Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #52: Flamengo 5×1 Capelense 1990

    Jogos eternos #52: Flamengo 5×1 Capelense 1990

    Flamengo estreia hoje numa nova competição, a Copa do Brasil, contra Maringá, time do Paraná. Para dar sorte, vamos relembrar uma estreia de uma outra Copa do Brasil que deu certo, o primeiro título do clube na competição, em 1990, um ano após o início da Copa do Brasil.

    No 21 de junho de 1990, em plena Copa do Mundo, um dia após a vitória do Brasil contra a Escócia, Flamengo estreou na Copa do Brasil contra Capelense, time do Alagoas. No estádio da Moça Bonita de Bangu, na frente de apenas 187 espectadores, menor publico de toda a história do Flamengo, Jair Pereira escalou Flamengo assim: Zé Carlos Paulista; Zanata, Vitor Hugo, Fernando, Leonardo; André Cruz, Aílton (Uidemar), Djalminha (Marcelinho Carioca), Alcindo, Zinho; Gaúcho.

    Num escanteio da esquerda, o saudoso Gaucho abriu o placar. Mas Capelense fez surpresa e empatou com gol de falta de Norinho. Zinho até teve medo de Capelense virar Camarões, que tinha vencido a Argentina de Maradona, campeão mundial, na estreia da Copa do Mundo alguns dias antes.

    Mas Flamengo fritou o Capelense no segundo tempo, com mais 2 gols de Gaúcho, e gols dos laterais, Leonardo e Zanata. Sem muito mais detalhes, deixo aqui a matéria sensacional de Márcio Canuto.

  • Na geral #13: A vergonha

    Na geral #13: A vergonha

    E o Flamengo conseguiu o que nem parecia possível, piorar o início da temporada de 2023. Achava que o campeonato carioca era ganho depois da vitória 2×0 na final de ida contra Fluminense. E, com prevista de voltar na França em julho, era minha última decisão no Maracanã. Sonhava de ser no Maior do Mundo campeão estadual, nacional e internacional. Ganhei a Copa do Brasil, perdi a Recopa Sudamericana e perdi o que nem parecia possível de perder, o campeonato carioca.

    E não foi a única vergonha do ano, o único vice. Flamengo perdeu a Supercopa do Brasil contra Palmeiras e passou vergonha no Mundial contra Al Hilal. Até perdeu a Taça Guanabara, já contra Fluminense. E perdeu o campeonato carioca. Achava impossível perder o campeonato carioca depois do 2×0 na ida. Na verdade, no Maracanã, falei com uma senhora, falando que não podia perder esse jogo. E foi nesse exato momento que comecei a imaginar que era possível perder. Porque esse Flamengo de 2023 é regular na mediocridade.

    E perdeu. Tomou um primeiro gol de Marcelo, que alia as qualidades naturais do craque e a disposição, o que muitos no Flamengo não têm. E tomou um segundo gol numa jogada coletiva, porque esse Fluminense joga muito mais bonito e merece a vitória. E tomou o terceiro e quarto gol num segundo chute, porque Fluminense tinha mais raça também, mais uma vergonha para Flamengo. O gol de Ayrton Lucas, um dos únicos destaques positivos do ano, só serviu para diminuir um pouco a vergonha. Mas não deixa de ser uma das maiores vergonhas dos últimos anos, mais uma vergonha.

    Agora é esperar Vitor Pereira cair, o que já deveria ter acontecido antes. É buscar um outro técnico. É cobrar mais da diretoria, que contratou quase ninguém quando prometeu muitos reforços. É focar no segundo semestre com as maiores competições, a Copa do Brasil, o Brasileirão, a Libertadores. Sem eu no Rio.

  • Jogos eternos #51: Flamengo 4×2 Fluminense 1991

    Jogos eternos #51: Flamengo 4×2 Fluminense 1991

    Com uma vitória 2×0 no jogo de ida, Flamengo tem boa vantagem para vencer mais uma decisão do campeonato carioca contra Fluminense. A primeira foi em 1963, com um jogo eterno. A segunda foi em 1972, com um time histórico. Vamos então da terceira, em 1991.

    O regulamento era bem simples em 1991, com uma final entre o vencedor da Taça Guanabara e o vencedor da Taça Rio. Fluminense ganhou a primeira fase, com um ponto a mais do que Flamengo, e Flamengo ganhou a segunda fase, de forma invicta, com 8 vitórias e 3 empates. Fla-Flu na final.

    Na pode falar do campeonato carioca de 1991 sem falar de Júnior, maestro e ídolo da Nação. Dois anos antes, Júnior ainda jogava na Itália, onde desfilava sua classe desde 1984. A volta no Flamengo nem era uma opção. Mas a história mudou de uma forma inesperada. Fala Júnior na sua biografia Minha paixão pelo futebol: “Estava inclinado a renovar o contrato, e o faria se meu filho, Rodrigo, involuntariamente, não tivesse interferido. Certo dia, estávamos todos assistindo a alguns jogos históricos em uma velha fita de videocassete. Com a camisa de número 5, vimos passagens em que eu dava passes certeiros para os companheiros do Flamengo. Meu filho, no auge da curiosidade de seus cinco anos, disparou: ‘Pai, quando eu vou ver você jogar no Maracanã?’ Não pensei duas vezes. Desliguei a televisão, olhei para Heloísa e disse: ‘Está na hora de voltar para casa!’ Era mais do que uma decisão. Era uma promessa ao meu primogênito”. Júnior era do Flamengo, de novo.

    Flamengo ganhou a Copa do Brasil 1990 e Júnior virou o Vovô-Garoto de uma garotada que ganhou no mesmo ano a primeira Copinha da história do Flamengo. E em 1991, Flamengo, que não tinha ganho o campeonato carioca desde 1986, jogou a final do campeonato carioca. Contra Fluminense, que tinha ganho dois jogos decisivos em 1983 e 1984 contra Flamengo no campeonato carioca.

    No jogo de ida, um empate 1×1 com gols de artilheiros e jogadores de classe, Ézio e Paulo Nunes. Jogo de volta era marcado para o 19 de dezembro de 1991, no Maracanã, com um publico pequeno para a época, 49.975 espectadores. Mas um torcedor ilustre, o pequeno Rodrigo, o filho de Júnior, pronto ver o pai ganhar um título no Maraca, enfim para ele, de novo para muitos flamenguistas. O saudoso Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Wilson Gottardo, Júnior Baiano, Piá; Uidemar, Júnior, Nélio (Marcelinho Carioca), Zinho; Paulo Nunes, Gaúcho. Uma mistura de jovens talentos e de jogadores experimentados.

    No jogo de volta, no Maracanã, Fluminense abriu o placar com um golaço. De cabeça, Ezio achou a trave de Gilmar, mas a bola voltou no pé esquerdo de Ézio, que, com um toque leve e sutil, achou as redes de Gilmar. Os dois times voltaram no vestiário com essa vantagem de um gol para Fluminense, mas a história mudou no segundo tempo. Zinho driblou um e abriu na esquerda para Piá, na limite da linha de impedimento. O cruzamento foi ótimo, a cabeçada de Uidemar também, Flamengo empatou. E alguns minutos depois, Uidemar foi dessa vez no início da jogada, com um lançamento na esquerda, de novo para Piá. De novo um cruzamento ótimo, e dessa vez o saudoso Gaúcho na conclusão. Flamengo agora na frente.

    O jogo mudou completamente e o Maracanã se inflamou. E o Maraca viu um golaço no jogo, agora do Flamengo. Outro lançamento, de Paulo Nunes para Nélio, que fez a jogada inesperada, mas a jogada certa, a jogada perfeita. Um passe de cabeça, atrás para Zinho, que chegava em plena velocidade. Um chute poderoso, um golaço, Flamengo muito perto do título. Mas com 33 minutos no segundo tempo, Ézio aproveitou de uma falha de Júnior Baiano para fazer o doblete, para deixar um pouco de esperança para a torcida tricolor. Na verdade, esse gol do Fluminense se aproximando de um possível empate só serviu para deixar a história do Flamengo ainda mais linda. A história do Flamengo e a história do Júnior.

