
Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
-
Jogos eternos #46: Flamengo 7×0 Universidad de Chile 1999

Aproveitando da janela internacional para voltar a um jogo internacional, na Copa Mercosul 1999. A Copa Mercosul foi criada um ano antes para ser a segunda competição continental na América do Sul. Na época, só tinha dois times para cada país na Copa Libertadores e a Copa Mercosul virou um torneio muito prestigioso. Na primeira edição, o Palmeiras de Arce, Zinho e Alex ganhou na final do Cruzeiro de Dida, Valdo e Müller.
Na edição de 1999, participaram os 5 grandes da Argentina (Boca, River Plate, Independiente, Racing e San Lorenzo) e o Vélez Sarsfield de José Luis Chilavert. Participaram também os 3 maiores do Chile (Colo-Colo, Universidad de Chile e Universidad de Catolica), os 2 maiores do Uruguai (Peñarol e Nacional) e os 2 maiores do Paraguai (Olímpia e Cerro Porteño). E no Brasil, 7 times, todos dos 12 gigantes originais do futebol brasileiro: Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, São Paulo e Vasco. Um torneio com 20 clubes, todos da elite do futebol sul-americano. Juntos, esses 20 times já conquistaram 420 campeonatos nacionais. A Copa Mercosul de 1999 talvez é o torneio mais disputado da história do futebol sul-americano.
Flamengo ficou no grupo E e começou com duas vitórias contra Olímpia e Colo-Colo. Em seguida, perdeu contra Universidad de Chile e o jogo de volta contra Olímpia. Depois de um empate contra Colo-Colo, a situação era complicada. Para se classificar, Flamengo precisava vencer do Universidad de Chile no último jogo e torcer para uma derrota do Colo-Colo para conquistar o segundo lugar. Ou, para depender apenas de si mesmo, se classificar como um dos melhores terceiros dos grupos. A condição era de ganhar pelo menos de quatro gols do Universidad de Chile. Parecia difícil, quase impossível mas nada é impossível para o Flamengo.
No 7 de outubro de 1999, uma quinta-feira de noite, poucos acreditavam num milagre: apenas 6.050 pagantes no Maracanã, mas 11 guerreiros em campo, escalados assim pelo saudoso Carlinhos: Róbson, Maurinho, Juan, Ronaldo, Marco Antônio; Leandro Ávila, Fábio Baiano (Marcelo Rosa), Beto; Caio (Iranildo), Leandro Machado (Rodrigo Mendes), Romário. Um time razoável com um craque diferenciado e que ia fazer a diferença, Romário.
Flamengo precisava ganhar, precisava golear, precisava atacar e começou o jogo atacando, fazendo gols, muitos gols. Com apenas 5 minutos, Fábio Baiano cruzou, Romário dominou no ar e sem deixar a bola cair no sol, procurou o gol de voleio. O goleiro defendeu, mas Caio foi o mais rápido para chegar na bola, chutar no gol, abrir o placar. Flamengo 1×0, jogo começou bem.
Depois, foi o início do show Romário. Com 16 minutos, dominou de peito e tentou um passe em profundidade. A defesa chilena interveio, mas Romário foi o mais rápido para chegar na bola. Escapou do carrinho de um defensor, driblou um zagueiro, driblou o outro, 3 defensores no chão e o goleiro na frente, que saiu do gol e já sabia o que ia acontecer. Com tranquilidade, será que Romário sabia fazer de outro jeito?, de meio bico meio trivela, deixou a bola na gaveta. E uma mensagem na camisa debaixo do Manto Sagrado para a torcida, para os fãs, para quem pode entender “Seja forte com força e fé, você saira desse”. Flamengo 2×0, a metade do caminho já estava feita.
Um minuto depois, apenas um minuto depois, uma saída duvidosa do goleiro, Fábio Baiano foi o mais rápido para chegar na bola e cruzou para Caio. Não tinha mais goleiro, mas tinha defensores na linha do gol. Defensores e Romário. A bola bateu no Romário, que, dando um carrinho, fez mais um gol. Romário também sabia fazer gols na raça. Flamengo 3×0, só faltava um gol.
E o gol salvador veio ainda no primeiro tempo. Leandro Ávila recuperou uma bola no campo da Universidad do Chile, deixou para Beto, na frente para Leandro Machado, que achou de cabeça na direita Fábio Baiano. Goleiro defendeu, Leandro Machado foi o mais rápido para chegar na bola, mas Vargas defendeu de novo. A bola flirtou com a linha do gol, e Romário foi o mais rápido para chegar na bola e a empurrar de trivela no fundo das redes. Flamengo 4×0, o terceiro do Romário, Flamengo classificado.
No segundo tempo, um drible de vaca de Leandro Machado na grande área e um chute, goleiro defendeu com o pé. Bola voltou fora da grande área, Marco Antônio foi o mais rápido para chegar na bola e chutar. Bola foi desviada, bola foi no gol. Flamengo 5×0, virou um show, agora sem a participação de Romário.
Mas claro, Romário não podia deixar de aparacer durante o jogo. Podia até desaparecer durante um tempo, fazer a defesa esquecer dele, e aparecer de novo no momento certo, na hora de fazer o gol. No lado esquerdo, Caio pegou a bola e voltou no centro do campo, evitando dois defensores. Fez um passe em diagonal sensacional para Romário, um domínio na direção do gol, e um chute sem muita convicção, mas suficiente para fazer o quarto dele no jogo. E mais importante, era o gol 200 do Baixinho com o Manto Sagrado. Flamengo 6×0, com mais um show do ídolo da torcida.
Flamengo estava classificado mas queria a maior goleada da história da Copa Conmebol. No final do jogo, de novo na direita, Maurinho cruzou na frente do gol. Romário desviou da ponta do pé para Rodrigo Mendes, que chutou forte, sem chance para o pobre goleiro. Flamengo 7×0, uma goleada histórica, um jogo eterno.
Com esse grande jogo e 4 gols de Romário, Flamengo se classificava nas quartas de final. Passou do Independiente, do Peñarol e, já sem Romário que brigou com a diretoria, conquistou a Copa Conmebol depois de mais dois jogos eternos contra Palmeiras. Um time campeão, que quase foi eliminado na primeira fase, mas era um time de raça e de coração, de força e fé, e de um gênio da grande área, Romário.
-
Jogos eternos #45: Flamengo 1×0 Vasco 2022

Para dar sorte para o jogo de hoje, vamos lembrar um jogo de apenas um ano de existência, mas um jogo onde Flamengo tinha uma vantagem de um gol sobre o Vasco, numa semifinal do campeonato carioca, em 2022.
Na época, Flamengo tinha conseguido a vitória no jogo de ida com um placar magro, 1×0, gol de Gabigol, de pênalti. Em 2023, placar foi maior, mas com vantagem igual: 3×2 Mengão. Como em 2023, o Flamengo de 2022, de outro português, Paulo Sousa, ainda estava longe de convencer. Mas estava perto de uma primeira decisão no ano, e no 20 de março de 2022, Flamengo foi escalado assim: Hugo Souza; Rodinei (Matheuzinho), Fabrício Bruno, David Luiz, Filipe Luís; Willian Arão, João Gomes, Arrascaeta (Léo Pereira); Lázaro (Marinho), Gabigol (Éverton Ribeiro), Pedro.
Na frente de 58.478 espectadores, jogo começou equilibrado, com leva vantagem do Vasco, mas Hugo Souza fez boas defesas. Hugo Souza deixou de brilhar em alguns jogos e tomou alguns frangos duros, mas acho que ele é um bom goleiro e que, se corrige alguns pontos fracos, pode ter uma carreira linda. Flamengo reagiu e Pedro quase fez o gol, mas o goleiro vascaíno fez a defesa. Ultimo lance do primeiro tempo foi de Nenê, livre na entrada da área, para achar o ângulo flamenguista do pé esquerdo mágico, mas bola fugiu das redes. No intervalo, Flamengo 0x0 Vasco.
Primeiro lance do segundo tempo, de novo Nenê, de novo fora do gol do Flamengo. Nenê inflamou a torcida vascaína, mas Hugo Souza fez de novo grande defesa num chute poderoso de Edimar. Flamengo reagiu, cabeçada fora do gol de Léo Pereira, chute defendido de Pedro. E Flamengo fez o gol. De novo Arrascaeta, cruzamento da direita para a esquerda, para Lazaro, com um toque, bola na pequena área. Pedro perdeu a bola, Willian Arão não, de pé esquerdo, o jogador mais antigo do elenco fez o gol da vitória, o gol da classificação, o gol da final, o gol da decisão.
