foi enganado e viu a bola morrer nas redes. Precisa talento para fazer um gol assim. Zico foi abraçar Baroninho, Flamengo estava na frente. No segundo tempo, um lançamento para outro brasileiro de Jorge Wilstermann, um outro camisa 7 cabeludo, Bendelack, que aproveitou-se da queda de Mozer para fazer um bom passe cruzado para Melgar, que chutou cruzado para empatar o jogo.
O empate ainda era bom para Flamengo, mas o rubro-negro queria mais, queria a vitória. Com hora de jogo, num escanteio cobrado pelo Lico, que entrou no lugar de Chiquinho, Adílio pulou alto, cabeceou bonito, desempatou. Antes de voltar ao Maraca, Flamengo conquistava uma bela vitória e se aproximava, ainda na altitude boliviana, da final da Liberta, da glória de um título sul-americano.
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Jogos eternos #144: Palmeiras 0x2 Flamengo 2009

Há uma semana, escrevi sobre um jogo de 2010 contra o Atlético-GO, com um dos últimos gols de Petkovic no Flamengo. No meio de semana, para o jogo contra São Paulo, quase escrevi de novo sobre Petkovic, quando humilhou Rogério Ceni em 2009 com uma cavadinha genial num pênalti. E eu já tinha escrito sobre o Pet pesadelo de Ceni, em 2001, quando fez um golaço de falta na final da Copa dos Campeões, fazendo o gol bis do gol contra o tri-vice Vasco. Petkovic é muito ídolo do Flamengo e não tem jeito, o jogo eterno de hoje é todo dele.
Outro motivo é que o jogo de 2009 contra Palmeiras era decisivo na luta, ainda não pelo título, mas para a Libertadores, o que já era bom, quase inesperado. Antes da 30a rodada, Palmeiras era o líder (quase) disparado com 54 pontos, Flamengo estava no sexto lugar, com 45 pontos. Claro, o campeonato de 2024 está apenas na terceira rodada ainda, mas Palmeiras e Flamengo deveriam lutar pelo título e, na hora de fazer as contas no final, o jogo de hoje pode ser decisivo, pode ser eterno.
Em 2009, Flamengo vinha de uma sequência invicta de 5 vitórias e 3 empates, começava a sonhar menos timidamente. E o técnico e também ídolo Andrade, que inclusive festeja seu 67o aniversario hoje, escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Aírton, Ronaldo Angelim, Juan; Willians, Maldonado, Toró, Petkovic; Zé Roberto, Adriano. Do lado do Palmeiras, não líder à toa, dois pentacampeões com Marcos e Edmílson, e um ataque com Diego Souza e Vágner Love.
Palmeiras, de camisa azul, em homenagem as origens do clube, com o apoio da torcida, dominou o início do jogo. Flamengo reagiu com incursão de Léo Moura na grande área, mas ele não teve tempo para deixar a bola para Adriano. E Palmeiras voltou a ameaçar a meta flamenguista, com cabeçada de Robert, que passou em cima da trave. E com 27 minutos, o primeiro brilho de Petkovic. No estilo de um ala de futsal, Petkovic fixou o defensor e tabelou com Juan. Invadiu a grande área, ninguém podia tocar na bola, ninguém podia tocar no Pet, que teve espaço milimétrico para chutar. Mas Petkovic era gênio, no chute ele quase quicou a bola no chão para dar efeito, para levantar a bola que foi beijar as redes. Um golaço.
Palmeiras era o líder, jogava na casa cheia, queria ao menos o empate. Na esquerda, Vágner Love girou e chutou, Bruno, de camisa amarela à la Raul Plassmann, espalmou. Na direita, Vágner Love girou e chutou, Bruno defendeu em dois tempos. No intervalo, 1×0 para Flamengo, ainda há esperança para a torcida palmeirense. Na volta no gramado, primeiro lance para Flamengo, passe de Zé Roberto para Adriano que, com a inteligência do craque, deixou a bola passar entre as pernas para abrir o caminho para Léo Moura, que invadiu a grande área, de novo sem tempo para chutar. Logo depois, Petkovic, que festejou os 37 anos um mês antes, driblou um, acelerou, chutou, flirtou com a trave de Marcos. Fazer um golaço num jogo já é bom, muito difícil fazer dois no mesmo jogo, é uma façanha apenas para os craques.
De longe, Maldonado chutou. A bola ia para fora, mas foi desviada pelo Maurício para o escanteio. No futebol, falam que “bom escanteio” não existe, todos são os mesmos, da mesma distância, do mesmo ângulo 0o. Existe sim, quando o batedor é Petkovic, o escanteio vira “bom escanteio”. Petkovic cobrou, Ronaldo Angelim não tocou, Wendel foi canetado, Marcos foi enganado. Um golaço, o segundo do dia para o eterno Pet, o último craque. Existe tantos jogos para mostrar a genialidade do Pet, até para escrever sobre um gol olímpico tem várias opções – Petkovic voltaria a fazer um menos de um mês depois, mas acho que esse gol olímpico, “corner rentrant” em francês, contra Palmeiras é o mais marcante. Pelo momento, pelo adversário, pelo estádio, pelo jogo já eterno.
No final, um chute no travessão de Zé Roberto. No finalzinho, um pênalti de Vágner Love diretamente nas arquibancadas do Parque Antarctica, agora sem esperança. Graças ao gênio de um sérvio, Flamengo podia voltar a acreditar na Libertadores, podia sonhar ainda mais alto, podia ser o campeão brasileiro.
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Jogos eternos #143: Flamengo 5×1 São Paulo 2021

Apesar de Flamengo x São Paulo ser um clássico do futebol brasileiro, não tinha tantas possibilidades na hora de relembrar um jogo eterno. Até porque já escrevi sobre o jogo de 2007 e o nascimento de um dos cantos mais bonitos da torcida, até porque guardo o jogo de 2009 e o pênalti de Pet para uma outra oportunidade. Até porque Flamengo viveu um jejum contra São Paulo, com 9 jogos sem vitória entre 2017 e 2021. Vamos então para o jogo que quebrou o jejum, de uma maneira impressionante. Outro motivo de escolher esse jogo é para festejar Bruno Henrique que fez recentemente o gol do título do campeonato carioca, inclusive um golaço.