    No final do jogo, com um carrinho generoso, Piá desarmou Márcio e ainda no chão, passou a bola para a maestria de Júnior. Júnior achou na profundidade Zinho, que fixou o goleiro e deixou para Júnior de volta. De pé direito e firme, Júnior fez o gol do 4×2, o gol do título, o gol da emoção. Fala Júnior, agora no livro Os dez mais do Flamengo, de Roberto Sander: “Naquela final com o Fluminense, fiz o último gol na vitória por 4 a 2. Quando o juiz apitou o fim do jogo, o Rodrigo já estava no gramado. Ter proporcionado a ele a alegria de ter me visto jogar no Maracanã, como ele me pedira na Itália, e ainda sendo campeão e marcando gol, foi sensacional. Quando nos abraçamos, ele me disse: ‘Nós ganhamos, pai!’ Foi emoção demais”. Uma emoção e um Flamengo campeão, depois de mais um Fla-Flu vencido, o clássico mais charmoso do Rio.

  • Ídolos #14: Petkovic

    Ídolos #14: Petkovic

    Eu queria associar o número das crônicas ao número da camisa dos jogadores, e hoje a camisa 14 no Flamengo é quase sinônima de camisa 10, é camisa de craque, é camisa de gringo, é camisa do Arrasca. Mas prefiro esperar o fim da trajetória do Arrasca com o Manto Sagrado para escrever a crônica dele, então vou de outro gringo. E para mim, tem dois maiores gringos da história do Flamengo, com todo o respeito a Doval, Reyes, Gamarra & Cia., os dois maiores gringos são Arrascaeta e Petkovic. Então hoje eu vou de Petkovic.

    Dejan Petkovic nasceu no 10 de setembro de 1972 na Iugoslávia, hoje na Sérvia. Estreou no campeonato iugoslavo com apenas 16 anos e depois foi jogar num dos maiores clubes do país, o Estrela Vermelha. Brilhou no estádio do clube, que tem como apelido o… Marakana. Petkovic brilhou, e foi num dos maiores clubes do mundo, o Real Madrid. Mas fez poucos jogos, apenas 5 jogos da Liga em duas temporadas. E no início da temporada 1997-1998, jogou no Troféu Cidade de Palma de Mallorca, o mesmo torneio onde Flamengo atrapalhou o Real Madrid na semifinal com um show de Sávio e uma vitória 3×0. E no jogo do terceiro lugar, o sérvio reserva Petkovic jogou e fez 2 gols contra Vitória e ainda deus duas assistências. E em seguida, foi emprestado no Vitória, sendo um dos muitos poucos europeus a jogar no Brasil. O raciocínio de Petkovic era simples: se muitos brasileiros conseguiam ir na Europa depois de brilhar no Brasil, podia ser o caso dele também. E deu certo.

    Petkovic, com toda sua classe de camisa 10 e sua raça de europeu do Este, se tornou ídolo do Vitória, sendo artilheiro da Copa do Brasil de 1999, junto com Romário. E voltou na Europa, no Venezia. Mas sua história agora era outra. Voltou no Brasil, num dos maiores clubes do mundo, Flamengo. Começou de maneira quase perfeita, jogo contra Santos num Maracanã cheio, um golaço para abrir o placar e uma assistência num escanteio de um canto que será eternizado pelo próprio Pet alguns anos depois. Fez alguns bons jogos depois, fez um gol perfeito: no Maracanã, contra Fluminense, de falta. Mas depois foi no banco e não participou da final do campeonato carioca 2000, onde Flamengo conquistou o bicampeonato contra Vasco. E um dos maiores técnicos do Brasil, Zagallo, chegou no banco, e o futebol de Petkovic cresceu. E para os supersticiosos, como Zagallo, ligado para sempre ao número 13, campeão em 58 (5+8=13), campeão em 94 (9+4=13), o nome “Dejan Petkovic” tem 13 letras.

    Zagallo viu as qualidades de craque de Petkovic e fez dele seu camisa 10. Petkovic era titular quando não estava lesionado, e se inscreveu na eternidade no 27 de maio de 2001 quando escreveu uma das maiores páginas da história do Flamengo. Flamengo precisava de uma vitória de 2 gols de diferença para ser tricampeão carioca, em cima do Vasco. Vasco era o campeão brasileiro, agora tinha Romário no elenco e parecia o favorito antes do jogo, e durante o jogo, até o minuto 43 do segundo tempo. E uma falta perfeita de Petkovic para um dos gols mais icônicos do Flamengo. Bola na gaveta, Flamengo tricampeão. “Eu queria que o mundo parasse naquele momento”, falou Petkovic. Não sei se o mundo parou, mas o coração dos flamenguistas sim.

    Só com esse gol, Petkovic se tornou um dos maiores ídolos do Flamengo. E ainda mais, deixou uma homenagem a Nosso Rei: “Tenho certeza de que o Zico está orgulhoso. Ele sabe que a 10 que ele tanto consagrou hoje foi honrada”. Zico estava orgulhoso, como todos os flamenguistas, orgulhosos de torcer pelo Maior do Mundo, orgulhosos de ter como ídolo um Sérvio que entendia o que era Flamengo. Ainda Petkovic sobre esse gol eterno: “É algo que nunca saíra da minha memória. Se não fosse aquela falta, eu não estaria na história do Flamengo”. Aí discordo, porque mesmo sem esse gol, Petkovic está na história do Flamengo, com dribles curtos, passes mágicos, canetas, golaços de falta, até gols olímpicos. E uma volta de sonho, que nenhum romancista podia escrever. Só Petkovic escreveu sua própria história.

    Petkovic voltou ao Flamengo em 2009. Entre o gol eterno do minuto 43 e a volta, comecei a acompanhar muito mais o Flamengo, a conhecer a história do clube de meu coração. E em 2009, eu já sabia do gol de Pet contra Vasco, já sabia da trajetória do ídolo. Na escola do Flamengo, o gol de Pet é ensinado no ensino fundamental, no primeiro ano, junto com o Flamengo 3×0 Liverpool de 1981. E o gol de Pet passou a ser o gol que mais assisti no YouTube. Acho que não tem outro gol que vi tantas vezes. Talvez o gol de Gabigol no Milagre de Lima, mas o gol de Pet tem alguns anos de avanço. Nunca parei de me maravilhar com a trajetória da bola, que vai morrer nas redes do vascaínos, para matar os vascaínos de desespero, matar os flamenguistas de alegria.

    E Pet logo se tornou um dos meus maiores ídolos do Flamengo, daqueles que não tinha visto ao vivo. Acho que depois de Zico, ele tinha o segundo lugar de meu coração. Petkovic é ídolo dos flamenguistas pelo tudo que fez em campo, pelo gol eterno contra Vasco, mas tem uma coisa a mais com Petkovic: ele é europeu. Sérvio sim, aqueles que às vezes são chamados de brasileiros da Europa, mas ele faz parte de um clube onde só tem o nome dele. O clube dos europeus que tiveram sucesso no Brasil numa época onde muitos jogadores brasileiros sonhavam, muitos até realizavam esse sonho, de jogar na Europa. Essa particularidade, além do nível dele em campo, lhe dá essa idolatria, para os brasileiros, e ainda mais para mim, europeu, que gosta de jogar com a camisa 10, dar bons passes ou bons dribles. Adriano para o garoto da zona norte de Rio, Petkovic para mim.

    E Pet voltou no Flamengo, com a camisa 43, como o minuto do jogo que o eternizou no Flamengo. Difícil de voltar num clube onde o jogador é ídolo, e muitas vezes, a volta não é do mesmo nível do que a primeira passagem, ainda mais com uma passagem de um nível tão alto. A volta de um ídolo é cheia de esperanças e às vezes vira desespero, frustração. Com Petkovic, foi o contrário. Escreve Paschoal Ambrósio Filho no livro 6x Mengão: “Logo após o empate com o Avaí, veio o segundo acontecimento marcante da campanha do hexa. No dia 19 de maio, o presidente em exercício do Flamengo, Delair Dumbrosck, contratou o meia Dejan Petkovic, então com 36 anos, herói do tri carioca de 2001, para resolver uma antiga briga na Justiça do Trabalho. O Flamengo devia muito dinheiro a ele e Delair encontrou uma fórmula que poria fim à pendência financeira. Muita gente teve que engolir o retorno do craque. Uns diziam que ele era ‘um ex-jogador em atividade’. A volta de Pet gerou uma crise na Gávea. O vice de futebol, Kléber Leite, pediu demissão do cargo e deixou o clube. O técnico Cuca também era contra o retorno”.

