Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #230: Flamengo 7×1 ADN Niterói 1979

    Jogos eternos #230: Flamengo 7×1 ADN Niterói 1979

    Hoje tem a 20a edição do tradicional Jogo das estrelas organizado pelo Zico no Maracanã. Então é a hora de homenagear Nosso Rei e como amanhã faria dois anos que o Pelé, o Rei do futebol, nos deixou, vamos falar sobre um jogo que envolve os dois. Eu já escrevi sobre o Flamengo x Atlético Mineiro de 1979, quando os dois Reis caminharam juntos com o Manto Sagrado, e eu vou agora de um outro jogo de 1979, contra Niterói, com Zico artilheiro, usando a coroa do Rei, fazendo o gol que Pelé não fez.

    O ano de 1979 foi a temporada mais artilharia de Zico, com 81 gols apenas com o Flamengo, 89 gols contando a Seleção brasileira. Sim, 81 gols em 70 jogos com o Manto Sagrado, números absurdos para qualquer centroavante, ainda mais para um meio-campista, que também fazia jogar o time. Teve 2 gols de falta contra o America, outro jogo eterno no Francêsguista, 3 gols contra São Cristóvão, até 6 gols contra Goytacaz. Zico virou neste ano de 1979 o maior artilheiro da história do Flamengo e ainda tinha muitas coisas para fazer, muitos títulos para decidir, muitos gols para alegrar a geral, a Nação e qualquer apaixonado de futebol.

    No início de junho de 1979, Flamengo perdeu contra o Botafogo, fim de uma série de 52 jogos sem derrota, e perdeu a oportunidade de ultrapassar o recorde do próprio Botafogo, que também passou 52 jogos invictos um ano antes. Quatro dias depois, Flamengo estava de novo em campo e Zico fez os 3 gols rubro-negros na vitória 3×1 sobre Bangu. Três dias depois, de novo Flamengo em campo, vale repetir que Zico disputou durante a temporada 70 jogos só com o Flamengo, número absurdo hoje e até ontem. No 10 de junho de 1979, Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Ramirez, Manguito, Rondinelli, Júnior; Paulo César Carpegiani, Adílio, Zico; Tita, Cláudio Adão, Júlio César.

    O adversário é ADN Niterói e o palco é agora o estádio Caio Martins de Niterói. O estádio era lotado, o publico pagou para ver o Flamengo jogar, o time em acensão no futebol brasileiro, pagou para ver Zico brilhar, dar assistências e alegria, fazer gols e magia. Surpreendentemente com uma goleada assim, foi Niterói que fez o primeiro gol do jogo com um chute de Jorge Luís mal defendido pelo Cantarele, abrindo o placar com apenas 7 minutos de jogo.

    Flamengo reagiu só no final do primeiro tempo, escanteio de Júnior, cabeçada de Cláudio Adão, meio-voleio de Zico, gol do Flamengo. E o Mengão virou ainda no primeiro tempo, agora sem participação de Zico, mas segunda assistência de Cláudio Adão, para Adílio, com o toque leve, preciso, bonito, um beijo na bola, que beijou a rede. No intervalo, Flamengo na frente, com um gol de Zico. E o Adílio, para Esporte Interativo, lembrou sobre Zico: “Quando ele faz o primeiro gol, ele quer fazer o segundo gol”. E assim em diante.

    E o segundo tempo pertenceu apenas, ou quase, ao Zico. Com apenas 2 minutos de jogo, Ramirez cruzou, Zico cabeceou certíssimo, sem chance para o goleiro Passarinho. Onze minutos depois, Reinaldo, que entrou no lugar de Júlio César, cravou o pênalti. Zico bateu certíssimo e completou o hat-trick. Nove minutos depois, outro gol do Flamengo, outro gol de Zico. Outro cruzamento vindo da direita, Zico cabeceou bem e trocou de lugar no gol, agora na esquerda de Passarinho, final igual, bola na rede, gol do Flamengo, gol de Zico.

    E 4 minutos depois, chegou a maravilha, o golaço, o gol que definitivamente eternizou esse jogo, coroou Nosso Rei Zico. Quando se fala do “gol que Pelé não fez”, sempre se refere ao chute do meio do campo na estreia da Copa de 1970, contra a Tchecoslováquia, quando Pelé chutou do meio da rua e a bola apenas flirtou com a trave de Viktor. Com Zico não. Zico fez o gol que Pelé não fez contra o Uruguai na semifinal da mesma Copa de 1970, quando driblou o goleiro Mazurkiewicz sem tocar a bola. Nove anos depois, no lugar do garçom Tostão, Adílio, que fez o passe perfeito no espaço certo para Zico, vindo de diagonal. E Zico teve a inspiração, fez a finta para queimar as asas de Passarinho, o deixar preso no chão. Recuperou a bola do outro lado e fez o golaço antes da chegada do zagueiro. Um gol reservado aos Reis, o gol que Pelé não fez e que ninguém fez, só Zico fez. Nosso Rei.

    Zico fazia o quinto e fez o sexto, de novo com passe de Adílio. Pelé fez 8 gols contra o Botafogo de Ribeirão Preto mas fora esse jogo, o homem de mil gols nunca ultrapassou os 5 gols em um jogo. Só no ano de 1979, Zico teve dois jogos com 6 gols. Assim era Nosso Rei, capaz de compilar os gols e lembrar o Rei do futebol, com um gol que nem Pelé fez.

  • Jogos eternos #229: Flamengo 3×4 Independiente 1939

    Jogos eternos #229: Flamengo 3×4 Independiente 1939

    Para a véspera de Natal, volto bem atrás no tempo, com um jogo que aconteceu numa outra véspera de Natal, em 1939. E pela quarta vez no Francêsguista, uma derrota do Flamengo. A primeira foi o último título de Zagallo em 2001, a segunda foi pancada contra uruguaios e classificação na final da Copa Mercosul de 1999, a terceira, pouco tempo atrás, torcendo para um rebaixamento do Fluminense que não aconteceu.

    Hoje, não tem nada de título, de briga generalizada ou de rival aos fundos. Mas teve muitas coisas, começando na parte tática do futebol, com a aparição do esquema em diagonal, que marcou o futebol brasileiro na década de 1940 até a final da Copa do mundo de 1950. Explica no excelente livro Anatomia de uma derrota de Paulo Perdigão o próprio Flávio Costa, técnico do Flamengo em 1939 e da Seleção em 1950: “Em 1939, quando passei a técnico do Flamengo, havia no time o Domingos da Guia. Íamos jogar contra o Independiente, da Argentina, que tinha um ataque maravilhoso, e eu estava assustado. Uma das maneiras de fechar nossa defesa era prender o Domingos dentro da área, como beque central, o stopper do sistema WM criado por Herbert Chapman, do Arsenal de Londres – aquele que fica dentro da área, cobrindo o gol. Para impedir que Domingos saísse para dar combate ao extrema adversário, coloquei um homem marcando esse extrema. Assim, criamos um sistema híbrido: o lado direito com o WM, o esquerdo com a armação, digamos, clássica. A ideia deu certo e procurei aperfeiçoá-la. Na “diagonal”, o half direito e o meia-direita ficavam atrasados, enquanto o half esquerdo e o meia-esquerda atuavam adiantados. O Flamengo tornou-se uma máquina de fazer gols. Com esse êxito, todos os times do Rio e do Brasil passaram a adotar a ‘diagonal’”.

    O Independiente fez uma excursão no Brasil no final do ano de 1939 e tinha um timaço liderado pelo gênio Antonio Sastre e o goleiro da seleção argentina, Fernando Bello. O Flamengo tinha também um grande time, que tinha acabado de conquistar o campeonato carioca depois de três anos atrás do Fluminense. Tinha o líder da defesa Domingos, seu irmão Médio no meio, além do argentino Volante, que jogava tanto que simplesmente deu seu nome a posição. No ataque, tinha outro gringo, Alfredo González, também tinha Sá, Jarbas, mas sobretudo tinha Leônidas, ídolo do povo, do Brasil, do Flamengo. Para o jornalista Luiz Mendes, Leônidas era “um misto de Pelé e Romário”, só isso dá angustia aos zagueiros e sonhos a todos os outros. E mais, Leônidas imortalizou um gesto de futebol, deixou sua assinatura numa jogada sonhada pelas crianças, repetida em tantos campos de futebol, praias de Rio de Janeiro, até camas de qualquer criança no mundo. A bicicleta não tem nome mas tem a cara de Leônidas, que conseguiu fazer um gol assim pela primeira vez em 1932.

