
Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
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Jogos eternos #179: Palmeiras 0x1 Flamengo 1997

Flamengo joga hoje contra Palmeiras na Copa do Brasil, nas oitavas de final. Para o jogo de volta em São Paulo, Flamengo tem boa vantagem depois da vitória 2×0 no Maracanã na ida. A escolha do jogo eterno do dia era então evidente, a Copa do Brasil 1997. Como em 2024, Flamengo começou a competição contra time amazonense, com goleada 6×2 sobre Nacional-AM, um jogo já eternizado no Francêsguista. Depois, eliminou Rio Branco e o Internacional e chegou na semifinal contra Palmeiras. Como em 2024, venceu na ida no Maracanã, vitória 2×0, gols dos ídolos Romário e Sávio. Apenas faltava confirmar a classificação em São Paulo.
Na época, o Allianz Parque não existia e Palmeiras jogava no velho mas charmoso Parque Antártica. Flamengo tinha boa vantagem para a classificação na final, mas o técnico Sebastião Rocha não queria arriscar e escalou Flamengo assim: Zé Carlos; Leandro Neto, Júnior Baiano, Fabiano, Athirson; Jamir, Maurinho, Nélio, Evandro; Sávio, Romário. Até porque Palmeiras tinha um timaço, com Velloso, Cafu, Júnior, Freddy Rincón ou ainda Viola e dois craques da base do Flamengo que o clube não soube aproveitar, Marquinhos e Djalminha.
No 13 de maio de 1997, dia do aniversário da Lei Áurea, Palmeiras pressionava e Flamengo jogava na base do contra-ataque, com a habilidade e facilidade de Sávio. Do lado do Palmeiras, Júnior chutou, mas a bola passou apenas perto da trave. Num bom cruzamento de Cafu, o saudoso Rincón driblou um e o chute saiu forte. O também saudoso Zé Carlos desviou no travessão, ainda 0x0 no Parque Antártica. Aos 19 minutos de jogo, tiro de meta de Zé Carlos, bola disputada várias vezes no ar e Marquinhos tentou o chapéu, perdeu a bola. E Sávio mostrou que era mais craque, mais objetivo, acelerou e abriu na direita para Romário. O Baixinho chutou, Velloso defendeu de forma parcial e Sávio seguiu o lance, chegou à la Ronaldo Fenômeno na Copa de 2002, fez o gol.
Ainda no primeiro tempo, num grande contra-ataque com Romário e Evandro, Sávio quase fez o doblete, mas Velloso defendeu bem. Romário estava em grande forma, com caneta no Wágner e numa outra contra-ataque, o Baixinho driblou Sandro e deixou de trivela para a chegada de Júnior Baiano, que chutou para fora. No segundo tempo, Palmeiras quase empatou, mas a cabeçada de Rincón não encontrou o caminho do gol. A defesa palmeirense estava insegura, Sandro e Wágner se atrapalharam sozinhos, Evandro escapou da entrada criminosa de Wágner e abriu na esquerda para Romário, que perdeu o cara a cara com Velloso, num estilo incomum para o Baixinho. Em seguida, Zé Carlos defendeu uma falta e Sandro, perdido no jogo, recebeu o amarelo por falta dura no Sávio.
Palmeiras estava incapaz de ameaçar o posto do Flamengo, Djalminha e Sandro finalmente foram expulsos e Flamengo ganhou 1×0. Flamengo eliminava Palmeiras, Flamengo estava na final.
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Jogos eternos #178: Flamengo 1×0 Vasco 1982

Ontem foi um dia de imensa alegria e de tristeza ainda maior para a Nação. O dia acordou lindo, com a medalha de ouro de nossa atleta Rebeca Andrade, ultrapassando Simone Biles. E o dia adormeceu muito triste, com a morte de Adílio, aos 68 anos. Três dias atrás, recebi a notícia que Adílio estava mal, com um câncer do pâncreas. Meu avô morreu do mesmo câncer do pâncreas e eu sei da rapidez e da agressividade deste câncer, mas não me alarmei muito. Para mim, Adílio era imortal, sua morte não parecia possível. Mas aconteceu, num 5 de agosto de ouro e cinza.
Eu já escrevi a crônica de Adílio na categoria dos ídolos, mas para o homenagear, queria escrever sobre um jogo eterno. E tinha várias opções, no total 617, como o número de jogos de Adílio com o Manto Sagrado. Ele é o terceiro jogador que mais vestiu a camisa do Flamengo, ficando atrás de apenas dois ídolos de sua época, Júnior e Zico. Mas Adílio tem uma vantagem sobre seus grandes companheiros, de sua estreia em 1975 até sua ida ao Coritiba em 1987, jogou mais de 12 anos consecutivos, vestindo apenas o Manto Sagrado.
E Brown fez mais que honrar o Manto Sagrado, deu glórias ao Flamengo. Era o período de ouro do Flamengo, época de Zico, Leandro e Júnior. Ainda tinha Nunes, o Artilheiro das Decisões, mas o apelido podia ter sido o de Adílio também. Nosso camisa 8 eterno, ultrapassando suas funções em campo, muitas vezes fez gol numa decisão: contra Vasco no campeonato carioca 1981, Liverpool no Mundial 1981, Vasco na Taça Guanabara 1982, Santos no Brasileirão 1983, Bangu na Taça Rio 1983, Fluminense na Taça Guanabara 1984, Bangu na Taça Rio 1985. Todo ano, Adílio fazia gol numa decisão. E detalhe, dos 7 jogos citados, em 4 Adílio fez o único gol da partida. Adílio era liso, era decisivo, era ídolo.
Vamos então para um jogo contra Vasco, na Taça Guanabara de 1982. O Flamengo era o tetracampeão, ganhando desde 1978 todas as edições da Taça Guanabara, já na época o primeiro turno do campeonato carioca. Em 1982, Flamengo e Vasco chegaram na última rodada da Taça Guanabara com o mesmo número de pontos. Jogo não saiu do 0x0, o empate persistia e um jogo extra foi marcado quatro dias depois para designar o campeão da Taça Guanabara.
Assim, no 23 de setembro de 1982, Vasco e Flamengo estavam de novo em campo, no Maracanã. O jogo aconteceu numa quinta-feira, mas mesmo assim, tinha mais de cem mil no Maraca, 100.967 torcedores exatamente. Era só o primeiro turno, mas valia título, era a glória do futebol carioca, era o Clássico dos Milhões entre o campeão de tudo e o vice de sempre. Para mais um título, Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Cantarele; Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Andrade, Vitor, Zico, Adílio, Lico, Nunes. Do lado do Vasco, tinha em campo Roberto Dinamite, mesmo lesionado.
Jogo aconteceu pouco tempo depois da Tragédia de Sarriá, quando o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo de 1982. Era o maior time do mundo, com o melhor meio de campo: Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. Mas, sendo mais um técnico da Seleção, escalo Andrade no lugar de Cerezo para ter ainda mais técnica, mais toque de classe, tapa de qualidade. E no lugar de Éder na ponta-esquerda, escalo Adílio, que era mais jogador, que ia combinar ainda mais com Júnior e Zico, que ia ganhar mais bolas, passar mais bolas, fazer mais gols. Adílio foi o grande destaque de um amistoso contra a Alemanha Ocidental em 1981 e acho, tenho certeza, que Telê errou a não convocar Adílio. Meu maior time do mundo é o Flamengo, meu melhor meio de campo é Andrade, Adílio, Zico.
E para a decisão da Taça Guanabara de 1982, Flamengo dominou o início do jogo. Bem colocado na segunda trave, Nunes não conseguiu fazer o gol por centímetros. Júnior serviu bem Zico, que esticou a perna, mas Mazarópi saiu bem. Júnior cruzou mais uma vez, Nunes foi enganado pela trajetória da bola. Agora na direita, com cruzamento de Leandro, chute de três dedos de Marinho, que passou perto da trave. Jogo foi duro, uma falta contra Zico não foi apitada, e Marinho se vingou, ganhando o cartão amarelo. Como um bom Clássico dos Milhões, jogo quase saiu numa briga generalizada. Detalhe, o jogo também ficou marcado pela decisão do juiz José Roberto Wright de colocar um microfone sob seu uniforme para registrar os jogadores, numa ideia dos editores do programa “Esporte Espetacular” da TV Globo.
No segundo tempo, Lico cruzou, Nunes cabeceou, mas não achou o gol. Num outro lance, Nunes estava sozinho, em boa posição, mas chutou fraco, nas mãos de Mazarópi. Vítor chutou de longe, acordou a geral, mas a bola apenas flirtou com a trave. No finalzinho do jogo, ainda 0x0, Paulo César Carpegiani se preparava a fazer entrar em campo Peu e Wilsinho na prorrogação. “Era necessário manter o ritmo” explicou depois o técnico. Quem sabe quem ia sair do campo. Aos 90 minutos, o comentarista da Globo e a geral já previam o fim do tempo regulamentar. Cantarele tirou uma bola longa e a bola caiu nos pés de Zico, bem no meio de campo, o Galinho reinando em campo. Com a lucidez de quem parecia apenas começar seu jogo, Zico, um jogador de 90 minutos, ainda tinha olho, cabeça e pernas para achar na esquerda Adílio com um passe perfeito. E Brown tinha coração rubro-negro, alma flamenguista, aos 90 minutos, ainda tinha raça para escapar do Celso, amor para deixar a bola por baixo do Mazarópi deitado, paixão para fazer o gol e a alegria da geral no Maraca.