Flamengo começou o Brasileirão de 2021 de maneira bem modesta, com 4 vitórias e 4 derrotas nos 8 primeiros jogos, o que forçou a saída do técnico Rogério Ceni. No seu lugar, foi nomeado Renato Gaúcho. Confesso que sou muito fã do jogador, que inclusive brilhou muito com o Manto Sagrado no ano histórico de 1987 e um jogo eterno contra o Galo, e também gostei do trabalho dele como técnico no Grêmio. Estava de um otimismo que só foi reforçado depois dos primeiros jogos de Renato Gaúcho como técnico do Flamengo: vitória na Argentina na Copa Libertadores para a estreia e em seguida duas goleadas: 5×0 na Bahia e 4×1 na Liberta, de novo contra Defesa y Justicia. Só faltava colocar um fim ao incomodante jejum contra São Paulo.
No 25 de julho de 2021, Renato Gaúcho escalou Flamengo assim: Diego Alves; Matheuzinho, Gustavo Henrique, Rodrigo Caio, Filipe Luís; Willian Arão, Diego, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Gabigol. E foi Bruno Henrique o primeiro acionado, depois de tabelinha com Arrascaeta, chutou, mas parou nas mãos do goleiro Tiago Volpi. Ainda não era a hora de Bruno Henrique de brilhar. Depois de um último lance de Matheuzinho, o arbitro apitou o intervalo, o jogo ainda estava sem gol. O segundo tempo será bem diferente.
E já no início do segundo tempo, num escanteio de Rodrigo Nestor, Arboleda cabeceou e abriu o placar para o São Paulo, que ficava mais perto do décimo jogo consecutivo sem perder contra Flamengo. Mas nas arquibancadas, ninguém podia imaginar o que ia acontecer. E não porque a arquibancada estava vazia, ainda por causa da pandemia. Mas porque ninguém podia imaginar o que ia acontecer, mesmo os fãs mais ferozes do Bruno Henrique. Cinco minutos depois do gol, numa bola alta de Arrascata, Bruno Henrique dominou e chutou nas redes. Mas o juiz viu um domínio com o braço e anulou o gol. Ainda não era a hora de Bruno Henrique. Mas se aproximava.
Na metade do segundo tempo, num escanteio curto, Arrascaeta, sempre ele, cruzou. Bruno Henrique chegou e meio do pé direito, meio do pé esquerdo, empatou. E dois minutos depois, Bruno Henrique, sempre ele, recebeu de Filipe Luís. De costas, dominou de sola. Girou, chutou, golaçou. O chute saiu bonitinho, a curva foi impressionante, a finalização na gaveta também. Inclusive relembra anteriormente o gol do título do campeonato carioca de 2024, feito há dez dias, contra Nova Iguaçu. Bruno Henrique merece muito esse gol, como merecia o doblete em 2 minutos contra São Paulo.
E o doblete em 2 minutos virou música, virou hat-trick em 7 minutos. Outro escanteio, de Arrascaeta claro, para a cabeçada de Bruno Henrique, no gol claro. Três gols em 7 minutos, de todo jeito, de primeira, de longe, de cabeça. Bruno Henrique é o artilheiro completo, que pode matar um time em pouco tempo, muito pouco tempo. Talvez o mais impressionante é que esse hat-trick em 7 minutos não é um recorde para Bruno Henrique, que fez 3 gols em 4 minutos e 2 segundos contra o Corinthians em 2019. Mas teve o intervalo entre o segundo e o terceiro gol, então talvez minha preferência vai para o hat-trick contra São Paulo, além da beleza plástica dos gols. Certeza é que Bruno Henrique era, ainda é, um craque do futebol brasileiro.
Flamengo virou, quebrou o jejum, Renato Gaúcho podia mexer, mexeu bonito, com as entradas de Vitinho e Pedro. Numa falta, o primeiro achou o segundo, que cabeceou, Gustavo Henrique só teve a empurrar a bola no fundo das redes para o jogo virar goleada. E no tempo adicional, a goleada foi ampliada, uma tabelinha entre Vitinho e Bruno Henrique, na pressão de Michael, outro jogador saindo do banco, o defensor tricolor Welington fez gol contra. No final, uma goleada 5×1, mas o que valia mesmo, era o show de Bruno Henrique, que deu, e ainda dá, tantas alegrias aos torcedores rubro-negros durante tantos anos.
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Jogos eternos #142: Atlético-GO 0x1 Flamengo 2010

Flamengo joga hoje no Serra Dourada contra o Atlético-GO para o reinício do Brasileirão. Em 2010, jogo aconteceu na 9a rodada, logo depois da pausa do Brasileirão por causa da Copa do Mundo e do hexacampeonato frustrado. Hexa, só o Flamengo.
No 18 de julho de 2010, o técnico Rogério Lourenço escalou Flamengo assim: Marcelo Lomba; Léo Moura, Welinton, Ronaldo Angelim, Juan; Corrêa, Willians, Kléberson, Petkovic; Diego Maurício, Vinícius Pacheco. Não parecia que Flamengo era o último campeão brasileiro e meio time era bem limitado. Mas ainda tinha craques, o maior um sérvio, um ídolo, eternizado no minuto 43 de um jogo contra Vasco.
E foi justamente Petkovic que apareceu no início do jogo, com a camisa 10, eu tinha esquecido que vestiu de novo a camisa 10 depois de eternizar a camisa 43 no hexa. Depois de uma tabelinha com Juan, Petkovic chutou, chutou fora. No minuto seguinte, Marcelo Lomba fez boa defesa numa falta de longe de Róbston. Fez outra defesa importante em seguida, agora na frente de Rodrigo Tiuí. Dez minutos antes do intervalo, Diego Maurício invadiu a grande área e conseguiu um pênalti. O dono da bola, claro era o Pet, a tranquilidade é bem conhecida, no contrapé do goleiro, Petkovic abriu o placar.