    Na verdade, não lembro bem de como acolhi a volta de Petkovic. Com felicidade certamente, mas sem muita esperança depois das passagens dele sem muito destaque no Santos e no Atlético Mineiro. Eu estava muito mais animado com outra volta, de Adriano, depois da traição de Ronaldo Fenômeno. E no início Petkovic não jogou, ou muito pouco, saindo às vezes do banco por alguns minutos. E outro ídolo voltou, agora Andrade, no banco. E Petkovic saiu do banco, e jogou, jogou muito. Deu dribles, deu passes, deu carrinhos, deu assistências. Fez gols, golaços, gols olímpicos. Seu jogo contra Palmeiras é uma das maiores atuações de um jogador de toda a história do Flamengo. O Flamengo de 2009 merece uma crônica à parte, mas Petkovic deu a torcida esperança e sonhos, deu uma certeza de felicidade, uma alegria sem fim.

    E teve o gol de Angelim, no escanteio que o Pet cobrou. O Flamengo era campeão, hexacampeão e Pet era mais uma vez um dos heróis do título: “Dizem que minha chegada levantou o grupo, mas foi o contrário. Foi esse grupo que me levantou e me fez seu líder em campo. É fácil ser líder com o respaldo de um grupo de guerreiros. Dizem que sou velho, sinto orgulho em ser comparado com o Júnior, que comandou o Mengo no título de 1992, com 38 anos de idade. Posso ser velho na idade, mais ainda sou muito jovem na força de vontade. O Flamengo merece ser campeão todo ano. Essa torcida merece”. A comparação com Júnior tem muito sentido, eles conseguiram fazer o que pouco fizeram: voltar no Flamengo para melhorar uma história já perfeita, escrever um último capítulo ainda mais incrível.

    Hoje, eu acho que por causa dos títulos e do nível em campo, Arrascaeta ultrapassou Petkovic como maior gringo da história do Flamengo. Mas, mesmo sendo muito difícil, acho que pode aparacer um outro Arrasca no futuro, como ele pode ser visto como um outro Doval. Agora Petkovic, com toda a grande história e as pequenas histórias, nunca vai ter outro igual. Em dois períodos distintos, com 57 gols e 198 jogos, com 2 campeonatos carioca e um Brasileirão, Pet deu todo o brilho ao Flamengo que o clube merece, e virou imortal.

  • Jogos eternos #50: Real Potosí 2×2 Flamengo 2007

    Jogos eternos #50: Real Potosí 2×2 Flamengo 2007

    Flamengo estreia hoje na Copa Libertadores, num jogo em altitude, em Quito. Um jogo de estreia na altitude traz a lembrança do jogo contra Real Potosí em 2007. Comecei a acompanhar o futebol brasileiro de clubes no fim do ano de 2005, com o Mundial de clubes conquistado pelo São Paulo. Em 2006, ainda estava limitado com um site em francês e pouquíssimas notícias. Mas em 2007, descobri o site Placar, que passou a fazer parte de meu cotidiano, lendo todos os dias artigos sobre o Flamengo, já o grande amor de minha vida. Não entendia tudo, mas entendia o que era Flamengo.

    Entendia também a dificuldade de jogar na altitude, essa particularidade do futebol sul-americano, mais uma diferença com o futebol europeu. O pré-jogo quase foi apenas sobre a altitude de Potosí, mais de 4.000 metros. Um inferno, diferente mas quase igual do Maracanã, nesses tempos ainda o templo do futebol, um inferno para os adversários. Também relembrava que o time do Real Potosí tinha a identidade do Real Madrid, outro clube de meu coração, um escudo quase igual, um nome Real, uma camisa quase igual. Outra particularidade do futebol sul-americano que começava a conhecer.

    No 14 de fevereiro, dia dos namorados na França, o amor de minha vida estava em campo, escalado assim pelo Ney Franco: Bruno; Léo Moura, Thiago Gosling, Moisés, Ronaldo Angelim, Juan; Claiton, Renato Augusto, Renato Abreu; Paulinho, Obina. Comecei a assistir aos melhores momentos de todos os jogos no início de 2007 só, não conhecia ainda bem os jogadores, mas acho que meu coração começava a bater pela raça de Claiton, a juventude de Renato Augusto, as faltas de Renato Abreu e o carisma de Obina, já um herói da conquista da Copa do Brasil de 2006 contra Vasco, que ofereceu o ingresso para a Libertadores de 2007, minha primeira como torcedor do Flamengo. Também já entendia bom o que representava a Copa Libertadores na América do Sul. O goleiro Bruno nunca vai ter a crônica dele na categoria dos ídolos, mas gostava muito dele na época. No banco, entraram ídolos também, Juninho Paulista e Souza.

    No inferno de Potosí, quem começou a brilhar foi um brasileiro, Edu Monteiro. O jogador de 35 anos na época, passou toda a careira na Bolívia, e passou entre a zaga do Flamengo para abrir o placar com apenas 13 minutos de jogo. E no final do primeiro tempo, outro estrangeiro do Real Potosí, o paraguaio Ruben Oliveira, aproveitou da apatia da defesa do Flamengo para fazer o gol do 2×0. O estádio virou inferno, era impossível de respirar e relembro de imagens dos jogadores do Flamengo respirando com balão de oxigênio. Flamengo estava derrotado e uma goleada podia até ser temida. Flamengo não conseguia respirar, mas Flamengo nunca morre.

    No início do segundo tempo, Roni, que tinha entrado no intervalo no lugar de Juan, aproveitou uma falta de Renato Augusto para fazer um gol de cabeça. E numa outra batida de falta, agora pelo Juninho Paulista, que tinha entrado no lugar de Thiago Gosling, meu ídolo Obina fez outro gol de cabeça. Flamengo conseguia um verdadeiro milagre, um empate tão difícil a alcançar do que o pico mais alto da América do Sul. Estava muito orgulhoso de meu time e dos jogadores, verdadeiros guerreiros. Uma estreia maravilhosa na competição, que será seguida de 5 vitórias na fase de grupos. Daí a decepção ainda mais forte com a eliminação contra Defensor nas oitavas, mas isso é outra história.

    Relembro também que a revista francesa So Foot fez um artigo sobre o jogo, falando da altitude. Gostei claro do artigo, mas agora não estava mais limitado as notícias francesas e tinha outros canais de informações para acompanhar, todos os dias, o grande amor de minha vida.

  • Times históricos #14: Flamengo 1974

    Times históricos #14: Flamengo 1974

    Para hoje um ano histórico que foi a afirmação de Zico. Craque, ele sempre foi. Mas faltava ainda coisas para passar de potencial a potência, e foi em 1974 que ele passou de promessa a já ídolo da Nação. Ainda faltava títulos mas acho que já foi em 1974 que ele se tornou o maior nome do Flamengo, não apenas do time, mas da história do clube. Claro, tinha Domingos, Leônidas, Dida & Cia., mas Zico já aparecia como o maior craque, o maior ídolo do Flamengo.

    Zico era a maior promessa da base, mas ainda muito franzino. Em 1970, com a ajuda financeira e a confiança total do futuro presidente George Helal, começou um trabalho físico intenso para desenvolver essa parte do jogo. Em 1971, estreou nos profissionais, em 1972, ganhou o primeiro título, mas ainda era reserva. Em 1973, com Zagallo, começou a jogar mais, 52 dos 72 jogos do Flamengo no ano. Assinou o primeiro contrato profissional e recebeu a camisa 10 pelo funcionário Ayer Andrade, como Ayer Andrade lembrou no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Estávamos no vestiário do Maracanã. Perguntei ao gringo Doval se ele não poderia deixar o menino entrar com a 10. E ele me falou, naquele português enrolado: ‘Ô Andrade… quem joga sou eu, não é camisa, vai lá e dá a camisa ao menino’”.

    Zico começou a se afirmar no fim do ano de 1973. O ano de 1974 prometia ainda mais, com relembra agora o próprio Deus Zico, no mesmo livro: “O Flamengo não se classificou para a fase final do Brasileiro, mas ganhamos quatro das cinco últimas partidas e eu fiz gol em três delas. Então chegou o ano de 1974, eu fiquei crente de que voltaria a ser titular, mas veio no princípio uma desilusão muito grande. O Zagallo saiu e entregou o time para o Joubert, que tinha sido o meu técnico no título juvenil de 1972”. E Zico começou a temporada mais como reserva que como titular.