    E mais, o jogo contra Independiente marcou a estreia de um jovem meio-campista, que completou 18 anos poucas semanas antes, um outro ídolo no Flamengo e no Francêsguista, Zizinho. O jovem de Niterói fez um teste no Flamengo e entrou num jogo-treino no lugar de ninguém menos que Leônidas. No primeiro lance, perdeu a bola, no segundo lance, driblou 3 jogadores e fez o golaço. Cinco minutos depois, de cobertura, fez outro golaço. Era o nascimento de uma lenda. A palavra agora para outro gênio do jornalismo, Armando Nogueira, que escreveu sobre Zizinho: “Tinha o futebol na medula e no cérebro, no coração e nos músculos. Era, ao mesmo tempo, o pianista e o carregador do piano. Sempre suou a camisa, na derrota ou na vitória – era um operário; mas quanta beleza na transpiração de sua obra”.

    Zizinho, ainda muito novo e que tinha jogado apenas uma vez com Flamengo, num jogo em Niterói contra Byron para a compra de seu passe, não imaginava começar esse jogo contra o Independiente, bicampeão argentino em 1938 e 1939. Mas era a surpresa do Flávio Costa, já maravilhado pelo futebol de Zizinho, já consciente que tinha um craque nas mãos. No 24 de dezembro de 1939, Flávio Costa escalou Flamengo assim: Walter; Domingos, Newton Canegal; Artigas, Volante, Médio; Zizinho, Sá, González, Jarbas, Leônidas. De tanta importância e tanto prestígio, o jogo aconteceu no maior estádio do Rio de Janeiro da época, o São Januário.

    E jogo começou ruim para o Flamengo, que jogava com seu manto tradicional rubro-negro. Aos 11 minutos, um chute sem perigo de Erico foi desviado pelo Newton e enganou Walter, deixando o Independiente na frente no placar. Apenas quatro minutos depois, o mesmo Erico fez o segundo gol do jogo. A situação piorou aos 30 minutos do jogo quando Maril fez o terceiro gol argentino. No dia seguinte, o jornal Globo Sportivo escreveu: “A cada goal dos argentinos aumentava o desnorteio dos defensores dos rubros, em contraste com a subida de produção dos atacantes commandados por Leônidas. Faltava o apoio dos halves, mas restava o enthusiasmo e elle levava-os até Bello. Numa arrancada louca Jarbas centra para Leônidas e este, mesmo assediado por toda defesa platina, shoota perigosamente, mas a bola bate em Martinez, que afasta o perigo”. O primeiro tempo acabou assim, com 3 gols de vantagem para os argentinos e uma derrota quase certa do Flamengo, até uma goleada temida. Mas Flamengo, já nos anos 1930, era Flamengo, era capaz de tudo.

    No segundo tempo, Flamengo voltou com outro Manto Sagrado, agora a camisa branca, o primeiro sendo similar ao do Independiente. O segundo uniforme do Flamengo, uma inovação no Brasil, foi idealizado em 1937 pelo técnico húngaro Dori Kruschner, para facilitar os jogos de noite. Aproveito para citar mais um gênio da literatura, tricolor de coração, mas que fez do Flamengo um clube ainda maior com escrituras sagradas, imortalizando o clube assim: “Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: – quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furto impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável”.

    No São Januário, Flamengo voltou com Marin no lugar de Newton, que tinha feito o gol contra. E, com a ajuda do Manto Sagrado, não importa rubro-negro ou branco, voltou melhor, botando pressão na zaga do Independiente. Ainda o Globo Sportivo, no estilo e ortografo da época: “O primeiro goal foi conquistado aos quatro minutos de jogo. Artigas bate na altura da linha média do Independiente, a bola vae a Zizinho que estende o couro a Leônidas. Leônidas, mesmo perseguido por Colleta produz linda e decisiva jogada, a qual burlou pela primeira vez a vigilância de Bello. O jogador carioca faz menção de shootar com a direita e arremata alto com o pé esquerdo, fazendo as redes balançarem”.

    Falo de novo, o jogo marcou a aparição de um novo craque, futuro ídolo de Pelé, Zizinho. Jogou uma barbaridade, até o exausto completo, pedindo sua substituição. Falou o próprio Zizinho no livro Nação rubro-negra de Edilberto Coutinho: “Ganhei nesse jogo a posição. Nunca mais deixei de ser titular”. Ainda Nelson Rodrigues, agora sobre Zizinho: “Bastava os alto-falantes do Maracanã anunciarem o nome dele para se saber quem seria o vencedor da partida”. Mas em 1939, ainda era o São Januário, Zizinho ainda era inexperiente, Flamengo ainda estava atrás no placar. No lugar de Zizinho, entrou Naon, decisivo no primeiro lance dele, fazendo a assistência para Jarbas. De tantos grandes nomes no time, Jarbas é um pouco esquecido, mas está até hoje dentro dos 10 maiores artilheiros da história do Flamengo. Um ídolo.

    Flamengo voltava a um gol do empate, mas infelizmente Volante se machucou. Como as duas substituições já tinham sido feitas, Flamengo ficou com apenas 10 jogadores em campo. E Flamengo, já nos anos 1930, era heroico. Mesmo com um jogador a menos, Flamengo dominou o jogo, buscou o empate. Ainda o Globo Sportivo: “Nos quinze minutos finaes os campeões da cidade tiveram que contar apenas com dez homens. As alternativas do match prenunciavam o empate e na imminencia do grande feito a multidão incentivava ardorosamente seus prediletos. Por isso mesmo o goal de Leônidas, do empate, não surprehendaria tanto se não constituisse uma dessas jogadas ‘historicas’, inéditas em matches de football. O lance desenrolou-se da seguinte forma: num ataque do campeão de terra e mar, Jarbas centra uma bola alta. Dentro da área, antes que o couro chegasse ao solo, estando mesmo mais alto do que um homem de estatura média, o ‘Diamante Negro’ salta espectacularmente de costas para o goal e de ‘bicycleta’ – num verdadeiro salto mortal – consagra o terceiro goal, indo o couro balançar as redes no canto direito”.

    Por isso mesmo, esse jogo está hoje eternizado no blog. Além da estreia de Zizinho, teve o “salto mortal”, a jogada irmotal de Leônidas. O ídolo do povo fazia aqui um de seus gols mais famosos, a bicicleta mais famosa. Escreveu Edilberto Coutinho: “Foi de bicicleta, um de seus gols antológicos jogando pelo Flamengo – contra o goleiro Bello, da Seleção argentina – em 1939. A bola veio muito alta, para que Leônidas pudesse dominá-la ou dar um chute direto. E estava muito longe do gol do Independiente para tentar a cabeçada. Então, aquele pequeno e elástico corpo negro se jogou no espaço contra a bola, o gol às suas costas. Na horizontal, fugindo à força da gravidade, levantou primeiro o pé esquerdo, baixando-o em seguida com violência, enquanto o direito alcançava a bola; desviando-a com força, fez que fosse se alojar no ângulo do arco de Bello, vencendo-o inapelavelmente. O homenzinho negro ainda está no ar, quando o estádio inteiro explode de pé. Leônidas da Silva alimentava o próprio mito, juntando mais uma pedra ao monumento de sua imortalidade no futebol. Aparvalhado, o argentino Bello não conseguia entender o que se havia passado”.