Gabigol quase fez o segundo, mas o chute de cobertura flirtou com a trave. Hugo Souza quase falhou, mesmo num grande jogo dele podia falhar, mas foi salvo pela trave. Ultimo lance foi de Marinho, mas não mudou o placar, não mudou o classificado pela grande final, Flamengo, em cima do velho freguês, Vasco.
-
Ídolos #12: Leônidas

A camisa 12 no Flamengo é da torcida. Para a 12a crônica, eu poderia ter escolhido Júlio César como ídolo, que vestiu a camisa 12 na sua volta ao clube, justamente para homenagear a torcida. Júlio César é muito ídolo do Flamengo e ele merece a crônica dele aqui. Mas hoje eu vou de um jogador antigo, de uma época tão antiga que nem tinha número nas costas dos jogadores, mas eu vou de um jogador que se confundiu com a torcida, que representou a torcida como ninguém, Leônidas da Silva. Vale começar a crônica com essa fala de um gênio do jornalismo, Luiz Mendes: “Leônidas não foi melhor do que Pelé. Mas também não foi pior”.
Leônidas não vestiu a camisa 9, não vestiu a camisa 10, não vestiu a camisa 12, Leônidas vestiu o Manto Sagrado. Nasceu no Rio de Janeiro em 1913, apenas 25 anos após o fim da abolição oficial do escrevidão. Cresceu nos subúrbios pobres, onde começou a jogar peladas, descalçado, com bola de papéis. Futebol já era paixão das crianças humildes, mas nos campos oficiais, era coisa de ricos. Na elite do futebol carioca, tinha poucos clubes que aceitavam negros no time deles: Bonsucesso, Syrio e Libanez, São Cristóvão, Bangu, Vasco. E, com exceção do Bangu, Leônidas passou pelo todos esses clubes, com muito brilho.
Jogando no Bonsucesso, Leônidas foi chamado na seleção carioca e foi o destaque do campeonato brasileiro de seleções estaduais de 1931, com 2 gols na final contra São Paulo. No mesmo ano, Leônidas falou para Globo: “O elemento de cor entre num grande clube nunca é bem recebido. O único clube grande que recebe com simpatia esses elementos é o Vasco. Nos outros grandes teams, o elemento negro não muda de cor. É um negro… Portanto, é melhor ficar onde se é cercado de consideração. E é por isso que eu ficarei no Bonsucesso”. No ano 1932, Leônidas assinou com o America, mas por causa do racismo, não foi bem recebido. Ainda foi acusado de ter roubado a coleira de uma senhora da alta sociedade, de ser uma vergonha para os ricos espectadores nas arquibancadas. No salão nobre dos clubes, a presença de Leônidas e dos outros jogadores não era bem-vista.
Em 1932, Leônidas fez seu primeiro gol de bicicleta. “É possível que o gol de bicicleta não seja criação minha, mas antes de mim não vi ninguém fazê-lo”, explicou Leônidas. Na Argentina, a jogada é conhecida como “chilena”, por causa do chileno Ramón Unzaga, que fazia esse gesto antes de Leônidas. Mas no Brasil, e nos meus livros franceses de futebol quando eu era criança, o inventor foi Leônidas. Porque ninguém fazia a bicicleta com tanta facilidade, tanta classe e tanta frequência do que Leônidas. Nesse mesmo ano de 1932, Leônidas foi convocado na Seleção brasileira, o que virou problema para o presidente da CBD, que até tentou impedir a convocação de Leônidas. Não conseguiu, e, ao lado do zagueiro Domingos, Leônidas brilhou no Uruguai, com dois gols no Centenário contra os campeões mundias para conquistar a Copa Rio Branco. Leônidas virou o Diamante Negro, Domingos virou o “melhor back do continente”, Peñarol comprou Leônidas, Nacional comprou Domingos. Domingos foi campeão uruguaio, e Leônidas brilhou mais nas noitadas alcoolizadas de Montevidéu do que nos campos.
Leônidas era carioca de alma, voltou ao Brasil, voltou no Rio, no único grande clube que aceitava negros e pobres: Vasco. Com a Seleção brasileira, Leônidas jogou a Copa do Mundo 1934. O Brasil foi eliminado após apenas um jogo e Leônidas fez o único gol do Brasil na Copa na Itália. Leônidas foi campeão carioca 1934, e assinou com o Botafogo, onde foi campeão carioca 1935. Era o melhor jogador do país, mais ainda não era o ídolo do país. Faltava alguma coisa divina, faltava Flamengo.
Leônidas se declarou flamenguista na imprensa e o dirigente botafoguense Carlito Rocha mandou ele embora. Obrigado Carlito. Leônidas assinou em 1936 com o Flamengo, onde o presidente José Bastos Padilha transformou o clube, abrindo as portas para os jogadores negros. Fausto no início do ano, Domingos depois, mas sobretudo Leônidas. Mais do que Fausto e Domingos, mais do que a imprensa escrita e o rádio, foi Leônidas que fez do Flamengo o clube do povo. Fez a alegria do pobre, o orgulho do negro, com gols, carisma, luta em campo e fora do campo contra o racismo. Em apenas três meses, fez 23 gols. Leônidas foi um fenômeno, como apareceu um a cada geração. Foi o maior de seus tempos, a ligação entre Friedenreich, que vestiu o Manto Sagrado em fim de carreira, e Pelé, que vestiu o Manto Sagrado uma vez, em 1979. Leônidas nem precisava ganhar títulos para ganhar o coração do povo, viu o Fluminense dos ricos, dos brancos, dos italianos, dos paulistas, conquistar o tricampeonato carioca entre 1936 e 1938.
Em 1938, Leônidas tornou-se definitivamente o ídolo do povo com a Copa do Mundo, na minha França. No primeiro jogo, fez três gols contra a Polônia. Fez um gol de novo contra a Tchecoslováquia, e marcou de novo contra a mesma Tchecoslováquia no jogo desempate. Machucado, desfalcou o jogo contra a Itália e o Brasil deixou escapar a taça. No jogo pelo terceiro lugar, Leônidas fez 2 gols na vitória 4×2 contra a Suécia e o Brasil fez sua melhor campanha em Copa. Leônidas merecia uma Copa, mas a Segunda Guerra mundial o impediu de ter uma outra chance. Mesmo sem o título final, foi suficiente para voltar como o herói do povo, para voltar como o Homem-Borracha, apelido dado pelos franceses, ainda maravilhados com a “magia negra” de Leônidas. Escreveu A Gazeta no 14 de julho de 1938: “O povo arrancou Leônidas do automóvel na praça Mauá. O grande center-forward nacional rogava que se afastassem porque queria respirar. Os fuzileiros navais, na impossibilidade de o isolar, usaram cassetetes e conseguiram metê-lo num carro-forte. Não obstante, a massa popular acompanhou o veículo na esperança de abraçar Leônidas. É um fato inédito. Não há memória na cidade de que nenhum vulto proeminente necessitasse socorro da polícia, a fim de evitar que morresse nos braços do povo”.
Leônidas era um dos três homens mais famosos do país, com Getúlio Vargas e Orlando Silva. Politica, música e futebol. Leônidas virou garoto-propaganda de várias empresas, teve o chocolate Diamante Negro da Lacta, vendeu a goiabada Peixe, fez apresentações num cassino. Quem relembre é Zizinho, que estreou no Flamengo em 1939 e sucedeu ao Leônidas como o ídolo da Nação: “Depois que terminou o campeonato carioca de 1938, o Leônidas foi contratado pelo Cassino da Urca para mostrar como foram feitos os gols dele no campeonato. E Leônidas foi lá para o palco e cada dia fazia um lance de um jogo. Foi uma atração enorme. Mas quando Leônidas terminou o contrato dele, ele um dia foi lá no Cassino da Urca. Eles disseram assim: ‘Aqui não. Negro não entra.’ […] Ele tinha dinheiro para entrar, só que não deixaram”. Mais uma vez, a aberração e a vergonha do racismo.
