Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Ídolos #1: Obina

    Ídolos #1: Obina

    A lista dos ídolos do Flamengo é grande, é gigante, tão gigante que o Flamengo é gigante. No topo, claro, Zico. Cada flamenguista tem sua própria lista, com nomes consagrados e nomes mais esquecidos. Cada flamenguista tem seu ídolo particular e nessa categoria vou falar sobre jogadores mais comuns, talvez até perebas, mas que vestiram o manto sagrado.

    Mas para começar essa categoria, nada de pereba, embora ele não esta também de grande habilidade. Meu ídolo particular, meu primeiro ídolo, foi ídolo da Nação. Tem o mesmo nome do que um dos meus maiores ídolos no futebol, o Garrincha. Manoel Francisco dos Santos para driblar na direita e cruzar para o gol de Manoel Brito de Filho, o Obina. Até escolher o nome de Manoel para meu filho faz sentido.

    Comecei a acompanhar o futebol brasileiro de clubes em 2005. Antes, não faltava a paixão, faltava o acesso as informações. Tudo que eu podia ter sobre futebol de clubes brasileiros valia ouro. Relembro de uma matéria do Onze Mondial sobre o Vasco, relembro de algumas imagens do Telefoot sobre as pedaladas do Robinho em 2002, o gol de Fred em 3,14 segundos na Copinha em 2003, a briga do Romário com um torcedor do Flu também em 2003. Poucas coisas, muitas poucas coisas. Única coisa que eu tinha do Flamengo era a figurinha do Edílson no álbum Panini da Copa de 2002, onde tinha o clube dele, o Flamengo, que não era mais o clube dele, mas não sabia disso. Adorava Edílson só porque achava que jogava no Flamengo.

    Em 2005, com acesso à Internet, descobri o site Sambafoot, em francês, porque na época eu não falava português. O site falava mais sobre a Seleção e brasileiros jogando na Europa, mas tinha algumas informações sobre o futebol de clubes. Acompanhei assim o Mundial de clubes 2005 conquistado pelo São Paulo. Depois, comecei a arriscar a leitura em português no Placar com a ajuda de um tradutor online. Enfim, o Flamengo se aproximava de mim, eu me aproxima do Flamengo. Comecei a acompanhar os melhores momentos dos jogos, comecei a conhecer os jogadores.

    Obina foi meu primeiro ídolo no Flamengo. Não tinha muita habilidade, mas tinha muita raça. Um carisma forte, uma identificação incrível com a torcida. Eu adorava Obina porque a torcida adorava Obina. Na verdade, acho que meu primeiro ídolo no Flamengo foi a própria torcida.

    Mas Obina merecia toda essa idolatria. Fez gols decisivos, como na final da Copa do Brasil 2006 contra Vasco, que realmente foi meu primeiro título com flamenguista. Brilhou na decisão do campeonato carioca 2008 contra Botafogo. Mas não foram só os gols decisivos contra os rivais, Obina tinha uma coisa impalpável a mais, essa pequena coisa indescritível que faz a diferença entre um jogador comum e um ídolo. E Obina realmente era melhor do que Eto’o. Essa comparação não precisa de comparações, Obina era melhor do que Eto’o, fato, todo flamenguista sabe disso.

    Obina saiu do Flamengo em 2009, depois de apenas um jogo no Brasileirão contra o Santo André. Suficiente para ser campeão brasileiro, depois de ser vencedor da Copa do Brasil e tricampeão carioca. Depois, acompanhei a carreira dele com grande carinho, no Palmeiras, no Atlético-MG e no Bahia. Ainda hoje Obina é meu ídolo. Mas tinha esquecido que voltou no Flamengo em 2010, para apenas dois jogos, sem brilho. Fica outras memórias, por exemplo eu gostava do atacante nigeriano Obinna, só porque era um quase Obina. Em 2008, mudei a capa do jogo PES para ter uma especial do Obina. Na capa, na lombada, tinha só Obina, meu ídolo.

    Obrigado Manoel, para todas as alegrias com você me deu com o manto sagrado.

  • Times históricos #1: Flamengo 1981

    Times históricos #1: Flamengo 1981

    Para o primeiro capitulo da categoria dos times históricos, eu vou começar com o maior time da história do Flamengo, um time campeão do mundo, um time que inspirou a Seleção de 1982, o time de 1981, que se recita como um poema : Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior, Andrade, Adílio, Zico, Tita, Nunes, Lico.

    Esse time começou em 1978 com um gol de Rondinelli, contra o Vasco. Foi tricampeão em 1979. Ganhou o campeonato carioca e o campeonato carioca especial, porque esse time era especial e porque a CBD interferiu no primeiro campeonato reunindo times cariocas e times fluminenses. Mudou o formato, ficou o campeão, Flamengo. Em 1980, Flamengo foi campeão brasileiro, corrigindo uma anomalia : a Copa Libertadores nunca tinha acolhido o Mengão.