No último minuto, Flamengo vencia 1×0, vencia a Taça Guanabara, pela quinta vez consecutiva. Sabendo da manobra do juiz polêmico José Roberto Wright, o dirigente vascaíno Eurico Miranda foi até o Tribunal de Justiça Desportiva para anular o jogo, alegando que “o sigilo da súmula foi violado”. Sem sucesso, o campeão era Flamengo, o vice Vasco, o artilheiro decisivo Adílio. A palavra final para o Wright, no livro Grandes jogos do Flamengo de Roberto Assaf: “Antes de tudo, é preciso ressaltar que aceitei o convite da TV Globo para levar o gravador sob o uniforme sem que houvesse qualquer tipo de vantagem financeira. O objetivo era mostrar ao público como é difícil apitar um Flamengo x Vasco, decisivo ou não […] E bom lembrar, também, que continuei apitando até 1994, incluindo a Copa do Mundo daquele ano, e que a minha imagem em tempo algum foi manchada. De todo jeito, posso até dizer que sou um privilegiado, por ter tido a oportunidade de trabalhar numa época de tantos craques. Vi basicamente três grandes times, o Inter de Falcão, o Cruzeiro de Nelinho, Dirceu Lopes e Palhinha, e o Flamengo de Zico. E os craques rubro-negros, naquele dia, acabaram fazendo a diferença”. E quem fez a diferença foi o craque e ídolo Adílio, que agora pode descansar e continuar a brilhar no céu rubro-negro.
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Times históricos #28: Flamengo 1968

Em 1968, Flamengo vinha de uma fase difícil. Não levava uma taça há três anos, quando conquistou o campeonato carioca 1965, e ganhou apenas 22 dos 70 jogos disputados em 1967. O jejum já incomodava e a diretoria resolveu investir. Chamou de volta o antigo ídolo Silva, que não brilhou muito no Barcelona, por causa do regulamento que impedia os estrangeiros de participar dos jogos oficias, e no Santos, talvez por causa do Pelé. A vontade do Silva de voltar a vestir o Manto Sagrado foi maior que as negociações difíceis com o Barcelona. Falou Silva, até antes do negócio ser concluído: “Para ser franco, eu sempre tive a intuição de que mais cedo ou mais tarde eu voltaria. Isso porque me sinto mais confiante e certo de ser ídolo quando estou na equipe do Flamengo. Gosto muito da confiança que a torcida tem em mim e da maneira como ela me recebe. Foi no Flamengo que atingi a minha melhor forma técnica e foi aqui que fiz muitos amigos. Nunca cheguei a me afastar do Flamengo, mesmo após vendido ao Barcelona”. Flamengo também contratou o zagueiro uruguaio Manicera, titular na Copa do Mundo de 1966, e tinha grandes esperanças para o ano de 1968.
O técnico era campeão do mundo, Aymoré Moreira, que chegou no Flamengo no final de 1967. O time era bom, com jogadores como Zequinha, Carlinhos, Liminha, Paulo Henrique, Luís Carlos, Reyes, Rodrigues Neto, César Lemos, Fio Maravilha. Só faltava os títulos. E Flamengo começou o ano com uma decepção já, um empate 2×2 contra Fluminense de Feira na Gávea. Ainda na Gávea, venceu Água Verde e foi até Campinas para um torneio amistoso. Perdeu logo no primeiro jogo, 2×5 contra o time da casa, Guarani, e ainda perdeu a disputa do terceiro lugar, contra Grêmio, de um torneio que finalmente foi vencido por outro time carioca, Bangu. Aymoré Moreira saiu do clube e foi substituído pelo Válter Miraglia, que jogou no Flamengo entre 1948 e 1955.
Na primeira excursão do ano, na Argentina, Flamengo perdeu 2×0 contra Boca Juniors e venceu 2×1 Rosário Central com doblete de César Maluco, irmão de Caio Cambalhota, herói do Fla-Flu de 1972 que eternizei no blog pouco tempo atrás. Flamengo voltou ao Brasil para um amistoso que marcou a reestreia de Silva. Na época, alguns amistosos valiam ouro, valiam dinheiro, e podiam lotar o Maracanã. É um jogo que ainda devo eternizar no Francêsguista. O adversário era um dos maiores times da época, o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes, tricampeão mineiro, campeão da Taça Brasil de 1966, aplicando goleada no Santos de Pelé. Para o primeiro jogo do ano no estádio, o Maracanã estava lotado, com 86.275 pagantes, um número incrível para um simples amistoso. Mas não era um simples amistoso, era a volta de Silva, que fez 2 gols no primeiro tempo, um do pé esquerdo, o outro de falta. Na geral, a torcida, inspirada como o próprio Silva, cantou um samba de Osvaldo Nunes: “Voltei, aqui é o meu lugar, minha emoção é grande, a saudade ainda maior, vim aqui para ficar”. César Maluco fez outro antes do intervalo, Silva foi substituído pelo Almir Pingo no intervalo, Luís Carlos fez mais dois gols no segundo tempo. No final, uma goleada 5×2 do Flamengo e uma frase eterna de Silva Batuta: “Essa torcida me deixa maluco. Quando ela começa a gritar, sou até capaz de morrer em campo. É por isso que prefiro não voltar no segundo tempo. Sei que ainda não estou bem fisicamente e peço à torcida que tenha paciência para esperar a minha volta em melhor forma física. Juntos, vamos viver muitos momentos de plenitude. Nascemos um para o outro”.
Ainda no Maracanã, Flamengo perdeu num amistoso contra o time argentino do Racing, campeão mundial meses antes, e estreou no campeonato carioca com vitória 3×0 contra a Portuguesa, dois gols de César Maluco e um de Luís Carlos. No jogo seguinte contra Bangu, Silva voltou e fez o único gol da partida, de cabeça no final do jogo. Silva ainda fez 3 gols e uma assistência na goleada 5×0 contra São Cristóvão. E quando não era Siva Batuta, era César Maluco, que fez 2 gols na vitória 2×1 contra Olaria. Flamengo perdeu contra o Botafogo, campeão em 1967, mas venceu Fluminense 4×2, com 2 gols de Silva nos 20 primeiros minutos. O Batuta também fez os três gols do jogo contra Bonsucesso. No feriado do 1o de maio de 1968, teve um Flamengo x Vasco com 155.098 presentes no Maracanã, número incrível para um jogo que não era decisão. E foi outro jogo eterno, Vasco abriu o placar, Flamengo virou com dois golaços, um de falta de Onça e um de letra de Dionísio depois de cruzamento de Zanata. Flamengo fechou o primeiro turno no segundo lugar de seu grupo, com um ponto a menos que Botafogo.
Flamengo estreou no turno final do campeonato carioca com vitória 1×0 no Fla-Flu, gol de Fio Maravilha. Depois de dois amistosos no Maracanã, contra a seleção do Congo e o Santos, Fla voltou no campeonato carioca, com vitória 2×0 contra Madureira antes de um empate 2×2 contra o America. O jogo teve uma arbitragem polêmica e o presidente rubro-negro Luís Roberto Veiga Brito até ameaçou de abandonar o campeonato: “Trata-se de uma repetição das manobras sórdidas desfechadas nos anos anteriores para nos prejudicar, mas desta vez não vamos nos conformar”. Flamengo fechou o turno com 3 vitórias, 3 empates e uma derrota, muito longe do Botafogo, que conquistou o bicampeonato carioca com 7 vitórias em 7 jogos, a última um 4×0 contra Vasco na frente de 141.689 torcedores no Maracanã. O artilheiro do campeonato foi o atacante alvinegro Roberto com 13 gols, na frente dos 11 gols de Silva Batuta e dos 10 de César Maluco.
Depois de alguns amistosos no Brasil, muitas vezes sem a presença de Silva Batuta por causa de dores musculares, Flamengo estreou na Taça Guanabara com vitória 2×1 sobre o America, gols de Silva e Luís Carlos. Numa época ainda sem Brasileirão, a Taça Guanabara era uma competição à parte do campeonato carioca e tinha muito prestígio, ainda mais para um clube que não vencia o campeonato carioca desde 1965. O que também tinha prestígio era as excursões no exterior, ainda mais depois da Copa do Mundo 1958 conquistado pelo Brasil na Suécia. Dez anos depois, Flamengo foi na Europa e voltou na Espanha, onde jogava quase todos os anos desde 1957, quando participou da inauguração do Camp Nou contra Burnley, um jogo eterno no Francêsguista.
Em 1968, Flamengo jogava de novo no Camp Nou, no Troféu Joan Gamper, do nome do fundador do Barcelona. Flamengo participou para ajudar na compra do passe ao Barcelona de Silva Batuta, que brilhou na semifinal contra o Athletic Bilbao, com um de seus gols mais bonitos de sua carreira. No final do jogo, com o placar ainda no 0x0, Murilo driblou dois e deixou para Zélio, que cruzou. Silva chegou, bicicletou, golaçou. Flamengo venceu 1×0 mas perdeu 5×4 na grande final contra o Barcelona, com o quinto gol espanhol em franco impedimento segundo o Jornal do Brasil, que também viu o goleiro Marco Aurélio falhar em 3 gols do Barcelona. Cinco meses depois da derrota contra o Racing no Maracanã, Flamengo perdeu de novo contra os campeões do mundo, agora em Riazor no Torneio Conde de Fenosa. Flamengo finalmente conquistou um troféu com o torneio Restelo no Portugal depois de vitória 3×2 sobre Belenenses, gols de Rodrigues Neto, Reyes e Liminha.