    Para completar, o texto de Fernando Calazans no livro 85 anos de glórias sobre a atuação de Zizinho: “No dia seguinte, os jornais só falavam daquele estreante e todos arriscavam a afirmação de que seria um craque. Acertaram em cheio. Durante toda a década de 40 e boa parte da de 50, Zizinho – Mestre Ziza, como passou a ser chamado – foi o grande ídolo do Flamengo e o maior jogador do Brasil. Não podia existir nada mais perfeito em matéria de meia-de-ligação […] Era um jogador talhado para vestir a camisa rubro-negra, pois aliava todas as qualidades que a torcida queria ver reunidas em seu ídolo. Zizinho não era apenas técnica. Era isso e muito mais: coração, músculos, paixão – enfim, o próprio espírito rubro-negro. Zizinho era um guerreiro”.

    O Independiente fez o gol do 4×3 graças ao De La Mata e Flamengo teve outra chance de empate. Ainda o Globo Sportivo: “Antes de encerrado o match, o Flamengo teve ainda oportunidade de empatar novamente a partida e cabe ao juiz, devido a uma grave falha, a não realização da grande façanha. Já habituado a marcar com acerto off-sides de Sá, assignala impedimento num dos raros instantes em que o ponta rubro-negro tinha à sua frente um zagueiro contrário. Não havia tempo material para mais um goal, mesmo porque os jogadores rubro-negros resentiam-se do esforço sobrehumano produzido”.

    Flamengo perdia sim, mas numa época de platinismo, a Seleção brasileira perdeu no início do ano de 1939 pelo placar de 5×1 contra a Argentina no mesmo São Januário, Flamengo foi heroico contra o campeão argentino, ainda conseguirá uma revanche brilhante no Réveillon do ano novo uma semana depois, e mostrou que tinha craques, em formação ou já consagrados, como Leônidas e Zizinho.

  • Jogos eternos #228: Corinthians 0x2 Flamengo 2022

    Jogos eternos #228: Corinthians 0x2 Flamengo 2022

    A camisa 10 do Flamengo tem um novo dono, nosso gringo Arrascaeta. Adoro a história que ele escreveu com a camisa 14, Arrasca era camisa 14 nas costas e camisa 10 com bola nos pés. Eu já era fã do jogador quando jogava no Cruzeiro e gostei muito da contratação dele em 2019. Ficou na reserva com Abel Braga e explodiu com Jorge Jesus, brilhou com todos os técnicos depois. Em quase 300 jogos com o Manto Sagrado, fez magia e assistências, fez vários golaços. A bicicleta contra Ceará claro, um golaço de cobertura num atuação de sonho contra Goiás com 3 gols e 2 assistências para o camisa 14-10, outro golaço para um título na Supercopa contra Palmeiras.

    Em 2024, Arrascaeta elegeu para a Fla TV seu top 10 de gols com o Manto Sagrado e tinha várias possibilidades para escolher um jogo eterno: golaços na Liberta, contra San José em 2019 e Talleres em 2022, não esqueço o gol contra Vélez em 2021, golaços contra os rivais cariocas, Fluminense e Vasco em 2023, não esqueço o gol contra Botafogo em 2022, golaço na Copa do Brasil, contra o Atlético Mineiro em 2022, não esqueço o gol contra São Paulo na semifinal. Tinha muitas opções e vou para o gol que o próprio Arrasca colocou no 7o lugar, mas acho que está no meu top 3 pessoal, pela beleza plástica e importância do gol.

    O ano é 2022 e a competição é a mais bela de todas, a Copa Libertadores. Flamengo vem de uma campanha quase perfeita, 5 vitórias e um empate (com um golaço de Arrasca já) na fase de grupos, uma vitória na Colômbia nas oitavas e uma goleada 7×1 na volta, outro jogo eterno no Francêsguista. O adversário nas quartas era mais forte, o Corinthians, com um jogo de ida na Arena Corinthians, onde sempre é difícil de jogar. O destino se jogava aqui.

    No 2 de agosto de 2022, Dorival Júnior escalou Flamengo assim: Santos; Rodinei, David Luiz, Léo Pereira, Filipe Luís; Thiago Maia, João Gomes, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Gabigol, Pedro. Com Bruno Henrique fora da temporada, Dorival Júnior conseguiu fazer jogar juntos dois artilheiros, Pedro e Gabigol, com o apoio de dois craques camisas 10 no cérebro e nos pés, o camisa 7 Éverton Ribeiro e o camisa 14 Arrascaeta.

    Na Arena Corinthians, onde o Timão não perdia desde fevereiro, sendo 21 jogos invicto, o Corinthians foi o primeiro a levar perigo com apenas 3 minutos de jogo, mas Santos defendeu bem. A maior oportunidade do Flamengo chegou aos 33 minutos, Arrascaeta ganhou uma bola nos pés de Du Queiroz, acelerou, abriu o pé e chutou de fora da área, mas Cássio defendeu bem. Ainda era um jogo de goleirões.

    Dois minutos depois, Arrascaeta provocou a falta e o cartão amarelo para Cantillo com um drible no círculo central. Arrascaeta é craque em cada lugar do campo. E três minutos depois, Léo Pereira abriu longe para Arrascaeta. Craque em cada parte do corpo, Arrascaeta fez o passe de peito para João Gomes. Lance prosseguiu até Pedro, bem defendido pela zaga corintiana. Bate-bola na grande área, Arrascaeta fez a pressão, outro bate-bola, agora com Pedro. O time do Corinthians reclamou de uma mão, mas bola seguia viva, escolheu seu destino. Arrascaeta, craque no cérebro e nas pernas, nem pensou, nem raciocinou, abriu o pé e chutou. A curva é perfeita, Arrascaeta ainda colocou força, colocou bola na gaveta, sem qualquer chance para Cássio. Golaço do camisa 14 em campo, do camisa 10 em nossos corações rubro-negros.

    No início do segundo tempo, a torcida do Flamengo tomou conta da Arena Corinthians e o time do Flamengo tomou conta do jogo. Na direita, Rodinei combinou com Éverton Ribeiro e ganhou o duelo contra Fausto Vera. Rodinei cruzou, Balbuena escorregou, Gabigol recebeu. Gabigol vivia um jejum de 6 jogos sem fazer gol, uma coisa inabitual para ele. Esperava o grande momento, o jogo eterno. O domínio é perfeito, Gabigol abriu o pé e chutou com efeito, colocou a bola no fundo da rede, com a ajuda da trave. Gol de nosso camisa 9, que no final da temporada receberá a camisa 10, infelizmente sem sucesso. Apesar de todas as qualidades, Gabigol não é camisa 10, na forma de jogar, na visão de jogo, na qualidade técnica. Nosso camisa 10, desde sua chegada, sempre foi Arrascaeta.

    No final do jogo, Arrasca quase fez linda assistência numa cabeçada de David Luiz, mas Cássio se esticou bem. O goleiro corintiano defendeu outro chute de David Luiz e impediu uma derrota maior do Corinthians. Flamengo era o dono na Arena Corinthians, se aproximava da semifinal com gols de Arrascaeta e Gabigol. No final não importa o número nas costas, eles são nossos ídolos imortais.

  • Jogos eternos #227: Flamengo 3×2 Sport 1998

    Jogos eternos #227: Flamengo 3×2 Sport 1998

    A temporada de 2024 acabou e se fechou com a despedida do Adriano Imperador no Maracanã. Merecia mais público, afastado por causa do preço absurdo do ingresso. Mas a festa foi linda, com homenagem ao pai do Didico, promessa da vovó que o Adriano conseguiu: um gol com cada time, de cabeça com o time italiano, e como devia acabar, gol com o Manto Sagrado, para a alegria do Maracanã, que além do Didico, viu de novo os ídolos do passado. Entre outros, Romário voltou a jogar com a camisa do Flamengo depois de 25 anos e claro, também cumpriu sua promessa e deixou o gol dele.

    Também, escrevi há pouco sobre um jogo eterno contra Santos, que vai voltar a jogar o Brasileirão em 2025 depois de um ano na Série B. Outro promovido, o Sport, então para misturar o passado e o futuro, vou hoje de um jogo contra Sport, com mais uma vez Romário como personagem principal.

