
Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
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Jogos eternos #188: Bahia 1×1 Flamengo 1971

O Flamengo viveu um grande fim de semana. Mexendo o passado e o presente, Michael teve uma volta de sonho no Mengo, abrindo o placar e liderando o time na vitória 2×1 sobre o Bragantino. Mexendo o presente e o futuro, o time sub-20 escreveu a história, conquistando contra o Olympiacos a Copa Intercontinental, na liderança de Filipe Luís no banco. E mexendo o passado, o presente e o futuro, Zico ficou mais uma vez na eternidade com a inauguração de uma estátua no seu bairro de origem, no Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro.
A estátua de Zico é de autoria de Mario Pitanguy, que já eternizou outros ídolos com estátuas, o maior ídolo de outro clube carioca, Roberto Dinamite, e outro ídolo do Brasil inteiro, Ayrton Senna. Claro, a estátua representa Zico com o Manto Sagrado, os braços abertos, a cara vencedora, a alma rubro-negra. Presente na inauguração, Zico declarou: “Eu acho que já tive outras grandes homenagens por esse mundo afora, desde lá no Japão até aqui no Maracanã, mas essa tem um significado diferente porque foi o início da minha vida. Foi onde eu comecei a construir tudo. E onde eu praticamente me criei como cidadão. Então aqui foi todo o meu aprendizado. Uma infância maravilhosa. Eu morei aqui em Quintino até me casar com a Sandra, até construir a minha própria família e receber essa homenagem ainda em vida me deixa bastante feliz, emocionado e agradecido eternamente. Essa palavra que eu amo do português que é a gratidão será sempre por tudo isso que vocês estão fazendo por mim. Então muito obrigado a tudo isso que estão fazendo por mim”.
Para o jogo eterno do dia, eu queria um jogo no início da carreira de Zico, quando ainda morava em Quintino. E como o próximo jogo do Flamengo está na Fonte Nova contra Bahia, faz sentido de escolher o jogo contra Bahia, que presenciou o primeiro gol de Zico com o time principal do Flamengo. Zico era Flamengo antes de ser jogador do Flamengo, era Flamengo antes de nascer. Cresceu numa família onde todo mundo, cachorro incluído, era Mengo no coração. No coração, porque de ficha, era diferente. Zico cresceu numa família de futebolistas também, o irmão Antunes no Fluminense, o outro irmão Edu no America. Em 1965, quando o jornalista Tarlis Batista perguntou ao Edu quem era o melhor entre ele e Antunes, o craque alertou sobre o irmão de 12 anos: “Eu acho que o cobra da minha família vai ser o Zico, que está jogando peladas e futebol de salão no Inharé. É também atacante, e todo mundo anda empolgado com ele. Perguntem só ao Antunes…”.
Como jogador do Flamengo, a história de Zico começou em 1967. Com o time de Juventude de Quintino, brilhou num torneio de futsal na Piedade e foi levado ao Flamengo pelo radialista Celso Garcia. Vendo o garoto franzino, Modesto Bria, técnico de base do Flamengo, duvidou. Mas Zico jogou e brilhou, fazendo 2 gols contra o Everest. Zico era pronto a subir morros, mover montanhas. Porém, era muito pequeno e magro. Bola nos pés, Zico era o maior, mas de altura era o menor. A diferença de talento no futebol com os outros garotos era tão evidente que a diferença de físico, agora em desfavor do Zico. George Helal, que se tornaria depois um dos maiores presidentes da história do Flamengo, bancou um programa especial para transformar fisicamente Zico. Era muito esforço e um dia inteiro correndo o Rio de Janeiro. Futebol de manhã na Gávea, escola ao meio-dia no Centro, academia na tarde no Leblon. E no final do dia, voltar em casa no Quintino, para recomeçar no dia seguinte. Acordava as 5:30 h e ia dormir as 10:30 h, se dedicando o dia inteiro apenas ao futebol. No livro Zico conta sua história, Zico garante: “Eu queria tanto jogar futebol, vencer na carreira que – juro! – faria tudo de novo”.
Zico cresceu, se fortaleceu e venceu no futebol. Em 1970, recebeu no Maracanã as chuteiras de outro ídolo do Flamengo, um dos maiores, se não o maior, da década de 1960, o Violino Carlinhos. Em 1971, ainda nos juvenis, Zico fez de pênalti contra Botafogo, seu primeiro gol no Maracanã. Ainda Zico, no livro Zico, 50 anos de futebol de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Fiquei assim impressionado com o silêncio das arquibancadas. Dava para sentir aqueles milhares de olhos me acompanhando, querendo adivinhar, pela minha maneira de ajeitar a bola, de tomar distância, se eu ia acertar o chute. Soube que minha mãe começou a rezar e que meu irmão Edu ficou tão nervoso que queria sair e só voltar depois da cobrança. Corri e chutei – gol. O Maracanã explodiu. Eu ia sentir aquilo muitas e muitas vezes, com você. Juro que senti o chão tremer. O chão treme, a gente treme também, por isso tem que correr, pular, socar o ar, qualquer coisa!”. Zico virou camisa 10 e referência do time, e Armando Nogueira, um dos maiores escritores, se não o maior, do futebol brasileiro, escreveu no Jornal do Brasil sobre a nova promessa, o “irmão mais moço de Edu, um lourinho chamado Zico, que é a estrela do time juvenil do Flamengo, o líder do campeonato: quem chega cedo ao Maracanã, quando joga o Flamengo, já conhece o n°10 do juvenil, Zico, o artilheiro do campeonato com 9 gols. Ele já foi cantado pelo America, que lhe pagaria o dobro, mas os pais são contra: a família Antunes mais o cachorro da casa ‘Mengo’ torcem pelo Flamengo”.
Zico ainda brilhou no Maracanã com a seleção carioca de juvenis no 18 de julho de 1971, que marcou a despedida de Pelé na seleção brasileira. No preliminar, Zico fez o único gol da partida contra o time de juvenis do Vasco. A família Antunes tinha uma nova estrela e, como o time principal estava mal, a Nação rubro-negra pedia um novo ídolo, pedia Zico em campo. A estreia como profissional aconteceu no 29 de julho de 1971. Aliás, Zico ainda não era profissional, já que ficou no regime amador para disputar os Jogos olímpicos de 1972, o que de fato e de injustiça, não aconteceu. Zico foi lançado pelo técnico paraguaio Fleitas Solich, que também lançou 17 anos antes o grande ídolo de Zico, Dida. Antes do jogo, Fleitas Solich avisou os torcedores sobre Zico: “Embora seja indiscutivelmente um craque, pode, talvez, não estourar de saída, levando a torcida a reações negativas. Por isso pedimos a todos que tenham paciência com ele”. Mas Zico não decepcionou e fez uma assistência já no primeiro jogo, que acabou com vitória 2×1 sobre Vasco. “A partida de bom só teve a atuação do estreante Zico” até escreveu o Jornal do Brasil.
Em seguida, Zico jogou seu primeiro Fla-Flu, perdido 3×1 com 3 gols de Mickey. Mas o novo herói era Zico, que também foi titular na estreia do Brasileirão 1971. Foi o primeiro torneio chamado “Campeonato Brasileiro” da história, assim é o primeiro Brasileirão antes de a CBF reconhecer a Taça Brasil e a Taça Roberto Gomes Pedrosa como campeonatos nacionais. Para seu primeiro jogo, Flamengo perdeu 1×0 contra Sport. Quatro dias depois, Flamengo estava de novo em campo no Brasileirão, contra Bahia na Fonte Nova. Já polivalente, Zico jogou como centroavante. No 11 de agosto de 1971, Fleitas Solich escalou Flamengo assim: Ubirajara Alcântara; Murilo, Fred, Reyes, Paulo Henrique; Liminha, Zé Eduardo, Samarone; Rogério, Rodrigues Neto, Zico.
No primeiro tempo, Carinhos abriu o placar para Bahia. No início do segundo tempo, “um garoto franzino e aloirado, de 18 anos, que fazia apenas a sua quarta partida no time profissional” segundo Marcelo Pereira no livro A Nação, Zico empatou. Assim, o primeiro gol do Flamengo da história do Brasileirão foi marcado para o maior jogador de nossa história, Zico. Começava a lista dos gols do Flamengo no Brasileirão e a lista dos gols de Zico com o Manto Sagrado, uma lista que acabou com mais de 500 linhas, 18 anos depois, num Fla-Flu eterno. Era o início de tudo, Zico era promessa da massa, já era chamado pelo Waldir Amaral do Galinho de Quintino. “Galinho por causa do estilo brigador e o cabelo grande que parecia uma crista; Quintino por causa do bairro de origem” explica Marcelo Barreto no livro Os 11 maiores camisas 10 do futebol brasileiro. Quintino, claro, onde tudo começou, da paixão pelo Flamengo as primeiras peladas, dos primeiros dribles no futsal ao sonho de jogar com o Manto Sagrado.
Para fechar a crônica, volto ao jogo contra Bahia, com as palavras de outro ídolo brasileiro, Ademir Menezes, artilheiro da Copa do Mundo 1950, um jogador que sabia tudo da bola, como o mostrou ao falar sobre o início de Zico: “O jovem Zico foi um espetáculo à parte, não só pelo gol que marcou, quando demonstrou muita calma e categoria, mas também pelos ótimos lampejos na partida, mostrando que dentro de muito pouco tempo o Flamengo terá o homem-gol que vem procurando”. O Galinho de Quintino virou homem-gol, virou maestro e camisa 10, virou capitão e exemplo, virou ídolo, virou Rei, virou Deus, virou tudo para o Flamengo e os flamenguistas. Se eternizou, como a estátua no Quintino o eterniza agora, com todos os méritos e com a alegria, gratidão e amor da Nação.
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Jogos eternos #187: Flamengo 4×0 São Bento 1979

Flamengo joga hoje contra o Red Bull Bragantino. Na história do Brasileirão, foram apenas 4 vitórias em casa contra Bragantino e dois jogos já eternizados aqui, uma vitória na estreia do Brasileirão 1995, gols de Edmundo e Romário, e uma goleada 4×1 em 2022, jogo que assisti ao Maracanã. Para o jogo eterno de dia, eu vou trocar de adversário, mas fico com um time do interior paulista, o São Bento de Sorocaba.