Em 1939, o Flamengo acabou com um jejum de 12 anos e enfim conquistou o campeonato carioca, com uma rodada de antecedência. Com 10 gols, Leônidas não foi o artilheiro do time, mas foi a principal figura, alimentando os companheiros do ataque, os argentinos Alfredo González, com 13 gols, e Valido, com 12 gols. No 24 de dezembro de 1939, numa derrota 3×4 contra o Independiente na Argentina, também jogo de estreia de Zizinho com o Manto Sagrado, Leônidas fez um gol de bicicleta. “O gol de Leônidas não surpreenderia tanto se não constituísse uma dessas jogadas históricas, inéditas em matches de futebol. […] Dentro da área, antes que o couro chegasse ao solo, estando mesmo mais alto do que um homem de estatura média, o Diamante Negro salta espetacularmente de costas para o gol e de bicicleta, num verdadeiro salto mortal, consagra o terceiro gol” escreveu o Globo Sportivo.
Em 1940, Leônidas foi pela primeira vez o artilheiro do campeonato carioca, com 30 gols, igualando o recorde de Nilo em 1927. Mas Fluminense foi o campeão, com um ponto a mais do que Flamengo. Nesse ano, num amistoso contra a Portuguesa vencido 9×1, Leônidas fez 6 gols, um recorde do clube na época. Leônidas também tornou-se o maior artilheiro da história do Flamengo, ultrapassando Nonô, que tinha feito 123 gols entre 1920 e 1930. Mas o ápice da glória já tinha passado, Leônidas começava a ter problemas com a diretoria do Flamengo. Em 1941, machucado no joelho, recusou-se a entrar num jogo amistoso na Argentina. Rebelde, ou apenas sensato, seguiu firme quando o autoritário Flávio Costa sugeriu que Leônidas podia entrar em campo alguns minutos, a fim de preservar a cota oferecida ao Flamengo pelos times argentinos. Leônidas foi criticado pelo presidente Gustavo de Carvalho, também autor do primeiro gol da história do Flamengo em 1912, e que acusava Leônidas de fazer corpo mole. Leônidas deixou de receber a diária e respondeu ao presidente com uma carta: “Eu estava doente. Eu não podia jogar […] Profissional de football não é escravo”.
Ainda pior para Leônidas, o ídolo no povo foi na cadeia. Em 1935, por ser arrimo de família, o único a sustentar a família, Leônidas, 21 anos na época, podia escapar do serviço militar. Precisava de um documento, e Leônidas foi enganado por um sargento, comprando um falso documento. Leônidas foi na prisão militar, foi operado no joelho realmente machucado e passou 8 meses na prisão, jogando todos os dias peladas, uma vez com o time dos oficiais, uma vez com o time dos soldados. Leônidas era o povo, com a classe do rico, comprando vários ternos de primeira qualidade. No Flamengo, Leônidas foi substituído com sucesso pelo Pirillo, que bateu o recorde do próprio Leônidas, fazendo 39 gols no campeonato carioca 1941. Mesmo assim, Pirillo às vezes era vaiado pela própria torcida e era vítima das críticas do locutor flamenguista Ary Barroso. Não tinha nada a ver com ele, o povo só não podia ver um outro jogador do que Leônidas no ataque do Flamengo, ninguém representava o povo como o Leônidas fazia. O ídolo da Nação saiu da cadeia, mas não voltou ao Flamengo. Recusou-se a jogar no maior do mundo se o presidente ainda era Gustavo de Carvalho. Perdeu a queda de braço, deixou o Flamengo como maior artilheiro do clube, com 153 gols em 149 jogos. Hoje, fica na sétima posição, com seu lugar ameaçado pelo Gabigol. Mas ainda é hoje, e provavelmente para sempre, o artilheiro com a maior média de gols, mais de um gol por jogo. Com 37 gols em 37 jogos, Leônidas também tem a maior média de gols da Seleção brasileira.
Leônidas jogou depois no São Paulo, onde foi ídolo do povo já na chegada dele na cidade, mais de 100.000 pessoas participaram na sua recepção na estação de trem. “Nem um ministro de Estado, nem o maior escrito vivo, nem Portinari já tiveram recepção tão vibrante” escreveu o Jornal dos Sports. Leônidas bateu vários recordes, fez muitos gols, ganhou muitos títulos, foi o primeiro ídolo do São Paulo. Mas infelizmente para a maior torcida do Brasil, não era mais do Flamengo. Jogou até 1949, pendurando as chuteiras quando viu que não tinha chance de participar da Copa do Mundo 1950 depois de vários conflitos com o autoritário Flávio Costa, já no Flamengo, ainda mais na Seleção. Talvez com Leônidas no ataque, o Brasil teria vencido sua primeira Copa no Maracanã.
Quando se fala dos ídolos do Flamengo, já falei que é mais fácil de separar a Era pré-Zico da Era Zico e o que foi depois. No meu top 5 de ídolos de 1978 para cá, Zico obviamente no topo, e Leandro com a camisa 2. E depois, sem ordem particular a não ser alfabética de tanto é difícil escolher: Adriano, Gabigol e Júnior. E para a Era pré-Zico, outros cinco nomes, também pela ordem alfabética: Carlinhos, Dida, Domingos, Leônidas, Zizinho. Mas acho que o nome de Leônidas seria um dos primeiros escolhidos se tinha que escolher mesmo. Não vou escolher hoje, mas Leônidas também faz parte de um dos outros tops 5 meus. Jogador da Era da pré-televisão, existem poucas imagens do Leônidas. Mas existem algumas, e já pode ver toda a classe dele, a facilidade no domínio, a ginga no drible, a determinação na hora de fazer o gol. Até apenas em fotos, Leônidas respira a classe do autentico craque. “Leônidas era, em termos de estilo, um misto de Pelé e Romário. Organizava jogadas com o mesmo brilho com que as concluía. Era do tamanho de Romário e, no entanto, fazia muitos gols de cabeça”, explicou Luiz Mendes. Imagina só, Pelé e Romário no mesmo corpo, na mesma cabeça para pensar e nas mesmas chuteiras para driblar, gingar, marcar, maravilhar os espectadores, o povo. Vira até injustiça para os adversários.
Voltando ao meu top 5, se eu tinha a chance de assistir os melhores lances e partidas inteiras de jogadores dessa Era, acho que vou de Leônidas, Garrincha porque também tem poucas imagens dele nos jogos, Heleno de Freitas e outros dois flamenguistas, Domingos e Zizinho. Mas se tinha que escolher apenas um jogador, acho que seria Leônidas. Porque, para fechar a crônica sobre o ídolo do povo, vou corrigir o que escrevi precedentemente: Leônidas não é um fenômeno que aparece uma vez a cada geração, é um craque que apareceu apenas uma vez e não vai aparecer mais.
-
Jogos eternos #44: Flamengo 2×0 Vasco 1991

O jogo eterno de hoje não foi uma semifinal do campeonato carioca, mas foi um jogo importante no caminho do título de 1991. Como em 2023, Fluminense tinha vencido a Taça Guanabara e assim já tinha o passaporte para a final do campeonato carioca. Ficava apenas uma vaga, para o vencedor da Taça Rio de Janeiro e Flamengo estava na luta com Botafogo e Vasco, o adversário do dia.
Foi um jogo de muitos lances, craques em campo e show de torcidas. No Maracanã, 42.734 espectadores, não um número impressionante para a época, mas as vezes é melhor ter 42.734 apaixonados do que 70.000 caladinhos. No 24 de novembro de 1991, neste ano e em 1992 o campeonato carioca foi disputado após o Brasileirão, o saudoso Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Júnior Baiano, Wilson Gottardo, Piá; Uidemar, Júnior, Nélio (Marquinhos), Zinho; Paulo Nunes (Fabinho), Gaúcho. No Vasco, alguns nomes como Carlos Germano, Alexandre Torres, França, Bismarck e Bebeto. Um jogo de craques em campo.
Na entrada dos times em campo, um show das torcidas. O antigo jogador do Flamengo Bebeto teve a primeira oportunidade depois de um drible sobre Júnior Baiano, mas chutou fraco. O mesmo Júnior Baiano foi o primeiro jogador do Flamengo a ter uma chance de gol após uma falta perfeitamente cobrada pelo pé direito de Júnior. Júnior também deu um bom passe para Gaúcho, que quase fez o gol depois de um drible de giro, mas a bola saiu do gol de Carlos Germano. Num bom cruzamento de Charles Guerreiro, Gaúcho teve mais uma chance de voleio, mas Carlos Germano defendeu. A torcida do Flamengo sentia o gol e empurrava o time. Paulo Nunes para Júnior, e um lindo toque de pé direito, com a classe do mestre Vovô-Garoto. Na finalização, Zinho, de cabeça, mais colocada do que com potência, colocada no canto oposto do Germano. Um golaço e Flamengo na frente do placar.