No início do segundo tempo, Marcelo Lomba fez outra bela defesa. Marcelo Lomba assumiu a titularidade depois da Copa do Mundo e do sinistro caso Eliza Samudio, assassinada a mando do goleiro Bruno. No ano de 2010, Marcelo Lomba se saiu bem no gol do Flamengo e ajudou o time a ganhar pontos num campeonato bem difícil. No Serra Dourada, o Atlético-GO dominou o segundo tempo, sem conseguir fazer o gol do empate. E o último lance do jogo foi para o Flamengo, com o gênio Petkovic, que fez um grande passe para deixar Cristian no cara a cara com o goleiro. Cristian se precipitou e chutou no goleiro. Realmente, faltava craques neste Flamengo, mas ainda tinha o Pet, que fez contra o Atlético-GO seu pré-antepenúltimo gol com o Manto Sagrado.
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Jogos eternos #141: Flamengo 5×0 Palestino 2017

Flamengo joga hoje contra Palestino, um adversário que já enfrentou na Copa Sudamericana de 2017. Na época, Flamengo vinha de uma grande decepção com a eliminação na fase de grupos da Libertadores, indo para a segunda fase da Copa Sudamericana. O Palestino é chamado assim porque foi fundado por um grupo de imigrantes palestinos, o Chile abriga uma grande colônia de palestinos.
O Flamengo já estava quase classificado para a próxima fase com uma vitória 5×2 na ida, em Santiago de Chile. Mesmo assim, Flamengo vivia dias conturbados e três dias antes do jogo, uma derrota contra Vitória foi o fim da linha para o técnico Zé Ricardo. Foi substituído para o jogo contra Palestino pelo interino de sempre, Jayme de Almeida, que escalou Flamengo assim: Alex Muralha; Pará, Juan, Rhodolfo, Renê; Willian Arão, Márcio Araújo, Éverton Ribeiro; Éverton, Geuvânio, Felipe Vizeu.
Com apenas 4 minutos, num escanteio de Éverton, a bola fugiu na direita até os pés de Éverton Ribeiro, que esperou um pouco e fez o passe atrás para o chute de primeira de Willian Arão. A bola foi desviada pelo Felipe Vizeu, que abriu o placar. A Ilha do Urubu estava pequena e assim, mesmo com apenas 5.170 pagantes, tinha uma ótima atmosfera, agora ainda mais com Flamengo na frente. O segundo gol chegou ainda nos 10 minutos iniciais, com bela construção coletiva, cruzamento de Éverton e finalização de Geuvânio.
O Palestino tentou reagir e teve algumas oportunidades, sem muito perigo. Antes do intervalo, Flamengo fez um terceiro gol. Geuvânio, que não jogou muito com o Manto Sagrado, lançou Éverton Ribeiro. A finalização é de craque, com apenas um toque de bico, Éverton estufou as redes. Flamengo fez um terceiro e fez um quarto, de novo com cruzamento de Éverton vindo da esquerda, quase uma repetição do gol de Geuvânio. A finalização foi diferente, uma cabeçada de Willian Arão, sem chance para o goleiro. No intervalo, Flamengo 4×0 Palestino, no placar agregado Flamengo 9×2 Palestino.
O segundo tempo serviu para dar oportunidades aos craques da casa, com a entrada dos jovens Lucas Paquetá e Vinícius Júnior. Os dois cresceram muito perto da Ilha do Governador onde tinha o estádio, na Ilha do Paquetá para Lucas Paquetá e em São Gonçalo para Vinícius Júnior, que completou 17 anos um mês antes do jogo. Vinícius Júnior, já um ídolo no Francêsguista, entrou no 27o minuto do segundo tempo. E no minuto seguinte, foi lançado na profundidade pelo Éverton Ribeiro. A velocidade, era de espantar qualquer par de olhos na Ilha. A objetividade também. Vinícius Júnior escapou da saída do goleiro e cruzou para Berrío. Sem espaço para finalizar, Berrío cabeceou na pequena área. Vinícius Júnior chegou com velocidade, com objetividade, com coração, com talento, chutou e brocou. Era o primeiro gol profissional de um jogador tão promissor que foi vendido ao Real Madrid antes de seu primeiro jogo profissional. No final, Flamengo vencia 5×0 e ia nas oitavas de final, mas mais importante, uma estrela tinha nascido na Ilha.
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Jogos eternos #140: Flamengo 3×1 Botafogo 2008

Hoje, Flamengo pode conquistar seu 38o título do campeonato carioca. Escrevi há pouco sobre um título carioca conquistado em cima do Vasco, em 1974, eu vou então para hoje de um título em cima do Botafogo, o 30o da história do Flamengo. A época ainda é recente e parece ao mesmo tempo ser de mil anos atrás. Em 2008, um ano histórico no Francêsguista, Flamengo tinha um time completamente diferente, mas eu já sonhava alto com meu Flamengo.
Eu já falei que comecei a acompanhar Flamengo no final de 2005, vibrei com a Copa do Brasil de 2006, mas comecei a assistir realmente aos jogos e aos melhores momentos em 2007, vibrando de novo com o título do campeonato carioca de 2007, já contra Botafogo. E eu já tinha a consciência da importância da Copa Libertadores que, como todo rubro-negro, achava que ia ser do Mengo em 2008. Eu queria a Copa Libertadores, mas queria o campeonato carioca também, porque ser o Rei do Rio me dava a sensação de ser o Rei do Mundo.
Em 2008, com um time cheio de ídolos, Flamengo chegou a final contra Botafogo para a revanche de 2007. E na ida, vitória 1×0 do Flamengo, passe de Diego Tardelli, gol de Obina, meu primeiro ídolo no Flamengo. E três dias depois, um passo na frente na Copa Libertadores, com vitória 4×2 no México. Só faltava vencer de novo Botafogo e gritar “É campeão” pela 30a vez.