O ano é 1979, um ano histórico no Francêsguista. Um ano histórico para Zico, mais artilheiro que nunca antes. Apenas em 1979, foram dois jogos com 6 gols para Zico, contra Goytacaz e Niterói. Foram dois jogos eternos aqui também, um 4×0 contra o America no campeonato carioca, com 2 gols de falta de Deus em 2 minutos, e um 5×1 contra o Atlético Mineiro, quando Nosso Rei cedeu a eterna camisa 10 para outro Rei, Pelé.
O Brasileirão de 1979 se jogou com muitos times, até um recorde, com participação de 94 times! Mas o campeonato foi curto para o Flamengo, que estreou na segunda fase, já no mês de novembro. Flamengo liderou seu grupo, sendo invicto, e se classificou para a terceira fase, contra três times paulistas, Palmeiras, Comercial e São Bento. Tinha um porém antes do início da terceira fase: Zico tinha feito apenas 1 gol em 5 jogos do Brasileirão. Não fez gol nos últimos 4 jogos antes da terceira fase, uma anomalia para quem tinha feito 77 gols em 67 jogos até aqui durante a temporada!
Assim, no 2 de dezembro de 1979, o saudoso Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Manguito, Dequinha, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Reinaldo, Cláudio Adão, Carlos Henrique. Tinha apenas 3 jogos a fazer no turno e apenas o primeiro do grupo se classificava para as semifinais. Assim, não tinha margem para erro, a vitória era obrigatória.
No Maracanã, com 31.024 pagantes, Flamengo fez rapidamente o gol, um gol que tinha a cara e a alma do Flamengo 1978-1983. No círculo central, o lateral-direito Toninho Baiano abriu para o lateral-esquerdo Júnior, que matou de peito e fez o passe atrás para Adílio, em um toque para Zico na grande área. Nosso Rei, já nessa altura artilheiro máximo da história do clube, ainda não tinha reencontrado a forma do artilheiro e não chutou bem, chutou de três dedos no meio do gol. Porém, o goleiro apenas defendeu de forma parcial, Cláudio Adão chegou e abriu o placar.
Para reencontrar a confiança, nada melhor que uma falta. Bem no centro, com 25 metros de distância. Fazia tempo que Zico não tinha feito um gol de falta. Mas a geral voltou a conhecer sua maior alegria, Zico chutou perfeitamente, bola passou em cima da barreira, caiu no canto do gol, o goleiro apenas olhou. Zico fez o gol de falta, comemorou a la Pelé, pequeno salto e punho no ar. Gol de Flamengo, gol de Zico.
Zico voltava a forma de artilheiro e não perdia a fama de camisa 10, do maestro que faz jogar o time inteiro. No final do jogo, uma tabelinha entre Reinaldo e Zico perfeitamente executada, Reinaldo chegou na grande área, driblou o goleiro, fez o terceiro gol. E no finalzinho, Zico voltou com fome de gols. Uma falta para Flamengo perto da área, conhece o fim, mas não o início, surpreendentemente não foi Zico que bateu, mas Reinaldo. E Zico, na bola parada ou na bola rolando, não desistia da jogada, do gol. Reinaldo chutou, o goleiro falhou, Zico chegou, cabeceou, fez o gol 79 do ano 1979.
Flamengo goleava São Bento com participação de Zico nos 4 gols. Zico ainda fez gol nos dois jogos seguintes, os últimos, já que Flamengo foi eliminado contra Palmeiras com derrota dura no Maraca. Mas Zico tinha reencontrado o caminho do gol, e Flamengo podia sonhar mais para a década de 1980.
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Jogos eternos #186: Peñarol 3×2 Flamengo 1999

Flamengo jogou 8 vezes na Bolívia e ganhou apenas 2 jogos, um já eternizado no Francêsguista, contra Jorge Wilstermann em 1981. Assim, para o jogo contra Bolívar, era importantíssimo de fazer uma diferença já na ida no Maracanã, o que foi o caso com a vitória 2×0. Para o jogo eterno do dia, na vou na Bolívia, mas no Uruguai, onde também sempre foi difícil jogar, contra Peñarol, que espera agora nas quartas de final o vencedor do duelo entre Flamengo e Bolívar.
E eu vou de uma competição continental com Flamengo campeão no final. Já escrevi muito sobre essa competição com jogos eternos contra Colo-Colo e Universidad de Chile na primeira fase, e os dois jogos da final contra Palmeiras, 4×3 no Maracanã, 3×3 no Parque Antártica com gol de Lê. Entre os jogos contra os chilenos e os contra Palmeiras, a fase de mata-mata, uma goleada contra Independiente para ir na semifinal, disputada contra Peñarol. Na ida no Maracanã, Flamengo atropelou Peñarol com uma vitória 3×0. Porém, a classificação estava longe de ser assegurada e Fla precisava confirmar a vantagem no ambiente hostil do Centenário.
No 9 de dezembro de 1999, o eterno Carlinhos escalou Flamengo assim: Clemer; Maurinho, Célio Silva, Juan, Athirson; Leandro Ávila, Jorginho, Marcelo Rosa, Leonardo Inácio; Caio, Leandro Machado. Jogo começou tenso, na verdade era tenso até antes do apito inicial. Relembra Caio para GloboEsporte: “Começou na chegada ao estádio. Nosso ônibus foi apedrejado. Era normal naquela época. Mas sentimos um clima estranho no aquecimento. Não nos deixaram aquecer em campo e nos mandaram para um local embaixo das arquibancadas, um cimentão. Cerca de 15 membros da torcida organizada do Peñarol passaram nos encarando, chutaram as bolas. Esperavam uma reação nossa”. Com o apoio do público, Peñarol dominou o primeiro tempo. Clemer falhou duas vezes em bolas aéreas, sem maiores consequências para o Flamengo. Pouco antes do intervalo, Peñarol finalmente abriu o placar graças a um belo gol de falta do capitão Pablo Bengoechea.
No segundo tempo, Flamengo reagiu com a entrada em campo de Reinaldo, que provocou um pênalti cometido pelo lateral brasileiro Cafú, que passou quase toda a carreira no Uruguai. Na cobrança, depois de se desentender com um jogador do Peñarol, Athirson foi cirúrgico e empatou no jogo, deixando ampla vantagem para Flamengo no placar agregado. Oito minutos depois, Reinaldo fez o golaço do dia, começou a jogada na sua parte de campo, avançou 20 metros sem ser muito contestado e soltou a bomba de 35 metros. A classificação do Flamengo era quase decretada, mesmo com gol do Peñarol no minuto seguinte.
Nos instantes finais, Peñarol teve um pênalti, Bengoechea permitiu ao time uruguaio de vencer o jogo, sem impedir a eliminação e a raiva dos companheiros. No apito final, os jogadores uruguaios partiram para cima e começou aqui uma das brigas generalizadas mais pesadas do futebol. Relembra agora Clemer: “Foi um jogo complicado por tudo o que aconteceu fora de campo. Eles armaram para nós… Só que nosso time estava voando. A confusão começou por causa do Athirson, que estava numa fase muito boa. Ele infernizou os caras pelo lado esquerdo. Acabou com o jogo, e o cara acertou a cara dele. Nosso time era muito novo. O Romário tinha saído. Eu, Célio Silva, Caio e Maurinho éramos os mais experientes. O resto era tudo guri. Eu estava do outro lado do campo. Fecharam para cima dos guris e fui correndo ajudar. O bicho pegou. Todo mundo tomou pancada, soco para todo lado […] Tomei uma pancada forte nas costas. Quando levantei, não vi mais nenhum rubro-negro. A garotada correu, fiquei sozinho. Fui ajudar os caras e me deixaram na furada”.
No intervalo do jogo, o time de futsal do Peñarol tinha recebido uma homenagem e os jogadores ficaram à beira do campo. Assim, foi uma briga com desvantagem numérica e o goleiro reserva Júlio César entrou para ajudar. Ainda Caio: “Não era uma briga de 11 contra 11. Mas de 50 contra 11 ou 18. Depois, nas imagens, dá para ver que o Clemer quebrou uns três caras. Ele lutava capoeira. Alguns tomaram socos, mas era uma briga desigual. Depois de muito tempo chegou o policiamento no vestiário. Esperamos mais de uma hora para sair do estádio”. Foi uma briga marcante para quem assistiu ao vivo e até para quem, como eu, viu no replay, anos depois. No Flamengo, igual talvez só tem a briga contra Bangu na final do campeonato carioca 1966 e a contra Vélez Sarsfield em 1995, outro jogo eterno no Francêsguista. Os jogadores do Flamengo conseguiram fugir nos vestiários, mas a briga permitiu de fortalecer um grupo ainda jovem, órfã de Romário, e de o preparar para a grande final contra Palmeiras. Relembra Athirson, agora para Lance!: “Alguns jogadores, como Clemer e Fabão, tentaram segurar a onda, mas todos corremos para o vestiário. Entrou a polícia, a torcida e os próprios jogadores batendo e buscamos nos proteger, mas foi um acontecimento histórico, onde nos fortalecemos muito para a final e conseguimos ser campeões”.
Foi um dia bizarro em Montevidéu, Flamengo perdeu mas se classificou, brigou mas correu, e no final, foi campeão.
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Jogos eternos #185: São Paulo 0x4 Flamengo 2021

Michael está de volta ao Flamengo. Eu estava em favor da contratação dele, ainda mais com a lesão de Everton Cebolinha. Jogou muito no Flamengo em 2021 e parece que foi bem no Al Hilal de Jorge Jesus. Sempre mostrou respeito e carinho a torcida do Flamengo e a história dele no clube parecia inacabada. Pode voltar a dar dribles aos adversários e alegria a torcida, e quem sabe, ganhar a Copa Libertadores. Na primeira passagem, parou na trave, na verdade a alguns centímetros da trave de Weverton. Este desfecho infeliz não pode fazer esquecer tudo que Michael fez com o Manto Sagrado.
E o começo também foi infeliz. Revelação do Brasileirão 2019 com Goiás, contratado pelo Flamengo por 7,5 milhões de euros em 2020, Michael fez um primeiro ano ruim, com apenas 4 gols e 4 assistências em 43 jogos. Foi vaiado pela torcida e entrou em depressão. Falou em 2021 para Barba Fla: “Eu tive depressão no ano passado, sofri muito com isso. Na época, eu estava no hotel e quis me suicidar. Me veio pensamentos ruins e eu queria saber como era me jogar do prédio. Então, eu gritei por socorro, pela minha mulher, pelo doutor Tanure, Diego Ribas, Diego Alves, Filipe Luís, o Rafinha, o Marcos Braz também. Eles me fizeram ser querido, ser abraçado. Eles tiveram um cuidado comigo, que ninguém antes tinha feito”.