No segundo tempo, Willian tentou fazer o gol para Vasco, a bola foi bloqueada pela zaga do Flamengo e voltou nos pés de Júnior, que com tranquilidade e classe, deu duas embaixadinhas e um passe longo atrás para o goleiro Gilmar. Um ano depois, será impossibilitado um goleiro pegar com as mãos um passe de um companheiro, a Dinamarca abusando da antiga regra na final da Eurocopa 1992.
Júnior, de novo ele, sempre ele, deu bom passe para Paulo Nunes, que chutou cruzado, mas sem força. Nesse momento, infelizmente uma briga entre torcedores no Maracanã. Quando tem 42.734 apaixonados num mesmo lugar, tem alguns burros pelas leis da probabilidade. Vasco tentava empatar, e Júnior, ainda Júnior, deu um bom cruzamento, agora com o pé esquerdo, para a cabeçada de Gaúcho, que passou um pouco em cima do gol de Carlos Germano. Júnior estava na finalização também com um chute pé esquerdo, mas de novo Carlos Germano defendeu. Um jogo de muitos lances.
No meio do segundo tempo, o segundo gol do Flamengo saiu dos pés de… Júnior, evidentemente. Uma falta no lado esquerdo, de pé direito. Bola alta para a cabeça de Gaúcho, que com inteligência, tentou achar um companheiro perto da pequena área. O companheiro foi Fabinho, que tinha entrado no lugar de Paulo Nunes, e que fuzilou Carlos Germano. Flamengo 2×0 Vasco. Festa no Maraca, festa na favela e festa em campo, quando um torcedor foi dentro das quatro linhas para abraçar Júnior. Um jogo de show de torcidas.
Apesar de mais um lance do Vasco, nenhum outro gol saiu, e Flamengo ganhou o Clássico dos Milhões, depois ganhou a Taça Rio de Janeiro e depois ganhou o campeonato carioca, o primeiro desde 1986, que tinha começado com um Fla-Flu eterno. Mais uma vez, aprende Flamengo de 2023.
-
Times históricos #13: Flamengo 1953

Vamos continuar as homenagens ao Nosso Rei Zico pelo seu 70o aniversario, com uma volta no ano de seu nascimento, que não foi apenas a criação de Deus para Flamengo, 1953 também foi um ano de ouro, de título, de milagre.
O ano começou com o fim do campeonato carioca 1952. No 3 de janeiro de 1953, Flamengo perdeu seu primeiro jogo do ano, contra o America. O técnico era um monumento no Flamengo, Jayme de Almeida, e Flamengo tinha grandes jogadores como o goleiro paraguaio Garcia, Jordan, Dequinha, Joel, Índio e Zagallo. Flamengo ainda goleou Botafogo por 6×3 e Bonsucesso 5×2, Índio fazendo um hat-trick nos dois jogos, e fechou o campeonato com uma vitória 3×1 contra Fluminense, com gols de Índio, Adãozinho e Rubens, o supercraque do time. O apelido do Rubens era Doutor Rubis pela classe que ele tinha em campo. O grande jornalista Mario Filho descreveu Rubens assim: “Gostava de dar dribles largos. Parecia que prendia a bola com um barbante amarrado à chuteira. Porque a bola, que ele atirava para a esquerda e para a direita, voltava sempre, logo, aos pés dele. Rubens não andava como qualquer mortal. Levava um pé à frente, devagar, deixava-o pousar na calçada e, depois, trazia o outro, gingando o corpo, como se dançasse. Não era um samba (…) era um gingar de malandro. De bamba de terreiro”.
Mas quem foi campeão carioca 1952 foi o Expresso da Vitória, o grande time do Vasco. Desde o tricampeonato do Flamengo entre 1942 e 1944, Vasco faturou a maioria dos títulos cariocas: 1945, 1947, 1949, 1950, 1952. Fluminense conseguiu ser campeão em 1946 e 1951 e Botafogo acabou com um jejum de 13 anos em 1948. Flamengo ainda ficava num jejum de 9 anos, não tinha levantado a taça desde 1944, quando o Maracanã nem era um sonho. As coisas precisavam mudar.
Mas as coisas não mudavam ainda. No primeiro quadrangular internacional do Rio de Janeiro, Flamengo empatou contra o Racing e venceu Boca Juniors por 4×2. Mas no jogo do título, foi goleado 5×2 pelo Vasco, que conquistou a taça. Flamengo ainda passou por amistosos, inclusive um na Vila Belmiro onde foi derrotado 4×3 pelo Santos apesar de um novo hat-trick de Índio. Dois dias depois, vingou-se com uma goleada 4×0 contra o mesmo Santos na mesma Vila Belmiro. No torneio quadrangular Régis Pacheco, na Bahia, Flamengo começou com uma goleada 8×2 contra Vitória e em seguida venceu dificilmente Bahia e empatou contra o Internacional, que levou o título com duas goleadas contra os times baianos. No torneio Juan Domingo de Perón, no Monumental de Buenos Aires, Flamengo empatou contra o Racing e Boca Juniors e goleou Botafogo 3×0 com dois gols de Rubens e um de Joel. Flamengo, enfim, campeão.
Flamengo era campeão na Argentina, mas de um torneio amistoso. Voltou no Brasil para um torneio para valer, o torneio Rio – São Paulo. Contra o mesmo Botafogo, Doutor Rubis fez de novo um doblete, mas Flamengo empatou 3×3. E agora sim, as coisas mudaram com a nominação como técnico do paraguaio Fleitas Solich, que levou dez dias antes o Paraguai ao seu primeiro título do campeonato sul-americano, conquistado num jogo desempate contra o Brasil. Tinha três outros paraguaios no time: o goleiro Garcia, o meio-campista Modesto Bría e o centroavante Benítez. Tinha também o argentino Chamorro para um Flamengo internacional no contexto pós-Maracanaço. Fleitas Solich, que recebeu o apelido de Feiticeiro para sua capacidade de revelar jogadores, não foi o primeiro estrangeiro a treinar o Flamengo, este foi Ramón Platero em 1922, que treinava ao mesmo tempo Flamengo e Vasco! Depois teve vários, o mais famoso foi o húngaro Dori Kruschner, que revolucionou a tática no Brasil e importou o WM.
Fleitas Solich também revolucionou a tática no Brasil, com um 4-2-4 e um Zagallo recuado, um esquema tático que será utilizado pelo Brasil campeão do mundo em 1958. Fleitas Solich começou no Mengo com uma vitória 3×2 contra o Santos no Maracanã, com gols de craques, apenas de craques: Joel, Evaristo de Macedo e Esquerdinha. Flamengo sempre foi diferente. Em seguida, empatou contra Vasco e logo no seu terceiro jogo, Fleitas Solich levou uma terrível goleada, um 6×0 contra o Corinthians! O clube paulista fechou com o título este ano e tinha um grande time, com Cláudio, Luizinho, Carbone e Baltazar, mas uma derrota assim sempre dói. Em seguida, Flamengo empatou quatro vezes consecutivamente e fechou sua participação com uma derrota contra Bangu e um 8o lugar num torneio de 10 times. Uma decepção. Conquistou o torneio triangular de Curitiba contra a Portuguesa e Coritiba, mas levou um 4×1 num amistoso contra São Cristovão no antigo estádio Figueira de Mello e perdeu logo no torneio inicio carioca contra o Canto do Rio. Fleitas Solich ainda estava longe de convencer todo mundo.
No campeonato carioca, Flamengo estreou com uma goleada 4×0 contra Madureira. Venceu Olaria e a Portuguesa. Goleou Bonsucesso 4×0, Benítez fazendo todos os gols do jogo! Benítez ainda fez um doblete numa outra goleada, um 5×0 contra Bangu, com também um doblete de Rubens e um gol de Joel. Mas depois, Flamengo perdeu contra Fluminense, empatou contra São Cristovão e perdeu 3×0 contra Botafogo. Flamengo sofreu com Garrincha, autor de um gol e que disputava esse ano seu primeiro campeonato carioca, enfrentando Jordan, que foi segundo o próprio Garrincha, o maior marcador dele, sempre jogando limpo. Laterais esquerdos para Garrincha era tudo João, a mesma coisa, menos Jordan, o marcador impecável. Apesar de outras vitórias durante a primeira fase, Flamengo fechou o primeiro turno com um 3×3 contra Vasco e ainda não convencia todo mundo, vencendo nenhum dos grandes times do Rio.