    No Brasileirão de 1998, Flamengo começou muito mal, com apenas 3 vitórias nos 15 primeiros jogos. Em seguida, teve que arrancar, com 4 vitórias consecutivas, 3 jogos já eternos no Francêsguista: contra o Atlético Mineiro, Corinthians e Vitória. Vamos hoje para o segundo jogo da sequência, em casa contra Sport.

    No 7 de outubro de 1998, o técnico e ídolo Evaristo de Macedo escalou Flamengo assim: Clemer; Eduardo, Ricardo Rocha, Juan, Wagner Alves; Marcos Assunção, Jorginho, Rodrigo Fabri, Iranildo; Caio, Romário. A zaga misturava experiência e juventude, classe e raça, mas claro, o personagem do jogo foi Romário. Com 5 minutos de jogo, na pressão do Baixinho, Jefferson recuou para o goleiro, que pegou a bola com a mão, provocando o tiro indireto. Marcos Assunção deixou para Rodrigo Fabri bater com força, no fundo do gol, colocando já Flamengo na frente.

    Pouco depois, Romário quase fez uma linda assistência de trivela, mas Iranildo chutou para fora. Aos 21 minutos de jogo, outro chute com força, fora da área, agora do Sport. Robson achou a gaveta de Clemer e empatou no Maracanã. Já no segundo tempo, Eduardo cruzou para Iranildo, que chegou na bola antes de Rogério e cravou o pênalti. Com a tranquilidade do artilheiro e a habilidade do craque, Romário bateu no contrapé do goleiro e botou Fla de novo na frente no placar.

    Um minuto depois, Iranildo foi implicado num outro pênalti, agora contra o Flamengo, talvez o juiz achou que foi enganado no lance anterior, marcação parecia severa. Lima partiu com força, de novo no contrapé, de novo igualidade no Maracanã. Precisava de um craque para decidir o jogo. Romário seguiu uma bola defendida pelo goleiro Bosco, sem fazer o gol. Depois, jogou a bola entre as pernas de Leomar, lance seguiu até os pés de Caio, que chutou em cima do travessão. Logo depois, Caio, de pivô, achou Marcos Assunção, que chutou cruzado, mas a bola apenas flirtou com a trave. Ainda 2×2 no placar e o Baixinho mostrava impaciência em campo.

    E finalmente chegou a hora do artilheiro, do craque, do ídolo. Faltando 15 minutos para o final do jogo, Iranildo abriu na esquerda para Romário. Já no domínio, o Baixinho eliminou o zagueiro e foi no cara-a-cara com o goleiro. O final, todo mundo já sabia, Romário justificou a fama de ser o melhor do mundo nesse aspecto, não só, do jogo, e fez seu décimo gol no campeonato. Romário, que já vinha de dois dobletes contra Vélez na Copa Mercosul e o Atlético Mineiro no Brasileirão, deu mais uma vez a vitória ao Flamengo, a alegria ao torcedor e confirmou que Romário no Maraca com o Manto Sagrado era, quase sempre, sinônimo de gol.

  • Jogos eternos #226: Flamengo 4×0 Internacional 2009

    Jogos eternos #226: Flamengo 4×0 Internacional 2009

    Hoje é um dia especial para o torcedor rubro-negro, com finalmente a despedida de Adriano Imperador, 8 anos depois do último jogo profissional, 12 anos depois de (não) jogar no Flamengo, 24 anos depois de iniciar a carreira no Flamengo, 15 anos depois de se eternizar no Flamengo. Adriano é um dos maiores ídolos do Flamengo, já eternizado no Francêsguista. Merecia uma despedida no Maraca e a lista dos jogadores presentes mostra quanto importante foi Adriano no futebol e na vida das pessoas, com seu jeito simples e humilde.

    Para o jogo de despedida, tem o Flamengo, claro, que vai enfrentar um time de amigos da Itália. Il Imperatore, chamado assim pelos tifosi, foi ídolo na Internazionale, conquistando um tetracampeonato italiano. Assim, para minha homenagem do dia, escolhi um jogo do Flamengo contra um quase sinônimo, o Internacional.

    Adriano precisou de menos de 100 jogos para se tornar imortal no Flamengo. Começou jovem, fez seu primeiro gol com o Manto Sagrado ainda menor, 11 dias antes do 18o aniversário, contra São Paulo, um jogo eterno no Francêsguista. Saiu em 2001 como jovem promessa, voltou em 2009 como nome consagrado do futebol mundial, mas também como um Imperador pronto a abdicar, a desistir do futebol. Voltou no Flamengo para vivar em paz, para reencontrar a felicidade. E também fez a felicidade do torcedor.

    Nosso Didico voltou com a camisa 29, com festa e com gol contra o Athletico Paranaense, outro jogo eternizado no blog. Passou em branco nos dois jogos seguintes, duas derrotas fora da casa, 2×4 contra Sport com a camisa 27 e um humilhante 0x5 conta Coritiba com a camisa 92. No Maraca, Fla precisava de uma reação contra o Internacional, nome que bate forte no coração do Adriano. Para Flamengo, tinha também a possibilidade de se vingar da eliminação na Copa do Brasil contra o mesmo Internacional, que aconteceu exatamente um mês antes. No 21 de junho de 2009, o técnico Cuca escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Ronaldo Angelim, Welinton, Fabrício, Juan; Willians, Toró, Ibson; Emerson Sheik, Adriano.

    E Adriano, agora com a camisa 90, precisou de apenas 12 minutos para fazer a alegria do torcedor no Maraca. Willians fez o pressing e ganhou uma bola na parte do campo flamenguista. Ibson, quase no círculo central, viu Adriano pedir a bola no espaço, no limite do impedimento, e o serviu perfeitamente. Adriano mostrou a frieza do artilheiro, com um toque leve, de cobertura, um beijo na bola para morrer na rede, e sentiu o calor do povo, da Nação, beijando o escudo no Manto Sagrado. Um golaço do Imperador.

    Com 35 minutos de jogo, o incansável Willians ganhou mais uma bola e transmitiu para Léo Moura, outro jogador de folego. Léo Moura acelerou, driblou Álvaro, cruzou no chão. Ibson, jogador de inteligência e maestria, fez o toque leve de calcanhar, só para deixar a bola para Emerson. Sem espaço para armar, Emerson partiu para o chute de bico, bem forte, bem na gaveta, sem qualquer chance para o goleiro Lauro. Um golaço do Sheik, Flamengo tinha uma dupla para alegrar o povo e reinar sobre o futebol brasileiro.

    Ainda no primeiro tempo, nos acréscimos, com o físico forte, Emerson Sheik ganhou a falta, com 25 metros de distância, um pouco na direita, ideal para um canhoto habilidoso e potente. Na cobrança, Adriano usou mais a técnica do que a força, bateu colocado, fez vibrar a rede e a torcida. Um golaço do Imperador. A Nação começava a realizar que tinha tudo para sonhar nessa temporada, que o Adriano ia dar, de todos os jeitos possíveis, muitas alegrias ao torcedor.

    No meio do segundo tempo, a grande dupla de laterias, uma das maiores da história do Flamengo, funcionou mais uma vez. Na esquerda, Juan abriu bem longe, bem preciso, bem na direita para Léo Moura, que no domínio passou na frente de Glaydson, que fez a falta boba, cometeu o pênalti. A bola era nas mãos do Adriano, nos pés do Didico, no fundo do gol. Com tranquilidade, o Imperador completou seu primeiro hat-trick com o Manto Sagrado, o segundo chegou em 2010 no Fla-Flu, outro jogo eternizado no Francêsguista.

    E mais, no final do jogo, teve outra volta de um jogador marcante do início do século flamenguista, um sérvio cracaço, Dejan Petkovic. Um mês depois da assinatura do contrato, como acordo sobre dívidas do clube, Petkovic voltou a entrar em campo, ainda sem destabilizar os adversários e decidir os jogos. Contra o Internacional, o Rei, o herói do jogo, o Imperador, foi nosso Didico, que mais uma vez fez a alegria do flamenguista no Maraca, da criança na favela, do fã no mundo inteiro.