Michael se cuidou psicologicamente e consultou psicólogo, se cuidou fisicamente e pediu ao técnico Rogério Ceni para voltar antes da data marcada no treino, fazendo a pré-temporada com a garotada quando os outros ainda estavam de férias. Reencontrou o prazer da vida e do campo, mas o início da temporada de 2021 também foi difícil: apenas 2 gols nos 22 primeiros jogos. Mesmo assim, Michael estava melhor, nos dribles, no ritmo de jogo, no entrosamento com os companheiros. Desequilibrava os adversários, mas ainda não desequilibrava os jogos. E a partir do segundo semestre, com a chegada de Renato Gaúcho no banco, Michael voltou a ser decisivo. Fez o gol da virada na vitória contra Chapecoense, aliás um golaço, fez gol no jogo seguinte na Libertadores, também fez gol na Copa do Brasil, contra ABC e Grêmio. Decidiu quase sozinho o choque do Brasileirão contra Palmeiras. Poderia ter sido o jogo eterno escolhido para exaltar Michael, mas confesso que a perda da final da Copa Libertadores contra o mesmo adversário meses depois ainda pesa.
Michael continuou a driblar adversários, infernizar defesas inteiras, dar assistências para os companheiros, fazer gols para a torcida e a vitória. Às vezes fazia dobletes, como contra Fortaleza e o Atlético-GO. Nos 5 últimos jogos antes do jogo contra São Paulo, Michael tinha feito 5 gols. Num time que tinha muitos desfalques no setor ofensivo (já na época…), Michael virou a referência do ataque, o melhor jogador do time. A partida contra São Paulo foi o reencontro entre Rogério Ceni, que voltou a ser técnico do São Paulo, e Flamengo. Também era oportunidade de vingança para São Paulo, já que foi duramente goleado 5×1 na ida no Maraca, com show de Bruno Henrique, um jogo eterno no Francêsguista.
No 14 de novembro de 2021, Renato Gaúcho escalou Flamengo assim: Hugo Souza; Matheus França, Rodrigo Caio, David Luiz, Renê; Willian Arão, Andreas Pereira, Éverton Ribeiro; Michael, Bruno Henrique, Gabigol. E jogo começou muito bem para Flamengo, Andreas Pareira ganhou uma bola e transmitiu para Bruno Henrique, em um toque para Gabriel, que de cobertura abriu o placar com apenas 23 segundos de jogo. Gabi – BH, uma dupla icônica no Flamengo, com comemoração também icônica, a fusão que queimou o Morumbi. E com 3 minutos de jogo, Michael escapou de Diego Costa na esquerda, acelerou, invadiu a área e cruzou para Bruno Henrique fazer o segundo gol do dia. São Paulo conseguiu piorar o jogo ainda nos 10 minutos iniciais, David Luiz, também em grande forma em 2021, fez o desarme limpo sobre Rigoni, Calleri fez falta dura sobre David Luiz e ganhou o cartão vermelho.
Com 16 minutos de jogo, de novo Michael na esquerda, de novo infernizando Diego Costa, com um drible curto para abrir o pé e chutar. Faltou efeito no chute e Tiago Volpi fez a defesa. E no final do primeiro tempo, Michael recebeu a bola na exata mesma posição, fez o mesmo drible, agora sobre Gabriel Neves, para abrir o pé e o ângulo. E o efeito no chute foi perfeito, bola tocou na trave e morreu na rede. Golaço e comemoração icônica, à la Cristiano Ronaldo.
E no início do segundo tempo, de novo Michael, ainda Michael, sempre Michael. Na esquerda, deixou Diego Costa no chão com mais um drible e chutou aberto, mas Volpi fez a defesa. No rebote, Bruno Henrique impediu a saída na lateral e ganhou a disputa da bola. Cruzou, bola passou na frente de todo mundo, chegou até o pé esquerdo de Michael, chegou até o gol. Michael fazia o segundo dele do dia, o 13o do campeonato e assim virava artilheiro do Brasileirão, na frente de Gilberto e Hulk. Como no jogo do primeiro turno, Flamengo goleava o São Paulo, agora no Morumbi, onde o rubro-negro não vencia desde 2011.
Infelizmente, Michael não fez gol nos 4 jogos seguintes, o mais importante na final da Copa Libertadores, quando entrou em campo com uma hora de jogo, talvez merecia a titularidade nesse jogo por tudo que fez durante o ano. Teve a chance de fazer o gol do título nos minutos finais, mas chutou para fora por pouco. Uma semana depois, Michael fazia seu último jogo, e último gol, com o Manto Sagrado. Agora Michael está de volta e a história pode voltar a ser escrita.
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Jogos eternos #184: Flamengo 1×0 São Paulo 1997

Silvio Santos morreu anteontem aos 93 anos. Confesso que, sendo francês, não tenho tantas lembranças de Silvio Santos e não assistia aos programas dele. Porém, é conhecido que ele é o maior apresentador da televisão brasileira, uma espécie de Michel Drucker para nós franceses. No futebol, torcia pelo Fluminense, se declarou ao clube apenas em 2019. Também está na história do Corinthians, cantando a marchinha “Doutor, eu não me engano, meu coração é corintiano”. Outro momento histórico foi na final do Brasileirão 2000, quando o dirigente vascaíno Eurico Miranda, em conflito com a Globo, exibiu de graças o logo do SBT na camisa do Vasco.
Silvio Santos também foi um incentivador do futebol, criando a Copa dos Campeões mundiais em 1995, com os clubes que já tinham conquistado o Mundial, de fato e de direito: Santos, Flamengo, Grêmio, São Paulo. Na primeira edição, Flamengo perdeu os três jogos e São Paulo levou o troféu. Em 1996, a competição passou a fazer parte do calendário oficial da CBF e Flamengo se classificou na final. Apesar de um gol de Romário, Flamengo perdeu a final contra São Paulo que levou o bicampeonato.
Em 1997, sem Romário que disputava a Copa América, Flamengo participou da terceira e última edição da Copa dos Campeões mundiais. Com uma vitória e 2 empates, se classificou para a final, de novo contra São Paulo, que buscava o tri. E mais, para São Paulo, era a oportunidade de vingança. Um ano antes, disputou contra Flamengo a final da Copa Ouro, outro torneio menor mas oficial, esta vez organizado pela Conmebol. Em Manaus, Flamengo venceu São Paulo com show e 3 gols de Sávio, um jogo eterno no Francêsguista.
Era uma época de muitos torneios e a Copa dos Campeões provocou um conflito de calendário com o campeonato carioca. A Ferj até ameaçou Flamengo de rebaixamento no campeonato carioca, mas a Copa dos Campeões mundiais sendo um torneio oficial, não teve jeito, Flamengo estava em Brasília para colocar mais um troféu na galeria da Gávea. Flamengo esperou a volta de Romário depois da Copa América conquistada pela Seleção, mas o Baixinho voltou lesionado e não jogou. Desse jeito, no 1o de julho de 1997, o técnico Sebastião Rocha escalou Flamengo assim: Júlio César; Fábio Baiano, Júnior Baiano, Fabiano, Gilberto; Jamir, Jorginho, Evandro, Maurinho; Iranildo, Lúcio. Um time bem mediano, ainda mais em comparação ao São Paulo, que tinha em campo Serginho, Belletti, Denílson, Dodô e Aristizábal.
No estádio Mané Garrincha, com público de 15.002 torcedores, Flamengo teve a primeira oportunidade de gol, logo aos 5 minutos, porém Iranildo chutou para fora. No final do primeiro tempo, o lateral direito Fábio Baiano tabelou e cruzou, Iranildo cortou antes da saída do goleiro e fez o gol. No segundo tempo, São Paulo dominou sem empatar, Denílson, que jogou a final da Copa América dois dias antes em La Paz, teve que sair, e Flamengo conquistou a última Copa dos Campeões mundiais. Completou em 2001 uma Trinidade de torneios menores em cima do São Paulo, quando conquistou a Copa dos campeões depois de dois jogos eternos, uma vitória 5×3 na ida e uma derrota 2×3 na volta, com golaço de falta de Petkovic.
Voltando a Copa dos campeões mundiais 1997, deixo aqui o gol de Iranildo na voz de outro Silvio que faz muita falta, Silvio Luiz. Que os dois, Silvio Luiz e Silvio Santos, descansam em paz.
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Jogos eternos #183: Flamengo 4×0 Botafogo 2013

Antes do jogo contra Botafogo, Flamengo perdeu a oportunidade de tomar a liderança do próprio Botafogo com tropeço nos minutos finais do jogo contra Palmeiras. Falta ainda muito tempo e muitos jogos até o final do Brasileirão e tudo pode acontecer. A esperança é de um título rubro-negro, que já demora a chegar.
Vamos para hoje de um jogo eterno da Copa do Brasil, no caminho do tricampeonato, sete anos depois da conquista do bi contra Vasco. Em 2013, Botafogo tinha mais time, conquistou o campeonato carioca sem precisando jogar as finais depois de conquistar tanto a Taça Guanabara como a Taça Rio. No Brasileirão, lutava pela classificação na Copa Libertadores quando o Flamengo era de um equilíbrio matemático: antes do jogo contra Botafogo, tinha 30 jogos no Brasileirão, 10 vitórias, 10 empates, 10 derrotas, 36 gols pró, 36 gols contra. Ficava na 11a colocação, mas a forma do time obrigava os torcedores a olhar mais no Z-4 do que no G-4. A Copa do Brasil era a única esperança de alegria e título.
Depois de eliminar nas oitavas o Cruzeiro, líder disparado do Brasileirão, Flamengo saiu da crise e recuperou um pouco de otimismo. No jogo de ida de quartas de final, o 1×1 entre Flamengo e Botafogo deixou tudo aberto para o jogo de volta. O Flamengo recuperou o Maracanã 3 meses antes do jogo, depois de anos de obras por causa da Copa do Mundo. Era um Maracanã desfigurado, com alma ferida e tradição manchada, mas ainda era o Maracanã, pronto a vibrar para o Flamengo. E com jogo valendo para uma semifinal nacional, a torcida, em maioria ampla rubro-negra, lotou o Maracanã, com 50.505 pagantes, 59.848 presentes.