Flamengo precisava vencer, não podia ficar mais um ano sem título, completar um jejum de dez anos. Flamengo tinha que ganhar em 1953, ano do nascimento de Zico, um ano totalmente rubro-negro. O padre Góes, flamenguista roxo, não aguentava mais. No livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil, Marcel Pereira escreve: “O padre Góes, da Igreja de São Judas Tadeu, flamenguista fanático, sofria. Em 1953, quando não aguentou mais, foi à Casa Grande da Gávea e lá, sem preâmbulo, com os jogadores em volta – Fleitas Solich mostrando os dentes de coelho num riso, Gilberto Cardoso sério, como numa igreja – garantiu que, em nome de São Judas Tadeu, o Flamengo ia ser campeão de 1953. Mas os jogadores tinham que ajudar um pouco: não custava nada ir numa missa de domingo, na manhã antes de cada jogo”. Flamengo era, é e sempre será diferente de todos os outros clubes.
E Flamengo começou o segundo turno com uma goleada 7×2 contra Bangu, três de Índio, dois de Rubens, um de Esquerdinha, um de Joel. De novo, só craques no Flamengo. Venceu Olaria, Canto do Rio, Bonsucesso e como na primeira fase, empatou 3×3 contra Vasco. Também empatou contra Botafogo, um 1×1 com gols de Joel e Garrincha, dois campeões do mundo em 1958 na ala direita. Entre goleadas, 5×0 contra a Portuguesa e Madureira, 4×0 contra São Cristovão, uma vitória mais difícil contra America, 3×2 com gols de Benítez, Rubens e Índio. Só craques. Rubens e Índio voltaram a fazer um gol para vencer o Fla-Flu, último jogo da segunda fase. Flamengo classificou-se para o hexagonal final como primeiro do campeonato, com 36 pontos, um a mais do que o Botafogo. Com a ajuda do padre Góes, rezar para São Judas Tadeu parecia funcionar.
Fluminense, Vasco, America e Bangu também se classificaram para o hexagonal final, uma era de ouro para o futebol carioca. Flamengo venceu um outro Fla-Flu, de novo por 2×1, agora com gols de Benítez e Índio. Benítez continuou a marcar nas duas vitórias contra América e Bangu, as duas pelo placar de 2×0, contra América no 28 de dezembro de 1953 e contra Bangu no 3 de janeiro de 1954. Mas nada de férias, Flamengo precisava ganhar o campeonato, precisava rezar ainda mais para São Judas Tadeu.
De novo Marcel Pereira no livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil: “Quando chegou a manhã da partida decisiva, Gilberto Cardoso, Fleitas Solich, Alves de Morais, todos os jogadores, até o dr. Rúbis, com velas na mão, ajoelhara-se diante do altar da Igreja de São Judas Tadeu, no Cosme Velho”. No jogo decisivo contra Vasco, 132.508 almas no Maracanã. O adversário era o Expresso da Vitoria, de Ely, Ademir, Pinga e Ipojucan, campeão de 1952, e que também tinha um zagueiro no início de carreira, Bellini. O técnico é Flavio Costa, outra lenda do Flamengo, ainda hoje que dirigiu mais vezes o Flamengo, 765 vezes entre 1934 e 1965. Um monumento.
No Maraca, o lateral-esquerdo vascaíno Jorge foi o primeiro a marcar. Só que foi gol contra. Flamengo 1×0. Com meia-hora de jogo, Índio marcou, pelo Flamengo, 2×0 e um minuto antes do intervalo, Benítez quase deu o título ao Flamengo com um gol, Flamengo 3×0. O grande Ademir deu esperança ao Vasco fazendo um gol com uma hora de jogo. Mas um minuto antes do fim do jogo, Benítez deu o título ao Flamengo com mais um gol, Flamengo 4×1, Flamengo campeão. No 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro de Rio de Janeiro, Flamengo fechou o campeonato contra Botafogo com mais uma vitória, a quinta em 5 jogos no hexagonal final, com um gol de seu maior craque de um time cheio de craques, Doutor Rubis.
Com 22 gols, dois a mais do que Garrincha, o paraguaio Benítez se tornou o primeiro estrangeiro a ser artilheiro do campeonato carioca desde 1915 e o inglês Harry Welfare, centroavante do Fluminense. Pelo Flamengo, Índio fez 18 gols e Rubens 17. Espetáculo não foi só em campo, mas também na arquibancada. No total do campeonato carioca de 1953, 2.456.678 espectadores, um recorde que será batido só em 1976. “Quando o estádio foi construído pareceram exageradas as suas proporções e excessivos os sacrifícios financeiros dedicados à sua formidável concepção. Mas agora vemos que esses domingos esportivos são úteis para a higiene mental do povo e para arejar as pesadas preocupações da semana” escreveu o Jornal do Brasil no 12 de janeiro de 1954. Uma era de ouro do futebol carioca. E mais importante, Flamengo, depois do tricampeonato 1942-1944, enfim, depois de 9 anos de luta e sofrimento, era o campeão da cidade, com a ajuda de São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis, que também virou o padroeiro do Flamengo.
Em 1954, outros padres tentaram ajudar outros times do Rio, torcedores tricolores reclamaram, mas o padre Góes garantiu: “O Flamengo vai ser bicampeão”. E foi. E a torcida do Fluminense continuou reclamando, até escrevendo carta para o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara. E o padre Góes continuou: “Em nome de São Judas Tadeu, garanto o tricampeonato”. E foi, em 1955, Flamengo conquistou o segundo tricampeonato de sua história. Hoje, o Dia do flamenguista é 28 de outubro, porque é dia do São Judas Tadeu.
O técnico Fleitas Solich ficou no Flamengo até 1957 e voltou em três outras ocasiões, até 1971. Dirigiu o time em 504 jogos, sendo ainda hoje o segundo técnico com mais jogos no Flamengo, atrás apenas de Flávio Costa. E nesse último ano no banco, em 1971, o feiticeiro Fleitas Solich fez mais magia, lançou pela primeira vez nos profissionais um jogador, um Deus, Nosso Rei, Arthur Antunes Coimbra, Zico. 1953, realmente um ano de fé, de ouro e de glória eterna para o Flamengo.
-
Jogos eternos #43: Flamengo 4×1 Fluminense 1986

Para a semana do aniversario de Zico e o Fla-Flu de hoje, vamos relembrar de um Fla-Flu histórico e um dos maiores jogos do Zico com o Manto Sagrado. Hoje, um Fla-Flu para fechar a Taça Guanabara. Em 1986, um Fla-Flu para estrear na Taça Guanabara e no campeonato carioca.
No 16 de fevereiro de 1986, para um Fla-Flu histórico, o técnico Sebastião Lazaroni escalou Flamengo assim: Cantarele; Jorginho, Leandro, Mozer, Adalberto; Andrade, Adílio, Sócrates, Zico; Chiquinho, Bebeto. Inclusive, foi o único jogo de Zico e Sócrates juntos no Flamengo. Uma pena, que uma dupla assim que brilhou tanto com a Seleção, jogou tão pouco com o Manto Sagrado. Mas os dois foram vítimas de lesões, foram convocados com a Seleção e não teve tempo de jogar mais juntos. Foi um Fla-Flu só, um Fla-Flu eterno, onde o Fluminense, tricampeão carioca entre 1983 e 1985, tinha também grandes nomes, como Ricardo Gomes, Branco e Romerito.
Flamengo entrou em campo na frente de 84.303 presentes e a torcida do Fluminense provocou Zico: “bichado, bichado”. Desde o 29 de agosto de 1985 e o atentado de Márcio Nunes, Zico tinha dificuldade para voltar ao seu melhor nível, até para voltar apenas em condições de jogo. Na verdade, a reputação de bichado começou antes de 1985, e saiu do próprio presidente do Flamengo, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, que vendeu Zico em 1983, alegando que “ele estava bichado, a verdade é essa. Zico jamais será o mesmo. Ele era o arco e a flecha. Armava e voava para finalizar. Agora, no máximo, poderá armar”. Zico foi vendido, voltou no Flamengo, foi machucado, foi operado, foi machucado de novo, voltou ao campo.