  • Times históricos #31: Flamengo 1971

    Times históricos #31: Flamengo 1971

    Uma temporada do Flamengo entra na história com um título, com um jogo eterno, com a atuação de um ídolo. Um time histórico se eterniza com grandes jogadores, com golaços, com o grito e a alegria da arquibancada. E o ano de 1971, apesar da falta de títulos, é eternizado no Flamengo por uma coisa, o início de um Rei, de um Deus, Zico, que estreou profissionalmente no 29 de julho de 1971, com vitória 2×1 sobre Vasco, uma ótima maneira de começar.

    E por coincidência, Flamengo, ainda sem Zico, também começou a temporada de 1971 com vitória 2×1 sobre Vasco, gols de Milton e Fio Maravilha, um ídolo no Flamengo e no Francêsguista. Depois, Flamengo participou da primeira edição do Torneio do Povo, uma competição idealizada pelos presidentes do Flamengo e do Atlético Mineiro, e que também tinha a presença do Internacional e do Corinthians, considerados como times de maior torcida dos 4 estados mais importantes do futebol brasileiro. Tempos da ditadura, a competição também foi chamada de Torneio General Emílio Garrastazu Médici e cada time jogou duas vezes contra todos os outros times. E Flamengo começou muito mal, com nenhum gol nos 5 primeiros jogos! Só no último jogo, Flamengo encontrou o caminho do gol com um 3×3 contra o Atlético Mineiro. O time rubro-negro acabou no último lugar de um torneio vencido pelo Corinthians.

    Flamengo jogou outra competição amistosa, o Troféu Pedro Pedrossian, no estádio do mesmo nome, no Mato Grosso do Sul. Flamengo venceu o Corinthians 3×1, gols de Buião, Murilo e Liminha, e conquistou o título. O técnico era Yustrich, antigo goleiro do Flamengo, participando de 198 jogos entre 1935 e 1942. Depois se tornou técnico, principalmente no Minas Gerais, e ganhou fama de técnico autoritário. Começou no Flamengo em 1970, mas decepcionou no campeonato carioca e perdeu, de pouco, a classificação no quadrangular final do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Brasileirão da época.

    No campeonato carioca de 1971, Flamengo estreou com vitória 4×1 sobre Madureira, mas depois oscilou, com 2 vitórias, 3 empates e uma derrota no primeiro turno. Continuou a decepcionar na segunda fase com apenas 2 vitórias no 8 primeiros jogos. Uma derrota contra Bangu selou o fim de Yustrich, que nunca mais treinou Flamengo. O interino foi nas mãos de dois outros antigos jogadores do clube nos anos 1940, o zagueiro negro Newton Canegal e o meio-campista paraguaio Modesto Bría, um ídolo no blog. O time se recuperou, com 3 vitórias, a última 1×0 sobre Vasco. Flamengo anunciou depois o novo técnico, na verdade antigo, outro paraguaio, Fleitas Solich. Chamado de feiticeiro, Fleitas Solich conquistou com Flamengo o tricampeonato carioca 1953-1054-1955, e lançou como profissionais vários jogadores, entre eles, provavelmente o maior ídolo do Flamengo até então, Dida, que estreou também com uma vitória 2×1 sobre Vasco, em 1954.

    Fleitas Solich começou sua quarta passagem no Flamengo com uma vitória 2×0 sobre Botafogo, 2 gols de Buião, o segundo deixando a bola entre as pernas do goleiro Ubirajara Motta. Um clássico decisivo, para a reta final do campeonato, e na arquibancada. No Maracanã, tinha o Leovegildo Lins da Gama, mais conhecido depois apenas como Júnior. O coração do garoto ainda balançava entre o Fluminense, o time de seu pai, e o Flamengo, o time do povo, com sua Nação presente apesar da falta dos títulos. O Flamengo 2×0 Botafogo foi decisivo para Júnior, como ele conta no seu livro Minha paixão pelo futebol: “Gostava do Fluminense. Mas era o Flamengo que mexia comigo. Aquela força, a energia da torcida tinha muito mais a ver com a minha personalidade”. Flamengo fechou o campeonato carioca com derrota 0x2 no Fla-Flu e vitória 1×0 sobre Olaria, gol de Fio Maravilha, artilheiro do time no campeonato com apenas 4 gols!

    O time decepcionava desde 1965, ano do último título carioca conquistado pelo Flamengo. Mas tinha a esperança de dias melhores, principalmente na base com um jogador fora de série, Zico. O craque franzino cresceu, ganhou peso e ficou craque. No 23 de janeiro de 1971, com o time juvenil, fez o único gol da partida contra Botafogo, que andava invicto desde muito tempo. No comando de antigo jogador e futuro técnico do Flamengo, Joubert, Zico virou camisa 10, craque, cérebro e coração do time. Dois meses depois, de novo contra Botafogo, ainda com os juvenis, Zico fez seu primeiro gol no Maracanã, num pênalti. Lembra o próprio Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia e Roberto Assaf: “Fiquei assim impressionado com o silêncio das arquibancadas. Dava para sentir aqueles milhares de olhos me acompanhando, querendo adivinhar, pela minha maneira de ajeitar a bola, de tomar distância, se eu ia acertar o chute. Soube que minha mãe começou a rezar e que meu irmão Edu ficou tão nervoso que queria sair e só voltar depois da cobrança. Corri e chutei – gol. O Maracanã explodiu. Eu ia sentir aquilo muitas e muitas vezes, com você. Juro que senti o chão tremer. O chão treme, a gente treme também, por isso tem que correr, pular, socar o ar, qualquer coisa!”.

    No mês de abril, quando o Flamengo estava atrás de Fluminense e Botafogo no campeonato carioca, Armando Nogueira escreveu sobre Nosso Rei, o “irmão mais moço de Edu, um lourinho chamado Zico, que é a estrela do time juvenil do Flamengo, o líder do campeonato: quem chega cedo ao Maracanã, quando joga o Flamengo, já conhece o no 10 do juvenil, Zico, o artilheiro do campeonato com 9 gols. Ele já foi cantado pelo America, que lhe pagaria o dobro, mas os pais são contra: a família Antunes mais o cachorro da casa ‘Mengo’ torcem pelo Flamengo”. Zico brilhava no time juvenil e se aproxima do time principal. Ainda Zico: “Quando vesti a 10 pela primeira vez eu já era um nome muito falado, por ser irmão do Antunes e do Edu e, é claro, por eles terem tido notoriedade no futebol. Tinha aquele negócio deles sempre falarem de mim, ser apontado por eles como o melhor da família e daí começava a cobrança, mesmo porque eu tinha uma história no amador muito boa. E eu sabia que eles falavam do fundo do coração, porque acreditavam de fato, não era por causa de parentesco. Mas havia, sem dúvida, uma expectativa grande quanto a tudo isso. Eu tinha que chegar e mostrar tudo isso no profissional também. Então comecei a fazer as preliminares dos jogos principais e meter gols sem parar, no Fluminense, no Botafogo, no Bangu, no Olaria… A torcida começou a se acostumar com aquilo. O time principal ia muito mal, e não tardou para que eu fosse lançado entre os profissionais”.