No 4 de maio de 2008, o técnico Joel Santana escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Ronaldo Angelim, Fábio Luciano, Juan; Jaílton, Cristian, Toró, Ibson; Marcinho, Souza. Adorava a defesa inteira, foi uma das melhores que vi no Flamengo, na história recente apenas a de 2019 pode competir. Também tinha no meio de campo Ibson, que eternizei como ídolo no blog, e Souza na frente, um centroavante às vezes limitado na técnica, mas nunca na raça. E meu maior ídolo, Obina, estava no reserva, como já foi na ida, quando saiu do banco para fazer o gol da vitória.
E o Maracanã estava cheio, com público de 78.716 pessoas. Eu me apaixonei com o Flamengo, não sei exatamente porque, não sei exatamente quando e não sei exatamente quanto o Maracanã foi decisivo para isso. Certeza é que o Maracanã estava uma festa na época, respirava rubro-negro, mesmo sem a geral, era o templo do futebol, a alma do Flamengo, a essência do futebol carioca. Porém, em 2008 quem gritou primeiro foi a torcida do Botafogo. Na metade do primeiro tempo, Lúcio Flávio cobrou falta na grande área, ninguém tocou, Bruno falhou, Botafogo abriu o placar. Assim, como foi o caso em 2007, o título ia ser decidido nos pênaltis. O Papai Joel não queria. No intervalo, sacou dois meios, Cristian e Ibson, para a entrada de dois atacantes, Diego Tardelli e Obina, meu ídolo.
E com apenas 4 minutos no segundo tempo, Joel Santana mostrou que tinha estrela. Numa falta bem parecida a de Lúcio Flávio no primeiro tempo, Juan cobrou na grande área, Obina, de forma acrobática, empatou no jogo, deu vantagem ao rubro-negro no placar agregado. Com hora de jogo, Bruno fez grande defesa num chute de voleio de Jorge Henrique e na contra-ataque Diego Tardelli perdeu o gol de cobertura, com defesa de Renan. Cinco minutos depois, Marcinho –, eu adorava Marcinho e a ginga dele, achou o travessão. Flamengo estava melhor, mas ainda não tinha matado o jogo. Precisando da vitória para forçar a disputa de penalidades, Botafogo levou tudo no ataque, o chute de Lúcio Flávio parou nas mãos de Bruno, o chute de Alessandro passou atrás do gol.
Faltando 15 minutos para o fim do jogo, Renato Silva recebeu o segundo cartão amarelo e deixou o Botafogo com 10 homens em campo para a alegria da quase geral do Maraca. Jogo ficou mais fácil para Flamengo, mas ainda faltava o gol para assegurar a vitória, o título. A torcida esperou cinco minutos. Num mais outro contra-ataque, Léo Moura lançou na direita Kléberson, que também entrou no decorrer do jogo. Kléberson mudou tudo e achou do lado esquerdo Obina, que voltou no meio com passe para Souza. Cercado por três defensores, Souza se deportou na esquerda e deixou para Juan. O Juan esperou cinco segundos. Deu drible desconcertante ao Leandro, invadiu a grande área e cruzou atrás. Bola foi levemente desviada e chegou até o Tardelli, que chutou rasteiro, chutou bonito, chutou no gol. Flamengo tinha 2 gols de vantagem, Flamengo estava quase o campeão.
Já tinha o grito de campeão no Maraca, mas ainda faltava mais um gol para aliviar definitivamente a imensa torcida do Fla, mais de 60 mil no estádio, mais de 30 milhões no Brasil e mais um torcedor de 15 anos na França. E o gol chegou com Obina, o maior ídolo da época, não só do pequeno torcedor francês, mas de quase toda a Nação. Com mais um contra-ataque, Diego Tardelli driblou na esquerda e arrancou. O gol foi quase uma repetição do gol da ida, com filtro inverso. Diego Tardelli cruzou sem deixar possível a intervenção do goleiro ou do zagueiro, Obina meteu o pé e enviou a torcida rubro-negra ao delírio da vitória, ao grito do campeão, ao paraíso do futebol, sem saber que ia voltar três dias depois ao inferno, ao grito do ódio, a dor da eliminação. Enfim, no momento, Flamengo igualava Fluminense com um 30o título carioca e ia ultrapassar o Tricolor no ano seguinte, de novo vencendo na final Botafogo. E desde lá, Flamengo nunca deixou de ser o Rei do Rio.
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Ídolos #32: Cantarele

No jogo de Libertadores com Millonarios, o goleiro Rossi tomou um gol e viu sua marca de invencibilidade ser interrompida com 1.134 minutos. É um novo recorde para um goleiro do Flamengo, Rossi ultrapassando Cantarele, que ficou 959 minutos sem ter o gol vazio em 1979. Cantarele não se mostrou incomodado ao ver seu recorde batido: “Recordes são feitos para serem quebrados. Feliz por ter permanecido tantos anos fazendo parte de um fato histórico do clube. Contente em ver um Flamengo sempre querendo crescer cada dia mais”. Provavelmente porque, além de ser grande goleiro, Cantarele é de um rubro-negrismo feroz e que ultrapassa qualquer dúvida.
Antônio Luis Cantarele nasceu no 26 de setembro de 1953 em Além Paraíba, Minas Gerais. Seu nome foi escrito às vezes Cantarele, às vezes Cantarelli, outras vezes Cantareli. Segundo o próprio goleiro, em entrevista com o quase homônimo Leonardo Cantarelli, foi registrado como Cantarele apesar da grafia correta do nome de origem italiana ser Cantarelli: “O meu nome foi registrado errado. Antigamente era comum o escrivão não conhecer outra língua e acabava escrevendo de forma errada. Eu sou o filho mais velho dos meus pais e os meus outros 4 irmãos, tem o sobrenome Cantarelli registrado da forma correta. Só o meu que não”. Vamos então de Cantarele.