    Zico passou em branco no primeiro jogo da Liberta, fez gol de falta e de pênalti no segundo. O jogo contra o Galo foi polêmico, mas a classificação do Flamengo não foi desmerecida – guardo esse jogo para um outro momento. Na final no Maraca, Zico fez dois, garantiu a primeira vitória. O jogo de volta, contra Cobreloa, foi lá no Chile. “O Flamengo entrou em campo com seu uniforme número dois. Algumas daquelas camisas brancas seriam tingidas de sangue ao longo do jogo” escreve Eduardo Monsanto no seu livro 1981, o ano rubro-negro. Foi na violência, e para Mário Soto, com pedra na mão, literalmente, que o time chileno ganhou esse jogo.

    Jogo de desempate, num estádio cinquentenário, palco da primeira final da Copa do Mundo, o Centenário de Montevidéu. Mário Soto ficou na violência, Zico fica gênio da bola. Dois gols de Zico – um de falta, claro – dois a zero Flamengo, jogo podia acabar. Ainda não, o técnico Paulo César Carpegiani fez entrar o jovem Anselmo com uma missão bem simples : acertar em cheio o Soto, um soco no rosto. Missão cumprida : “O soco do Anselmo foi tão forte e certeiro que parecia ter sido dado por todo o time do Flamengo” falou Lico no livro 20 jogos eternos do Flamengo de Marcos Eduardo Neves. Anselmo expulso, Soto também, Anselmo novo herói da Nação.

    Flamengo 1981 não foi só Libertadores. No campeonato carioca, se vingou do 6 a 0 sofrido contra Botafogo em 1972, com uma goleada contra o mesmo Botafogo. No intervalo, 4 a 0, “queremos seis” cantou a torcida. E foram seis, com um do Rei Arthur e no finalzinho, um de Andrade, camisa 6. O 6 a 0 do Flamengo de 1981 nunca foi vingado pelo Botafogo. A final, contra o Vasco, começou dois dias depois de um drama : Cláudio Coutinho, técnico campeão brasileiro de 1980 com o Mengão, morreu afogado, com suas duas paixões : a pesca submarina e o Flamengo. No livro de Eduardo Monsanto, o amigo Bruno Caritato lembra-se da descoberta do corpo : “O pessoal da lancha da Marinha me chamou: “É ele?” Aí eu vi o pé de pato dele. Era vermelho e preto. Ele era flamenguista, então… Sabe o pé de pato? Vermelho e preto”.

    Campeão da Taça Guanabara e da Taça Sylvio Corrêa Pacheco, Flamengo só precisava de um empate nos dois primeiros jogos contra Vasco para gritar “É campeão”. Perdeu os dois, Roberto Dinamite marcando todos os gols do Vasco. No terceiro jogo, Flamengo fez dois em cinco minutos mas no fim do jogo, Vasco marcou um, se aproximou da prorrogação. Muita tensão para os 169 989 torcedores do Maracanã. Um deles, Roberto Passos Pereira entrou no campo, para esfriar a reação do Vasco. Aí o jogo ficou conhecido como “jogo do ladrilheiro”, com Roberto novo ídolo da Nação. Roberto ganhou a camisa do Zico, e em 1996, quando sua casa foi destruída por causa da chuva, procurou o Zico para assinar a camisa e a vender em leilão. Zico assinou a camisa, recusou a venda, ofereceu ao Roberto um cheque para uma vida nova. Zico ídolo de sempre da Nação.

    Campeão carioca, campeão da América, Flamengo queria e merecia o mundo. Hoje, todos os grandes times brasileiros têm seu Mundial, ou quase. Em 1981, não era o caso, na verdade, só o Santos de Pelé tinha. Para ser campeão do mundo, Flamengo precisava bater o Liverpool, que tinha vencido três Taças dos Clubes Campeões em quatro anos. Flamengo só precisou de um tempo para botar os ingleses na roda. Nunes fez dois gols, ganhou definitivamente o apelido de Artilheiro das Decisões. Adílio marcou um, com a ajuda espiritual do Cláudio Coutinho. Zico, alguns anos antes de se tornar uma divindade no Japão, deu duas assistências e ficou com o carro Toyota. “Fiquei meio frustrado porque não participei do jogo. Só veio uma bola. O Flamengo podia ter jogado sem goleiro, que seria 3 a 1” lamentou-se o goleiro Raul. Em apenas 45 minutos, Flamengo deu um espetáculo no mundo, inscreveu-se na eternidade como um dos maiores times do Brasil e do Mundo.