    Na Taça Guanabara, na época e pela última vez uma competição diferente do campeonato carioca, Flamengo estreou com vitória 1×0 contra Bangu, gol de Fio Maravilha, mas perdeu logo depois contra Botafogo. Apesar da contratação de Roberto Miranda, o time estava muito mal e fazia poucos gols. Escreve Marcel Pereira no livro A Nação: “Junto à Roberto e Fio, no ataque, entraram duas jovens promessas formadas no clube e que haviam se destacado na temporada anterior: Nei Oliveira e Caio Cambalhota, este último irmão de César Lemos. A opção de ataque não deu certo. Desde 1933, na era amadora, o Flamengo não fazia tão poucos gols em um ano (e jogou muito mais vezes do que fazia nos tempos do amadorismo). Foi a pior média de gols de sua história: apenas 1,07 por jogo. Fio, artilheiro na temporada, fez só doze gols durante todo aquele ano. O desempenho só não foi ainda pior porque a defesa, capitaneada pelo paraguaio Reyes, salvava a retaguarda. As médias de gols sofridos por jogo nas temporadas de 1970 e 1971 foram as melhores já obtidas pelo Flamengo até então. Por isso, Reyes passou a ser idolatrado e tido como um dos maiores zagueiros que vestiram a camisa rubro-negra”.

    Ainda sem estrear no time principal do Flamengo, Zico voltou a jogar no Maracanã, com a seleção carioca juvenil, no jogo preliminar antes do Brasil x Iugoslávia do 18 de julho de 1971, que marcou a despedida do Rei Pelé. Um Rei saiu, e um outro chegou. Onze dias depois, no 29 de julho de 1971, o técnico Fleitas Solich se preparou a lançar Zico e avisou o povo: “Embora seja indiscutivelmente um craque, pode, talvez, não estourar de saída, levando a torcida a reações negativas. Por isso pedimos a todos que tenham paciência com ele”. A primeira frase do feiticeiro era mais importante que a segunda: Zico era indiscutivelmente um craque. E como seu ídolo Dida, começou contra Vasco, fechou com a vitória 2×1. Escreveu para Placar o jornalista Aristélio Andrade: “A estreia de Zico no Flamengo não foi igual ao lançamento de Dida em 1954. Foi comedida, menos espetacular, mas eficiente. De seus pés saiu a jogada que resultou no gol de Nei. Zico simplifica todas as jogadas: toca de primeira e procura os espaços vazios para receber os passes. Não tem medo de jogo brutal e está sempre na área. Fora de dúvida, a posição é sua”. O Jornal do Brasil simplificou: “A partida de bom só teve a atuação do estreante Zico”.

    Três dias depois, Zico participou de seu segundo clássico, agora o Fla-Flu. Nessa altura, já era chamado de “Galinho de Quintino” pelo radialista Waldir Amaral. Fluminense levou o Fla-Flu, com 3 gols de Mickey. Mas quem ia fazer sonhar as crianças era o próprio Zico. Na estreia do Brasileirão de 1971, o primeiro da história, Flamengo perdeu 0x1 contra Sport. E o segundo, para o quarto jogo profissional de Zico, ainda não profissional, sonhava de participar dos Jogos olímpicos, foi um jogo eterno, no Flamengo e no Francêsguista, um jogo na história do futebol, que viu o primeiro gol de um dos maiores craques do futebol mundial, de nosso maior ídolo para a eternidade, 1×1 na Bahia, gol de Zico, gol de Rei, gol de Deus, Zico.

    Depois disso, não tinha mais nada, ou pouca coisa. Teve o primeiro Flamengo – Botafogo do Brasileirão, 1×1, gol para o Flamengo do antigo botafoguense Roberto Miranda, gol para Botafogo do futuro flamenguista, já no ano seguinte, Paulo César Caju. No Brasileirão de 1971, Flamengo esperou até a 9a rodada para finalmente conquistar uma vitória! No Maracanã, derrotou o Santos, sem Pelé, 1×0, gol de Samarone, que voltou a fazer gol no jogo seguinte, outra vitória, contra Palmeiras. Ainda teve um 0x0 contra Vasco, com grandes atuações dos gringos Andrada e Reyes. Uma semana depois, o Fla-Flu, vitória 1×0 de Fluminense. Ou seja, Flamengo não venceu nenhum dos clássicos no primeiro Brasileirão da história.

    Zico fez seu segundo e último gol da temporada na Ilha do Retiro, no empate 1×1 contra Santa Cruz. Duas semanas depois, Flamengo venceu Ceará, último jogo de Zico na temporada. O técnico da seleção olímpica Antoninho pediu para que Zico voltasse com os juvenis do Flamengo para ter mais tempo de jogo. No Pré-olímpico, Zico fez o gol da classificação na vitória 1×0 contra a Argentina. Porém, apesar de tudo que fez no torneio, Zico não foi chamado nos Jogos olímpicos de Munique. Uma injustiça. Fala Zico na sua autobiografia Zico conta sua história: “Fiquei quebrado por dentro. Me senti traído… Se futebol era isso, então eu não queria mais saber de nada! Minha família inteira me cercou, tentou me animar, mas eu não conseguia me recuperar. Alguma coisa, uma espécie de confiança nos outros, na justiça do mundo, tinha se desfeito. A seleção havia se classificado para os Jogos Olímpicos com um gol meu, eu confiara na promessa da convocação… Fiquei muito abatido e só pensava em largar o futebol”. Com insistência da família, Zico voltou a jogar nos juvenis, disputou a final do campeonato carioca juvenil contra Vasco. Machucado, pensou em pedir sua substituição, mas com insistência do irmão Zeca, ficou calado, ficou em campo, fez o gol do título. Um abençoamento.

    Sem Zico, mas com Rondinelli, que estreou profissionalmente no final de 1971, Flamengo foi em Brasília disputar a Taça Presidente Médici, outro torneio com o nome do ditador ao poder. O jogo reunia Flamengo e Grêmio, os dois times favoritos do Médici, e acabou num 2×2. Teve sorteio para designar o campeão, Flamengo. Um constrangimento. No último jogo do Brasileirão, Flamengo precisava da vitória para se classificar na segunda fase, perdeu 2×0 contra o Internacional e foi eliminado. Uma decepção. E mais, Flamengo ainda jogou o torneio José Macedo de Aguiar contra Vitoria, Bahia e Fluminense. Empatou contra os dois times baianos e Fluminense foi o campeão. Uma frustração. Teve último Fla-Flu do ano, no Maracanã, com vitória 4×1 de Fluminense. Uma vergonha. O último jogo do ano foi contra a seleção de Três Rios, com uma derrota 1×0. Uma tristeza.

    Assim acabou a temporada de 1971, de muitas frustrações e poucos títulos. Mas teve o surgimento de um craque, o início de um reino, as primeiras jogadas maravilhosas de Zico, que daria ao Flamengo, 10 anos depois, suas maiores alegrias e glórias.

  • Jogos eternos #225: Flamengo 3×1 LDU Quito 2019

    Jogos eternos #225: Flamengo 3×1 LDU Quito 2019

    A temporada de 2024 acabou e com ela, a trajetória de Gabigol no Flamengo. Assim são os números finais: 308 jogos, 161 gols, 13 títulos, 16 gols em 17 finais. Números absurdos, que talvez irão aumentar no futuro, Gabigol já falou que sonha em voltar no Flamengo. Antes disso, tinha tantos jogos para eternizar, tantas finais, tantos gols, tantas vezes Flamengo campeão. No momento, prefiro voltar aos primeiros amores, no início de 2019.

    Gabigol chegou ao Flamengo em 2019 como grande nome das contratações, artilheiro do Brasileirão e da Copa do Brasil em 2018 com Santos. Porém, o Manto Sagrado pesa para qualquer jogador e Gabigol passou em branco nos seus 5 primeiros jogos no Flamengo. Abriu as contas contra o Americano e continuou sendo decisivo nos jogos seguintes: 2 gols e 1 assistência contra a Portuguesa, também fez o único gol da partida na estreia da Libertadores, contra San José na Bolívia. Gabigol era diferente.

    E a primeira noite de gala de Gabigol no Maracanã chegou dez dias depois, de novo na Copa Libertadores. Gabigol já tinha feito gol no Maraca, mas o estádio respira diferentemente quando Flamengo joga na Liberta. No 13 de março de 2019, para o jogo contra a LDU Quito, o técnico Abel Braga escalou Flamengo assim: Diego Alves; Pará, Rodrigo Caio, Léo Duarte, Renê; Willian Arão, Cuellar, Diego; Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Gabigol.