A cidade natal de Cantarele, Além Paraíba, no Minas Gerais, está separada do estado do Rio de Janeiro e das cidades fluminenses de Carmo e Sapucaia apenas pelo rio Paraíba do Sul. Cantarele estava muito mais perto da cidade de Rio de Janeiro do que de Belo Horizonte. Porém, Cantarele ainda estava muito longe do Flamengo. Cantarele escolheu ser goleiro por causa da idolatria que tinha pelo Manga, um dos maiores goleiros do Botafogo e do Internacional. Cantarele jogava as peladas dele na cidade de Além Paraíba, até um dia que mudou sua vida: “Era uma partida na minha cidade. Eu estava com 15 anos e havia 2 olheiros do Rio. Um trabalhava para o Vasco e o outro para o Flamengo e também para o Botafogo. Inicialmente me levaram para fazer teste no Botafogo, mas lá acabaram não ficando comigo, pois alegaram que eu era muito novo. No ano seguinte, o mesmo olheiro me levou para o Flamengo. Era um período de férias escolares, aí fiquei treinando e se não desse certo eu retornava para casa. No entanto, gostaram de mim e eu fiquei. Queria aproveitar a oportunidade”.
Cantarele estava no Flamengo, mas o olheiro do Vasco não se arrependeu. Indicou ao clube cruzmaltino outro goleiro de Além Paraíba, Mazarópi, que enfrentou inumerosas vezes Cantarele nos Clássicos dos Milhões e ficou 1.816 minutos sem ter o gol vazado entre 1978 e 1979, um recorde mundial. O raio dos goleiros imbatíveis caiu de forma inacreditável duas vezes no mesmo pequeno lugar. Na base do Flamengo, Cantarele conheceu vários futuros craques, como Zico, Rondinelli, Geraldo e Júnior. Flamengo foi campeão carioca de juvenis em 1972, com uma campanha quase perfeita: 17 vitórias, 5 empates, 3 derrotas, 27 gols pro, 8 gols contra. O final também foi perfeito, uma vitória 2×0 contra Vasco no jogo decisivo. Em 1973, Flamengo repetiu a dose e conquistou o bicampeonato. E neste mesmo ano, Cantarele fez seu primeiro jogo com o time principal, num amistoso no Espírito Santo, lançado pelo Joubert e substituindo Ubirajara Motta, que foi o primeiro goleiro a fazer um gol pelo Flamengo. Flamengo venceu 3×1, gols de Doval, Arílson e Zico. Se não me engano, foi o Ubirajara Motta que levou o gol do combinado de Cachoeiro do Itapemirim e Cantarele, já, preservou sua meta invicta.
Cantarele só fez um jogo profissional em 1973 e voltou a jogar no time principal em 1974, fazendo seu primeiro jogo oficial contra o America, no Brasileirão. Ainda estava na reserva do Renato e foi do banco que assistiu ao título carioca de 1974, conquistado em cima do Vasco, um jogo eterno no Francêsguista. Mas Cantarele era promissor e a diretoria resolveu vender Renato ao rival Fluminense para dar espaço ao Cantarele. E Cantarele não decepcionou. Não tão alto para um goleiro (1,78 m), compensava com ótima impulsão e visão de jogo, o que o permitia, muitos anos antes de Manuel Neuer, de sair da meta para cortar o lançamento do adversário. Cantarele virou titular num time com vários craques da casa, Rondinelli, Júnior, Geraldo e claro, Zico. O time era muito promissor, mas ainda faltava os títulos. Em 1976 e 1977, Cantarele viu duas vezes o vizinho mineiro Mazarópi levar o melhor nas disputas de pênaltis e Vasco eliminar Flamengo no campeonato carioca.
Em 1978, Flamengo contratou outro grande goleiro, Raul Plassmann, vindo de Cruzeiro. Cantarele ficou titular e foi com ele no gol que Flamengo mudou sua história, conquistando o campeonato carioca contra Vasco com gol salvador do ídolo Rondinelli, o que marcou o início de uma geração multicampeã. Fala Cantarele ao jornalista Leonardo Cantarelli: “Era uma geração vencedora e que gostava do Flamengo. Um time identificado com o clube, diferente de hoje, onde muitos jogadores beijam escudos de equipes, mas não a amam de verdade. Aquela equipe amava o Flamengo”. Ainda como titular, Cantarele completou o tricampeonato carioca em 1979, com dois títulos no mesmo ano, um ano histórico no Francêsguista. Antes de Raul eternizar a camisa amarelo do goleiro do Flamengo, Cantarele eternizou a camisa verde, mas também jogou com uma azul, cinza ou preta.
Em 1980, Raul passou a ser titular, mas Cantarele, de tanto que amava Flamengo, ficou no clube. “Aproveitei a oportunidade que a vida me deu. Jogar em um clube tão importante do Brasil e por tanto tempo. Mais de 500 jogos como titular. O torcedor daquela época quando me vê na rua, me cumprimenta, felicita e relembra aqueles bons tempos. Isso é bacana. Os mais novos, infelizmente não me conhecem, mas faz parte” fala Cantarele. Mesmo sendo reserva, era regularmente escalado no time titular, participou de vários jogos na Europa durante excursões do Flamengo, também jogou uma partida no Brasileirão de 1980, 4 jogos da Libertadores de 1981 e 2 do Brasileirão de 1982, todas essas competições foram conquistadas pelo Mengão. Flamengo também podia conquistar tudo porque tinha ótimos reservas, que não alteravam a qualidade do time, como Cantarele.
Na semifinal da Copa Libertadores de 1982, Cantarele foi culpado nos gols de Penãrol que decretaram a eliminação do Flamengo, João Saldanha falando por exemplo de uma “falha primaria de Cantarelli” no gol de falta de Jair. Ao meu ver, foi julgado de forma muita severa e não tinha muito a fazer sobre o gol de Jair. Cantarele ainda fez um jogo no Brasileirão de 1983, suficiente para levar um tricampeonato pessoal (com apenas 4 jogos!) e foi emprestado ao Náutico, onde foi vice-campeão pernambucano. Mas Cantarele não podia ficar longe do Flamengo durante muito tempo e voltou na Gávea em 1984, quando disputou o posto de titular com o argentino Fillol. Relembra Cantarele: “Com o Fillol houve uma disputa boa pela titularidade. Eu a ganhei em 1985, mas acabei lesionando o joelho em uma partida contra o Bangu em 1986. Fiquei um ano parado. Quando retornei,o Zé Carlos era o titular e não saiu mais. Fiquei até 1989 e depois resolvi me aposentar”.