Zico voltou de maneira oficial nesse 16 de fevereiro eterno, num Flamengo reforçado por um outro craque da Seleção de 1982, Sócrates. Mas quem brilhou nesse dia foi o próprio Zico. E brilhou com poucos minutos. Apenas dez, como o número da camisa eterna. E Zico foi o arco e a flecha. Armou a jogada para Bebeto, Alexandre Torres cortou mas a bola foi nos pés de Adílio, que cruzou desde a esquerda. A flecha Zico cabeceou e fez seu gol 15 num Fla-Flu. Já não tinha mais canto de bichado, só a torcida do Flamengo que cantava “Zico, Zico”.
Alguns minutos depois, uma advertência. Uma falta sensacional de Zico no travessão de Paulo Vitor. Fluminense impedia no momento um novo gol de Zico e empatou um pouco antes do intervalo com um pênalti de Leomir. Zico brilhou muito no primeiro tempo, errando quase nada, mas ia brilhar ainda mais no segundo tempo.
Com 3 minutos de jogo no segundo tempo, Zico deu um passe sensacional atrás para Sócrates, que abriu na esquerda, Adilio achou Bebeto, que não conseguiu finalizar. Depois, mais uma advertência de Zico. Uma finta com a perna direita suspendida no ar, e um chute, no meio de gol, sem problema para Paulo Vitor. O arco Zico voltou em ação, com um passe sensacional de calcanhar para Adalberto, que parou no goleiro tricolor. No momento, jogo ficava no empate.
E depois, a obra arte de Zico, uma falta perto da grande área, uma falta perfeita, na gaveta de um Paulo Vitor que só olhou. A comemoração é icônica também, Zico, de braços para o céu, num Maracanã cheio de lenços brancos para homenagear mais uma vez o gênio de Zico. Nosso Rei não precisava desse jogo para ser eternizado no Flamengo, mas mais uma vez, ele provou a existência de Deus, apenas com essa falta. Já sem o contexto, é uma das faltas do Zico que gosto mais, a curva é sensacional. Agora com o contexto, vira uma divindade. Depois, com outra ginga, Zico quase fez o terceiro dele no jogo, mas Paulo Vitor defendeu.
A torcida do Flamengo cantou, cantou forte, cantou bonito. E Flamengo fez mais um gol, agora sem a participação de seu maior jogador, do dia e da história. Chiquinho para Sócrates, de novo para Chiquinho, em seguida para Bebeto, que fazia nesse dia seu 22o aniversario, e com uma bola no fundo das redes, quase matava o jogo. E o jogo acabou com mais um gol de Zico, de pênalti, que fazia assim seu gol 700 na sua carreira. Números surreais para um jogador fora de série. E o juiz apitou o fim do jogo com a bola nos pés de Zico, que fez nesse dia uma das suas partidas mais memoráveis de uma carreira de ouro. De novo, falta palavras para descrever o gênio do Nosso Rei. Quem ficava também sem palavra era a torcida do Fluminense, que não podia engolir o próprio canto de “bichado” no início do jogo.
Quem também não falou nada foi o próprio Zico, demostrando mais uma vez a mesma classe em campo e fora do campo. No livro Zico: 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia, Zico voltou a falar desse jogo eterno: “Foi duro ouvir a torcida do Fluminense me chamando de bichado antes do jogo. Mas não fiquei com raiva da torcida deles. O problema é que quando fui vendido para a Udinese o Antônio Augusto, numa festa em que estava meio alegre, jogou a merda no ventilador. E para justificar a minha saída do clube disse que eu estava bichado. Ainda bem que Deus me ajudou naquele dia. Acho que foi um jogo em que não consegui errar nenhuma jogada. Dava tudo certo… bicicleta, passe de calcanhar, tudo, tudo… Eu não sei como a torcida do Fluminense deve ter voltado para casa. Mas eu não abri meu braço, minha boca, não fiz nada, fiz os gols, fui sempre para a torcida do Flamengo, para a torcida do Fluminense eu não disse um aí para ela”. Ah Zico, você nos deu tanta alegria e tanto orgulho de ser flamenguista…
-
Jogos eternos #42: Flamengo 2×0 Vasco 1996

De novo, o Flamengo está de volta no campeonato carioca, de novo vindo de um vice-campeonato. Só em 2023 são três competições perdidas e agora tem apenas o campeonato carioca para conquistar um título no primeiro semestre. Ou, diante de tantas frustrações, podemos até considerar a Taça Guanabara um título, e já levantar uma taça esse domingo. Ultima vez que Flamengo ganhou a Taça Guanabara em cima do Vasco foi em 1996, quando tinha um time histórico e craques como Romário e Sávio.
Como hoje, Flamengo chegou em 1996 em condição de ganhar a Taça Guanabara de maneira invicta. Em 1996, era o último jogo da fase, hoje ainda falta o Fla-Flu depois do jogo contra Vasco. Em 1996, o Vasco de Juninho Pernambucano tinha perdido apenas um jogo e estava também em posição de ganhar a Taça Guanabara. Hoje, o Vasco de Pedro Raul precisa de pontos para ficar no G-4, com apenas um ponto a mais do que Volta Redonda e Botafogo.
No 5 de maio de 1996, com 89.686 espectadores no Maracanã, inclusive os atletas americanos Michael Johnson e Mike Powell, Joel Santana escalou Flamengo assim: Roger (Zé Carlos); Zé Maria, Jorge Luiz, Ronaldão, Gilberto; Márcio Costa, Mancuso, Nélio, Marques (Iranildo); Sávio, Romário. Um time com jogadores muito bons e dois craques diferenciados, que iam fazer a diferença, Sávio e Romário.
Quem começou a brilhar foi Sávio, com muitos dribles, para quem Vasco tinha só carrinhos e pancadas como respostas. Romário não tardou a brilhar, com um domínio sensacional num lançamento longo de Zé Maria, mas não conseguiu finalizar. Sávio chutou de longe, sem perigo para Carlos Germano. Vasco reagiu, com Assis e Juninho Pernambucano, sem marcar. No intervalo, 0x0.
No início do segundo tempo, Válber chutou sem defesa para Zé Carlos, mas Nélio salvou em cima da linha. Com uma hora de jogo, Iranildo achou Romário que achou as redes, aproveitando da falha de Carlos Germano. Romário foi demais nessa Taça Guanabara, em 10 jogos, fez 17 gols, passando em branco apenas no primeiro jogo. Contra o antigo clube, Romário comemorou exaltando a torcida flamenguista.
Vasco precisava agora de dois gols para conquistar a Taça Guanabara, mas Zé Carlos, que entrou no decorrer do jogo e reestreava no time depois de 5 anos longe do clube, defendeu no seu ângulo um chute de Assis. Flamengo voltou a atacar, e Zé Maria, que fazia seu primeiro jogo com o Manto Sagrado, fez um passe sensacional para Sávio, que, de primeira, fez um gol que valia um título, que valia uma Taça Guanabara. Depois, ainda com Sávio e Romário brilhando, Flamengo conquistou o campeonato carioca de maneira invicta. Aprende, Flamengo de 2023.
-
Ídolos #11: Zinho

A camisa 11 também é um pouco menos emblemática do que a 9 ou a 10 no Flamengo, mas também é cheia de história. A escolha obvia era Romário, que brilhou durante muitos anos com a camisa 11. Brilhou não só com a camisa 11 no Flamengo, até fez história nos clubes rivais, mas com o Manto Sagrado, foram muitos muitos gols, 204 exatamente, muitas artilharias e um pouco menos de títulos. Outro ídolo do coração é Renato Abreu, artilheiro durante muitos anos do Flamengo no século XXI. Brilhou quando comecei a assistir aos jogos, brilhou no meio do campo, com raça e carisma, brilhou fora da área, com muitos gols de falta. Romário e Renato Abreu são ídolos do Flamengo e terão um dia a crônica deles aqui. Mas hoje eu vou de um outro ídolo camisa 11, Zinho.