    Zico era reserva com Joubert, e ganhou seu lugar num jogo-treino, jogando sim, com os reservas no início. De novo Zico, de novo no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Ganhamos o coletivo de 2 a 1, eu fiz os dois gols, fui o melhor, arrebentei mesmo. Na segunda-feira tinha outro coletivo, já que a gente ia jogar na quarta. Quando cheguei na Gávea, o Joubert chamou a mim, o Doval e o Dario numa sala, reuniu nós três e falou assim: ‘Olha, a camisa de titular eu vou dar para o Zico, ele vai jogar, vocês dois vão disputar outra posição’. Era a camisa titular na minha posição, então arrebentei com o treino de novo. Por fim, no jogo contra o time da Iugoslávia, vencemos por 3 a 1 e eu marquei dois gols. Em seguida, fomos para uma excursão. Em Goiatuba, ganhamos de seis e eu fiz dois, no Ceará foram sete e eu fiz mais três, veio o Corinthians no Maracanã com Rivelino e tudo, eu fiz dois, dei dois para o Dario, e falei ‘Porra! Acabou…’”.

    Pode parecer exagero, mas tem nenhum exagero nas palavras de Zico, já que Zico é um dos seres humanos mais honestos e humildes que existiu, e tudo pode ser verificado. Inclusive, a goleada 5×1 contra o Corinthians já foi um jogo eterno aqui. O jogo contra o time iugoslavo de Zeljeznicar foi 3×1 sim, com dois gols de Zico sim, e tem como ilustre testemunha o grande escritor Nelson Rodrigues: “Ao longo dos 90 minutos, os iugoslavos foram dominados, envolvidos, batidos. Zico foi uma figura excepcional. É um jogador que está a caminho de uma furiosa plenitude. Como sabe lidar com a bola, como seus passes saem límpidos, precisos. Zico entrou nessa fase em que o jogador faz o que quer com a bola”. Seis dias depois, Flamengo empatou 1×1 contra Desportiva Ferroviaria, Zico fez o gol do Mengo, Zico estava perto da furiosa plenitude.

    Zico era uma figura excepcional, fazia o que queria com a bola, já era um líder, uma evidencia para a torcida, uma grande ajuda para os companheiros. Ia fazer uma grande dupla com o saudoso Geraldo, que infelizmente morreu dois anos depois, e ia deixar o Flamengo dos anos dourados ainda mais incrível. Fala ainda Zico, agora no livro Zico: paixão e glória de um ídolo, de Lúcia Rito: “O Geraldo tinha um domínio incrível sobre a bola. Ele jogava sempre com a cabeça em pé, não olhava para baixo, e a bola nunca desgrudava da chuteira dele. Eu ficava muito espantado ao ver aquela telepatia dele com a bola. Só anos depois encontrei outro jogador que fazia o mesmo, o Leandro”.

    Geraldo era tão impressionante que obrigou uma outra promessa da base a deixar o meio-campo para a lateral, o que também transformou a melhor Era da história do Flamengo. Um jogador de cabelo Black Power, de habilidade e maestria, Júnior, que virou lateral-direito com a lesão de Garrido na base, até contra a sua própria vontade: “Não queria jogar ali de jeito nenhum. Até porque o Garrido era meu camarada e não queria tirar o lugar dele. Mas me convenceram, já que logo eu estaria nos profissionais, onde o Geraldo era o dono absoluto da ‘oito’, e, na lateral, não tinha ninguém de peso”. Mas ainda não é a hora da estreia de Júnior.

    Era a hora da preparação do Brasileirão e Flamengo realizou mais uma excursão, estendendo a magia rubro-negra fora do Rio, do Brasil, da América do Sul. Na África, empatou 4×4 e 3×3 contra a seleção do Zaire, Zico fazendo 2 gols no primeiro jogo, 1 gol no segundo jogo. Com apenas 3 dias de recuperação, perdeu 2×1 contra o Olympiakos na Grécia e depois empatou 2×2 contra a Seleção da Arábia Saudita com 2 gols de Zico. Zico foi de novo o principal nome do Flamengo na primeira vitória do clube na excursão, no último jogo, contra a seleção do Kuwait, vitória 3×2, gols de Zico, Dario e Paulinho. Agora era a hora de começar o Brasileirão.

    O Brasileirão de 1974 era por uma vez simples, com 40 clubes. Na primeira fase, 2 grupos de 20 clubes, com os dez melhores classificados na próxima fase. Mas a CBF, ou na época a CBD, sendo a mesma bagunça de sempre, adicionou uma particularidade. Dentro dos dez últimos dos grupos, tinha um time que beneficia de uma rescapagem com um critério extra-esportivo: quem tinha a melhor renda se classificava na segunda fase. Se beneficiariam desse regulamento sem sentido Fluminense e Nacional de Manaus.

    Flamengo estreou no Brasileirão de 1974 no Maranhão, contra Sampaio Corrêa, estreou com vitória 2×1, com gols do ídolo Rondinelli, e de Dario, talvez não ídolo do Flamengo mas uma das personalidades mais incríveis da história do futebol brasileiro. Dario marcou de novo contra o América de Natal. No primeiro jogo no Maracanã, um clássico contra Vasco, 1×1, gol de Zico. Flamengo ganhou os 4 jogos seguintes antes de um empate contra o Internacional, de novo com gol de Zico. Com antigos parceiros da base, como Cantarelli, Jaime de Almeida, Vanderlei Luxemburgo e Geraldo, Zico já se afirmava como o líder do time, substituindo nos gramados e no coração dos torcedores o craque argentino Doval.

    Depois do empate contra Internacional, Flamengo ganhou 3 jogos seguidos, Zico fazendo gol em todos os jogos. Depois de um frustrante 0x0 contra Olaria, Flamengo venceu 1×0 Grêmio. Gol de quem? Gol de Zico obvio, um autentico golaço, infelizmente sem imagens, ainda eram outros tempos do futebol. No ano da aposentadoria de Pelé, Zico surgiu como um novo Pelé. Futebol de craque, visão de jogo e dribles, e gols, muitos gols. Pelé, Zico, quatro letras para fazer brilhar o Brasil. Flamengo foi um pouco mais irregular no final da primeira fase, com 3 vitórias em 7 jogos, mas fechou a fase no segundo lugar, com um ponto a menos do líder Grêmio. Também foi a melhor defesa do grupo, junto com Grêmio, com 8 gols contra, e a segunda melhor ataque, 29 gols, um a menos do que Grêmio, Internacional e America.

    Na segunda fase, tinha 4 grupos de 6 times, onde só o primeiro conseguia um lugar para o quadrangular final. E no grupo do Flamengo, Cruzeiro foi impecável com 5 vitórias em 5 jogos. Flamengo estreou no turno com vitória 3×0 no Guarani, gols de Arílson, Paulinho e Zico. Perdeu contra Palmeiras, empatou contra Bahia, perdeu contra Cruzeiro. A goleada 6×0 contra Paysandu foi inútil, Flamengo foi eliminado e ficou no sexto lugar de um campeonato vencido pelo arquirrival Vasco. Com 12 gols, Zico ficou a 4 gols do artilheiro, que viria a ser um grande amigo, Roberto Dinamite.

    Depois de duas semanas de férias, Flamengo estreou no campeonato carioca. Com vitória não, 1×1 contra Bangu, com gol de Zico sim. Zico também deixou o dele na derrota contra Madureira, na vitória contra America. Depois de um doblete de Doval na vitória 2×0 contra São Cristóvão, Zico voltou a marcar, na vitória contra a Portuguesa, na derrota contra Fluminense, de falta, na vitória contra Olaria, no empate contra Bonsucesso. Depois de passar em branco contra Campo Grande, Zico voltou a marcar nos dois clássicos para fechar a Taça Guanabara. Fez 2 gols no 2×2 contra Botafogo, 1 gol no 1×0 contra Vasco. Nos 11 jogos do primeiro turno, Zico marcou em 9 jogos, uma marca impressionante, mas o resto do time era um pouco atrás e Flamengo fechou a Taça Guanabara no terceiro lugar, com 4 pontos atrás do campeão, o America.

    O America era justamente o primeiro adversário do Flamengo no segundo turno, a Taça Oscar Wright da Silva. E Flamengo venceu 4×1, Zico abrindo o placar. Zico fez dois, de pênalti e de falta, na goleada 5×1 contra Madureira, obviamente não fez no 0x0 contra Campo Grande, e respondeu, de falta, ao Roberto Dinamite no 1×1 contra Vasco. Depois de uma vitória contra Bonsucesso, Flamengo fechou o turno com dois 0x0 nos clássicos contra Botafogo e Fluminense, e quem foi campeão foi Vasco, com um ponto a mais que Flamengo e Botafogo.