O último jogo oficial de Cantarele não faz jus ao talento e importância de Cantarele no clube, levou uma goleada 6×1 contra Grêmio, que eliminou Flamengo na semifinal da Copa do Brasil de 1989. Cantarele ainda voltou a calçar as luvas em 1990 no jogo de despedida de Zico, por quem Cantarele tinha, claro, só admiração: “Senti nitidamente seu caráter, a maneira como se destacava no grupo. E isso sem jamais exigir regalias, sempre pedia em favor do grupo. Com isso, conquistou o respeito e a admiração dos companheiros”. No Maracanã, Cantarele subsistiu seu antigo companheiro, Raul, outro ídolo no Francêsguista. E como Raul, não levou gol durante o jogo que acabou num 2×2, com os dois gols sofridos pelo Zé Carlos.
Depois de pendurar definitivamente as luvas, Cantarele passou a ser olheiro pelo Flamengo, até recomendando ao clube Ronaldo Fenômeno… “Eu vi o Ronaldo atuando e o aprovei. Entretanto, o Flamengo não quis ficar com ele. Na época, eu não soube o motivo que fez com ele não ficasse no clube. Tempos depois, vi entrevista dele dizendo que ele morava muito longe do CT do Flamengo e a diretoria não quis custear o trajeto de ida e volta”. Depois, foi preparador de goleiros em Flamengo, Corinthians e Palmeiras, trabalhando com campeões do mundo como Gilmar Rinaldi, Dida e Marcos. A amizade com Zico o levou do CFZ até a Turquia, passando pelo Japão, quando foi preparador de goleiros na Copa de 2006: “Adorei a minha passagem pelo Japão. Pude passar muito do meu conhecimento para eles. Ensinei eles a cair e não se machucar, a antever uma jogada e forçar o atacante a fazer o que ele não quer, evitando assim um gol. De início eu tinha um intérprete que me ajudava na comunicação e um dos goleiros havia morado em São Paulo e sabia português. Conforme o tempo passou, eu aprendi o básico da língua japonesa: o que era necessário para o dia a dia e para os treinamentos”.
Como quase sempre, Cantarele voltou ao Flamengo, sendo preparador de goleiros e depois assistente de Jayme de Almeida, que conhecia desde a base do Flamengo, 40 anos atrás. Juntos, levaram a Copa do Brasil de 2013. Hoje, Cantarele continua a acompanhar o Flamengo, agora apenas como torcedor. Hoje, Cantarele não é mais o goleiro do Flamengo com mais tempo sem levar gol. Mas ainda é o goleiro, e até o sexto jogador, que mais vestiu o Manto Sagrado, com 557 jogos. Esse recorde dificilmente será superado. De 1973 até 1990, na reserva ou como titular, Cantarele sempre foi exemplar no Flamengo.
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Jogos eternos #139: Flamengo 3×2 São Paulo 1982

Flamengo reestreou na Copa Libertadores e está perto de reestrear em mais uma competição, o Brasileirão que Flamengo não ganha desde 2020. Vamos para hoje numa outra reestreia do Brasileirão, em 1982, que viu no final das contas Flamengo conquistar o bicampeonato.
No início de 1982, o Flamengo estava o Maior do Mundo, no papel e no campo, com um 3x0 eterno contra Liverpool. Campeão de quase tudo, sonhava de conquistar de novo o Brasileirão, que escapou das mãos rubro-negras em 1981 com eliminação nas quartas de final. Para a edição de 1982, Flamengo começou num grupo de 5 times e estreou contra o adversário mais poderoso, o São Paulo.
Para o primeiro jogo do ano, no 20 de janeiro de 1982, inclusive dia de São Sebastião, padroeiro de Rio de Janeiro, o Maracanã estava bem lotado. Um público de 85.236 pessoas, para festejar os recentes campeões do mundo. E o Paulo César Carpegiani, quase repetindo o time campeão mundial, escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Chiquinho, Lico, Nunes. Na época, o futebol brasileiro era o maior do mundo e São Paulo tinha um grande time também, quase só com jogadores com passagem na Seleção. A defesa tinha o goleiro Waldir Peres, os laterais Getúlio e Marinho Chagas e provavelmente a maior zaga da história do clube, com Oscar e o uruguaio Darío Pereyra. O Tricolor ainda tinha o craque Mário Sérgio na armação do time e uma dupla de ataque poderosa, com Renato e Serginho Chulapa. Um timaço, para um jogo eterno, já antes do apito inicial.
E no Maracanã, o São Paulo foi o primeiro time a brocar, com o maior artilheiro de sua história, Serginho Chulapa, que de pé esquerdo, no estilo dele, achou o cantinho de Raul. Antes do intervalo, Renato, antigo craque do Guarani, cruzou e Serginho Chulapa, quase em cima da linha, só teve a empurrar a bola nas redes para completar o doblete. Serginho Chulapa foi o titular da Seleção de 1982 e foi bastante criticado pelo seu desempenho. Minha escolha para o ataque da Seleção, considerando a lesão de Careca teria sido Roberto Dinamite, fazendo dupla com Reinaldo. E o reserva teria sido nosso ídolo Nunes, que tinha mais bola para jogar com Zico, Sócrates & Cia. Mas mesmo sem ser gênio da bola, Serginho Chulapa era um artilheiro nato e no início de 1982, permitia ao São Paulo de voltar aos vestiários do Maracanã com vantagem de 2 gols, uma vantagem quase definitiva. Quase.