No 23 de outubro de 2013, o Jayme de Almeida escalou Flamengo assim: Felipe; Léo Moura, Chicão, Wallace, André Santos; Luiz Antônio, Amaral, Elias; Carlos Eduardo, Paulinho, Hernane. Do lado do Botafogo, um dos melhores jogadores do futebol brasileiro da atualidade, talvez até o melhor desde a ida de Neymar na Europa, Clarence Seedorf. Jogou muito no Botafogo e foi um prazer de o ver jogar no Brasil. E o time do Botafogo não tinha só Seedorf, tinha também Jefferson, Gilberto, Dória, Renato, Lodeira, Rafael Marques e outros. Assim, Botafogo andava como favorito no jogo.
E já no iníciozinho do jogo, o ponta-esquerda flamenguista Paulinho inflamou o Maracanã com um drible desconcertante sobre Marcelo Mattos. Ainda driblou Gilberto e chutou, mas Jefferson defendeu. Eu adorava o Paulinho, tinha velocidade, drible, ginga, podia fazer a diferença em fração de segundos. E de novo Paulinho escapou do Gilberto, acelerou, inflamou o Maracanã e deixou Carlos Eduardo em condições de fazer o gol. Porém, Carlos Eduardo chutou fraco e Jefferson defendeu fácil. E com 20 minutos de jogo, mais uma peladinha de Paulinho, mais um drible, mais uma vez a alegria da torcida, mais uma vez Gilberto perdido, obrigado a cometer a falta. Na cobrança, ao som do raiz “Mengo, Mengo, Mengo”, André Santos cobrou, Marcelo Mattos cabeceou nas costas do companheiro e Hernane, como oportunista, gênio esforçado da grande área, como Brocador, aproveitou, chutou, abriu o placar. Na comemoração, mostrou a camisa, camisa 9 de nome Hernane, a torcida tinha um novo ídolo.
O jogo tinha uma intensidade absurda e Hernane mais uma vez inflamou a torcida, percorrendo 50 metros com a bola, num estilo não de técnica, mas de raça, de vontade de fazer o gol e a alegria da torcida. Hernane parou no Jefferson, mas no minuto seguinte, outro ataque rápido do Flamengo, na esquerda, com André Santos no passe e Paulinho na finalização. Jefferson defendeu de forma parcial, Hernane chegou, chutou, brocou. E a torcida feliz, ainda mais quando Hernane comemorou com o gesto de chororô, imitando outro ídolo esforçado e valente do Mengo, Souza Caveirão.
No segundo tempo, numa bola alta, Paulinho dominou de peito, deixou a bola no chão e serviu André Santos na ultrapassagem na esquerda. André Santos cruzou e Hernane mostrou toda a inteligência do artilheiro, chamando a bola no meio para enganar o Dória e no contrapé, indo na segunda trave para ter espaço para cabecear, para ajustar Jefferson, para completar o hat-trick. E mais uma comemoração icônica, o “acabou” com os dois braços se mexendo para dizer que decidiu o jogo, que não tinha mais jogo. Uma comemoração que ia se eternizar um mês depois, Hernane repetindo o feito no gol que decidiu o título, contra o Athletico Paranaense. Com esse terceiro gol do dia, Hernane chegava ao 14o gol no Novo Maracanã, se confirmava como o artilheiro do estádio, começava a se eternizar na galeria dos ídolos da Nação.
No meio do segundo tempo, Botafogo estava abatido e viu mais um show, da torcida na arquibancada, do Mengo em campo. Elias com a bola, girou para driblar Gegê e passou para Hernane, que devolveu ao Elias, em um toque de novo para Hernane, de bico para Carlos Eduardo, que lançou para Hernane, cara a cara com o goleiro, com a possibilidade do quarto gol. Doria não se conformou e preferiu o sacrifício, cometeu pênalti, recebeu o cartão vermelho. A torcida rubro-negra queria o Hernane bater, queria ver o poker, mas o Brocador deixou a bola para o capitão e aniversariante do dia, Léo Moura. Falou Hernane no final do jogo: “Eu conversei com o Léo. Os meninos pediram para eu bater, mas peguei a bola para dar de presente para ele. Para quem não acreditava no Hernane, graças a Deus estou dando alegria para essa torcida. Vou trabalhar para ser sempre decisivo. Meu sentimento, não sei explicar. Sei que minha mãe está muito feliz, porque liguei para ela, e falou para ter calma, que eu seria decisivo. Passei minha meta, que era de 30 gols no ano”.
Com calma e precisão, Léo Moura transformou o pênalti, fez o gol da goleada, o sinal do coração para a torcida antes da comemoração coletiva. Esse Flamengo não foi o mais genial, mas tinha raça, amor e paixão, tinha vontade de vencer e tinha na frente um artilheiro decisivo, o Brocador Hernane, que quase sozinho, eliminou o Botafogo e deu mais um passo a um título nacional.
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Ídolos #36: Jorginho

Hoje é um dia de aniversariante no Flamengo, Jorginho completa 60 anos. Ele faz parte para mim, e para cada um que sabe um pouco de futebol, dos grandes laterais direitos do futebol brasileiro. E faz parte de uma linha de tempo de laterais, que pode começar quando o Brasil conquistou a Copa do mundo em 1958: Djalma Santos, Carlos Alberto Torres, Nelinho, Leandro, Jorginho, Cafu, Dani Alves, todos dentre os maiores laterais da história do futebol. Impressionante como a posição de lateral-direito é carente no Brasil desde já um bom tempo, quando o país teve antes tantos laterais direitos que eram os melhores do mundo.
No Flamengo, antes do Jorginho, teve Biguá e Toninho Baiano, depois Léo Moura e Rafinha. O Leandro é hors-concours. Fala o próprio Jorginho no livro Os dez mais do Flamengo de Roberto Sander: “Leandro era top, a minha maior referência. Mesmo eu tendo sido campeão do mundo pelo Brasil, acho que estive muito longe da categoria dele. Foi um dos jogadores mais habilidosos que o mundo já teve”. Assim, acho que Jorginho, pela dedicação, pela longevidade no Flamengo, metade de Léo Moura, pela classe dentro e fora do campo, ao menos dobro de Léo Moura, é número 2 das camisas 2 da história do Flamengo.
Jorge de Amorim Campos nasceu no 17 de agosto de 1964 no Rio de Janeiro e cresceu na Zona Norte, numa favela do Complexo do Muquiço, no bairro de Guadalupe. Caçula de uma família com 7 filhos, perdeu o pai aos 10 anos e logo depois uma irmã também morreu. Um morador do Complexo do Muquiço conhecido como Catanha se tornou um segundo pai para Jorginho e o incentivou na carreira de futebolista. Já na base do America, um dos grandes times do futebol carioca, Jorginho teve a dor de perder Catanha, que morreu num acidente. Antes de se tornar profissional, Jorginho teve que sofrer, lutar e continuar a acreditar nos seus sonhos.
Jorginho estreou como profissional no America em 1983, ano em qual foi convocado para a Copa do mundo sub20 no México. Foi titular absoluto, jogando a integralidade dos 6 jogos e chegou na final contra a Argentina, na frente de mais de cem mil torcedores no estádio Azteca, local do tricampeonato mundial da Seleção 13 anos antes. Ao lado de Dunga, Bebeto e Geovani, que fez o único gol da final, Jorginho já era, aos 18 anos, campeão do mundo, vencendo na final o maior rival.
Em 1984, Jorginho assinou no Flamengo e se destacou já no primeiro jogo com o Manto Sagrado, no 15 de julho de 1984, contra Botafogo. No comando do Zagallo, Jorginho fez a assistência para Nunes marcar o único gol do dia. Sua chegada permitiu, já em 1984, ao Leandro, que tinha dores recurrentes no joelho, de jogar na zaga, com tanta classe que fazia na lateral-direita, mas menos esforço físico. Jorginho continuou a brilhar em 1984, fazendo duas assistências na vitória 4×2 contra Friburguense, mas Flamengo perdeu o campeonato carioca no final do ano, mais uma vez numa decisão traumática contra Fluminense.
Na tradição dos laterais direitos brasileiros, Jorginho era ofensivo e técnico, com alta qualidade de cruzamento. Mostrou isso por exemplo contra Santa Cruz no Brasileirão de 1985, quando fez lindas assistências nos dois primeiros gols da goleada 7×0. Mas no final do ano, de novo parou na final do campeonato carioca apesar de um golaço de Leandro no Fla-Flu, um jogo eterno no Francêsguista. Jorginho fez seu primeiro gol com o Manto Sagrado em maio de 1986, quando fez o quinto e último gol do Flamengo contra a Portuguesa, aproveitando de ótimo lançamento de Leandro e de falha da zaga do time da Ilha do Governador. Também fez gol contra ASA em amistoso e Joinville no Brasileirão no final do ano. O calendário foi invertido em 1986 por causa da Copa e no meio do ano, Jorginho conquistou seu primeiro título com o Flamengo, o campeonato carioca, participando dos três jogos da final contra Vasco.
Cada vez mais completo, seguro e eficiente, Jorginho estreou na Seleção brasileira no comando de Carlos Alberto Silva, num amistoso contra o Equador, no 21 de junho de 1987. E logo no primeiro jogo, Jorginho fez um gol, na vitória 4×1 em Florianópolis. Neste mesmo dia, Zico voltava a vestir o Manto Sagrado, quase um ano depois de seu último jogo no Flamengo, exatamente um ano após o pênalti perdido contra minha França na Copa de 1986. Era o início de um novo Flamengo. Reserva de Josimar na Copa América de 1987, Jorginho não participou de nenhum jogo durante a competição, que acabou com uma derrota 4×0 contra o Chile. Voltou num Flamengo que era, digamos, misto. Explica Zico no prefácio do livro No campo e na moral – Flamengo campeão brasileiro de 1987 de Gustavo Roman: “Meu retorno aos gramados foi contra o Fluminense, pela Taça Rio, exatamente no dia 21 de junho de 1987, antes de começar a Copa União. Fiz o único gol do jogo. E, a partir dali, fui ganhando confiança para entrar no Campeonato Brasileiro em condições de colaborar com aquele time, uma mistura bem temperada da nova geração do Flamengo – composta pelo saudoso Zé Carlos, Aldair, Leonardo, Aílton, Zinho, Jorginho e Bebeto – com jogadores mais experientes como eu, Andrade, Leandro, Edinho e Renato Gaúcho. Muitos consideravam, por conta desse quinteto mais rodado, que o nosso time era ‘velho’ demais para chegar ao título”.