    Ficava um lugar para ver o triangular final junto com America e Vasco, o do campeão do terceiro turno, a Taça Pedro Magalhães Corrêa. Mas antes, um jogo amistoso, a Taça deputado José Garcia Neto, que marcou o primeiro dos 876 jogos do Júnior com o Manto Sagrado. Falou Júnior no livro Os dez mais do Flamengo, de Roberto Sander: “Num jogo em Mato Grosso, entrei no lugar do Humberto Monteiro no segundo tempo. No vestiário, quando ajeitava meu cabelo, o Joubert veio falar comigo. Primeiro brincou, implicando com o estilo Black Power que usava: ‘que penteado é esse?’, ele perguntou. ‘É a moda, seu Joubert’. Aí ele jogou uma letra: ‘Se prepara que seu deserto vai virar um oásis’. Entendi o recado e passei a treinar ainda mais com vontade. Sabia que logo teria uma oportunidade”. E Junior virou titular na vitória 1×0 contra Madureira, no campeonato carioca, gol de Zico. Antes disso, Flamengo tinha estreado na Taça Pedro Magalhães Corrêa com uma vitória 2×1 contra Botafogo, 2 gols do argentino Doval, ainda um jogador maravilhoso.

    Flamengo venceu Vasco 3×1 com gols de Paulinho, Zico e Doval e empatou 0x0 contra Campo Grande. Assim, Campo Grande tomou nenhum gol de Zico em 3 jogos no campeonato carioca 1974, uma verdadeira proeza de tantos gols que fez Nosso Rei durante a competição. Flamengo venceu o Fla-Flu, mas perdeu no jogo seguinte, apesar de um gol de Zico contra Bonsucesso, o outro time do primeiro turno que não tinha tomado gol de Deus. No último jogo do turno, Flamengo precisava ganhar do America para vencer a Taça, para ver o triangular final. Mas com apenas 6 minutos de jogo, Alex abriu o placar para o America, de Edu Coimbra, irmão de Zico. Na metade do primeiro tempo, Júnior recuperou uma bola no meio de campo, avançou e de 35 metros, chutou forte de pé direito, chutou no gol de Rogério e empatou. Um golaço e no segundo tempo, outro golaço, do perfeito Zico, numa cobrança perfeita de falta. Flamengo no sufoco, mas Flamengo campeão do turno, Flamengo no triangular final.

    Uma semana depois, Flamengo e America se reencontraram no Maracanã, para inciar o triangular final. E Flamengo abriu o placar com seu lateral-esquerdo, não Júnior, que jogava na direita, mas outro monumento do Flamengo, Jayme de Almeida. Mas Júnior também fez um gol durante o jogo, de ainda mais longe do que o gol uma semana antes. “Júnior mete o gol que Pelé sonhou” escreveu simplesmente o Jornal dos Sports. Flamengo ganhou 2×1 e Júnior foi eleito homem da partida pelo Globo: “O Flamengo chegou à final com um gol que Júnior marcou em Rogério, chutando de intermediária. Agora o Flamengo também vai decidir o título por causa de um gol seu encobrindo Rogério, conscientemente e com grande habilidade. Além disso, mostrou muita raça e decisão, tanto defendendo quanto atacando. O melhor em campo. Nota 10”. Depois do 0x0 entre o America e o Vasco, Flamengo precisava apenas de um empate contra Vasco para ser campeão.

    E foi exatamente o que aconteceu, na frente de 165.358 espectadores, sétima afluência da história do Maracanã, Flamengo e Vasco ficaram no 0x0, Flamengo ficou com a taça de campeão. Com 2 gols contra o America, Júnior se tornava o grande herói do fim da conquista: “Esses gols me marcaram muito. Estava começando nos profissionais e eles aconteceram em jogos decisivos. Deram muita confiança. Acabamos campeões, e, por quase dois anos, fiquei como titular absoluto da lateral-direita” falou Júnior. Mas o grande herói do campeonato, que fez o Flamengo o campeão da cidade, foi Zico, que com 19 gols, deixou escapar sua primeira artilharia do campeonato carioca por um gol de diferença com Luizinho.

    Mesmo assim, junto com um Brasileirão já brilhante, Zico fez um ano 1974 de ouro, ultrapassando o próprio ídolo e o ídolo da torcida, Dida, antigo recordista de mais gols em uma temporada com Flamengo, 46 gols em 1959. Quinze anos depois, com 49 gols, Zico virou o maior artilheiro do Flamengo em um ano, e virou o maior ídolo de uma Nação para a eternidade.

  • Jogos eternos #49: Flamengo 0x0 Fluminense 1963

    Jogos eternos #49: Flamengo 0x0 Fluminense 1963

    O maior publico da história do futebol para um jogo entre clubes. Um Fla-Flu eterno, para 194.603 espectadores. O Flamengo não tinha vencido o campeonato carioca desde 1955. Flamengo tinha um time muito bom e um meio de campo de sonho com Carlinhos e Gérson. Mas era uma Era de ouro para o futebol carioca, com o Botafogo de Didi e Garrincha, o Vasco de Bellini e Vavá, o Fluminense de Waldo e Telê. Todos campeões, menos o Flamengo. No 15 de dezembro de 1962, Flamengo perdeu o jogo decisivo do campeonato carioca contra o Botafogo, Garrincha sendo o grande herói do jogo. Gérson, que já reclamava dos bichos fracos, foi ao conflito com Flávio Costa em razão de sua função no jogo, onde devia anular Garrincha, sem conseguir, anulando do mesmo jeito seu próprio futebol.

    Ainda insatisfeito em 1963, Gérson foi mandado no próprio Botafogo e foi substituído no Flamengo pelo Nelsinho. No campeonato carioca, Flamengo perdeu na primeira fase contra o America e Bangu, e não perdeu mais depois. E no último jogo, precisava apenas de um ponto contra Fluminense para se sagrar campeão. Jogo aconteceu no 15 de dezembro de 1963, exatamente um ano após a derrota 3×0 na final contra Garrincha e Botafogo. Domingo, dia de futebol, o sábado tinha sido um dia de chuva. Esperança de nova chuva e de um publico modesto no Maracanã, mas no 15 de dezembro de 1963, Rio acordou lindo, acordou com sol, e todo mundo foi em direção do Maracanã. “O jogo começava às 15 h. Mas ao meio-dia já estava difícil para entrar. As pessoas se acomodam como podem, penduradas nos túneis de acessos às arquibancadas, sentando de lado entre os degraus, tem gente até na marquise […] Era mais do que um jogo. Daí o ar de Brasil x Uruguai. Era uma coisa que se julgava impossível no Maracanã. Mas aconteceu: via-se, subitamente, alguém escorregar por cima das cabeças da multidão compacta”, escreveu Mário Filho no Jornal dos Sports.

    No Maracanã, 177.020 pagantes e 194.603 espectadores. Um número impressionante, nunca atingido antes, e nunca será depois. Esse número, só o Fla-Flu de 1963. E talvez tinha ainda mais que 194.603 espectadores, com uma invasão no Maracanã antes do jogo. Não relembro mais onde ouvi essa história, mas teve gente que estava bloqueada nos corredores do Maracanã, sem conseguir entrar na arquibancada, ainda menos ver o campo. Mas gente que estava lá, a maioria flamenguista. Com tanta gente, obviamente tinha torcedores ainda não ilustres, mas que serão a maior expressão do rubro-negrismo, Zico e Júnior. Relembra Júnior no livro Grandes jogos do Flamengo, de Roberto Assaf e Róger Garcia: “Eu estava no Maracanã naquele Fla-Flu de 1963. Vi o jogo todo nos ombros do velho Leovegildo, já que na arquibancada não conseguimos entrar e fomos para a geral. Eu tinha nove anos, e somente nos ombros dele eu poderia ver o jogo. Lembro-me que, na última bola, aos 45 minutos do segundo tempo, Escurinho, ponta do Fluminense, quase marca. Eu lembro que fechei os olhos e só escutei a galera delirando com o fim da partida e o time campeão. Começava ali a alegria de ser rubro-negro”.