    O jogo contra Liverpool ficou na história, virou canto da torcida. Até para torcedores dos outros times, o Flamengo de 1981 é especial. “Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia” dizia Nelson Rodrigues. Além dos títulos inumerosos, o Flamengo de 1981 foi bola, foi tradição. “Craque, o Flamengo faz em casa” diz o lema. Zico, Adílio, Andrade no meio de campo, Leandro, Júnior nas laterais, até Tita e Nunes voltaram no Flamengo para fazer história, marcar gols, ganhar troféus, fazer a alegria dos torcedores no Maracanã. Esse time é lembrado pelos títulos e amado pela maneira de jogar. Sempre com a vontade de ir no ataque, de procurar o gol, de fazer a jogada bonita. “Eu queria ter tido um clone pra ficar la de cima vendo o Flamengo de 1981 jogar” disse uma vez Zico. Eu também queria ver, no Maraca, o Flamengo de 1981.

  • Na geral #1: Bem-vindo no Francêsguista

    “Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia” escreveu o tricolor e grande escritor Nelson Rodrigues. Eu particularmente não sou brasileiro, eu sou francês, mas eu sou flamenguista, por cada dia de minha vida. Uma vez Flamengo, sempre Flamengo, fala o hino popular do clube.

    Bem-vindo no meu blog francêsguista, que nada vai ser sobre a França e tudo sobre o Flamengo. Vai mexer os jogos de hoje e os jogos eternos do passado, vai mexer os ídolos e os menos ídolos, mas que honraram o manto sagrado. Vai falar sobre os times históricos, de 1912 até 2022, porque cada time, cada jogador, faz história vestindo a camisa do Flamengo. Eu só preciso de duas cores para escrever, o negro e o vermelho. Flamengo sempre eu hei de ser.

    Quem escreve é Marcelin Chamoin, francês de 30 anos, nascido um dia 7 de julho, mesmo dia do que o primeiro Fla-Flu, exatamente 80 anos antes do meu nascimento. Um dia depois do meu nascimento, Flamengo ganhava de 3 a 1 contra Santos no Maracanã e classificava-se para a final do Brasileirão 1992. Com a maestria do Vovô Garoto Júnior, Flamengo conquistou o pentacampeonato contra o Botafogo. Eu particularmente precisou de apenas 12 dias de existência para viver a maior emoção que existe no mundo, ser flamenguista e ser campeão. O meu maior prazer, vê-lo brilhar.

    A paixão pelo Flamengo do brasileiro, vivo ou morto, não se explica, mas a origem dessa paixão pode. A paixão vem do pai, da mãe, do irmão, do primo. De um ídolo, de um jogo eterno, de um time histórico, de um primeiro jogo no Maraca, na geral. A paixão de um gringo já é inusitada, mas pode vir dos primeiros passos na cidade maravilhosa ou nos primeiros cantos no templo do futebol. A paixão pelo Flamengo é contagiante. Seja na terra, seja no mar.

    Eu particularmente não sei explicar a origem dessa paixão. A paixão pelo Brasil, acho que vem da Copa de 1998. Tinha exatamente seis anos quando vi o Brasil se classificar para a final, depois de uma disputa de pênaltis contra os Países Baixos. Antes, tinha visto Ronaldo ser fenomenal contra a Escócia no jogo de abertura, talvez o início de uma paixão sem fim. Depois, foi só Brasil, apenas o Brasil, sempre o Brasil. Na final contra a França, meu país de nascimento, torcia pelo Brasil, chorei com a derrota, mas foi para um bem maior, o amor pelo Brasil. O Brasil posso explicar, o Flamengo não. Então quando alguém pergunta o porquê, respondo que as vezes as coisas bonitas não têm explicações. Que emoção no coração.

    Agora, meu leitor, sentindo com você uma proximidade maior eu posso te fazer duas confissões. A primeira é que abro esse blog porque vou morar um ano no Rio de Janeiro, ou mais, se Deus quiser, e espero que vai me dar muitas oportunidades de ser feliz e de crescer como pessoa. Espero que vou me realizar, espero escrever, espero ensinar coisas que eu sei, aprender coisas que eu não sei, fazer amizades, encontrar pessoas que vão mudar minha vida, e quem sabe, encontrar a mulher de minha vida. E claro vibrar com o Brasil hexacampeão, chorar de emoção com o Flamengo, no Maracanã e em todos os cantos do Rio de Janeiro, com irmãos flamenguistas. Eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo.

    Ultima confissão é que talvez tenho uma explicação possível para todo esse rubro-negrismo que sinto na minha carne e na minha pelé. Eu particularmente acredito na reincarnação. Acredito num outro mundo depois da morte do corpo, e que depois a alma volta nessa Terra, num outro corpo. Acho possível que na minha última incarnação, eu era brasileiro, daí todo esse amor pelo Brasil. Não sei se a reincarnação realmente existe e se numa outra vida eu era brasileiro. Mas se isso é o caso, tenho certeza absoluta que naquela vida anterior, eu era Flamengo. Então, talvez a frase “Flamengo até morrer eu sou” é incompleta, não justa. Flamengo é imortal, e se nossa alma também é imortal, então o sentimento de ser Flamengo é imortal.

    Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”