Eu já escrevi muito sobre a Copa União na crônica do time histórico de 1987. Vale a pena dizer aqui que foi um dos maiores times da história do Flamengo. Além dos antigos craques, tinha 5 futuros campeões do mundo em 1994: Jorginho, Aldair, Leonardo, Zinho e Bebeto. Um timaço, de campeões, de vencedores. Jorginho fez o único gol do jogo contra Botafogo, de cabeça num escanteio de Bebeto, mas na rete final do campeonato, faltou quatro jogos por causa do contrato que tinha acabado. Voltou na semifinal contra o Atlético, no final do jogo, fez uma incursão na defesa do Galo e passou para o Galinho, bola caiu nos pés de Bebeto que fez o único gol da partida. Jorginho foi suspenso para o jogo de volta, mas voltou nos dois jogos da final e Flamengo conquistou um campeonato contestado apenas pelos burros do clubismo. Campeão do mundo de juniores, campeão carioca, Jorginho era agora campeão brasileiro, era ídolo da Nação.
No início do ano 1988, Jorginho fez outro gol com o Manto Sagrado, no jogo das faixas, contra a Costa do Marfim, outro jogo eternizado no Francêsguista. No campeonato carioca, Flamengo chegou na final, mas foi derrotado pelo Vasco, alias até hoje a última decisão vencida pelo Vasco contra Flamengo. Jorginho era cada vez mais completo e polivalente, fez alguns jogos como lateral-esquerdo. Com a Seleção brasileira, conquistou o Torneio Bicentenário da Austrália, fazendo um gol contra a Arábia Saudita. Ao lado de Taffarel, Andrade, Bebeto e Romário, Jorginho participou dos Jogos Olímpicos de 1988 e chegou até a final, perdida na prorrogação contra a União Soviética. Depois de 4 meses sem jogar no Flamengo, voltou no final do Brasileirão 1988, no comando de Telê Santana. Jorginho fez uma assistência no golaço de Alcindo contra Bangu, mas Flamengo foi eliminado nas quartas de final contra Grêmio.
Jorginho ainda participou do campeonato carioca 1989, tempo de fazer um gol contra Volta Redonda, seu último no Flamengo, e de conquistar a Taça Guanabara. Contando as taças do campeonato carioca, Jorginho foi campeão em cada ano vestindo o Manto Sagrado: Taça Guanabara 1984, Taça Rio 1985, campeonato carioca 1986, Brasileirão 1987, Taça Guanabara 1988 e 1989. A diretoria vendeu alguns de seus melhores jogadores na Europa, Aldair na Itália, Zé Carlos no Portugal, Jorginho na Alemanha. Ainda viu Bebeto preferir ir jogar no rival. Foi o fim de uma geração, não tão marcante que a precedente, mas que deu muitas alegrias ao torcedor rubro-negro. Jorginho fez seu último jogo no Flamengo na final do campeonato carioca 1989, perdida contra o Botafogo. Com o Manto Sagrado, foram 247 jogos e 8 gols, e uma classe que ultrapassou os limites do campo.
Em 1989, Jorginho foi capitão da Seleção brasileira, mas faltou a Copa América por causa de uma lesão no joelho. Ele seguiu os passos de Tita, outro ídolo do Flamengo e no Francêsguista, e assinou com o Bayer Leverkusen. Com toda a técnica, capacidade de desarmes e visão de jogo, foi escalado como volante, às vezes meia. Voltou na Seleção de Sebastião Lazaroni e voltou com a braçadeira num time onde já a maioria jogava na Europa. Na Copa de 1990, o capitão foi Ricardo Gomes, mas Jorginho seguiu no time titular, disputando na integralidade os 4 jogos da Seleção. Porém, a Copa foi um fracasso, tanto pela qualidade de jogo que pelo ambiente no grupo. Jorginho não teve culpa e em 1991, recebeu o prêmio Fair Play da FIFA. É um dos raros jogadores a ter levado o troféu até hoje, a FIFA prefere em geral eleger federações. Ainda mais, não foi recompensado por um único ato de fair play como aconteceu com outros jogadores, mas pelo comportamento durante toda a carreira, dentro e fora do campo. Jorginho perdeu espaço na Seleção com a chegada de jogadores como Cafu, Luís Carlos Winck e Mazinho, mas, já uma referência na Alemanha, assinou em 1992 com o maior time do país, o Bayern de Munique. E no final do ano, voltou na Seleção, voltou com a braçadeira, para um amistoso justamente contra a Alemanha, campeã do mundo. E no final do jogo, fez seu gol mais bonito com a Seleção, um chute de longe, quem sabe um cruzamento, encobrindo o Illgner.
Na temporada 1993/1994, o Bayern de Munique chegou na última rodada precisando da vitória para ser campeão. Jorginho começou no banco, mas entrou já no primeiro tempo para substituir o lesionado Dieter Frey. No segundo tempo, o lendário Matthäus abriu o placar num gol de falta e Jorginho fez o gol do título num chutaço do pé esquerdo na gaveta, ainda homenageou o Ayrton Senna, que faleceu 6 dias antes. Na Seleção de Carlos Alberto Parreira, participou dos 8 jogos das eliminatórias e foi o capitão na preparação contra a Islândia e o Honduras, no lugar de Raí, em crise de futebol. E Jorginho mostrou mais uma vez sua classe, com apoio ao companheiro e respeito ao técnico: “Preferia que fosse o Raí, mas a decisão é do treinador”.
Na Copa nos Estados Unidos, Jorginho fez parte dos chamados Atletas do Cristo, um movimento que Jorginho juntou em 1986 quando viu seu irmão alcoólatra largar a bebida para seguir o Cristo. Para não repetir os erros e a indisciplina durante a Copa de 1990, os próprios jogadores instauraram um regulamento, com multas em caso do desrespeito, o dinheiro depois foi redistribuído para obras de caridade. Jorginho foi designado o responsável para cuidar do dinheiro e só isso mostra todo o caráter de Jorginho e a confiança que os outros tinham nele. No campo, fez uma assistência para Márcio Santos contra o Camarões, ainda na primeira fase, num ótimo cruzamento. E mais importante, na semifinal, num jogo sofredor contra a Suécia, no final do jogo, foi dele o cruzamento perfeito para Romário fazer o único gol do dia. O Brasil estava na final.
Jorginho jogou a Copa com dores por causa da intensa preparação física, e na final contra a Itália, forçou, sentiu uma fisgada na coxa e teve que ser substituído ainda no primeiro tempo. Mesmo assim, o Brasil foi campeão do mundo e Jorginho, ao lado dos companheiros Márcio Santos, Dunga e Romário, foi nomeado na seleção ideal da Copa. Era o fim de um jejum de 24 anos e a melhor lembrança de Jorginho mostra mais uma vez todo o caráter dele. Fala Jorginho no livro Quem venceu o Tetra de Alex Dias Ribeiro: “Em Recife eu cheguei a chorar ao ver o quanto o povo brasileiro é sofrido e querido ao mesmo tempo. Perto do que o Brasil passa, a alegria de ganhar a Copa é pouca coisa, mas a galera estava vibrando nas ruas. O carinho do pessoal pelos jogadores era enorme, não só pelos grandes nomes como Romário ou o Taffarel. O povo reconhecia um a um a importância que todos tiveram na Copa. Agradeço a Deus o privilégio de poder fazer aquela gente sorrir, chorar de alegria e ter orgulho de ser brasileiro”.
Campeão do mundo, Jorginho ainda jogou a Copa América 1995 e fez assistência para (a mão e) o gol de Túlio Maravilha que eliminou a Argentina nas quartas de final. O Brasil perdeu a final contra o anfitrião, o Uruguai, e Jorginho fez sua 64a e última partida com a Seleção duas semanas depois, num estádio que deu muitas alegrias ao Flamengo, o estádio Nacional de Tóquio, contra o próprio Japão. Nessa altura, Jorginho já jogava no Japão, quando aceitou ir na Terra do Sol Nascente para ajudar Zico e o irmão dele, Edu Coimbra. Jorginho considera Edu como um pai por o ter ajudado no início da carreira no America. No Kashima Antlers, Jorginho virou ídolo e multicampeão, ganhou dois campeonatos, duas copas e duas supercopas do Japão, além de ser eleito melhor jogador do campeonato e da copa do Japão em 1996. Acho que ainda tinha futebol para ser convocado na Copa de 1998, mas Zagallo viu as coisas de forma diferente. Jogando como meia, Jorginho liderou o time no campo, foi um exemplo fora e fez vários gols, inclusive de falta, imitando a maior referência, Zico. Fala Jorginho sobre Nosso Rei no livro Simplesmente Zico de Priscila Ulbrich: “Zico se resume em simplicidade. O cara tinha toda a moral do mundo, podia mandar e desmandar, ser superior, mas optou pela humildade. Sempre tratou todos com igualdade. Sandra assistia aos jogos com minha esposa, graças a Deus pude viver isso. Ele também foi diretor do Kashima Antlers e eu era técnico. Impressionante seu poder de liderança sem perder as características que sempre o acompanharam enquanto jogador. Riso fácil, abraço amigo, companheirismo, trabalhão e competência. Uma honra ter jogado e convivido com ninguém menos que Zico”.
Jorginho ainda tinha futebol antes de se tornar técnico e voltou ao Brasil, no São Paulo. Numa outra mista de talentos e gerações, jogou ao lado de Raí, Dodô, França, Rogério Ceni, Marcelinho Paraíba e Edmílson, porém conquistou apenas uma Copa Euro-America, com goleada 5×0 na final contra seu antigo clube do Bayer Leverkusen. Assinou depois no clube de seu coração na infância… Vasco. Isso não o impede de ser um dos ídolos mais limpos da história do Flamengo. Reencontrou Romário, como Jorginho explica no livro Monumental, o Vasco de 1997 a 2000 de Thiago Correia: “Jogar com ele é muito melhor do que jogar contra. Tivemos uma história maravilhosa em 1994, depois de seis anos nos reencontramos, foi gostoso, ele estava em uma fase diferente da vida, estava curtindo muito fazer só aquilo, de se concentrar na área. O trabalho dele era só naquele espaço, fazendo trabalhos de explosão de cinco ou 10 metros. Então foi maravilhoso rever, amizade que dura até hoje”. No Mundial dos clubes, Jorginho se machucou contra o Manchester United e não participou da final, perdida contra o Corinthians. O final do ano foi mais feliz para ele, Vasco conquistou o Brasileirão e a Copa Mercosul. Em 2000, Jorginho também fez seu maior golaço na carreira, quando criou o Instituto Bola Pra Frente no seu bairro de origem, no Complexo do Muquiço. Até hoje, Bola Pra Frente ajuda muitas crianças, adolescentes e famílias inteiras, usando o esporte e a cultura para desenvolver vários programas e facilitar a formação e o emprego. Golaço.