Flamengo seguiu a excursão na África, jogando pela primeira vez de sua história no Marrocos. Na África, Flamengo já tinha jogado no Gana em 1962 e na Costa de Marfim em 1964. Até antes o Santos de Pelé, Flamengo já era nome certo na África. Em 1968, jogou o Torneio Mohammed V, do nome do Rei do Marrocos, que conseguiu a independência do país em 1956. Primeiro jogo, no estádio Marcel Cerdan, foi contra o time da casa, o FAR Rabat, com vários jogadores que participaram da Copa do Mundo 1970 com o Marrocos. Liminha abriu o placar, antes do gol marroquino, empatando a partida. Pouco antes do fim do jogo, Silva Batuta fez o gol da vitória, mas o novo Rei do Marrocos, Hassan II, filho de Mohammed V, saiu da tribuna de honra para invalidar o gol. A bola tinha saído do campo e um reserva do Flamengo foi mais rápido que o gandula para devolver a bola. Paulo Henrique fez o lateral rápido, para Silva que foi ainda mais rápido para fazer o gol. O Rei não gostou, reclamou e o juiz, também marroquino, invalidou o gol, contrariando as regras e os deuses do futebol. Cinco minutos depois, Silva fez outro gol e o Rei não teve o que falar. Uma história similar aconteceu na Copa do Mundo de 1982 num jogo entre minha França e Kuwait, quando o irmão do emir do Kuwait saiu da tribuna para anular um gol de Giresse. Como o Flamengo, a França fez outro gol logo depois o gol mal anulado.
Flamengo estava na final e pela terceira vez do ano, jogava contra o Racing, campeão mundial. O time argentino abriu o placar com apenas 5 minutos de jogo, mas Luís Cláudio empatou 10 minutos depois. No segundo tempo, Liminha fez o gol da virada e Silva fez mais um. O gol de Salomone no final não serviu para os argentinos, o campeão era o Maior do Mundo, Flamengo. O torneio Mohammed V, disputado de 1962 até 1989, foi vencido por grandes times, como Real Madrid, Barcelona, Boca Juniors e Bayern de Munique, e Flamengo é o único brasileiro a ter conquistado a Taça, apesar de participação do São Paulo, Grêmio e Internacional. No seu livro Seja no mar, seja na Terra, 125 anos de histórias, Roberto Assaf escreve: “O Troféu Mohammed V, de ouro e prata, com cerca de um metro de altura, foi entregue por Hassan II ao capitão Paulo Henrique. À noite, o rei ofereceu um banquete no Palácio de Habous para os visitantes. O Flamengo voltou via Air France. Chegou ao Rio em 3 de setembro, trazendo a taça, além dos 55 mil dólares. Cada jogador recebeu de prêmio em torno de dois mil e quinhentos cruzeiros novos. Dava para comprar um carro nacional com dois anos de uso. Os tempos mudaram, sem dúvida, mas o Trophée Mohammed V está na Gávea, para quem quiser conhecê-lo”. O grande herói da conquista foi mais uma vez o camisa 10 Silva Batuta. Meses depois, Silva assinou no próprio Racing, onde está até hoje o único brasileiro a ter sido artilheiro do campeonato argentino.
De volta no Brasil, Flamengo continuava na Taça Guanabara, em busca de outro título, agora oficial. Agora quem escreve é o Marcel Pereira, no seu livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil: “Veio a Taça Guanabara, na qual o Flamengo venceu os quatro jogos iniciais. Daí empatou com o Botafogo e perdeu para o Bonsucesso dentro do Maracanã. Na última rodada, o Flamengo jogava por um empate contra o Bonsuça no Maracanã. O estádio estava lotado. O Botafogo, acreditando que a parada já estava resolvida, saiu em excursão à Europa. Foi traumático. O time rubro-negro ficou 80% do tempo de jogo no campo do adversário. A bola não entrava. Finalizou inúmeras vezes e a bola não entrava. O Bonsucesso deu dois ataques no jogo inteiro, e fez dois gols. A derrota por 2 a 0 forçou a interrupção da viagem alvinegra pelo Velho Continente. Flamengo e Botafogo terminaram com nove pontos. O regulamento previa que os dois primeiros fizessem a final”.
Botafogo voltou às pressas no Brasil e Flamengo estreou no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, maior inspiração para o Brasileirão, criado em 1971. O primeiro jogo estava marcado no Maracanã, contra o Santos de Pelé, que visitou antes do jogo um orfanato de Rio. As crianças pediu ao Pelé não fazer gol contra Flamengo, o Rei cumpriu a promessa, mas Santos ganhou 2×0 com gols de Edu e Toninho. Na decisão da Taça Guanabara contra Botafogo, Flamengo jogou em branco por superstição do diretor Flávio Soares, o rubro-negro tinha acabado de vencer o torneio no Marrocos com a camisa branca. Não deu sorte, na frente de 94.535 pagantes no Maracanã, Flamengo levou o primeiro gol, feito por Gérson, que saiu de Flamengo em 1963 brigando com a diretoria. No segundo tempo, Dionísio empatou, mas Zequinha, que ainda jogava no Flamengo no início de 1968, deixou Botafogo de novo na frente. Num pênalti, Gérson fez o doblete e Roberto fez o gol do título botafoguense, da goleada 4×1. Flamengo passava mais uma vez em branco.
Na segunda rodada do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, de novo com gol de Dionísio, Flamengo derrotou Cruzeiro 1×0. Cruzeiro não perdia há cinco meses, sua última derrota foi justamente contra Flamengo, quando Silva Batuta brilhou na sua reestreia no Flamengo. Porém, o time rubro-negro decepcionou no campeonato nacional, com nenhuma vitória nos 8 jogos seguintes! Flamengo já estava fora do título e para acalmar a torcida, a diretoria, seguindo o pedido dos jogadores da Seleção brasileira, Silva, Carlinhos e Paulo Henrique, fez uma contratação de peso, Garrincha. Acima do peso de 12 quilos, Garrincha fez apenas um jogo em 1968 no Junior Baranquilla, na Colômbia. Seu amigo João Saldanha avisou o diretor Paulo Calarge que “a única coisa que Garrincha não bebia era querosene”. Mas Flamengo tentou, Garrincha se esforçou, diminuiu a bebida, perdeu peso e, depois de um treino coletivo, estava pronto a estrear com o Flamengo, seu time de coração segundo sua mulher Elza Soares.
A estreia de Garrincha foi marcado no 30 de novembro, contra Vasco. Flamengo já estava eliminado e tinha um limite de ingressos no Maracanã. Mas era o reencontro entre a Alegria do Povo e o Maracanã, agora um Maraca rubro-negro, assim ainda mais lindo. A Nação comprou os 79.894 ingressos à disposição, os cambistas venderam ingressos por um preço três vezes maior. Os torcedores de fora pressionaram o portão do Maracanã, a ADEG abriu as portas e calcula-se que tinha aproximadamente 140 mil torcedores no Maracanã para ver Garrincha com o Manto Sagrado. Chegou a primeira bola nos pés do Garrincha e a Nação explodiu de alegria. Porém, o Anjo de pernas tortas estava bem marcado pelo Eberval, com o apoio de Fontana, que eram vaiados pela própria torcida vascaína, que também queria ver Garrincha em ação! Garrincha saiu no intervalo sem brilhar e Flamengo fechou o Torneio Roberto Gomes Pedrosa com mais uma derrota. O último jogo do ano, de novo com participação discreta de Garrincha, foi um empate 2×2 num amistoso contra o Atlético Mineiro no Mineirão.
Apesar de dois jogos parcelados, Garrincha foi eleito pela Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro como o “Atleta do Ano”, muito mais pelo que fez antes do que fez com o Manto Sagrado. Flamengo, que não pôs fim a seca de títulos em 1968, não podia mais olhar para o passado, tinha que olhar no futuro. E neste mesmo ano de 1968, ainda no início do ano, um garoto franzino da base, que tinha chegado no clube um ano antes, foi entrevistado pelo Jornal do Brasil e falou sobre seu irmão jogador profissional no America e seus sonhos de jogador: “Quero ser como o Eduzinho, só que com a camisa do Flamengo, até chegar à Seleção Brasileira”. Sim, ele mesmo, Nosso Rei, Deus, Zico. Na matéria, o jornalista Célio de Souza avisou: “Dentro de cinco anos ele será um craque”. Talvez Flamengo tinha um presente difícil, mas tinha um futuro brilhante.