    Outro torcedor no Maraca, Radamés Lattari Filho, futuro técnico de voleibol, que fala no livro Carlinhos, de Renato Zanata e Bruno Lucena: “Minha estreia de verdade no Maracanã aconteceu no Fla-Flu de 63. Já tinha ido várias vezes ao estádio, mas este foi o 1° que eu realmente sabia do que se tratava. Durante o jogo, em diversos momentos meu pai falava: ‘Filho veja a elegância do Carlinhos’. Ele realmente foi um grande craque como jogador, treinador e como homem. Suas atitudes dentro e fora do campo sempre serviram de exemplo para diversas gerações.”. Carlinhos era o líder de um time escalado assim pelo Flávio Costa no 15 de dezembro de 1963: Marcial; Murilo, Luiz Carlos, Ananias, Paulo Henrique; Carlinhos, Nelsinho; Espanhol, Aírton, Geraldo e Osvaldo.

    No 15 de dezembro de 1963, um jogo eterno no Maracanã, o primeiro Fla-Flu decisivo desde 1941 e as bolas na Lagoa. Flamengo precisava de um empate para ser campeão e recuou durante o jogo. Muita emoção no Maraca, mas nada de gol. Até o último minuto, e um lance de ouro para Escurinho, que podia oferecer o título ao Fluminense. Na frente dele, só a luz de campeão e o goleiro flamenguista, Marcial, 22 anos, quase um desconhecido, que tinha conquistado a vaga de titular durante o campeonato. E Escurinho ficou na sombra, Marcial defendeu o gol, ofereceu o título ao Flamengo. Quarenta e cinco anos depois, falou Marcial para Roberto Assaf: “Havia, naquela época, um conceito de que o time que jogava pelo empate acabava perdendo. O empate era nosso. E pelo menos daquela vez fomos campeões. Trata-se de um jogo absolutamente inesquecível. O Maracanã, com quase 200 mil pessoas, a torcida do Flamengo esperando um título que não ganhava desde 1955. Mas, apesar de tudo, eu estava tranquilo […] O jogo foi muito disputado, os dois times estavam no mesmo nível, e eu pratiquei pelo menos três grandes defesas. A que entrou para a história, e que ajudou a deixar meu nome na história, foi a do chute do Escurinho, quando o jogo estava acabando. A bola quicou e ele pegou de frente, tentando me encobrir. A torcida do Fluminense já ensaiava a comemoração, mas dei dois passos para trás, me estiquei e acabei com ela nas mãos. Joguei também no Atlético-MG, no Corinthians e até na Seleção Brasileira, mas o Fla-Flu de 1963 foi, sem dúvida, a partida mais importante da minha carreira. Em 1967, com 26 anos de idade, tive que optar entre o futebol e o curso de Medicina, pois a matrícula, trancada desde a minha ida para o Rio, perderia a validade, caso eu não voltasse à faculdade. E deixei a bola. Mas a lembrança daquela tarde jamais sairá da minha memória”.

    Flamengo era o campeão da cidade, e todo mundo se curva ao campeão, até o mais tricolor dos escritores, Nelson Rodrigues: “Apesar dos trapos, da caspa e da sarna, o profeta é bem-educado. E, como tal, faz questão de cumprimentar a maravilhosa torcida rubro-negra. A solução do empate deu ao Flamengo o título. Ele é o campeão oficial da cidade. Pode sair por aí, tropeçando na própria faixa. Jamais o profeta ousaria discutir a legitimidade do campeonato que o clube da Gávea acaba de levantar”. Outro craque da caneta e da literatura esportiva, o botafoguense Armando Nogueira também eternizou o título do Mengo e a atuação de Marcial: “O Flamengo conquistou o título de campeão 1963 muito mais com os nervos do que com o coração. Os nervos do Flamengo foram os nervos do goleiro Marcial: o Fluminense atacava, penetrava, rolava a bola, fechava o cerco, chutava em gol e Marcial desmoralizava o gigantesco esforço do Fluminense com a simplicidade de um mineiro velho a pitar cigarro de palha nos fundos de uma fazenda”.

    E ao lado do Marcial, o grande herói flamenguista foi Carlinhos. O herói e a explicação do sucesso rubro-negro, como foi escrito no Jornal do Brasil: “Não fossem a serenidade neurótica de Marcial e a eficiência técnica de Carlinhos, e o sistema defensiva do Flamengo ruiria, facilmente”. Flamengo tem o orgulho e a alegria de ter um ídolo como Carlinhos. No Jornal dos Sports, Álvaro Queirós também se curvou ao Carlinhos: “Carlinhos é um dos raros remanescentes do time rubro-negro à época em que Flávio Costa retornou a direção técnica do Flamengo, em 1962. Médio volante e grande responsável pela segurança do meio-campo da sua equipe, Carlinhos recebeu o apelido de Aranha tal a aparência de possuir mais de duas pernas, segundo os seus colegas, nas disputas de bolas com os adversários. Suas características essenciais, são a calma e a classe. Acadêmico, talvez seja o único sobrevivente dos volantes clássicos que o Brasil já conheceu. Marcador implacável, destruidor eficiente, dotado de rara habilidade no controle da bola, Carlinhos é chamado de craque das bolas limpas, dada a precisão dos seus passes”.

    Fechando assim essa crônica com as palavras de Carlinhos, para Placar em 1970: “Mesmo que viva cem anos, não posso esquecer o 0 a 0 contra o Fluminense, em 63, quando fomos campeões. Foram minutos de tensão e luta. A própria torcida, normalmente tão barulhenta, só conseguiu gritar no fim da partida, e aí foi um carnaval na cidade inteira”. Infelizmente, Carlinhos morreu aos 77 anos, mas para nós flamenguistas, o Carlinhos Violino é eterno, dentre de outras coisas, por causa do Fla-Flu de 1963. E mais que Marcial e Carlinhos, mais que Flávio Costa e Espanhol, esse título foi da Nação. O jogo não eterno pelo 0x0, pelo fim do jejum de 8 anos, pelo 15o título carioca do Flamengo. O Fla-Flu de 1963 é eterno por causa da Nação, a alma do Maraca e o coração da geral, o Fla-Flu de 1963 é eterno por causa de 194.603 pessoas, a maioria louca de alegria após 90 minutos sem respirar. Vale então citar de novo Nelson Rodrigues, um tricolor derrotado, mas um tricolor que teve seu dia de Flamengo, maravilhado com a força da torcida, a energia de um Maracanã que viu o Maior ser o maior mais uma vez: “Que coisa linda, incomparável, a alegria dos rubro-negros. O seu berro, ao soar o apito final, comoveu o Maracanã em suas raízes eternas”.

  • Jogos eternos #48: Flamengo 3×0 Real Madrid 1997

    Jogos eternos #48: Flamengo 3×0 Real Madrid 1997

    Ainda sem jogo do Flamengo hoje, vamos lembrar um jogo eterno do Flamengo. Eu queria escrever sobre esse jogo no início do ano no Mundial dos clubes, mas não deu, Real Madrid não precisa mais esperar, o jogo tão esperado não vai acontecer. Mas já aconteceu um Flamengo x Real Madrid e deu um jogo eterno, uma goleada histórica, um show do ídolo Sávio.

    Jogo aconteceu num torneio amistoso, o Troféu Cidade de Palma de Mallorca em 1997. O torneio já não tinha mais o prestígio de alguns torneios amistosos da Europa na década de 1960, mas ainda era importante, e Flamengo já ganhou esse torneio, em 1978, já na frente do Real Madrid. Quase vinte anos depois, os dois times se reencontraram, agora na semifinal do torneio.

    No 15 de agosto de 1997, Paulo Autuori escalou Flamengo assim: Clemer; Fábio Baiano (Leandro Neto), Júnior Baiano (Juan), Luiz Alberto, Gilberto; Jamir (Bruno Quadros), Jorginho, Maurinho, Sávio (Iranildo); Lúcio, Renato Gaúcho (Rodrigo Mendes). Um time muito bom, mas do outro lado tinha muitos nomes de peso: Cañizares, Panucci, Sanchís, Seedorf, Guti, Zé Roberto, Mijatovic, Suker e Raúl entre outros.

    Real Madrid era o franco favorito, mas Flamengo teve a primeira oportunidade, com Renato Gaúcho, que perdeu o gol cara a cara com Cañizares. Em seguida, uma cabeçada de Raúl foi facilmente defendida pelo Clemer. Amavisca perdeu um gol de pouco pelo Real Madrid. E Sávio começou a brilhar no jogo, com dois dribles e um cruzamento perfeito da esquerda pela cabeça de Maurinho, que abriu o placar com 20 minutos de jogo.