Jorginho ainda jogou no Fluminense em 2002, o que também não manchou sua história no Flamengo, mas o permitiu de conquistar um segundo campeonato carioca, 16 anos depois do primeiro no Flamengo. Pendurou as chuteiras e seguiu uma carreira de técnico, começando no seu primeiro clube como jogador, o America. Treinou o Flamengo em 2013 sem destaque e passou 3 vezes no Vasco, sem impedir o rebaixamento em 2015, permitindo ao cruzmaltino de voltar na Série A em 2022. Atualmente, treina Coritiba. Vítima muitas vezes da instabilidade dos clubes, a carreira de técnico de Jorginho não é tão marcante que a de jogador, um lateral-direito tão técnico que podia jogar meia, um jogador tão limpo e um homem tão honesto que conquistou todas as torcidas onde jogou, um cara tão vencedor, no campo e na vida, que virou ídolo do Flamengo.
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Jogos eternos #182: Flamengo 7×1 Blooming 1983

Flamengo volta hoje na mais linda de todas, a Copa Libertadores, nas oitavas de ida, no Maracanã. Joga de novo contra Bolívar, que deu trabalho ao Flamengo na primeira fase, principalmente na Bolívia. Vamos para o jogo eterno do dia de um jogo da Liberta no Maraca contra outro time boliviano, Blooming.
Flamengo começou a primeira fase da Copa Libertadores 1982 com 3 empates, contra Grêmio e o próprio Blooming, e uma derrota, por coincidência contra Bolívar. Precisava de uma reação e a vitória contra Blooming era obrigação. No Maracanã, foram apenas 13.658 presentes, a Libertadores atraía bem menos pessoas, principalmente nos jogos contra times mais fracos. As competições principais ainda eram o campeonato carioca e o Brasileirão, que conheceu seu desfecho um mês depois, com vitória contra Santos, recorde de público, show de Adílio e despedida de Zico, um jogo eternizado no Francêsguista na última semana.
No 22 de abril de 1983, Carlos Alberto Torres escalou Flamengo assim: Raul; Cocada, Mozer, Marinho, Júnior; Vítor, Adílio, Zico; Édson, Robertinho, Baltazar. Do lado do Blooming, um brasileiro, Fernando Revelles, que jogou no Botafogo e Olaria antes de ir na Bolívia em 1983. E jogo começou muito mal para o Flamengo. Com apenas 20 segundos de jogo, Taborga cruzou e Raul percebeu que a bola saiu do campo. Todo o time do Flamengo parou de jogar, o do Blooming não e Juan Sánchez abriu o placar. O juiz hesitou, mas validou o gol. Flamengo já estava atrás no placar e tinha que reagir.
E a reação foi rápida, violenta, goleadística. Aos 5 minutos, Júnior cobrou um escanteio do pé direito, Robertinho cabeceou e empatou. Aos 21 minutos, Mozer achou Adílio, de costas para o gol, mas já no domínio da bola, foi em direção do gol. Adílio passou entre 3 adversários e Mozer ultrapassou a função de zagueiro, chamando e recebendo a bola na esquerda para fazer um bom cruzamento. Na segunda trave, Robertinho cabeceou, Baltazar tentou roubar o gol, que finalmente foi atribuído ao Robertinho. Flamengo estava na frente no Maracanã.
No segundo tempo, de novo Mozer, para a bola alta em direção ao Zico, que perdeu a disputa no ar, mas ganhou a bola no chão. Como craque de técnica e visão em campo, Zico esperou o momento certo para fazer o passe na direita ao Robertinho, que cruzou, para Elder, que cabeceou. Era o terceiro gol do Mengo, o terceiro de cabeça. E cinco minutos depois, a obra-prima do dia, com o maior de todos, Zico, ainda discreto no jogo. A jogada começou nos pés de Zico, para Adílio, que abriu na direita para Robertinho. O ponta-direita acelerou e fez um bom cruzamento. Não era mais gol de cabeça, era gol de improvisação, de instinto, de gênio. As pernas, o corpo inteiro, obedecem ao raciocínio tão rápido do craque. Zico fez uma bicicleta imparável, fez um de seus gols mais bonitos em carreira.
Zico estava liberado e fez um passe perfeito, no timing, na potência, na precisão para Baltazar, que fez um toque para se aproximar do gol, outro para fazer o gol. Flamengo ganhava 5×1, mas era um time que não parava de atacar, mesmo com jogo já ganho, mesmo com pouca torcida no estádio, sempre queria fazer mais um gol, fazer a alegria do geraldino. De novo Robertinho, agora na esquerda, com um drible e um cruzamento no chão. Zico chegou, antecipou a saída do goleiro e o tirou da jogada com um simples toque. Só tinha a empurrar a bola na rede vazia para fazer mais um gol, o sexto do Flamengo, o segundo de Zico.
No final do jogo, Baltazar foi lançado na profundidade e quase repetiu seu gol, mas foi atrapalhado pela defesa boliviana. O juiz marcou o pênalti justo e Zico soltou a bomba, em baixo do travessão, com o som tão doce e violento da meta batida. Flamengo goleava Blooming 7×1 com 2 gols e 2 assistências de Robertinho, com 3 gols de Zico, incluindo uma bicicleta eterna.
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Jogos eternos #181: Flamengo 3×0 Palmeiras 2019

Flamengo joga hoje contra Palmeiras e continua a sonhar com o eneacampeonato. Antes da rodada, o líder é Botafogo com 43 pontos em 21 jogos, na frente de Flamengo com 40 pontos em 20 jogos e Fortaleza, também com 40 pontos. Palmeiras fecha o G-4 com 37 pontos, mas acho o Palmeiras o rival mais poderoso, por causa do elenco. Mesmo faltando muitas rodadas ainda, Flamengo pode fazer um passo importante na busca do título, já que vai enfrentar Botafogo na rodada seguinte.
A situação lembra um pouco a de 2019, no final do primeiro turno. O líder era Flamengo, com 33 pontos em 16 jogos, mesmo número que Santos. Já na época, achava Palmeiras, terceiro com 30 pontos e uma rodada a menos, o time que tinha mais chance de tirar o título brasileiro do Flamengo. E Flamengo ia jogar contra Palmeiras e Santos nas três rodadas seguintes. Não era decisão ainda, mas a vitória era quase uma obrigação, como ela é hoje.
Em 2019, Palmeiras vinha de uma sequência ruim com uma eliminação na Copa Libertadores e nos últimos 6 jogos do campeonato, tinha uma derrota e 5 empates! Cinco anos depois, Palmeiras também chega ao Maracanã numa fase difícil, com apenas 1 ponto conquistado nos últimos 3 jogos do Brasileirão e uma eliminação na Copa do Brasil, contra o próprio Flamengo. O Flamengo de 2019 por sua vez já começava a ser imortal, vinha de uma vitória 3×0 no Ceará, um jogo eterno no Francêsguista, e de uma classificação na semifinal da Copa Libertadores depois de um empate 1×1 no Beira-Rio. O Flamengo de 2019 sonhava alto e a realidade foi ainda mais linda.
No 1o de setembro de 2019, Jorge Jesus escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí, Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Arrascaeta, Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Gabigol. É o time ideal, que cada rubro-negro pode recitar de coração e de cabeça, como um poema. Porém, esse time foi escalado apenas 8 vezes pelo Jorge Jesus e a primeira vez foi justamente neste jogo contra Palmeiras. Era o início de um time que ficou na história, se consagrou em Lima.
A torcida sentiu que o momento era especial e lotou o Maracanã, com 61.390 pagantes, 65.969 presentes. E jogo começou com cara feira de Jorge Jesus, torcida desesperada. O palmeirense Matheus Fernandes abriu o placar de peito depois de cruzamento de Willian. Ou achou que abriu. Já num tempo de VAR, o juiz anulou o gol por impedimento e provocou a alegria da Nação. Uma Nação ainda mais feliz cinco minutos depois, quando Arrascaeta deixou Gabigol cara a cara com o goleiro. Com sangue frio, Gabigol fez o golaço de cobertura, sem chance para Weverton. Gabigol combinou tranquilidade e técnica para fazer um dos gols mais bonitos de sua carreira, também para aquecer antes de marcar outro gol antológico de cobertura, contra Santos duas semanas depois.
Flamengo dominava, mas nem Bruno Henrique nem Gerson conseguiram fazer o gol de longe. Gabigol pedalou, gingou, dançou na frente de Felipe Melo para a alegria da torcida e a raiva canina de Felipe Melo. Foi uma jogada quase tão satisfatória do que um gol. Dois minutos depois, o gol real, Bruno Henrique foi até a linha do fundo e cruzou para a cabeçada mortal de Arrascaeta. O trio Arrascaeta – Bruno Henrique – Gabigol começava a se tornar imortal. No final do primeiro tempo, Palmeiras fez um gol, de novo anulado pelo VAR por impedimento. No intervalo, a vitória, a liderança já pareciam ser do Mengo.
Com hora de jogo, Éverton Ribeiro achou na grande área Rafinha, derrubado pelo Diogo Barbosa. Pênalti lógico. Com a tranquilidade de sempre, com fé no pé, Gabigol foi no contrapé de Weverton, fez o gol, fez a alegria da torcida, aumentou a raiva do Felipe Melo. Gabigol fazia seu 28o gol da temporada, ultrapassando seu antigo recorde, quando tinha feito 27 gols em 2018, ainda com a camisa do Santos. Faltava três meses ainda para colocar o recorde o mais alto possível, no Rio, no Brasil, em Lima.
Para mim goleada é vitória por 3 gols de diferença com ao menos 4 gols marcados. Porém, do jeito que foi, contra o adversário que foi, essa vitória contra Palmeiras foi quase uma goleada. Foi a confirmação do trio de ouro no ataque, a confirmação do Flamengo como líder, como favorito ao título. E Fla confirmou isso, semana após semana, jogo eterno após jogo eterno.