    E Flamengo, ainda com a camisa de 2018, precisou de apenas 9 minutos para inflamar o Maracanã, pronto a explodir, para iniciar de verdade a campanha de Libertadores de 2019, que se fechará com o Milagre de Lima. No Maraca cheio, com 58.034 torcedores, Renê abriu para Diego, para Éverton Ribeiro, que teve tempo para ajustar o goleiro, para abrir o placar, para lançar a festa no Maracanã. Pouco depois, numa cobrança de falta de Éverton Ribeiro, Bruno Henrique quase fez o golaço, girando para cabecear, mas o goleiro fez a defesa.

    Em seguida, Willian Arão cabeceou para fora. Outra bola alta, outro cabeceio de Bruno Henrique, para Gabigol, que hesitou entre usar a cabeça ou o pé esquerdo, e a bola passou longe do gol. Ainda não era a hora do gol de Gabigol. Aos 25 minutos, Diego tentou o voleio, de nova para fora. Três minutos depois, Gabigol foi no cara-a-cara com o goleiro Gabbarini, que defendeu bem, a zaga da LDU chegou para afastar o perigo. Flamengo botava uma pressão absurda no gol equatoriano, mas faltava o gol para respirar mais tranquilamente.

    E no final do primeiro tempo, Diego fez a falta boba na grande área, o juiz não hesitou e marcou pênalti. Um susto no Maraca, uma falta de ar. Jefferson Intriago partiu para a cobrança, Diego Alves partiu do lado certo e justificou a fama de pegador de pênaltis, fazendo mais uma defesa, a quarta em 9 pênaltis concedidos com o Manto Sagrado. O Maracanã explodiu, era noite de gala.

    No segundo tempo, Willian Arão e Léo Duarte quase fizeram, mas não fizeram, o placar seguia 1×0 para o Flamengo. No meio do segundo tempo, finalmente chegou o alívio no Maraca, chegou a hora do artilheiro. Bola longa, precisa e preciosa de Éverton Ribeiro para Bruno Henrique, de pivô para Gabigol, de primeira para o fundo do gol. O Maraca vibrava, respirava Liberta, vivia Flamengo. Gabigol partiu para a arquibancada com a comemoração já icônica do Braços de Deus. Depois, Gabigol partiu para o abraço com Bruno Henrique, ainda sem a comemoração também icônica da fusão. Ainda tinha muito a viver com o Flamengo.

    No final do jogo, Uribe, na sua primeira bola depois de entrar em campo, fez o gol do 3×0, e no finalzinho, Cristiano Borja, que passou no Flamengo em 2010 sem deixar saudades, fez o gol de honra para os equatorianos, de pênalti.

    No final, uma vitória tranquila e uma primeira noite calorosa no Maraca na Liberta de 2019. Era o início de uma campanha memorável, era o início de uma história de amor entre Gabigol e a Nação, era o início de muitas coisas, de muitos sonhos, de muitos títulos. Obrigado, nosso eterno Gabigol.

  • Jogos eternos #224: Flamengo 1×0 Athletico Paranaense 2022

    Jogos eternos #224: Flamengo 1×0 Athletico Paranaense 2022

    Hoje Flamengo fecha o Brasileirão de 2024 em casa contra Vitória. É a despedida de um ídolo do Flamengo, que conquistou muitas vitórias, levou muitos troféus, fez muitos gols. Gabigol foi ainda além disso, conquistou a Nação e o amor das crianças, deixou brilho no olho do torcedor, fez rir e fez chorar, fez muito mais ainda. Para mim, ao lado de Zico claro, Leandro obvio, Júnior e acho Adriano, Gabigol está no top 5 dos ídolos do Flamengo. E para quem duvida, respondo apenas com um número: 2. O cara decidiu duas finais de Libertadores.

    A primeira, o Milagre de Lima em 2019, já está eternizada no Francêsguista. Vamos então para a segunda, em 2022, um ano depois de perder outra final da Liberta, contra Palmeiras, já, de novo, com gol de Gabigol. O adversário na final de 2022 é brasileiro, o Athletico Paranaense, com quem Flamengo já cruzou o caminho várias vezes na Copa do Brasil. Deu Flamengo, com título, em 2013, deu Athletico em 2019, Flamengo em 2020, Athletico em 2021, Flamengo em 2022, ainda daria Flamengo em 2023. Pelo retrospecto, pelos times, pelo momento, Flamengo ainda era invicto na Libertadores com 11 vitórias e um empate, o Flamengo era o favorito. Mas era uma final e tudo podia acontecer.

    No 29 de outubro de 2022, o técnico Dorival Júnior escalou Flamengo assim: Santos; Rodinei, David Luiz, Léo Pereira, Filipe Luís; Thiago Maia, João Gomes, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Gabigol, Pedro. A final aconteceu no Monumental de Guayaquil, para mim longe do charme dos últimos estádios das finais do Flamengo, o Monumental de Lima e o Centenario de Montevidéu. O que não deixava de ser idêntico era o estresse antes do jogo, a ansiedade da final e de todos os roteiros possíveis.

    E jogo começou mal para o Flamengo, Vitinho levou perigo ao gol de Santos e pior, Filipe Luís se machucou, com apenas 20 minutos de jogo. Entrou no seu lugar Ayrton Lucas, que forçou no final do primeiro tempo a expulsão de Pedro Henrique. Apesar da bela tarde de sol em Guayaquil, jogo ficou morno em campo, e o cartão vermelho foi comemorado como um verdadeiro gol na minha Rocinha onde assistia ao jogo, em Guayaquil e no Rio, no Brasil inteiro e no mundo, além da camisa da Roça Fla, eu tinha a bandeira da Fla Paris e pensava aos amigos em Paris.

    Depois da alegria do cartão vermelho, a alegria do gol. Jogada começou nos pés de Rodinei, que se tinha eternizado no Flamengo 10 dias antes, quando fez o último pênalti contra o Corinthians para oferecer ao Fla o tetra da Copa do Brasil. Rodinei fez o passe para Éverton Ribeiro, um dos maiores craques dessa geração do Flamengo. Na frente de um garoto do Ninho, Hugo Moura, Éverton Ribeiro fez a finta, quase perdeu a bola, recuou, ainda com bola nos pés. Éverton Ribeiro girou, contra-girou e tabelou com o Rodilindo. Éverton Ribeiro cruzou lindo, na segunda trave o Gabigol chegou. Era a hora do artilheiro, do matador, do Rei da Liberta. Gabigol esticou a perna esquerda e já era. Gol do Flamengo, gol de Gabigol, explosão em Guayaquil e em cada lugar do mundo onde tinha ao menos um rubro-negro.

    Por isso Gabigol está no meu top 5 dos ídolos do Flamengo. Fazia mais um gol numa final de Libertadores, a terceira final. Igualava Zico com 4 gols em 3 finais no Flamengo, ultrapassava Pelé e seus 3 gols nas finais, igualava Luizão e seus 29 gols na Copa Libertadores para se tornar o maior artilheiro brasileiro da competição. Fazia seu 12o gol em 13 finais no Flamengo. Repito, só com isso, não só mas tudo isso, Gabigol faz parte dos maiores ídolos rubro-negros.

    O segundo tempo também foi morno, Gabigol quase fez o segundo, mas parou no Bento. De pivô, Pedro chutou para fora. O Athletico Paranaense mostrava pouco poder de reação e não parecia ameaçar o título do Flamengo. A ansiedade se tornava mais leve, até o apito final do juiz, que sentenciou o Tri rubro-negro. Flamengo era o campeão da Liberta, Pedro era o Rei da América, mas quem decidiu a final foi mais uma vez Gabigol, um dos maiores ídolos da gigantesca história do Flamengo.

  • Jogos eternos #223: Flamengo 0x1 Bahia 1996

    Jogos eternos #223: Flamengo 0x1 Bahia 1996

    É apenas a terceira vez que eternizo uma derrota aqui. A primeira vez foi para homenagear Zagallo, olha a curiosidade, quando conquistou seu último título como técnico, apesar da derrota contra São Paulo. A segunda, uma briga e uma derrota lá no Uruguai, mas no final a classificação no caminho da Copa Mercosul de 1999. Hoje é diferente, o torcedor rubro-negro espera a derrota do próprio Flamengo.