Zinho, ou Crizam Cézar de Oliveira Filho de nome completo, nasceu no 17 de junho de 1967 no estado de Rio de Janeiro, em Nova Iguaçu. Craque de casa, estreou com o Manto Sagrado no campeonato carioca 1986 e logo já se tornou campeão pelo Flamengo. O ano seguinte, em 1987, foi ainda mais mágico, com a Copa União. Foi um dos times mais fortes da história do Flamengo, com antigos craques como Zico, Andrade e Leandro e a nova geração, com Zinho, Leonardo e Jorginho. E entre as duas gerações, um jogador diferenciado, que jogou muito nesse ano, Renato Gaúcho. Um time cheio de craques, com muitos jogadores tetracampeões em 1994 e apenas um titular que nunca jogou na Seleção, mas jogou muito com o Manto Sagrado, Aílton. Um título muito marcante, que alguns podem desmerecer se quiseram, mas que vale ouro, com um time de ouro.
Em 1988, o canhoto Zinho fez um golaço contra o Atlético Mineiro na Copa União. Uma matada da bola alta, uma caneta entre as pernas de Carlão e um chute cruzado entre as pernas de um outro defensor, um golaço. Em 1989, foi convocado pela primeira vez na Seleção, num amistoso contra Equador. E os títulos voltaram com o Flamengo, a Copa do Brasil de 1990 e o campeonato carioca 1991. Zinho agora fazia a ligação entre os jovens da base e os craques mais consagrados. Marquinhos, Djalminha e Marcelinho de um lado, e do outro, Gilmar Rinaldo, Wilson Gottardo e Gaúcho, e claro, o mestre, o Vovô-Garoto Júnior. Na final do Brasileirão, contra Botafogo, Zinho foi o craque do primeiro tempo no jogo de ida. Inclusive, foi ele que provocou a falta eternizada pelo Júnior. No 19 de julho de 1992, doze dias depois de meu nascimento, Zinho se tornava bicampeão e, no aniversario da mãe, cedia a faixa de campeão para ela. Um craque dentro e fora dos campos.
Era a hora de sair do Flamengo e Zinho foi no supertime do Palmeiras da Era Parmalat. Foi campeão brasileirão mais duas vezes, completando um tricampeonato consecutivo que poucos fizeram. Também foi bicampeão paulista e ganhou o Torneio Rio – São Paulo 1993. Em 1994, foi nos Estados Unidos para ser mais uma vez tetracampeão, agora com a Seleção de Romário, a quem cedeu a sua camisa 11 para pegar a 9. Zinho foi criticado pela falta de apoio ofensivo numa seleção bem organizada e defensiva. “Vendo o povo na rua, louvei a Deus. Essa Copa não foi boa para minha carreira, mas tenho certeza de que dei a minha contribuição para a conquista do título. Dar essa alegria ao povo foi muito mais importante do que os interesses profissionais e a reputação do Zinho” falou Zinho sobre a recepção da torcida no Brasil no livro Quem venceu o tetra escrito pelo Alex Dias Ribeiro e que fala sobre a história dos Atletas do Cristo, de quem Zinho faz parte. E sim, hoje Zinho é relembrado como tetracampeão, como campeão de tudo.
Depois, Zinho seguiu o caminho aberto pelo Zico e foi jogar no Japão, no Yokohama Flügels. Voltou ao Palmeiras, tempo de ganhar ainda mais títulos, uma nova Copa do Brasil e títulos continentais, a Copa Mercosul de 1988 e ainda mais, a Copa Libertadores 1999. Um supercampeão. No Grêmio, ganhou em 2001 a Copa do Brasil e o campeonato gaúcho. Depois, foi reserva do Alex no Cruzeiro de 2003, que conquistou a tríplice coroa inedita, o campeonato mineiro, a Copa do Brasil e o Brasileirão. No jogo do título do primeiro campeonato da era de pontos corridos, Zinho substituiu um Alex suspenso e jogou muito na vitória contra Paysandu. Com esse pentacampeonato pessoal, igualou-se como maior vencedor do Brasileirão a outro craque do Flamengo, Andrade.
Zinho ganhou tudo, mas para ter uma carreira completa, precisava voltar ao Flamengo. E 18 anos depois do primeiro título carioca, Zinho voltou a ser campeão com o Maior do Rio em 2004, jogando no meio de campo com outros craques, Ibson e Felipe. Em 2005, entrou em conflito com Cuca e saiu do Flamengo. 2005 também foi o ano que comecei a acompanhar o Flamengo, mesmo de longe, mesmo com poucas informações, mas com muito coração. Não tenho lembranças do Zinho com o Manto Sagrado, mas relembro da camisa desse ano, então Zinho é o craque da época antiga que me sinto próximo, quase como se tinha o visto jogar em campo. Depois, ainda jogou no Nova Iguaçu, o time de sua cidade de nascimento, e encerrou a carreira nos Estados Unidos, no Miami, com 40 anos.
Zinho era esse jogador carismático, com essa mecha de cabelos brancos e sobretudo com muitas qualidades, um pé canhoto brilhante, um jogador que podia fazer tudo, defender e atacar, recuperar a bola nos pés adversários, avançar no campo, fazer o drible, dar a assistência ou fazer o gol. Só com o Flamengo foram 470 jogos, 247 vitórias, 121 empates, 102 derrotas e 63 gols. E, talvez ainda mais impressionante, ao longo de uma carreira de 20 anos, ganhou 29 títulos, quase a metade com nosso Flamengo.
E para fechar, vale dizer que Zinho é o padrinho do meu tão amado Consulado Fla Paris, onde ele deixou vários vídeos e mensagens para apoiar campanhas de ajuda do consulado, na França e no Brasil. Obrigado por isso Zinho, e obrigado para tudo que fez com o Manto Sagrado.
-
Jogos eternos #41: Flamengo 3×0 Independiente del Valle 2020

A lembrança do dia é evidente para o jogo de hoje, com um outro jogo de volta da Recopa Sudamericana, contra o mesmo Independiente del Valle. Mas diferente do jogo de ida de 2020, Flamengo entra nesse jogo de 2023 com uma desvantagem e vai ter que reverter a decisão.
Na Recopa Sudamericana de 2020 de ida, jogo foi 2×2 antes da volta no Maracanã. E a volta foi muito bom. No 26 de fevereiro de 2020, também dia do primeiro caso de Covid no Brasil, a torcida lotou o Maracanã, com 69.986 presentes. Para um de seus últimos jogos no Flamengo, Jorge Jesus escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rafinha, Gustavo Henrique, Léo Pereira, Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Éverton Ribeiro, Arrascaeta; Gabigol, Pedro. Um timaço, que ia fazer um jogo eterno.
Primeiro lance perigoso foi do Flamengo, Gerson escapando da saída do goleiro para fazer um passe atrás para o Gabigol, que chutou, mas o zagueiro Segovia salvou de cabeça. Um minuto depois, o mesmo Segovia se perdeu, cabeceou atrás para seu goleiro, bola foi na trave e depois para Gabigol, loiro e imperdoável, que fazia mais um gol numa final.
Com apenas 23 minutos, Willian Arão foi expulso e deixou Flamengo com 10 homens. Mas esse Flamengo de Jorge Jesus era avassalador. Everton Ribeiro lançou em profundidade Gabigol, que acelerou, passou entre três defensores e chutou cruzado. Goleiro defendeu, impedindo um golaço. Mesmo sem o gol, que saudade desse Flamengo brilhante e ofensivo.
No segundo tempo, quem começou a brilhar no Flamengo foi Diego Alves, com uma defesa impressionante contra Favarelli, que estava na cara do gol, a 10 metros de distância. Cinco minutos depois, Gabigol, mais uma vez ele, driblou na direita, acelerou, entrou na área, cruzou atrás para Gerson, que, com um chute de carrinho, fazia o terceiro gol de sua carreira com o Manto Sagrado.
No fim do jogo, mais uma contra-ataque e uma triangulação com Michael, Gabigol e Vitinho. Vitinho se distanciou do goleiro adversário, mas conseguiu rolar a bola para Gerson. O Coringa dominou de sola e achou com a tranquilidade do artilheiro que ele não é, o canto aposto. Inclusive, um gol quase em câmera inverso do gol eterno de Tardelli contra Botafogo, na final da Taça Guanabara de 2008. Mesmo em desvantagem numérica durante uma hora, Flamengo deu mais um show, com a marca do Vapo, que em apenas um jogo, dobrou seus números de gols com o nosso Mengo.
Flamengo, dez dias depois de ganhar a Supercopa do Brasil, ganhava mais um título, fazia mais uma vez a alegria de um Maraca lotado.