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Jogos eternos #177: São Paulo 2×5 Flamengo 2000

Na última crônica, escrevi sobre um torneio que não existe mais, a Copa Mercosul, e a final de ida contra Palmeiras, no 16 de dezembro de 1999. Antes do jogo contra São Paulo, faço um passo de 52 dias e volto para uma outra competição que não existe mais, o Torneio Rio – São Paulo. Mesmo sem assistir ao vivo aos jogos do Torneio Rio – São Paulo, gosto muito da competição, que estreou em 1933, ano do início do profissionalismo. Voltou em 1950, ano da Copa do Mundo no Brasil e se firmou durante 15 anos, sendo um dos ancestres do Brasileirão. Voltou em 1993 e foi disputado até 2002, um ano antes do Brasileirão virar um campeonato de pontos corridos, com mais jogos. Hoje não tem mais espaço para o Torneio Rio – São Paulo, e com a decadência dos clubes cariocas e a boa forma de clubes fora do eixo Rio – SP, o torneio não tem mais sentido. Mas ainda tem espaço para voltar ao passado, exaltar os jogadores antigos e alegrar os adeptos do saudosismo.
Flamengo conquistou apenas uma vez o Torneio Rio – São Paulo, em 1961 com Carlinhos, Gérson, Joel, Dida e Henrique, depois de uma vitória 2×0 sobre o Corinthians, um jogo eterno no Francêsguista. Em 1997, perdeu a final contra Santos, dentro do Maracanã. Decepcionou em 1998 e 1999 com eliminação na primeira fase. Pouco depois de conquistar a Copa Mercosul 1999 contra Palmeiras, Flamengo iniciou o ano 2000 com o Torneio Rio – São Paulo, estreou com derrota contra São Paulo e conquistou apenas 2 pontos nos 3 jogos seguintes. Estava quase eliminado, precisava de um milagre e de uma combinação de resultados para ver as semifinais.
O técnico não era mais Carlinhos, mas era outra lenda do clube, Paulo César Carpegiani, campeão da Liberta e do mundo em 1981. No 6 de fevereiro de 2000, Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Clemer; Maurinho, Juan, Fabão, Leonardo Inácio; Leandro Ávila, Rocha, Fábio Baiano, Iranildo; Rodrigo Mendes, Leandro Machado. O São Paulo tinha mais time, com grandes jogadores, além de Marcelinho Paraíba e Evair, tinha os campeões do mundo Raí, Rogério Ceni, Belletti e Edmílson.
No Morumbi, Flamengo começou muito mal o jogo. A Globo atrasou na retransmissão do jogo por causa de um jogo do pré-olímpico e Flamengo já tinha tomado 2 gols nos 10 primeiros minutos! Felizmente, Flamengo reagiu rapidamente, depois de uma série de dribles de Leandro Machado, bola caiu nos pés de Rodrigo Mendes, que chutou entre as pernas de Rogério Ceni. A Globo começou a retransmissão do jogos aos 20 minutos e não viu mais gols no primeiro tempo, Rogério Ceni salvando o São Paulo duas vezes depois de chutes de Leandro Machado e Iranildo.
No intervalo, o lateral-direito Maurinho saiu e no seu lugar entrou o jovem atacante Adriano, ainda não o Imperador. Adriano estreou no Flamengo 4 dias antes, contra Botafogo no Maracanã, e ia fazer seu 18o aniversário 11 dias depois. Ainda era menor, mas já sabia muito da bola. E precisou de apenas 27 segundos, não minutos, segundos mesmo, para demostrar isso. Recebeu uma bola longa, sua primeira bola do jogo, e já no domínio do pé esquerdo, abriu espaço na frente de Edmílson. Fez mais um toque para abrir mais ângulo e chutou com precisão e força, sem chance para Rogério Ceni, que nem se mexeu. Um golaço do camisa 14, combinando força e técnica, uma antevisão de sua carreira. Antes dos 18 anos, Adriano, o garoto da Penha, Nosso Didico, já brilhava com o Manto Sagrado.
E 5 minutos depois, Flamengo virou, São Paulo saiu mal, bola chegou nos pés de Leandro Machado, também combinando força e precisão para fazer o gol. E 4 minutos depois, Flamengo fez o quarto, Rodrigo Mendes cruzou, Leandro Machado dominou na grande área, tentou o drible, mas na frente de dois adversários, não tinha espaço. Voltou atrás para a chegada firme de Iranildo, que chutou de primeira, na entrada da grande área. A bola foi desviada pelo Wilson, enganando o Rogério Ceni. Flamengo fazia o quarto do jogo, o terceiro nos 10 primeiros minutos do segundo tempo e se aproximava da vitória.
Os dois times tiveram oportunidades, sem fazer gol, até o 33o minuto do segundo tempo. De novo, a defesa são-paulina saiu mal, agora dos pés do próprio Rogério Ceni, ainda de cabelos. Bola foi diretamente nos pés de Rodrigo Mendes, aos 30 metros do gol do São Paulo, um pouco na esquerda. E Adriano brilhou mais uma vez, agora numa inteligência incomum para um jogador de 17 anos. Imediatamente, se livrou do zagueiro e chamou a bola na esquerda, em posição de chutar. No mesmo gesto, fez a finta de chute e o verdadeiro passe, no espaço. Nem Rodrigo Mendes nem Rogério Ceni chegaram na bola, que sobrou até os pés de Leandro Machado, que fez o doblete, definiu a goleada e o placar final, 5×2.
Foi a primeira vitória do Flamengo no torneio e obviamente um grande jogo. Mas o jogo está eternizado agora apenas por causa de um homem, um grande homem e jogador, um ídolo da Nação, Adriano Imperador.
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Jogos eternos #176: Flamengo 4×3 Palmeiras 1999

Flamengo joga hoje na Copa do Brasil contra seu maior rival do momento no cenário nacional, Palmeiras. Ano passado eternizei o jogo de volta da final da Copa Mercosul entre Flamengo e Palmeiras, com o gol salvador de Lê e um título continental, o último antes dos anos 2000. Mas o jogo de ida, no Maracanã, já foi um jogaço, um jogo eterno.
Vale a pena lembrar que a Copa Mercosul de 1999 foi um dos maiores torneios da história do futebol sul-americano, talvez o mais disputado, com 20 clubes, só gigantes. Palmeiras e Flamengo se classificaram na fase de mata-mata como melhores segundos colocados, Palmeiras sendo o primeiro e Flamengo o segundo. Para chegar na final, Palmeiras eliminou Cruzeiro e San Lorenzo, e Flamengo passou de Independiente, com goleada 4×0 na volta, e Penãrol, com dois jogos que tinham todo o sabor de grandes jogos da América do Sul, com doces e pancadas.
Flamengo estava na final, infelizmente desfalcado de seu maior astro, Romário, depois de um último ato de indisciplina. A meu ver, foi um exagero, e uma grande pena, já que o Baixinho merecia muito uma grande conquista com o Flamengo. E ficava ainda mais difícil para o rubro-negro, que tinha de enfrentar um dos maiores times sul-americanos, talvez até do mundo, do final dos anos 1990, Palmeiras. O Verdão conquistou a Copa Libertadores meses antes e tinha no time craques em cada linha do campo: Marcos, Arce, Júnior Baiano, Júnior, César Sampaio, Zinho, Paulo Nunes, Asprilla.
E mais, para Flamengo, a final da Copa Mercosul tinha sabor de vingança depois da eliminação da Copa do Brasil meses antes. Nas quartas de final, Flamengo ganhou 2×1 na ida, ainda ganhava 2×1 na volta no Parque Antártica com uma hora de jogo. Palmeiras precisava fazer 3 gols para se classificar, Júnior fez um, Euller entrou em campo e no final do jogo fez os 2 gols necessários, eliminando Flamengo de forma dramática. A final da Copa Mercosul anunciava mais um capítulo da rivalidade entre Flamengo e Palmeiras, que começou no Brasileirão de 1979 quando Palmeiras eliminou Flamengo com um 4×1 no Maracanã, Flamengo devolvendo a goleada no ano seguinte com um 6×2 eterno.
No 16 de dezembro de 1999, Carlinhos escalou Flamengo assim: Clemer; Maurinho, Célio Silva, Juan, Athirson; Leandro Ávila, Marcelo Rosa, Leonardo Inácio, Iranildo; Leandro Machado, Reinaldo. Palmeiras, que conquistou a Copa Mercosul em 1998 e sonhava de conquistar duas copas continentais no mesmo ano depois da Copa Libertadores, era o amplo favorito, mas tinha esperança de mudanças no Flamengo. Quatro dias antes do jogo, Flamengo anunciou uma promissora parceria com a ISL, o que de fato, apenas chegou a ser promissor e nunca se concretizou a um nível nacional ou internacional. A Copa Mercosul de 1999 ainda era a melhor chance de Flamengo de brilhar na América do Sul.
No Maracanã, apenas 13.414 pagantes, mas era ainda o Maracanã raiz, com geral cheia, que se inflamou com o bom início de jogo do Flamengo. E com 5 minutos de jogo, num escanteio de Iranildo, Athirson desviou de cabeça na segunda trave para Juan, que também cabeceou para abrir o placar. Palmeiras dominou o final do primeiro tempo, Clemer fez grandes defesas antes de falhar numa falta, bola chegou aos pés de um antigo ídolo do Flamengo, Júnior Baiano, que empatou antes do intervalo.