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Jogos eternos #180: Flamengo 3×0 Santos 1983

Ainda para homenagear nosso eterno Adílio, volto com sua maior atuação no Flamengo, e não foi qualquer jogo, bem ao contrário. Foi final do campeonato nacional, foi recorde de público do Brasileirão, foi também último jogo de Zico antes da Itália. Assim, foi o fim da Era do Ouro do clube, que começou cinco anos antes, com título carioca em cima do Vasco, escanteio de Deus, gol do Deus da Raça.
Em 1982, Flamengo conquistou o Brasileirão no início do ano, com gol de Nunes no Olímpico, mas no final do ano, foi eliminado da Copa Libertadores contra Peñarol e perdeu o campeonato carioca contra Vasco. Precisava de algumas mudanças, Tita e Nunes saíram, Robertinho e Baltazar chegaram. Também chegou o fim para o técnico Paulo César Carpegiani, campeão de tudo com o rubro-negro. Pela primeira vez, o Violino Carlinhos assumia a função de técnico do Flamengo por alguns jogos, dirigindo seu último jogo na vitória 2×0 sobre Goiás, um jogo eternizado no Francêsguista. Carlinhos foi substituído pelo capitão do Tri, Carlos Alberto Torres, que estreou como técnico com goleada 5×1 contra o Corinthians, outro jogo eternizado no blog. E logo depois, Carlos Alberto Torres foi em busca de outro Tri, o tricampeonato brasileiro do Flamengo depois dos títulos de 1980 e 1982.
Flamengo tinha um timaço, na fase de mata-mata eliminou Vasco e o Athletico Paranaense para chegar na final, contra o Santos de Paulo Isidoro, Pita e Serginho. Santos também tinha um timaço e no jogo de ida, no Morumbi com 114.481 presentes, ganhava 2×0, gols de Pita e Serginho Chulapa. No meio do segundo tempo, Baltazar, o artilheiro de Deus, fez um gol para o Flamengo. “O mais importante foi o gol do Baltazar no Morumbi, que diminuiu a vantagem do Santos” explica Zico. A derrota não foi tão ruim, Flamengo ainda tinha o maior time do mundo e podia reverter o placar no jogo de volta. “No Maracanã, podem ter certeza, não temos como perder para o Santos” falou o técnico Carlos Alberto Torres entre os dois jogos. Tinha um porém. O Flamengo andava desfalcado, com ausências de Lico, que pouco jogou durante o ano, e de Andrade, que sofria com o menisco. Mozer se machucou no jogo de ida e estava indisponível para o jogo de volta. E pior, Zico se machucou durante um treino entre os dois jogos. Escreve Marcos Eduardo Neves no livro 20 jogos eternos do Flamengo: “Sentiu uma fisgada no músculo da coxa direita no treino da quinta-feira, padeceu com dores ao longo dos dias, mas ninguém, além do treinador e do departamento médico, sabia da contusão. A blindagem visava manter inabalável o astral do time”.
E pior, tinha outro fato em relação ao Zico escondido a imprensa, até aos companheiros do time. Zico tinha 30 anos e faltava dois anos antes de, pela lei, ele ganhar o passe livre. Para o presidente Antônio Augusto Dunshee de Abranches, era o risco de perder Zico sem compensação e achou melhor uma venda. Porém, Zico não queria sair do Flamengo, como ele explica no livro Zico conta sua história: “Havia ainda minha ligação com o Flamengo, com os jogadores, com o clube e com a torcida. Naqueles primeiros dias, quando se começou a discutir a proposta italiana, eu não conseguia me ver fazendo gols e correndo para uma torcida que não fosse a do Flamengo. Seria como chegar em casa, bater na porta e alguém estranho abri-la para mim… E não era o caso de mais dólares ou menos. Financeiramente, também, não me interessava sair do clube. Em dois anos, eu teria passe livre. Então, poderia realizar uma negociação na qual ficaria com todo o dinheiro – e não apenas com os quinze por cento de praxe, se fosse vendido e o clube ainda ficasse com meu passe”.
O presidente Dunshee de Abranches não queria perder Zico de graça e fez uma oferta de renovação do contrato que pode ser considerada ridícula, para forçar a saída do ídolo sem se queimar. Zico chegou a um acordo com a Adidas para completar o salário, mas o presidente do Flamengo chegou a dizer que na sua oferta inicial já estava incluída a proposta da Adidas. Continua Zico: “Nada disso era verdade, a Adidas não tinha nenhum acordo – sequer um contato – com Dunshee de Abranches, e, de todo esse episódio bastante lamentável, concluo apenas que a presidência do clube já havia decidido me vender de qualquer maneira, fosse qual fosse a solução que eu encontrasse, para impedir que eu ganhasse passe livre, ao completar dez anos de trabalho contínuo no clube e trinta e dois anos de idade, como prescrevia a lei. Como efeito, não me restou outra alternativa que não aceitar a transferência para a Udinese, na Itália”.
O Zico não era mais do Mengo, mas no 29 de maio de 1983, ninguém sabia, não os companheiros do time, muito menos os torcedores do Maracanã. E tinha muitos torcedores, todos os ingressos foram vendidos. Falou antes do jogo o presidente da federação carioca, Octávio Pinto Guimarães: “Será a primeira vez, desde que estou à frente da entidade, que assistirei à venda de todos os bilhetes colocados à disposição. Só não vamos bater o recorde do jogo Brasil x Paraguai, de 1969, porque não se pode mais colocar tanta gente no estádio”. Assim, mesmo com forte chuva no Rio na véspera, tinha no Maracanã 155.253 presentes, ultrapassando os 154.355 de outra final do Brasileirão com o Flamengo, contra o Atlético Mineiro em 1980, para se tornar, provavelmente para a eternidade, o jogo com maior público da história do Brasileirão. Era um jogo eterno antes do apito inicial.
No 29 de maio 1983, Carlos Alberto Torres escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Figueiredo, Marinho, Júnior; Vítor, Adílio, Zico; Élder, Júlio César Barbosa, Baltazar. Tinha Mozer, Andrade e Lico desfalcados e Zico lesionado. “Em compensação, Adílio vivia seu apogeu técnico e físico e estava dentro, confirmadíssimo” escreveu Marcos Eduardo Neves. Confirma Zico no livro Zico conta sua história: “Aquela decisão foi um grande show do Adílio. Com o time do Santos precisando vir para cima, o Adílio ganhou o espaço que precisava para avançar com a bola dominada e sair driblando de um jeito que há muito eu não via numa partida de futebol […] Não era só a dor no músculo que estava me preocupando naquela decisão… Ali no Maracanã, eu era praticamente a única pessoa a saber que aquela era a última partida que disputaria pelo Flamengo”.
Era um jogo eterno antes do apito inicial e virou ainda mais eterno com apenas 40 segundos de jogo. No Maracanã, nem todos os 155.253 tinham chegado quando Júlio César driblou, fintou, escapou do Toninho Oliveira antes de cruzar na grande área. De pivô, Baltazar chutou, bola foi bloqueada, voltou nos pés de Júnior, que chutou também. Goleiro defendeu e Zico chutou, marcou, comemorou. Zico conhecia pela 476a vez, quem sabe a última vez, a maior alegria no mundo, fazer um gol com o Manto Sagrado. Ainda melhor, numa final do Brasileirão, num Maracanã lotado, com geral cheia, o que ele já tinha feito no 1o de junho de 1980 na frente de 154.355 torcedores e no 18 de abril de 1982 na frente de 138.107 torcedores. Sim, Zico fez gol em 3 finais diferentes do Brasileirão, com mais de cem mil no Maraca.
Além de milhares de torcedores rubro-negros roxos, quem presenciou Zico fazer magia na final do Brasileirão foi o Paulo Isidoro. Ainda escreve Marcos Eduardo Neves: “Vice do Brasileiro tanto em 1980 quanto em 1982, o santista Paulo Isidoro sentiu que vinha chumbo grosso pela frente. Até porque Adílio dava show. Na primeira que recebeu, o camisa 8 gingou para a esquerda e comeu Joãozinho pela direita. Na jogada seguinte, ameaçou driblar para o fundo e cortou Toninho Oliveira para o meio, estalando-o no chão. Paulo Isidoro suava frio”. Adílio, que viu seu filho Adílio Júnior nascer 20 dias antes do jogo, reinava no meio de campo, fazendo de tudo, desarmar as jogadas adversárias, armar as do Flamengo, só faltava fazer um gol. Na direita, Zico deixou Baltazar em condições ideais para fazer o gol, mas o Artilheiro de Deus chutou para fora. Em seguida, Adílio quebrou a linha defensiva de Santos, deixou para Zico, que achou na profundidade Baltazar para o gol fácil, porém anulado por impedimento.
Outra jogada típica desse Flamengo de ouro que, sem ninguém saber, disputava seu último jogo, Leandro na direita achou Baltazar, de pivô, que abriu para Élder. A ultrapassagem de Adílio permitiu ao Élder de ter espaço para chutar, mas o chute saiu fraco. Santos reagiu, sem ameaçar de verdade a meta flamenguista. E outra jogada com ADN de Flamengo, num contra-ataque, Júlio César de bicicleta achou Adílio, que percorreu 50 metros com bola nos pés, cabeça alta, pernas de fogo, sem poder ser parado pela defesa santista. O Brown mexia classe e objetividade, e achou na direita Baltazar, mas seu chute foi cruzado demais para chegar ao gol. Na direita, Zico driblou duas vezes Toninho Carlos e cruzou, bola parou na mão de um jogador santista. O Galinho reclamou muito, mas o juiz Arnaldo Cézar Coelho não apitou o pênalti. No contra-ataque, Marinho derrubou Pita na grande área, Arnaldo Cézar Coelho apitou, mas uma falta em dois lances. Ninguém estava satisfeito, talvez menos a geral, quase sempre feliz, ainda mais quando Flamengo ganha. Jogo ainda ia na prorrogação, faltava um gol para passar na frente de Santos no placar agregado.