-
Times históricos #12: Flamengo 1912

Hoje é dia de um time histórico do Flamengo, o primeiro time da história do clube, em 1912. O Grupo de Regatas do Flamengo foi fundado como clube de regatas no 17 de novembro de 1895, data celebrada no 15 de novembro para coincidir com a proclamação da República. Nesse mesmo ano de 1895, o primeiro jogo de futebol aconteceu no Brasil, em São Paulo. O futebol cresceu no início do século seguinte, e Alberto Borgeth, brasileiro da classe alta, jogava remo no Flamengo e futebol no Fluminense. Torcedor do Flamengo, queria já fundir uma seção de futebol no Flamengo, mas a ideia foi recusada, futebol sendo um esporte “de bailarinas” e não para “homens” como o remo era na época.
Em 1911, Alberto Borgeth, centroavante do Fluminense, foi substituído para os últimos jogos do campeonato carioca pelo zagueiro Ernesto Paranhos, uma humilhação na época. Jogadores recusaram-se a jogar para dar apoio ao Alberto Borgeth, que recusou essa ideia. Fluminense foi campeão, mas quase ninguém assistiu a festa do título. “Nunca se comemorou menos ruidosamente a conquista de um campeonato”, escreveu Mario Filho. Alberto Borgeth liderou a turma dos dissidentes e propôs a fundação de uma seção de futebol no Flamengo num assembleia de sócios realizada em 8 de novembro de 1911. Apesar de uma certa desconfiança dos remadores, a ideia foi aprovada e no 24 de dezembro de 1911, criou-se o Departamento de Esportes Terrestres, tendo como primeiro diretor o próprio Alberto Borgeth. Nove titulares do Fluminense campeão carioca 1911 foram no Flamengo, as únicas exceções sendo Oswaldo Gomes e James Calvert, que ficaram no Fluminense.
Ainda sem campo, Flamengo treinou na Praia do Russel. Flamengo estreou no 3 de maio de 1912, no campo do America, na rua Campos Salles, contra Mangueira. Pela primeira vez de sua história, Flamengo, dirigido pelo Ground Committee, entrou em campo e foi escalado assim: Baena; Píndaro, Nery; Coriolano, Gilberto, Gallo; Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavo, Borgeth. Flamengo estreou com a famosa camisa papagaio de vintém, uma camisa com 4 grandes quadrados. O Manto Sagrado com listras horizontais já existia, mas só no remo, mais elitista, que obrigou a seção de futebol a jogar com uma camisa diferente.
E nosso Flamengo precisou de menos de um minuto em campo para já fazer um gol, Gustavo marcando o primeiro gol da história do maior do Mundo. Na revista Grandes Clubes Brasileiros de 1971, Gustavo volta as lembranças de quase 60 anos atrás: “Foi praticamente no início da partida, mais precisamente no primeiro minuto. A jogada começou lá atrás, na esquerda da nossa defesa, com o Galo dominando e me cedendo um passe na altura da meia canhota. De primeira, tão pronto recebi, lancei na extrema direita, em profundidade, para o Arnaldo, que fugiu pela linha de fundo e de lá deu para trás, dentro da grande. Eu acompanhara o ataque no pique mais veloz que possuía e, de pé direito e em plena velocidade, emendei de primeira e violentamente, rasteiro, de forma indefensável para qualquer goleiro. Eu era baixinho e muito leve, mas compensava tudo isso com a rapidez […] Eu fui o autor desse feito histórico e titular até o mês de julho, quando viajei para a Inglaterra, onde permaneci cinco anos, estudando engenharia. Quando formado, em 1918, voltei ao Rio e a jogar pelo Flamengo”.
E com apenas dois minutos de jogo, Flamengo fazia um segundo gol, de novo com Gustavo, agora com assistência de Gilberto. Flamengo continuou a fazer gols com um ritmo impressionante. No intervalo, uma ampla vantagem de 5×1 para nosso Mengo. Numa época antiga de futebol, ou melhor, do Foot-Ball, o intervalou durou apenas 5 minutos. E Flamengo voltou em campo ainda mas avassalador. No dia seguinte, o Jornal do Brasil escreveu, num vocabulário de uma época antiga: “A peleja foi desastrosa para o Mangueira, cujo eleven era visivelmente inferior ao do adversário. Foram poucas as vezes em que seus players pisaram o campo inimigo. O seu goal-keeper, desnorteado, sem calma, fez o que era possível naquella conjectura. Para o contraste flagrante do estado das equipes o defensor das barras do Flamengo passeava de braços cruzados por não ter serviço”.
Flamengo fez gols, continuou a fazer gols, até errou dois pênaltis. Alberto Borgeth fez o gol 14 e Gustavo o gol 15. No fim das contas, Flamengo 15×2 contra Mangueira. Cinco gols de Gustavo, quatro de Arnaldo e Amarante, um de Gallo e Borgeth. Durante muitos anos, o placar considerado foi um 16×2, por causa do Jornal do Comércio, que deixou em manchete no dia seguinte um erro duplo: “Fluminense vence 16×2 Mangueira”. A correção no dia seguinte passou despercebida, até a pesquisa de Marcelo Abinader no seu livro 1912, surge o futebol do Flamengo. Mas qual clube poderia estrear no futebol com uma goleada assim de 15 gols? Só o Flamengo.
No segundo jogo de sua história, agora em Laranjeiras, Flamengo abriu o placar de novo no primeiro minuto do jogo, agora com Alberto Borgeth. No final, vitória 6×3 contra o America, com dobletes de Borgeth, Arnaldo e Gustavo. Flamengo perdeu o artilheiro do campeonato, Gustavo, que foi estudar na Inglaterra. Depois voltara ao Flamengo, como jogador e até como presidente, onde brigou com Leônidas da Silva. Flamengo também conheceu a primeira derrota de sua história, contra Paysandu. Recuperou-se com uma vitória 7×4 contra Bangu. Outra época de futebol. E depois o primeiro Fla-Flu da história, um 7 de julho de 1912, dia do meu aniversario, exatamente 80 anos antes do meu nascimento. Por causa da história, Fla-Flu já era clássico antes do primeiro jogo. Nelson Rodrigues, escritor tricolor, escreveu: “O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada”. Tricolor roxo, também escreveu: “Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia”. Eu não sou brasileiro, mas sou Flamengo, por todos os dias de minha vida.
Infelizmente, Flamengo perdeu o primeiro Fla-Flu da história, 3×2, com um gol tomado no último minuto do jogo. Nas Laranjeiras, apenas 800 pessoas nas arquibancadas, por causa de uma competição de regatas no mesmo dia, o remo ainda sendo o esporte mais popular da cidade na época. Flamengo perdeu o primeiro Fla-Flu, mas depois ia se tornar o maior vencedor do clássico mais charmoso do Rio. Em 1912, Flamengo fechou o primeiro turno do campeonato carioca no segundo lugar com 10 pontos, mesmo total que o America e dois pontos atrás do Paysandu. Em quarto lugar, Fluminense, com 9 pontos.
No segundo turno, Mangueira de novo foi goleado de forma vergonhosa, um 14×0 para Flamengo com 4 gols de Arnaldo e 3 de Borgeth. Fla ganhou seu primeiro jogo de W.O, contra Bangu, e em seguida empatou 1×1, tanto contra Paysandu que contra Rio Cricket, os dois primeiros empates da história do Flamengo. No mesmo dia do empate contra Rio Cricket, Paysandu, time fundado por ingleses, ganhou 4×2 contra Fluminense com uma arbitragem duvidosa segundo os jornais da época, e sagrou-se campeão carioca. Pelo menos, nosso Mengo vingou-se da derrota no primeiro Fla-Flu, com uma vitória 4×0 contra Fluminense no 27 de outubro de 1912, também nas Laranjeiras. Flamengo fechou seu primeiro campeonato carioca com uma vitória 3×0 contra São Cristóvão, com 3 gols de Baiano, jogador nascido em 1893 em Fortaleza, mostrando as ligações entre Flamengo e o Nordeste já desde o início do clube.
Flamengo ficou no segundo lugar, como faria em 1913, antes de ganhar o título em 1914 e 1915, este último de maneira invicta. No fim do ano de 1912, alguns jogadores do Flamengo, como Píndaro, Gallo, Milton, Arnaldo e Nery jogaram com a seleção carioca, que fez uma excursão no Sul do Brasil. Para o Flamengo, o título não veio em 1912, mas nascia em campo nesse ano o maior clube do Brasil.