Flamengo, campeão do Rio, campeão da América, campeão do Mundo, só faltava o Brasil, voltou melhor no segundo tempo. Falou Zico no livro Zico, 50 anos de futebol: “Voltamos para o vestiário com uma vergonha danada, 85 mil pessoas no Maracanã… No vestiário, fizemos a corrente… vamos lá, vamos lá! Olha, o time voltou prontinho. Quando fizemos o primeiro gol, o estádio veio abaixo. O time de São Paulo ficou maluquinho”. Com uma hora de jogo, Júnior achou Zico, de costas, à 30 metros de distância do gol. Sempre me impressiona e me encanta a rapidez e a objetividade de Zico. No domínio da bola, já tinha visto tudo. Dominou a bola, girou, fez o passe para Lico no contrapé dos defensores e já chamou a bola de novo no espaço vazio. Lico completou a tabela e de novo, Zico foi mais craque que os outros. Apenas no domínio, escapou de dois adversários. A finalização foi de quem fez mais de 800 gols na carreira, de quem sabia tudo da bola. Combinou força e precisão, sem chance para Waldir Peres. A geral se inflamava e voltava a acreditar na virada.
Dez minutos depois, numa bola mal saída pela defesa tricolor, Adílio fez na grande área várias fintas, vários dribles, mas a bola finalmente escapou dos pés dele. E Zico, mesmo sendo craque, tinha a combatividade de quem era ruim de bola, de quem só tinha isso para jogar. Só que Zico tinha o drible do gênio da bola, o chute do artilheiro nato, o cérebro do meia arquiteto, o coração do meia raçudo. Acreditava em todas as bolas, até as mais perdidas. Na ponta do pé, ressuscitou a bola, que voltou atrás nos pés de Andrade, que chutou de primeira, que empatou. Além de Zico como sempre, agora era toda a geral do Maraca que acreditava na virada.
E dez minutos depois, Júnior, bem servido pelo Lico, cruzou na esquerda para Zico, que fez de cabeça o gol da virada, o gol da vitória do Mengo. Claro, Zico tinha o cabeceamento do goleador voador. O cabeceamento não ia faltar ao repertório do Zico, um dos jogadores mais completos de todos os tempos. A geral podia explodir de felicidade, Flamengo virava e fazia o primeiro passo para o bicampeonato. No final do campeonato, com várias outras viradas e time histórico, com jogo eterno contra Grêmio, Flamengo voltava a ser campeão do Brasil, a ser campeão de tudo.
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Jogos eternos #138: Atlético Nacional 0x1 Flamengo 1993

Flamengo joga hoje contra o Millonarios na estreia da Copa Libertadores de 2024 e o início do sonho do tetra. Na sua história, Flamengo jogou apenas uma vez contra o Millonarios, uma derrota 4×1 num amistoso de 1952, vamos então abrir para outros times colombianos e eternizar um jogo contra o Atlético Nacional na Copa Libertadores de 1993.
Na época, a Libertadores ainda tinha o antigo formato com grupos de 4 times, 2 times de 2 países diferentes. Flamengo caiu no grupo 4 com o campeão colombiano, o América de Cali, e o vice-campeão, o Atlético Nacional, além do campeão da Copa do Brasil, o Internacional. O Mengão começava a competição com 3 jogos fora de casa. Estreou com 0x0 no Beira-Rio e perdeu contra o América em Cali. Três dias depois, ainda na Colômbia, Flamengo precisava de uma reação para sonhar com a classificação.
No 19 de fevereiro 1993, o ídolo e técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Wilson Gottardo, Júnior Baiano, Rogério, Piá; Júnior, Marquinhos, Nélio, Marcelinho Carioca; Nílson, Renato Gaúcho. Do outro lado, ainda era a época do narco-fútbol e o Atlético Nacional, time de Medellin e apoiado pelo traficante Pablo Escobar, foi o primeiro clube colombiano a conquistar a Copa Libertadores, em 1989. O Atlético Nacional tinha 6 jogadores que participaram da Copa do Mundo de 1994, sem contar a ausência do mítico goleiro René Higuita, não-convocado por causa de algumas polêmicas, inclusive uma amizade com Pablo Escobar.
A Copa do Mundo de 1994 virou um fiasco para a Colômbia, com eliminação e mais grave, o assassinato do defensor Andrés Escobar, que jogou contra Flamengo neste mês de fevereiro de 1993, e tinha feito um gol contra na eliminação contra os Estados Unidos. Outro jogador em campo contra Flamengo que morreu precocemente foi o Hermán Gaviria. Em 2002, com apenas 32 anos, foi atingido por um raio durante um treino de seu clube do Deportivo Cali, e não resistiu.
Como um retrato da violência da época, o jogo no estádio Atanasio Girardot começou com muitas faltas e o primeiro cartão amarelo foi para o veterano Júnior por uma cotovelada. O primeiro lance saiu dos pés do atacante colombiano John Tréllez, mas bola foi fora do gol de Gilmar. Com 19 minutos de jogo, o Atlético Nacional recuou a bola até o goleiro René Higuita, que dominou mal. Higuita, conhecido pelos seus 41 gols em carreira e a “defesa escorpião” contra a Inglaterra, tentou uma finta de chute, o também folclórico Renato Gaúcho antecipou e conseguiu tocar a bola para a deixar no gol vazio e abrir o placar. O Atlético Nacional tentou reagir ainda no primeiro tempo, Gilmar fez duas belas defesas de chutes de falta, e Júnior Baiano afastou o perigo com gesto acrobático.
No início do segundo tempo, Júnior Baiano quase concedeu um pênalti, mas o juiz não apitou. O Atlético Nacional botava pressão no jogo, num cruzamento alto o goleiro Gilmar saiu mal e deixou a bola escapar, Carlos Zúñiga chutou no gol defendido apenas pelo Wilson Gottardo, mas só conseguiu achar o travessão. Gilmar ainda fez outras defesas decisivas e virava o grande homem do jogo, mantendo Flamengo na frente no placar de forma milagrosa.