E no intervalo, nosso ídolo e técnico Carlinhos, mostrou que além da classe que tinha em campo, tinha estrela como técnico. Fez entrar em campo Caio, que com apenas 2 minutos no jogo, mostrou que também tinha estrela, tentou um voleio acrobático, bem defendido pelo Marcos. Palmeiras voltou a dominar, Clemer voltou a fazer grandes defesas, preservando o empate, que já era bom para o Flamengo. No meio do segundo tempo, mais um escanteio para Palmeiras, Galeano cabeceou, Asprilla antecipou a saída de Clemer e fez de cabeça o gol da virada para Palmeiras. Parecia repetição do jogo da Copa do Brasil, parecia mais um pesadelo para Flamengo. O time de Scolari era um inferno mesmo.
Três minutos depois, Palmeiras conheceu o que era um inferno e um paraíso ao mesmo tempo, o Maracanã com Flamengo em campo. No meio do campo, Caio abriu na esquerda para Reinaldo, que acelerou, ganhou na corrida de Júnior Baiano e cruzou. Bola foi desviada pelo Galeano, quase saiu, mas ficou em campo, na segunda trave, nos pés de Leandro Machado, que cruzou, agora da direita. Caio chegou, cabeceou, empatou. Loucura no Maracanã, ainda mais com os jogadores do Flamengo comemorando literalmente no meio da geral do Maraca. No minuto seguinte, ainda com o Maracanã explosivo, Asprilla fez grande passe para Paulo Nunes, o craque da casa do Flamengo fez valer a lei do ex, deixou Palmeiras de novo na frente, calou o Maracanã por um minuto só.
Um silêncio de um minuto só, na verdade menos, de 50 segundos só. A Band, que retransmitia o jogo, ainda mostrava o replay do gol de Paulo Nunes, perdeu o novo gol de Caio, só mostrou a comemoração de Caio, mexendo a camisa, e a paz de Carlinhos, estoico, não se movendo, sorrindo com a tranquilidade de quem sabe que mexeu certo, com essa entrada de Caio no intervalo. No replay, finalmente, o gol de Caio, uma tabelinha com Leandro Machado e um chute cruzado, preciso, rasteiro. Flamengo 3×3 Palmeiras, já um jogo eterno.
O trio Caio – Leandro Machado – Reinaldo estava infernizado, infernizando o time inteiro do Palmeiras. A defesa palmeirense impediu mais um gol de Caio, Marcos desviou uma cabeçada de Leandro Machado na trave, Reinaldo não conseguiu chutar no gol. E faltando 5 minutos para o apito final, Athirson teve tempo para cruzar. Já pressionado, o ídolo Athirson era altamente perigoso nos cruzamentos, então com espaço, teve tranquilidade e talento para achar Reinaldo, que cabeceou firme, nas redes. Gol do Flamengo, explosão da geral, gol de Reinaldo, que beijou o Manto Sagrado, e finalmente a explosão de Carlinhos, que sorriu mais francamente. Palmeiras, o último campeão, o campeão da Liberta, era derrotado, Flamengo ganhava um jogo histórico, que ainda precisava de uma confirmação 4 dias depois em São Paulo, para ser definitivamente eterno. E de novo com escolha certa e mexida decisiva do Violino Carlinhos, Flamengo fez mais um jogo eterno, foi o campeão, o último da América do Sul antes dos anos 2000.
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Na geral #20: Encontrei de novo Deus

Há quase dois anos, encontrava pela primeira vez Deus, Nosso Rei, Zico. Era um sonho, um objetivo, até um item da minha lista de coisas a fazer durante minha temporada de um ano no Rio. E realizei, apenas dois meses depois de minha chegada, num 18 de novembro de 2022, uma data agora especial para mim, para meu coração, minha alma de flamenguista. De volta na França, não esperava encontrar de novo Zico. Mas aconteceu, também num dia perfeito.
Acordei no domingo, dia de Flamengo, com péssima intuição. Nem era intuição, eram lembranças do passado, de tantas frustrações. Flamengo jogava para tomar a liderança do campeonato em caso de vitória, contra o Atlético-GO, lanterna do Brasileirão. Jogo no Maraca, dia de sol no Rio, com encontro no consulado Fla Paris. Ou seja, tinha tudo para dar errado. Mas não foi.
Esse jogo nem era para ter encontro no consulado Fla Paris. Temos os problemas recurrentes dos consulados e embaixadas do Flamengo na Europa, horários difíceis, tempo de transporte longo, custo alto da vida. Tem mil e um motivos para não ir ao consulado e mil e um motivos para ir. Para a geral, a tendência de 2024 é mais de não ir. Temos que bater uma marca de presentes para o bar nos receber e às vezes devemos cancelar o encontro por falta de pessoas interessadas. Perdemos assim o Fla-Flu e dez dias atrás, num sábado, teoricamente dia mais fácil para a massa flamenguista chegar, também fomos obrigados a cancelar o jogo contra Criciúma. Isso é bem frustrante e a diretoria decidiu não tentar mais uma vez para o próximo jogo no domingo, contra o Atlético-GO.
Mas durante a semana, Ramon, da Fla Miami e que conhece bem os diretores da Fla Paris, perguntou para nós se ia ter encontro no consulado para o Atlético-GO. Com os Jogos Olímpicos, tinha muitos brasileiros em Paris, o mundo olhava para Paris e era a oportunidade para marcar encontro, até quem sabe receber atletas do Flamengo ou jornalistas rubro-negros. Nosso diretor Danilo pediu se o bar ia abrir, o que era o caso, sem qualquer restrições de número de pessoas para nós. Dito e feito, lançamos o flyer, convocamos nas redes sociais a massa flamenguista de Paris para assistir ao jogo, ver Flamengo tomar a liderança.
Eu já escrevi aqui que adoro os encontros na Fla Paris durante o verão europeu, porque tem mais turistas que vêm visitar a Cidade Luz e aproveitam da oportunidade de ver um jogo do Mengo e conhecer a Fla Paris. Adoro puxar a conversa, sobre Flamengo, onde eles moram, sobre Paris, dar algumas dicas de viagem. E o jogo contra o Atlético-GO não foi diferente. A massa flamenguista chegou, virou Nação, de apenas 30 pessoas sim, mas uma Nação de tradição, de amor e paixão. Tinha família que faz parte do Movimento Verde Amarelo, casal de mineiros que mora em SP, gente de Pavuna no Rio, era a Nação em Paris. E melhor, em campo, Flamengo não tremeu, com gols de Pedro e Arrasca, venceu, virou líder, a torcida cantou de novo de seguir o líder. Um dia perfeito em Paris, no Rio, no mundo todo.
E mais, melhor, tinha o dia seguinte. Zico, Nosso Rei, Deus, está em Paris, como embaixador do Time Brasileiro nos Jogos Olímpicos. O presidente da Fla Paris, Cidel, mesmo agora no Brasil de férias, conseguiu o contato com Zico para ver se era possível marcar um encontro com a diretoria da Fla Paris. Zico respondeu sim, passou o endereço do hotel parisiense e marcou horário para a segunda-feira. Simples assim. Na segunda-feira, cheguei um pouco antes do horário, junto com outros diretores da Fla Paris, Danilo, que viu Zico uma vez quando era criança, e Sammy, que nunca tinha encontrado Zico. Eu estava o mais acostumado com o fato de encontrar o ídolo, e reconheci essa mistura de sentimentos, de ansiedade e de emoção antes do encontro.
Só Cidel tinha o contato de Zico e eu estava com medo de faltar o encontro por falta de comunicação, de esperar e de ninguém chegar. Mas Zico estava lá, na recepção do hotel, um pouco antes do horário marcado. Chegou, e com a simplicidade dele, cumprimentou todo mundo, puxou a conversa. Impressiona-me muito a humildade dele, e tive a mesma impressão que tive dois anos atrás, uma certa proximidade com ele, pela naturalidade que ele tem. Falamos com o maior ídolo da maior Nação, e temos a impressão que falamos apenas com mais um da Nação. Ele que me permite isso, ele está no topo, o Rei da Nação, o Deus da religião flamenguista, mas ele se considera como qualquer um.
Obviamente, ainda era chateado com o roubo que sofreu em Paris, mas estava lá, com a disposição de sempre. Danilo trouxe camisas para os outros diretores da Fla Paris que não conseguiram se liberar do trabalho para conseguir o sonho de qualquer flamenguista, encontrar Zico. Não sei quantas camisas tinha, e Zico também não sabia. Não importava, se houvesse 20 camisas, ia autografar as 20. Consegui a assinatura na minha camisa da Fla Paris, tirei fotos com Zico, o próprio tempo parava, como o tempo parava para a torcida antes de uma falta de Zico. Chegaram mais dois brasileiros na rua, e Zico tirou novas fotos com o mesmo carinho. A semana começou assim para mim, perfeitamente, com Zico nas ruas de Paris e Flamengo líder no Brasileirão. E como o ano de 2022, ano de meu primeiro encontro com Zico, viu Flamengo conquistar a Copa do Brasil e a Copa Libertadores, acho que o ano 2024 vai ser para Flamengo um ano de sorte, de alegria e de títulos.
Ainda tive tempo para oferecer meu livro Francêsguista ao Zico, só de escrever isso, ainda tenho emoção no coração, brilho no olho, alegria na alma. Zico olhou algumas páginas com um interesse que não parecia forçado ou disfarçado, expliquei para ele as crônicas que tinha dentro, muitas vezes com o nome dele. Aproveito disso para agora fazer as contas, o nome “Zico” aparece 742 vezes nas 535 páginas do livro. Por coincidência, parece quase os números de Zico no Flamengo, 732 jogos e 509 gols, números surreais como Zico é surreal. Carregou o livro com carinho e tirei mais uma foto com Deus.