    A situação inusitada se explica com a situação aleatória do Fluminense. Campeão da Copa Libertadores no ano passado, Fluminense luta hoje contra o rebaixamento. E Flamengo, já classificado na Liberta, joga hoje contra Criciúma, rival do Fluminense nessa luta. A derrota do Flamengo ajuda Criciúma, afunda Fluminense, ajuda o próprio Flamengo, ou ao menos sua torcida. O Filipe Luís já deixou claro que Flamengo vai jogar para vencer, o que acho certo vindo do treinador. A torcida é diferente, pode esperar, desejar, até sonhar com a derrota, com o Flu na Série B.

    Por incrível que parece, a situação já aconteceu no passado. No Brasileirão de 1996, Flamengo jogou na penúltima rodada contra Criciúma no Heriberto Hülse, olha a coincidência. Criciúma já lutava contra o rebaixamento e venceu 2×0, acabando com qualquer chance de Flamengo de ir nas quartas de final do Brasileirão. O campeonato acabava ali mas faltava um jogo, em casa, ou quase, contra Bahia. E Fluminense estava na zona de rebaixamento, com um ponto a menos que Criciúma e Bahia. E Bahia era justamente o último adversário de Flamengo, precisando da vitória para rebaixar o Fluminense, para fazer a alegria do torcedor rubro-negro.

    Assim aconteceu uma cena bizarra para o último jogo, Flamengo jogando em casa no São Januário, já é estranho. O estádio vascaíno era quase vazio, com apenas 736 pagantes, mas tinha a presença de torcedores do Fluminense torcendo pelo Flamengo, de rubro-negros torcendo contra o próprio time. No 24 de novembro de 1996, Joel Santana escalou o Flamengo assim: Fábio Noronha; Fábio Baiano, Juan, Ronaldão, Gilberto; Fabiano, Pingo, Caíco, Iranildo; Romário, Marco Aurélio Jacozinho. Apesar da presença do Baixinho, era longe de ser o melhor time possível do Flamengo, para a alegria do torcedor rubro-negro.

    Jogo começou “bem” entre aspas para o Flamengo, na metade do primeiro tempo, Fabiano fez falta dura e acabou expulso, deixando o Flamengo com apenas 10 jogadores em campo. Na arquibancada, desespero do torcedor tricolor, alegria e zoações do flamenguista, que até grita “vai Bahia”. E na Bahia, ao mesmo tempo, o Fluminense do técnico-jogador Renato Gaúcho fazia o papel dele depois de não fazer durante o campeonato todo, abria o placar contra Vitória, sonhava com a permanência.

    No segundo tempo, com hora de jogo, Bahia aproveitou da apatia da defesa rubro-negra para abrir o placar com gol de Edmundo, não o Animal, mas um homônimo, um quase anônimo do futebol brasileiro, mais uma bizarrice desse jogo. No São Januário, alegria do torcedor rubro-negro, ainda mais quando 15 minutos depois, Fábio Baiano fez outra falta e também acabou expulso. Flamengo, com 9 jogadores em campo, desistia de vez da vitória, de salvar o Fluminense, ainda mais depois da vitória de Criciúma.

    No final, vitória do Bahia no São Januário, grito de alegria do flamenguista, grito de desespero e choro do tricolor, rebaixado pela primeira vez. O Renato Gaúcho falou da “podridão” do futebol e foi o caso. A CBF aproveitou do caso Ivens Mendes para cancelar o rebaixamento e salvar o Fluminense, que passou por mais vergonhas e outros rebaixamentos até o final do século, para a alegria do torcedor rubro-negro.

  • Jogos eternos #222: Flamengo 2×1 Internacional 2008

    Jogos eternos #222: Flamengo 2×1 Internacional 2008

    Flamengo e o Internacional fizeram uma boa campanha no Brasileirão de 2024, mas sem o título no final. Flamengo já está fora matematicamente quando o Inter tem menos de 1% de chance de ser campeão. Já são 4 anos sem Brasileirão para o Flamengo, 45 anos para o Internacional. Em 2008, Flamengo e Internacional também fizeram bela campanha, também sem título.

    O confronto entre o Flamengo e o Internacional no Maracanã aconteceu bem no início do Brasileirão de 2008, na terceira rodada. Flamengo estreou com vitória contra Santos e depois empatou contra o Grêmio. No 24 de maio de 2008, o técnico Caio Júnior, que nos deixou na queda do voo da Chapecoense em 2016, escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Juan; Jaílton, Cristian, Toró, Marcinho; Diego Tardelli, Souza. Do lado do Internacional, foi o último jogo no time colorado do saudoso Fernandão, que também morreu num acidente aéreo, em 2014.

    E foi justamente Fernandão o primeiro a levar perigo no Maracanã, bem no seu estilo, tentou uma bicicleta, que passou perto do gol de Bruno. Pouco depois, de novo Fernandão, de novo no seu estilo, pulou alto e cabeceou, mas Bruno defendeu. Flamengo reagiu, com um futebol envolvente e ofensivo, ajuda dos laterais e perigo na zaga colorada, que conseguiu impedir o gol. Adorava o Flamengo de 2008, um time histórico no Francêsguista, e apesar da eliminação traumática da Copa Libertadores, achava que podia conquistar o Brasileirão.

    Com 33 minutos no primeiro tempo, Nilmar aproveitou da lentidão de Fábio Luciano e venceu Bruno para colocar o Internacional em vantagem no placar. Ainda no primeiro tempo, Diego Tardelli fez gol de bicicleta, mas o juiz apitou impedimento. No intervalo, o Internacional vencia de um gol.

    No início do segundo tempo, Toró, como último zagueiro, fez grande desarme para impedir o lançamento em direção de Nilmar. Toró, ainda com a bola nos pés, acelerou e passou entre dois adversários, forçando a falta. Na cobrança, Juan, na cabeçada, Fábio Luciano, na defesa, Renan, no rebote, Marcinho, no placar, 1×1, no Maraca, alegria. Adorava o Marcinho, com seu futebol de ginga, de dribles e fintas. De gols também, em 2008 fez 17 gols em 38 jogos, ótimos números para um jogador que não era centroavante.

    E a torcida inflamou o Maraca, inflamou o time. Também adorava o Flamengo de 2008 por causa do Maracanã, raiz e feliz. Cinco minutos depois do gol do empate, o gol da virada. Toró ganhou mais uma bola e jogou na frente. Diego Tardelli foi no cara a cara com o goleiro, Renan levou o drible e fez falta. Pênalti claro, mas com inteligência ou atraso, o juiz não apitou, Souza chegou e fez o gol fácil. Explosão no Maraca e abraço para Obina, esse time tinha ídolos até no banco.

    O Maraca ficou tão maravilhoso, a torcida tão calorosa que o narrador parou de falar para deixar a Nação cantar sua felicidade. No final do jogo, Nilmar driblou o Bruno e tocou no gol vazio, mas Léo Moura chegou, se jogou no chão e impediu o gol na linha. No finalzinho, Bruno fez a última defesa, também é o jogo dos ídolos esquecidos. Flamengo virou, Flamengo ganhou, Flamengo continuou a jogar bem, a vencer, chegou a abrir 5 pontos de vantagem na liderança, a sonhar do hexa em 2008.

    Mas ainda durante o primeiro turno, perdeu os dois artilheiros do dia, Marcinho para o Catar, Souza para o Pana, Renato Augusto também foi na Europa. Ainda sem maturidade emocional quando se tratava do Flamengo, passei a odiar esses jogadores, ainda mais quando Flamengo entrou em crise, perdeu a liderança, perdeu até a classificação na Liberta. No final, ficou no quinto lugar, uma posição acima do Internacional. Para os dois times, dias melhores estavam por vir.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”