Outro retrato da violência da época, na cobrança de um escanteio, Júnior foi atingido na cabeça por uma pedra, mas seguiu em campo. Flamengo foi melhor no final do jogo, mas nem Marcelinho Carioca nem Gaúcho conseguiram fazer o gol para uma vitória mais tranquila. Finalmente não foi necessário, Flamengo, com a ajuda de René Higuita, derrotava o narco-fútbol e um mês depois fechou o grupo no primeiro lugar, antes de ser eliminado nas quartas de final pelo antigo e futuro campeão, São Paulo.
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Jogos eternos #137: Flamengo 15×2 Mangueira 1912

Esse fim de semana, com gol de Pedro, Flamengo chegou ao gol 13.000 de sua história, primeiro clube do mundo a atingir tal marca. Esse fim de semana também foi de Pascoa, vamos então para um chocolate do Flamengo, a primeira de todas as goleadas, o primeiro de todos os jogos, lá em 1912.
Eu já escrevi sobre a fundação da seção de futebol no Flamengo na crônica sobre o time histórico de 1912, vamos então diretamente para o primeiro jogo, contra Mangueira, no 3 de maio de 1912. Jogo aconteceu no estádio do America, o campo da Rua Campos Salles, lá em Tijuca. E para o primeiro jogo de sua história, o time do Flamengo foi escalado assim: Baena; Píndaro, Nery; Coriolano, Gilberto, Gallo; Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavo, Borgerth. Desse time, apenas Coriolano e Gilberto não conquistaram o campeonato carioca 1911 com Fluminense. Outro craque em campo, o próprio juiz, Belfort Duarte, zagueiro do America e que deu seu nome a um prêmio de fair-play.
E o Flamengo nem esperou um minuto para fazer o primeiro gol de sua história, para dar uma dica de quanto será gigante. “Diante de pequena concorrência foi dado o sinal para o kick off, cabendo a saída ao Flamengo, que logo ataca o goal adversário, fazendo o primeiro em um minuto de jogo, marcado pelo inside left Gustavo” escreveu na época o Jornal do Commercio, mostrando como o vocabulário do futebol evoluiu. Em 1971, para a revista Grandes Clubes Brasileiro, Gustavo falou sobre o primeiro gol do Flamengo: “Foi praticamente no início da partida, mais precisamente no primeiro minuto. A jogada começou lá atrás, na esquerda da nossa defesa, com o Galo dominando e me cedendo um passe na altura da meia canhota. De primeira, tão pronto recebi, lancei na extrema direita, em profundidade, para o Arnaldo, que fugiu pela linha de fundo e de lá deu para trás, dentro da grande. Eu acompanhara o ataque no pique mais veloz que possuía e, de pé direito e em plena velocidade, emendei de primeira e violentamente, rasteiro, de forma indefensável para qualquer goleiro. Eu era baixinho (1,58 m) e muito leve (54 kg), mas compensava tudo isso com a rapidez […] Eu fui o autor desse feito histórico e titular até o mês de julho, quando viajei para a Inglaterra, onde permaneci cinco anos, estudando engenharia. Quando formado, em 1918, voltei ao Rio e a jogar pelo Flamengo. Mais tarde, acabei me tornando seu presidente, conquistando o primeiro título do clube no profissionalismo, em 1939”. Apesar dos títulos, Gustavo de Carvalho não foi tão feliz na presidência, forçando a saída do então maior ídolo do Flamengo, Leônidas da Silva.
E com dois minutos de jogo, Flamengo já fazia outro gol, de novo com Gustavo, agora com passe de Gilberto. “Dada de novo a saída, Gilberto, ‘center-half’ do Flamengo, faz um belo passe a Gustavo, que marca ainda o 2º ‘goal’, depois de cerrado ataque ao gol guardado por Moggey” escreveu agora o jornal O Paiz. Provavelmente Flamengo é o único clube do mundo a ter feito 2 gols nos 2 primeiros minutos de sua história. O terceiro gol chegou na metade do primeiro tempo, Borgerth servindo Arnaldo. E como Gustavo, Arnaldo esperou pouco tempo, apenas 3 minutos, para conseguir o doblete. Octavio finalmente fez um gol para Mangueira, mas dois minutos depois, Gustavo completou o hat trick e Belfort Duarte apitou o intervalo com um placar de 5×1.
E os gols foram ainda mais numerosos no segundo tempo. Gallo, três de Amarante, mais um de Arnaldo, Flamengo fazia 5 gols em 10 minutos, mostrando que era um clube destino a fazer muitos gols. “A peleja foi desastrosa para o Mangueira, cujo eleven era visivelmente inferior ao do adversário. Foram poucas as vezes em que seus players pisaram o campo inimigo. O seu goal-keeper, desnorteado, sem calma, fez o que era possível naquella conjectura. Para o contraste flagrante do estado das equipes o defensor das barras do Flamengo passeava de braços cruzados por não ter serviço” escreveu o Jornal do Brasil. Mangueira conseguiu um segundo gol, com bela falta de Levy. Mas no minuto seguinte, já tomou um novo gol, feito pelo Gustavo.
E os minutos finais do jogo foram iguais ao resto do jogo, deu só Flamengo, apenas Flamengo, que fez mais quatro gols com Arnaldo, Amarante, Borgerth e Gustavo. O placar final foi 15×2 e podia ter sido até maior, já que Gallo e Baiano perderam pênalti. No final, 5 gols de Gustavo, 4 de Arnaldo e Amarante, 1 de Gallo e Borgerth. Uma vitória 15×2, que durante muito tempo foi considerada 16×2, por causa de um duplo erro do Jornal do Commercio, que escreveu: “Fluminense vence Mangueira 16×2”. A correção do erro o dia seguinte ficou despercebida, como também o placar correto de 15×2 anunciado pelos jornais Gazeta de Notícias e A Noite. Precisou esperar quase 100 anos e a pesquisa de Marcelo Abinader no livro Uma viagem a 1912: surge o futebol do Flamengo, para ter o placar correto de 15×2. Enfim, 15×2, 16×2, não importa a dúvida, a certeza era que, mesmo com apenas 80 minutos de jogo, o Flamengo era uma máquina de fazer gols e um clube com destino de eternidade.