Era quase a hora de voltar ao tempo normal, não mais suspenso, e fecho essa crônica com mais uma anedota que mostra toda a grandeza de Zico. Nosso diretor Sammy tem uma reserva elegante e não pediu ao Zico para autografar a camisa dele, porque “não queria incomodar”. Com o olho do craque e a humildade do ser gigante que é, Zico percebeu, assinou a camisa, tirou mais uma foto com Sammy. Assim é Zico. Que sorte da Nação de ter como maior ídolo um cara assim, simples e divino ao mesmo tempo. Era o fim do encontro e por outra coincidência, o dia era 29 de julho de 2024, dia por dia 53 anos depois da estreia do Zico no Flamengo. No 29 de julho de 1971, Zico fazia uma assistência na vitória 2×1 contra Vasco, fazia a alegria da Nação como continuou a fazer durante 53 anos, e vai continuar a fazer. E eu, vou continuar a sonhar, espero no futuro encontrar mais uma vez Deus, uma das maiores sensações na vida do flamenguista.
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Jogos eternos #175: Flamengo 6×1 Goiás 2019

Flamengo fechou o primeiro turno do Brasileirão 2024 no segundo lugar, três pontos atrás do Botafogo, e tem boa esperança de conquistar o eneacampeonato brasileiro. O Mengão joga hoje contra o Atlético-GO e teve poucos jogos contra o Dragão no Maracanã, apenas 4 no Brasileirão. O retrospecto é favorável ao Flamengo com 3 vitórias e um empate, mas prefiro eternizar hoje um jogo contra o rival goianense, Goiás, em 2019.
Eternizei aqui muitos jogos do Flamengo de 2019, um ano histórico. No blog, já são 12 jogos eternos de 2019, mas escrevi a última crônica deste ano, o Fla-Flu na semifinal do campeonato carioca, há mais de 4 meses. Vamos voltar então a esse ano inesquecível, com um dos jogos mais memoráveis da temporada, contra Goiás, na 10a rodada do Brasileirão.
O Flamengo x Goiás de 2019 já estava na história do clube antes do apito inicial. Era a estreia no Brasileirão de Jorge Jesus, que começou no Flamengo 4 dias antes, fora de casa, sem vitória, um empate 1×1 contra o Athletico Paranaense, na Copa do Brasil. Eu não gostava nem um pouco de Abel Braga no Flamengo e eu estava otimista com a chegada de Jorge Jesus, com boa passagem no Benfica. Me encantava a exigência de Jorge Jesus, o profissionalismo dele e as homenagens a nosso maior patrimônio, nossa torcida. Chegou ao Brasil um mês antes de estrear e algumas coisas mudavam já antes do primeiro jogo.
Jorge Jesus teve um mês de preparação com a parrada do Brasileirão por causa da Copa América. Inclusive, eu estava no Brasil para cobrir a competição para a revista francesa Lucarne Opposée. Queria prolongar a temporada para assistir a um jogo do Flamengo no Maracanã, mas não foi possível. Então, no 14 de julho de 2019, uma semana depois de meu aniversário, do Brasil ser eneacampeão e de minha volta na França, Jorge Jesus escalou Flamengo pela primeira vez no Brasileirão assim: Diego Alves; Rafinha, Rodrigo Caio, Léo Duarte, Trauco; Willian Arão, Diego, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Gabigol. E começou a escrever a história mais linda, de papel e caneta rubro-negros.
Para seu primeiro jogo com o Manto Sagrado, Rafinha preciso de apenas 3 minutes para acender o Maracanã, com 2 chapéus e 3 embaixadinhas de cabeça, antes de um chute de longe do Gabigol, defendido pelo goleiro Tadeu, que apenas começava seu duro trabalho do dia. No escanteio curto, uma combinação rápida e um cruzamento perigoso, mas Rodrigo Caio chutou para fora. E com 6 minutos, Éverton Ribeiro achou na grande área Gabigol, de pivô para o chute cruzado de Arrascaeta, para o gol flamenguista, para a alegria do Maraca. Começava o show do Mengo, esfriado 6 minutos depois, com falha de Rodrigo Caio e gol do empate de Kayke.
Mas o dia estava quente, com partida de futebol às 11 horas. Tenho uma teoria muitas vezes provada que jogo às 11 horas da manhã rende jogo fraco. O ritmo é baixo, as movimentações são difíceis, o calor atrapalha todo mundo. Menos o Flamengo de Jorge Jesus. Mesmo depois do gol do empate de Goiás, com um início de jogo tão bom, a única vontade era de recuperar a bola, recomeçar o jogo, assustar a defesa adversária. Goiás quase virou, Michael, no seu estilo particular que funcionou depois no Flamengo, driblou Rafinha e Léo Duarte na mesma finta e chutou na trave. Mais um frio no Maracanã. Mas era dia de calor no Rio de Janeiro e no Maraca.
Flamengo voltou a dominar, Bruno Henrique bicicletou nas mãos de Tadeu, Gabigol chutou para fora, Arrascaeta cobrou a falta sem fazer o gol, sem desfazer o empate. E antes do intervalo, Arrascaeta inflamou o Maracanã, com um toque de artista, uma bola depositada de sola, entras as pernas de Yago Fernando, perfeitamente na movimentação de Miguel Trauco, que cruzou de primeira. Bruno Henrique quase fez na segunda trave, um zagueiro salvou, Bruno Henrique de novo, agora no chão, estendeu a perna para recolocar Flamengo na frente. E dois minutos depois, ainda no primeiro tempo, Gabigol cruzou atrás no chão, a defesa de Goiás se atrapalhou, Arrascaeta estendeu a perna e de bico fez mais um gol pelo Flamengo, mais uma vez a alegria do Maracanã, cheio com 65.154 almas rubro-negras.
E ainda no primeiro tempo, “Flamengo não tira o pé”, “será que vem outro aí?”, Gabigol abriu na esquerda para Arrascaeta, com o toque de gênio, talvez de sortudo se foi cruzamento, toque de cobertura, colocadíssimo na gaveta, sem chance para Tadeu. Antes do meio-dia, Flamengo já fazia o quarto do dia, um golaço de Arrascaeta, um gol reservado aos poucos craques de verdade, o cruzamento foi mentira. Me incomodava muito a situação de Arrascaeta com Abel Braga, que via o craque uruguaio apenas como um reserva de Diego. Um absurdo, provado pelo Arrasca em apenas 45 minutos. E finalmente o juiz apitou o intervalo, muito bem-vindo para o time de Goiás e até para a torcida do Flamengo. Infelizmente, faltei esse jogo no Maracanã, mas já vi no templo do futebol goleadas do Flamengo, sequências de muitos gols em poucos minutos e de tanto comemorar na arquibancada, de tanto vibrar, gritar, cantar, você precisa de um tempo de recuperação, para respirar, aliviar o coração, avaliar a alegria de ser flamenguista. Ainda mais num dia de tanto calor.
E Flamengo voltou no segundo tempo, com as mesmas intenções, com o mesmo ritmo, com a mesma vontade de fazer o gol. Isso que adorava, obviamente não apenas eu, no Flamengo de Jorge Jesus. Sempre buscava o gol, o jogo na frente, mesmo com vários gols de vantagem. Flamengo jogava para fazer o gol e jogava para a torcida. E com 10 minutos no segundo tempo, mais uma jogada de craque de Arrasca, uma finta, um cruzamento lindo, um doce, quase um beijo até a segunda trave, para o gol de cabeça de Gabigol, que curiosamente ainda não tinha feito o gol dele durante o jogo.
E 10 minutos antes do apito final, depois de várias jogadas do Flamengo e defesas do Tadeu, Flamengo poderia ter chegado aos 10 gols no jogo, um lance entre Éverton Ribeiro, Arrascaeta e Gabigol, no meio de 6 jogadores de Goiás. Flamengo tinha a metade dos jogadores goianienses, mas Flamengo era melhor, mais forte, mais técnico, mais preciso. Tudo no lance foi perfeito, o passe na profundidade de Éverton Ribeiro, o toque de Arrascaeta para tirar o goleiro da jogada, a finalização de Gabigol, a festa da torcida.
No final, uma goleada 6×1 num Maracanã lotadíssimo, um espetáculo completíssimo. Arrascaeta foi o destaque da partida com 3 gols e 2 assistências, mais uma participação direita no outro gol, e agora uma condição de titular absoluto. Mas também teve a grande participação de Bruno Henrique e Gabigol, lembro que tinha escalado os três no Cartola e mitei como nunca antes, como nunca depois. Foi o início de um trio, mais Éverton Ribeiro que também jogou muito contra Goiás, que ia trazer muitas alegrias ao Flamengo e a sua torcida em 2019 e nos anos seguintes. Um 14 de julho, dia da Revolução na França, marcou o início da Era Jorge Jesus, de um Flamengo avassalador, que assustava todos os adversários, alegrava todos seus torcedores. Se soubesse, talvez teria procurado um jeito para assistir a esse jogo no Maraca, mas mesmo sozinho na França, de ressaca, o Flamengo de Jorge Jesus foi lindo, lindíssimo, desde o início.