    O Real Madrid reagiu com a dupla Mijatovic – Suker no ataque, sem conseguir fazer o gol. O lateral madrilenho Secretário se aventurou fora do escritório e perdeu a bola no seu próprio campo. Sávio desviou de toque leve para Gilberto, que deixou de trivela para Lúcio. A bola passou entre as pernas de Cañizares e Flamengo tinha agora dois gols de vantagem com apenas 30 minutos de jogo. Numa posse de bola de 35 segundos e 12 passes, Flamengo quase fez o terceiro mas Cañizares salvou o Real Madrid. Flamengo continuou a dominar e ainda no primeiro tempo, o chute de Lúcio passou por pouco fora do gol espanhol.

    Real Madrid foi melhor no início do segundo tempo, chutou quatro vezes no mesmo lance, mas não fez o gol. Os Deuses do futebol estavam com o Flamengo. O Real tinha a posse de bola, as oportunidades no ataque, mas nada de gol. E Sávio brilhou mais uma vez no lado esquerdo. O Anjo Loiro fugiu do Secretário, voltou atrás para Jorginho, que achou Gilberto, de calcanhar, para Lúcio, já na grande área. Fixou o goleiro para o gol fácil de Renato Gaúcho, mas Cañizares fez o milagre e conseguiu desviar o chute de Renato Gaúcho. Bola voltou nos pés de Maurinho, que só tinha a empurrar a bola nas redes. Maurinho saiu para a comemoração, mas o juiz mal anulou o gol com um impedimento inexistente e salvou um pouco o Real Madrid no momento.

    Mas Sávio ainda ia brilhar durante o jogo. Num passe em profundidade, Sávio chegou antes do Secretário, atrasado e completamente perdido, que usou os braços e cometeu o pênalti. Sávio pegou a bola, e com a tranquilidade do craque, achou a gaveta de Cañizares, um gol em cereja do bolo para Sávio, que agora podia ceder o seu lugar para Iranildo. Sávio acabou com o Real Madrid, acabou o jogo, vitória 3×0 do Fla, um jogo eterno.

    Na grande final, Flamengo perdeu 2×0 contra Mallorca, os donos da casa, mas o mais importante era o primeiro jogo contra o Real Madrid. E Sávio deixou os madrilenhos tão de boquiaberta, tão maravilhados com a classe de seu futebol, que o Real Madrid o comprou no início do ano seguinte, onde ele ganhou 3 Champions e uma Copa Intercontinental, contra Vasco. E talvez ainda mais importante, no jogo do terceiro lugar, o Real Madrid venceu Vitória de Bahia com grande atuação de um jogador então reserva no Real Madrid, Dejan Petkovic. E Vitória ficou tão maravilhado com a classe do futebol de Petkovic que importou o sérvio no Brasil.

  • Jogos eternos #47: Flamengo 3×3 Fluminense 2017

    Jogos eternos #47: Flamengo 3×3 Fluminense 2017

    Para a janela internacional, vamos de um jogo internacional, mas de um clássico da cidade, o clássico mais charmoso do Rio, o Fla-Flu. E um Fla-Flu muito especial para mim, o Fla-Flu da Copa Sudamericana em 2017, nas quartas de final.

    Eu fui no Brasil pela primeira vez em 2014, para a Copa do Mundo. Por motivo financeiro, não deu para ficar até o primeiro jogo do Flamengo depois da Copa, e voltei na França sem assistir ao meu Mengo. Então na segunda viagem, em 2017, planejei as datas para assistir ao Flamengo no Maracanã, ou ao menos, no Luso-Brasileiro. E vi no início do ano que entre as duas datas da semifinal da Copa Libertadores, tinha um Flamengo x Vasco. As datas de minha viagem eram definidas.

    Flamengo foi eliminado na fase dos grupos da Libertadores e foi na Copa Sudamericana. Ainda na França, foi um golpe duro para mim, mas a esperança de uma semifinal de Liberta no estádio virou a esperança de um Fla-Flu nas quartas de final da Sudamericana, nas mesmas datas da semifinal da Libertadores. E depois de dois turnos contra Palestino e a Chape, deu Fla-Flu.

    Meu primeiro jogo do Flamengo foi no Maracanã, contra Fluminense. O Fla-Flu sempre foi meu clássico favorito no Rio. E comecei da melhor forma possível, com um Fla-Flu no Maraca, na Norte, com vitória, gol de Éverton, com lágrima no meu olho. Depois, um Clássico dos Milhões, meu segundo clássico favorito claro, Vasco é vice, na Norte de novo, com pouca emoção em campo, e muita emoção na arquibancada.

    Eu sonhava de voltar ao Maraca para o Fla-Flu de volta. Mas tinha a incerteza do ingresso. Ainda não era sócio, e não sabia se ia conseguir um ingresso. Mas consegui e relembro de minha alegria na Gávea, com o ingresso na mão e a felicidade no coração. Acho que estava de Este, mas no dia do jogo, a entrada na Norte foi liberada, e fui no que já era meu lugar, a Norte do Maraca.

    Relembro também da ansiedade de pré-jogo, nem dava para aproveitar de verdade o show da torcida. Na arquibancada, virou quase irrespirável, tinha pressa do jogo começar só pra aliviar um pouco essa pressão. “O futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes” falou uma vez o técnico italiano Arrigo Sacchi. Nesse 1o de novembro de 2017, futebol virou a coisa mais importante das coisas mais importantes.

    E no Maracanã, com 41.087 torcedores, um deles ainda mais feliz do que todos os outros, Reinaldo Rueda escalou Flamengo assim: Diego Alves; Pará, Juan, Rhodolfo, Trauco; Willian Arão, Cuéllar, Diego; Éverton Ribeiro, Éverton, Felipe Vizeu. Um time de transição, longe do fracasso de 2015 e também longe do sucesso de 2019. Nesse time, destaques no meu coração para Juan, Cuéllar, Diego e Éverton Ribeiro.

    Enfim para meu coração e meu ritmo cardíaco, o jogo começou. E começou mal. Com apenas 3 minutos, na frente da Norte, na frente de meus olhos em pânico, Lucas abriu o placar com um chute muito forte. E com 10 minutos, na frente da Sul, longe de meu coração sempre em sofrência, uma falta para Diego, meu ídolo nessa época. Bem perto do gol, e já no gol. Faltei o gol, estava admirando a arquibancada e a energia da Norte. Meu irmão desconhecido ao lado de mim também faltou o gol, “estava rezando”. Mas a alegria foi a mesma, Flamengo tinha feito o gol do empate, o gol da classificação. Mas jogo ainda estava longe de acabar.

    E no fim do primeiro tempo, um escanteio para Fluminense, na minha frente, uma cabeçada de Renato Chaves, ninguém na segunda trave, e Fluminense de novo na frente no placar, de novo classificado para a semifinal. E no início do segundo tempo, de novo uma bola parada, de novo uma cabeçada de Renato Chaves, agora com a ajuda do travessão, de novo um gol de Fluminense, longe de meus olhos, perto de minha raiva no coração, perto de meu desespero na cabeça. Fluminense tinha dois gols de vantagem e o sonho virava pesadelo. O Fla-Flu era o ápice de minha viagem no Brasil, não podia perder.

    A esperança nunca saiu de mim e dobrou quando Vini Jr entrou em campo. Desde a base, ele foi meu ídolo, meu garoto do Ninho, meu craque da base. Sempre adorei Vini e ainda hoje é meu jogador favorito da atualidade. Entrou e mudou o jogo. Com apenas três minutos em campo, deu um bom passe para Éverton Ribeiro, que, como o gênio que foi e ainda é, achou Felipe Vizeu com um toque de calcanhar maravilhoso. Felipe Vizeu fez o gol do 3×2, o gol que ia inflamar o Maraca até o fim o jogo. Não sei se já gritei com tanta voz, com tanto coração na minha vida.

    E Reinaldo Rueda fez entrar um outro craque da base, Lucas Paquetá. Também ídolo para mim, adoro ele, mas tem menos espaço no meu coração que Vinícius. E com dois minutos de Paquetá em campo, foi de novo Vini Jr que fez a diferença. Agora na direita, um drible de vaca sobre de Marlon e uma falta de Douglas. Faltava, tempo adicional incluído, dez minutos de jogo. Faltava um gol. Eu só aguentava porque não tinha escolha.