Num outro lance, Júnior afastou a defesa do Mengo com um chute para frente e Adílio, com toda sua classe, dominou com o calcanhar, acelerou mais uma vez, pedalou, deixou mais uma vez para Zico, que alertou na profundidade mais uma vez Baltazar, mais uma vez impedido. Do lado do Santos, Camargo cruzou para a cabeçada de João Paulo, sem perigo para Raul. De novo Flamengo, na direita, com Leandro que fintou o passe, trivelou para Adílio. De primeira, Adílio cruzou, Toninho Carlos cabeceou e e bola voltou nos pés de Adílio. Bem na direita, Adílio tentou o drible, Lino o desarmou, mas Adílio não desistiu e ganhou a bola de novo. Adílio girou, escapou de Lino, obrigado a cometer a falta. A classe, o talento natural, a habilidade de Adílio não o impediram de suor a camisa, honrar o Manto, dar a vida e o sangue para o Mengo. Era o chamado pianista que carregava o piano.
Adílio conseguiu a falta, quase um mini escanteio para o maior de todos, nosso ídolo e Rei, Zico. O Galinho fez um passo, deu uma bolinha que era doce, doce como o som da rede vencida, da geral que explode de alegria. Leandro chegou, cabeceou, brocou, o Peixe-frito fritou o Peixe. Flamengo na frente no placar agregado, o Maracanã lotado feliz, felizão, como Leandro: “Foi muita emoção. A gente tinha perdido o primeiro jogo em São Paulo e precisávamos de dois gols de diferença. Nunca fui de fazer muitos gols, mas o Zico me dizia que, quando eu marcava, era sempre um gol importante. Foi o caso deste dia”. Era a recompensa para um time que jogava futebol como poucos, muito poucos, para um grupo que se entendia tão bem no campo como fora. Ainda Leandro no livro 6x Mengão de Paschoal Ambrósio Filho: “Nós tínhamos uma família na Gávea. Parece até que é combinado, pois todos do time daquela época falam a mesma coisa. Ficávamos satisfeitos de estar no clube de manhã à tarde. Nossa segunda casa sempre foi o Flamengo”.
Ainda no primeiro tempo, Leandro ganhou uma bola, acelerou, cortou no meio e soltou a bomba do pé esquerdo. Impressionante a habilidade com os dois pés de nossos dois grandes laterais da época, Júnior e Leandro. A bola explodiu no travessão e quase entrou no gol, mas passou um pouco na frente da linha. Uma pena, para quem fez apenas 14 gols em 414 jogos com o Manto Sagrado, 2 gols em 2 minutos numa final tão importante teria sido um grande feito. Mesmo assim, Leandro não é o maior ídolo do Flamengo só por causa do Zico. O primeiro tempo acabou quase numa briga provocada pelo polêmico Serginho Chulapa e com o placar de 2×0 em favor do Flamengo. O rubro-negro era tão superior que no Maraca, quase ninguém duvidava do tricampeonato que chegava.
O segundo tempo viu Flamengo fazer o que sabia fazer. Os desarmes de Figueiredo, a classe de Leandro, as subidas de Júnior, a magia de Zico. E Adílio, reinando no meio de campo. Ainda Marcos Eduardo Neves no seu livro 20 jogos eternos do Flamengo: “No segundo tempo, como o Santos precisando sair, Adílio ganhou mais espaço para criar. Com o diabo no corpo, o meia levantou a galera ao de calcanhar dar linda bola a Júnior. Em uma das maiores partidas de sua vida, presenteava a torcida com dribles desconcertantes, cruzamentos certeiros e muita disposição”. Num lance, na sua própria grande área, Adílio subiu no ar para ganhar a bola de cabeça, e em seguida subiu no campo voando com a bola nos pés, ganhando 40 metros, sendo muito aplaudido pela torcida. A geral e as arquibancadas sabiam do valor do craque.
E Flamengo quase fez outro golaço, com Leandro na direita, para Élder, com um toque para Zico, bem ao estilo do Flamengo. Zico girou, deixou um pra trás, acelerou, deixou outro na direita, quando ia para a esquerda. Mesmo com replay e câmera lenta, Zico é rápido demais para descrever o lance, entender a magia que fez, ter certeza de entender como ele passou. Apenas sei que driblou mais um e fez o passe atrás, e acho que a chegada de Élder atrapalhou Adílio, que chegava melhor na bola. Teve confusão na grande área, mas nem toda a raça de Zico e Adílio foram suficientes, a defesa santista conseguiu afastar o perigo. Ainda 2×0 e o ponta-direita santista João Paulo cruzou, Serginho quase chegou na segunda trave para fazer o gol. A geral tomou um susto, relembrava que mesmo com um Flamengo reinando no jogo, o título ainda não era assegurado.
E Adílio, ainda Adílio, sempre Adílio, fazia de tudo no meio de campo. Cercado por dois adversários, Adílio passou a bola entre as pernas de Toninho Oliveira e seguiu jogando. Na continuidade do lance, Vítor, com camisa 6 de Andrade, ganhou uma bola e lançou Júlio César, que cruzou atrás no chão. Adílio chegou e quase fez o gol que ia consagrar uma atuação de gala, mas o goleiro Marolla defendeu em dois tempos. A palavra agora do também eterno Galvão Bueno, que narrava o jogo: “Marolla pega milagre no Maracanã, o que poderia ter sido o gol do título no lance do Adílio”. O gol ainda não chegou, como não chegou nos pés de Robertinho depois de tabelinha entre Adílio e Zico, o bandeirinha anulou o gol por impedimento.
Faltando um minuto para o fim do tempo regulamentar, a torcida rubro-negra já cantava “é campeão”, sem ter certeza do desfecho final. “O Santos ainda acreditava, quer jogo e quer lutar” para Galvão Bueno, e Vitor lutou, chegou dois pés na frente para matar o Peixe. Ganhou a bola e Robertinho partiu numa série de dribles para entristecer o Gilberto Sorriso, ganhar espaço e cruzar para a chegada majestosa do Brown Adílio, que cabeceou, brocou, delirou. Era finalmente a recompensa de um jogo eterno, do Flamengo e do próprio Adílio, que falou depois da partida: “Quando vi a bola entrando na rede, na minha cabeça veio a imagem do meu filho. Senti um nó na garganta e fiquei emocionado. Felizmente deu tudo certo. Acho que foi a minha melhor atuação neste campeonato. Não vou dizer que foi a melhor do Flamengo, mas sei que estive bem. Estou certo disso”.
O 3×0 consagrou o Flamengo pela terceira vez em 4 anos e alegrou toda a Nação, mais de 155 mil no Maracanã, e milhões nos becos e condomínios de Rio de Janeiro, nas ruas, florestas e sertões do Brasil inteiro. Isso, só Flamengo. “O Santos não resistiu e 3 a 0 foi pouco. Deu Flamengo na raça” manchetou o Jornal do Brasil e o técnico Carlos Alberto Torres confirmou: “O Flamengo com garra é campeão em tudo, pois na técnica não é superado por ninguém. O grupo tudo esteve bem. Não vou elogiar ninguém particularmente. O mérito do título é todos deles. Mostraram luta e disposição para ganhar a bola em cada pedaço do campo. O time se aplicou do início ao fim na ocupação dos espaços. Não deixamos o Santos jogar. Na preleção pedi aos jogadores para entrarem em campo com o objetivo de não deixar o adversário andar. Jogamos com garra e determinação os noventa minutos”.
Mais do que o time, talvez o mais impressionante foi a própria torcida do Flamengo. Na sua crônica, o grande jornalista botafoguense João Saldanha explicou: “Um fator importante para o título foi o entusiasmo da torcida. Aquele gol logo de cara e à torcida incentivando, realmente foi uma parada. Ninguém segura”. Zico acrescenta: “Foi a confirmação da nossa superioridade no cenário do futebol brasileiro. Lembro que aquela final contra o Santos foi talvez a menos complicada de todas que disputamos. Fiz um gol logo no início do jogo e isso trouxe muita tranquilidade para a equipe. Logo depois, o Leandro fez 2 a 0, o que nos deu a certeza de que o título não escaparia. Ainda mais se levando em consideração que tínhamos o apoio de mais de 150 mil torcedores. Foi mais um público fantástico, que não se vê mais nos dias de hoje. Não podíamos decepcionar tanta gente”. Ao longo do campeonato 1983, Flamengo atraiu em media 59.332 torcedores, sendo ultrapassado apenas pelo próprio Flamengo, em 1980 e 1982.
Tinha um porém, uma dor no coração e na alma. Foi o último jogo da geração de ouro 1978-1983, a maior da história do Flamengo, uma das maiores do futebol em geral, não só brasileiro. Ali no Maracanã cheio, Zico conhecia a maior alegria do mundo e ao mesmo tempo o pior pesadelo. Era campeão pelo Flamengo, mas tinha que deixar o Flamengo, parar de vestir o Manto Sagrado. Procurei uma comparação, mas não tem, é a maior alegria, o pior pesadelo. No templo do futebol, tinha todo mundo para compartilhar a alegria, mas ninguém para aliviar a dor. Fala Zico no livro Zico, 50 anos de futebol de Roger Garcia e Roberto Assaf: “O duro foi você ser campeão, ver a torcida gritando o teu nome e você sabendo que não ia ter mais aquilo, que aquilo tinha acabado, aí foi brabo. Foi assim que comemorei o título. Sabendo que era o último. Não passava pela minha cabeça que eu ia cumprir o contrato e voltar”. E, quando o Dunshee de Abranches foi obrigado a deixar a presidência diante do crime de vender a maior joia da Nação, Zico voltou dois anos depois, voltou a fazer jogos eternos, marcar golaços, conquistar títulos, conhecer a maior alegria no mundo, ser campeão pelo Flamengo.
Para fechar, a palavra para o maior jogador em campo contra Santos, nosso eterno Adílio, no livro Grandes jogos do Flamengo, da fundação ao hexa, também de Roger Garcia e Roberto Assaf: “Esse é o jogo da minha vida. Hoje tenho a certeza de que foi a melhor atuação da minha carreira. Jamais havia me sentido tão motivado para uma partida. Meu filho tinha nascido 20 dias antes. Aquele monte de gente no estádio. Foi pensando neles também que botei para fora tudo que tinha. Logo, a vontade de acertar era tanta que fui mais combativo, destruí muito, ajudei na marcação e até gol acabei marcando. Na hora da decisão, temos que jogar como o técnico quer. E tenho a impressão de que cumpri bem a minha missão. Aliás, depois que vi a bola entrando senti uma sensação estranha, vi o estádio girar, com as bandeiras passando rapidamente na minha frente. Durante alguns segundos perdi a noção do que estava acontecendo, tão forte era a minha emoção. Eu estava mesmo impossível”. Adílio estava impossível e Flamengo era tricampeão brasileiro, na frente do maior público.