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Jogos eternos #174: Vitória 1×4 Flamengo 1998

Na última crônica, escrevi sobre o ano de 1998 e um jogo contra Gama, muito por causa de Romário, que fez 2 gols neste dia, inclusive um golaço. Antes do jogo de hoje no Barradão contra Vitória, volto ao ano de 1998, de novo por causa do Romário.
No segundo semestre de 1998, Flamengo começou o Brasileirão de forma razoável, com 7 pontos nos 4 primeiros jogos. Depois, caiu numa crise como só Flamengo sabe fazer. Em 11 jogos, ganhou apenas um. A fórmula do campeonato neste ano era por uma vez simples, 24 times, um joga contra cada um apenas uma vez e depois dos 23 jogos, os 8 melhores se classificavam para as quartas de final. Ou seja, a classificação do Flamengo estava muito ameaçada. Flamengo voltou a acreditar com 3 vitórias seguidas, inclusive dois jogos já eternizados aqui, 3×2 contra o Atlético Mineiro e 4×1 contra o Corinthians.
Faltando 5 jogos para o fim da primeira fase, o jogo contra Vitória era capital. Flamengo tinha 24 pontos em 18 jogos, Vitória 26 pontos em 19 jogos. A vitória era uma obrigação. No 18 de outubro de 1998, Evaristo de Macedo escalou Flamengo assim: Clemer; Pimentel, Ricardo Rocha, Fabão, Leonardo Inácio; Marcos Assunção, Jorginho, Beto, Iranildo; Cleisson, Romário. O time era até bom, mas faltava alguns jogadores de qualidade superior para rivalizar com os timaços da época no Brasil.
No Barradão, com 20 minutos de jogo, Beto foi cara a cara com o goleiro, se atrapalhou mas a defesa de Vitória falhou de forma bizarra. Iranildo recuperou a bola, deixou em cima para Romário, que fez o gol fácil. No intervalo, Romário se irritou com o desempenho do Flamengo, que piorou no segundo tempo com o gol do empate de Vitória, de um jogador ainda não tão conhecido no Brasil mas que começava a se destacar, o sérvio Dejan Petkovic. De falta, obviamente, Petkovic venceu Clemer, que falhou, não pela primeira vez nem a última numa bola longa.
Flamengo precisava de uma reação, e como aconteceu muitas vezes, a revolta veio do Baixinho. Num escanteio, Romário estava na segunda trave para mais um gol fácil para quem sabe muito da bola. De peito, fez o terceiro do Flamengo, o terceiro dele, olha a facilidade de Romário na hora de fazer o gol, usando todos os recursos do craque. No tempo adicional, Cleisson decretou o placar final, 4×1 para Flamengo, que chegava ao quarto sucesso seguido, voltava a acreditar na classificação. Romário chegava ao 13o gol em 16 jogos, mas no final, tudo foi insuficiente, Flamengo perdeu na última rodada contra Paraná, perdeu a classificação por 3 pontos.
Teve dias difíceis, complicados, mas mesmo assim, sempre tinha o Baixinho para brilhar com o Manto Sagrado.
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Jogos eternos #173: Gama 2×4 Flamengo 1998

Hoje Flamengo joga no estádio Mané Garrincha, onde jogou várias vezes desde a reinauguração em 2013. Mas já jogava antes, logo depois da inauguração em 1974. Em 1976, Flamengo conquistou a Taça Governador Elmo Cerejo, com vitórias 2×1 contra Brasília, gols dos amigos Zico e Geraldo, e 2×1 contra CEUB, gols dos irmãos Zico e Edu Coimbra.
No final dos anos 1990, Flamengo jogou várias vezes no Mané Garrincha, em vários torneios: Copa do Brasil, Copa dos campeões mundiais, Brasileirão, Torneio Rio – São Paulo. Na Copa do Brasil de 1998, Flamengo estreou na fase preliminar contra Operário, no Mato Grosso do Sul. Na época, o time grande começava fora de casa e se ganhava de dois gols de diferença ou mais, nem precisava do jogo de volta. Talvez 2 gols é um pouco exagerado, mas gostaria de ver essa regra de volta com 3 gols de vantagem, impede um jogo desnecessário e alivia o calendário. Em 1998, Flamengo começou com um 0x0 e teve então de voltar ao Maracanã, quando se classificou para a primeira fase com vitória 4×0.
Na primeira fase da Copa do Brasil, Flamengo jogou contra Gama, que conquistou em 1997 seu terceiro campeonato brasiliense em 4 anos. No 17 de fevereiro de 1998, Paulo Autuori escalou Flamengo assim: Clemer; Alberto, Juan, Fabiano, Leonardo Inácio; Jorginho, Bruno Quadros, Zé Roberto; Palhinha, Lê, Romário. Um time mediano com um jogador diferente, um dos maiores craques da história, Romário. E muitas vezes, esses jogos do final dos anos 1990 são eternizados só por causa do homem, o Baixinho e seus golaços.
E no estádio Mané Garrincha, Romário foi o primeiro a brilhar, com um golaço reservado aos poucos craques de primeira categoria. Depois de triangulação com Zé Roberto e Palhinha, Romário recebeu na grande área, percebeu que o goleiro estava avançado e juntado a habilidade e a inteligência do craque, fez o gol de cobertura, sem chance para o goleiro, os zagueiros, o time do Gama inteiro. Golaço. Se a palavra “golaço” não existisse antes, teria que inventar só para esse gol. Não foi gol, foi golaço.
Antes do intervalo, outro golaço do Mengo, Alberto cruzou na grande área, zaga de Gama saiu mal, bola voltou nos pés de Lê, que de primeira, achou a gaveta de Roger. Golaço. De volta no segundo tempo, Flamengo continuou a tentar o gol, a escapar do jogo de volta. E veio toda a inteligência e experiência de Palhinha. Já antes de receber a bola, percebeu a chegada do zagueiro e fez a finta para escapar do carrinho, dominou, acelerou e na primeira movimentação do outro zagueiro na sua direção, deixou para Romário de trivela. Já sem espaço, o Baixinho era letal, então com um pouco de espaço, todo mundo conhecia o final, bola na rede, Flamengo 3 gols de vantagem, quase já na segunda fase.
Porém, Gama aproveitou de faltas apitadas pelo juiz Edilson Pereira de Carvalho, pivô do escândalo da Máfia do Apito em 2005, para fazer 2 gols em 8 minutos, voltar a um gol de diferença, forçar o jogo de volta. Mas não era nos planos do Flamengo, e faltando 15 minutos para o final, Iranildo, que entrou no decorrer do jogo, driblou um na esquerda, chutou, Roger defendeu parcialmente, Palhinha chegou e fez o gol da classificação direita. Não relembrava que Palhinha, que brilhou muito com São Paulo e Cruzeiro, também vestiu o Manto Sagrado. O que relembrava são as jogadas geniais de Romário, mais uma vez o grande nome do jogo, lá em Brasília.
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Ídolos #35: Friedenreich

A Copa América acabou este último domingo, com mais uma decepção para a Seleção brasileira. Hoje também é o aniversário do herói do primeiro título campeonato sul-americano conquistado pelo Brasil, do primeiro ídolo do futebol brasileiro, do maior jogador do mundo de sua época, do Pelé antes de Pelé, é o aniversário de Arthur Friedenreich, que nasceu no 18 de julho de 1892. E como Friedenreich jogou no Flamengo em 1935 (sim aos 42 anos…), a crônica #35 cai como uma folha-seca para Friedenreich.
Com Friedenreich, abro uma categoria particular dos ídolos do Flamengo, a dos ídolos nacionais que vestiram o Manto Sagrado. Pretendo ainda escrever sobre Garrincha, Sócrates, Ronaldinho e outros. Porque Friedenreich pouco jogou no Flamengo, apenas 6 jogos, 0 gol. Não tem a crônica dele aqui pelo que fez no Flamengo, mas pelo tudo que fez para o futebol brasileiro. E deve ser o orgulho de cada torcedor rubro-negro de ter tido um jogador como Friedenreich defendendo o Manto Sagrado.
Escrever sobre Arthur Friedenreich mereceria um livro. Inclusive, já foi feito, pelo Luiz Carlos Duarte, que escreveu a biografia Friedenreich, a saga de um craque nos primeiros tempos do futebol brasileiro. Quando escrevi meu livro Primeira Bola, sobre o período amador do futebol brasileiro, entrei em contato com Duarte e ele sempre respondeu às minhas perguntas com a maior gentileza. Ainda me fez a honra de escrever o prefácio de meu livro e de me receber na casa dele em São Paulo, para falar sobre a maior paixão do brasileiro, a minha também, o futebol. Assim, para quem quer conhecer mais a história de Arthur Friedenreich, recomendo a leitura do livro de Luiz Carlos Duarte.