    Uma falta perto da área, na direita, perto de meus olhos e de minha alma, um lance ideal para o gol da classificação. Respirar é a coisa mais natural do mundo, mas Flamengo é a coisa mais amada do mundo, e ficou difícil de combinar os dois, amar e respirar, respirar e amar. Ainda hoje, posso ligar nesse estado emocional durante o jogo. Enfim o apito, e Pará, menos ídolo, cruzou, para a cabeçada de Willian Arão. Meu coração parou, Flamengo empatou. Falta agora palavras para descrever o que aconteceu na minha pele e na minha alma.

    Willian Arão jogou mais de 350 jogos, alguns muitos bons, outros mais difíceis e até jogos ruins. Mas minha maior recordação é esse gol, onde ele conseguiu transformar minha segunda temporada no Brasil, onde o pesadelo do jogo virou sonho eterno. Também nesse paragrafo tento descrever minha felicidade, o que sentiu na hora do gol, mas às vezes Flamengo é indescritível, quem é, sabe, quem não é, nunca vai entender.

    Flamengo estava na semifinal, voltei no meu hostel, na favelinha de Pereira da Silva, com brilho nos olhos, sorriso no rosto, euforia no corpo, deleitação na alma. Nesse 1o de novembro de 2017, estava sozinho no Rio, mas esse dia foi um dos mais alegres de minha vida.

  • Ídolos #13: Rondinelli

    Ídolos #13: Rondinelli

    O Deus da Raça. Rondinelli. De nome completo, é Antônio José Rondinelli Tobias. Nem sabia que tinha Antônio no início, que tinha Tobias no fim. No Flamengo, apenas Rondinelli. Ou o Deus da Raça. No Flamengo, tem dois Deuses, o Zeus Zico, pai de todos os Deuses, e Ares Rondinelli, Deus da guerra, Deus da Raça. No Flamengo, teve muitos gênios da bola, Deuses da técnica, mas a torcida gosta ainda mais de uma coisa, a raça, o carisma, a vontade de morrer em campo para defender o Manto Sagrado. E dessa raça flamenguista, Rondinelli foi o maior representante.

    Rondinelli nasceu no 26 de abril de 1955, no São José do Rio Pardo, estado de São Paulo. Foi na base do Flamengo em 1968 e estreou no time principal com apenas 16 anos, em 1971, mesmo ano do que a estreia do Zico. Em 1973 estreou o saudoso Geraldo, em 1974 Júnior, em 1975 Adílio e Júlio César, em 1976 Leandro e Andrade, em 1977 Tita. Uma geração de ouro e uma expressão eterna: “Flamengo, o craque faz em casa”. Mas por pouco, esse time não foi desmentido.

    Em 1975 e 1976, Flamengo viu a Máquina Tricolor de Carlos Alberto, Rivelino e Paulo César conquistar o campeonato carioca. Em 1976, Flamengo perdeu a Taça Guanabara nos pênaltis contra Vasco, Zico e Geraldo errando o pênalti deles. Em 1977, Fla perdeu a decisão do campeonato carioca, de novo contra Vasco, de novo nos pênaltis, essa vez com Tita errando. Flamengo precisava ganhar e decepcionou no Brasileirão de 1978 com um 16o lugar. Flamengo precisava ganhar. Cláudio Coutinho foi chamado como técnico e o campeonato carioca de 1978 era a última chance antes de fazer mudanças no time e vender alguns jovens jogadores.

    No 3 de dezembro de 1978, com 120.433 espectadores no Maracanã, Flamengo decidiu mais um título carioca contra Vasco. A palavra agora com Marcelo Schwob, no seu livro Seleção brasileira de histórias do futebol: “Com o time que já tinha (Zico, Júnior, Toninho, Carpegiani, Adílio e cia.), era uma injustiça o fato de o Flamengo ter até então perdido em duas finais seguidas (1976 e 1977) decididas nos pênaltis com o Vasco. O Flamengo estava virando freguês do time cruzmaltino e se ocorresse mais uma, o grande time seria fatalmente desfeito, o que seria uma perda para o futebol. Mas aos 42 minutos da segunda etapa, quando o jogo permanecia empatado (0x0), placar que faria o Vasco mais uma vez campeão carioca em cima do Flamengo, eis que o zagueiro Rondinelli sobe mais alto que toda a defesa vascaína e faz o gol da vitória, que daria o Campeonato Carioca de 1978 para o rubro-negro, iniciando a trajetória mais vitoriosa da história do clube nos cinco anos seguintes. Apesar de seu futebol não muito técnico, mas sempre empenhando e corajoso, Rondinelli atingia o Olimpo da história do Flamengo”. Nesse dia, Rondinelli virou o Deus da Raça para sempre e escreveu o primeiro capítulo do maior Flamengo de todos os tempos.

    Agora a palavra para o herói do título, Rondinelli, que falou para Placar em 2018: “Realmente foi um divisor de águas. Vínhamos de fases adversas, de nenhuma conquista de campeonato. Vejo de uma forma positiva em relação à liderança do nosso maior ídolo, Zico. Isso sempre contribuiu para que os jogadores chegassem ao clube e se espelhassem nessa geração enquanto profissionais. Foram grandes conquistas, o ambiente de trabalho, amizade, confiança, respeito, amor. Gratidão desde o presidente até o funcionário mais humilde do clube, que nos ensinaram a ter amor por esta sigla CRF”. Nesse jogo, Rondinelli não fez só o gol como anulou completamente Roberto Dinamite. Um jogo eterno contra Vasco, um golaço do Deus da Raça num escanteio de Deus.

    Agora a palavra para Deus, para Nosso Rei Zico: “Aquele gol é o que mais me arrepia até hoje quando revejo”. Quando encontrei Zico, nesse eterno 18 de novembro de 2022, ele falou sobre esse gol. E foi Zico que bateu o escanteio, sob protestos de uma parte da torcida que queria ver Zico na grande área. Mas a curva foi perfeita e a cabeçada de Rondinelli ainda mais. Com Carisma, com Raça, com Força, CRF, três letras perfeitas.

    Agora a palavra com o genial escritor tricolor Nelson Rodrigues sobre o gol de Rondinelli: “Daqui a cinquenta anos, dirão os que viveram o grande dia: ‘Nunca o Flamengo foi tão Flamengo!’”. E é exatamente isso, só Rondinelli podia fazer esse gol, que tem a cara do Flamengo, um gol de luta, de raça, de conquista.

    Rondinelli jogou no Flamengo até 1981, mas desfalcou a decisão do Brasileirão 1980. Jogou a partida de ida, quando saiu machucado. “Durante uma jogada complicada na área, o Palhinha, de maldade, me deu um chute no maxilar e eu caí desacordado. O juiz não marcou nem falta. Saí de campo ainda desmaiado e a consequência é que, até hoje, só tenho trinta por cento da audição do ouvido esquerdo. Fui operado para corrigir as várias fraturas do maxilar e não pude jogar a finalíssima no Maracanã. Sou cheio de fios de aço e parafusos” relembrou Rondinelli. Sua ausência no jogo de volta foi noticiada pelo grande João Saldanha, que escreveu para o Jornal do Brasil no dia seguinte do jogo: “Claro que o Flamengo estava merecendo o jogo do Maracanã. Mas Rondinelli faz muita falta. Manguito ou Marinho podem ser complementos para o zagueiro efetivo mas os dois juntos deixa uma coisa um pouco vulnerável”. Só o Rondinelli era invulnerável na zaga, protegido pelo e defendendo o Manto Sagrado.

    Flamengo ganhou o Brasileirão e Rondinelli desfalcou também o time nos títulos de 1981, porque ele já havia sido negociado no Corinthians, a diretoria flamenguista apostando nos zagueiros ainda mais jovens, Figueiredo e Mozer. Rondinelli até jogou no Vasco, mas não tem importância. Jogou em vários clubes até pendurar as chuteiras em 1985, mas a alegria de jogar saiu antes. “Acabou em 1981, quando saiu do Flamengo” falou Rondinelli. No Flamengo, foram 10 anos, 407 jogos e 12 gols. Mas acho que Rondinelli é de um gol só. Esse gol de 1978, voando na defesa do Vasco, no céu do Maracanã, e com uma cabeçada só, o Deus da Raça ofereceu a melhor definição do que é Flamengo.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”