Vamos então dizer aqui que Friedenreich foi especial, desde o nascimento. Nasceu no 18 de julho de 1892, quatro anos depois do fim do escrivadão. Era mestiço, mulato, filho de uma professora negra e de um comerciante alemão. Assim, nem era branco, nem era negro, mas a ascendência do pai lhe permitiu de jogar no Germânia, clube da colônia alemã. Antes, Friedenreich aprendeu a jogar futebol na rua. A lenda explica que um dia quase foi atropelado por um carro, mas no final driblou o carro. Aliás, nunca aprendeu a jogar bola, o futebol de Friedenreich era de talento nato, de improvisação e inspiração, de dribles e de gols. Foi tão goleador que Pelé, tão driblador que Garrincha. Talvez, não tanto, claro, mas foi o primeiro homem do futebol brasileiro. Foi o primeiro membro da chamada Santíssima Trinidade do futebol brasileiro, Friedenreich, Leônidas, Pelé. Deixo um trecho do excelente livro, embora às vezes exagerado, de Eduardo Galeano, Futebol ao sol e à sombra: “Este mulato de olhos verdes fundou o modo brasileiro de jogar. Rompeu com os manuais ingleses: ele, ou o diabo que se metia pela planta de seu pé. Friedenreich levou ao solene estádio dos brancos a irreverência dos rapazes cor de café que se divertiam disputando uma bola de trapos nos subúrbios. Assim nasceu um estilo, aberto a fantasia, que prefere o prazer ao resultado. De Friedenreich em diante, o futebol brasileiro que é brasileiro de verdade não tem ângulos retos, do mesmo jeito que as montanhas do Rio de Janeiro e os edifícios de Oscar Niemeyer”.
Friedenreich não foi um Leônidas, lutando pelo preto, pelo negro. Era rico, quase apenas branco. Na época, tinha jogos entre pretos e brancos, e Fried sempre jogava no time dos brancos. E driblava, e marcava. Jogou em vários clubes de São Paulo e mesmo em times modestos, chegava quase sempre no topo da artilheira do campeonato paulista. Em 1912, jogando pelo Mackenzie, foi artilheiro pela primeira vez, com 16 gols, ultrapassando o recorde de seu mentor Hermann Friese, também de origem alemã. Em 1914, agora no Ypiranga, foi mais uma vez artilheiro, marcando 12 dos 19 gols de seu time! Em 1917, ainda no Ypiranga, outra vez artilheiro apesar de uma suspensão, fez 16 gols em apenas 6 jogos! Em 1918, chegou no clube mais prestígio e rico da época, o Paulistano, ancestre do São Paulo Futebol Clube. Mais uma prova que Friedenreich era mais elite que povo. E Fried continuou a ser o artilheiro, agora adicionando os títulos coletivos. No Paulistano, foi artilheiro em 1918, 1919, 1921, 1927, 1928, 1929, foi campeão em 1918, 1919, 1921, 1926, 1927 e 1929. No futebol paulista, apenas Pelé pode competir (e ultrapassar) esses números.
Além de ser um inovador no jeito de jogar, Friedenreich também foi precursor, muitas vezes. Em 1912, com companheiros do Americano, Paulistano e Ypiranga, jogou contra uma seleção argentina, um dos primeiros jogos internacionais da era pré-Seleção. Em 1913, se juntou a delegação do Americano para participar da primeira excursão de um clube brasileiro no exterior, no caso na Argentina. Em 1914, participou do primeiro jogo da história da Seleção Brasileira, contra Exeter City, no 21 de julho. Em 1916, ainda estava na Seleção, que participou na Argentina do primeiro campeonato sul-americano da história. Em 1917, fez seu primeiro jogo pelo Flamengo quando foi convidado para uma partida contra Barracas, time argentino. No seu excelente livro Seja no Mar, seja na Terra, 125 anos de história do Flamengo, Roberto Assaf escreveu: “O primeiro clube – nem combinado, nem seleção – estrangeiro de futebol a visitar o Flamengo no Rio de Janeiro foi o Sport Club Barracas. Os argentinos chegaram ao cais da Praça Mauá no sábado, 5 de maio de 1917, com 17 jogadores, pelo navio francês Sequana, recebidos pela comissão que o Rubro-Negro organizou para recebê-los, à frente Octávio Soares, Alejandro Baldassini e Oswaldo Palhares. Mandava no grupo o dirigente Francisco Basauro, representante da Associação do Futebol Argentino. Houve frisson no desembarque, pois o Flamengo, promotor da viagem, programou quatro jogos por aqui, um deles, é claro, o mais importante, contra o próprio time da Rua Paysandu, reforçado de Arthur Friedenreich. O maior craque brasileiro dos tempos do amadorismo (1894-1933) tinha apenas 25 anos de idade e defendia o Ypiranga, da capital paulista, e que viria especialmente ao Distrito Federal para participar do duelo […] Friedenreich, na prática, em nenhum momento foi o craque esperado. Chegou a desperdiçar duas boas chances, a mais evidente no fim do primeiro tempo ».
Mas se Friedenreich tem a crônica dele aqui, e de maneira menos pretensiosa, tem lugar na história do futebol brasileiro e mundial, é por causa de um gol, um gol só, dentro dos 500, quem sabe 1000 gols que fez na carreira. O ano foi 1919, o estádio o Laranjeiras de Fluminense, inaugurado no mesmo ano. Se o futebol nasceu no Brasil em 1894 quando Charles Miller trouxe uma bola e as regras de Southampton, o primeiro grito do povo aconteceu em 1919. Antes, Foot-Ball era coisa de ricos, estrangeiros, advogados, brancos. Depois, futebol era para todos os brasileiros, pobres e pretos, torcedores e torcedoras. Em 1919, o Brasil organizou pela primeira vez o campeonato sul-americano. Ao longo do torneio, que começou com hat-trick de Fried contra o Chile, a cidade de Rio de Janeiro se apaixonou pelo esporte bretão. Não só nas nobres arquibancadas do Laranjeiras, mas também no morro vizinho onde o pobre podia assistir de longe ao jogo, também na praça dos esportes onde o gol brasileiro era comemorado entre irmãos desconhecidos.
E a final aconteceu no 29 de maio de 1919, data histórica do futebol brasileiro, contra o bicampeão uruguaio, do negro Isabelino Gradín, que mostrava ao pobre que futebol era para todo mundo. E o mulato Friedenreich juntava o pobre e o rico numa mesma paixão. Foi do pé de Friedenreich que saiu o único gol da final, no final do final da prorrogação. A chuteira direita, verdadeira joia, foi exposta numa loja de luxo da rua Ouvidor e o Brasil, da Amazônia até Rio de Janeiro, de todos os lados do Rio Amazonas, era o campeão, adotava o futebol como paixão e Friedenreich como herói da nação. “O chute de Friedenreich abriu o caminho para a democratização do futebol brasileiro” escreveu o também eterno Mário Filho. Com sua agilidade, Friedenreich virou El Tigre para os uruguaios, virou ídolo para os brasileiros. Autor do livro O Tigre do futebol, Alexandre Costa escreveu: “Friedenreich era um tigre, o artilheiro sem piedade, o craque que jogava bola como Santos Dumont voava, como Carlos Gomes compunha e como Rui Barbosa escrevia”.
Em 1920, Friedenreich conquistou o campeonato brasileiro dos clubes campeões, ancestre do Brasileirão, com hat-trick contra Brasil de Pelotas e mais um gol no jogo decisivo contra Fluminense. Em 1922, ganhou mais um campeonato sul-americano, e em 1923 jogou mais uma vez no Flamengo, de novo sem destaque, com derrota 3×0 contra o time uruguaio de Universal. Em 1925, de novo foi precursor, participando com o Paulistano da primeira excursão de um time brasileiro na Europa. No primeiro jogo, na minha cidade de Paris, vitória 7×2 contra a seleção francesa. Para Friedenreich, 3 gols e para os brasileiros um novo apelido: “Les Rois du football”. Na excursão, entre França, Suíça e Portugal, o Paulistano jogou 10 partidas, ganhou 9, perdeu apenas uma, a chamada “injustiça de Cette”. Para Friedenreich, 11 gols e um novo status. Antes de Pelé ser coroado na Copa de 1958 na Suécia, antes de Leônidas brilhar na Copa de 1938 na França, Friedenreich foi o primeiro a exportar o futebol brasileiro nos gramados europeus, a definir o estilo brasileiro, de fintas, ginga e dribles, muito diferente do que faziam os ingleses, do que se via na Europa. Mais uma vez, Friedenreich era o herói do Brasil, agora no internacional.
Friedenreich foi um precursor, mas faltou uma coisa que ele merecia muito: a Copa do Mundo. A primeira edição aconteceu em 1930, Friedenreich tinha 38 anos sim, mas ainda era em grande forma. Foi campeão e artilheiro do campeonato paulista em 1929 e só não foi o artilheiro em 1930 porque seus 30 gols (em 26 jogos!) foram ultrapassados pelo santista Feitiço, que fez 37 tentos como se dizia na época. O conflito já histórico entre as federações de Rio de Janeiro e São Paulo impediu de convocar os paulistas e El Tigre ficou fora do certame no Uruguai. Uma pena, dias depois da derrota contra a Iugoslávia e da eliminação do Brasil na Copa, um time de cariocas derrotou a França (com gol de Friedenreich) e a Iugoslávia, que tinha quase exclusivamente os mesmos jogadores do que na Copa, pelo placar de 8×4. É o primeiro “o que aconteceria se…” da Copa e Friedenreich o primeiro grande craque a faltar o maior torneio do mundo. Na Seleção brasileira, foram 23 jogos e 10 gols entre 1914 e 1935.
Mesmo sem a Copa, Fried ficou precursor. O mulato de olhos azuis, branco para alguns, preto para outros, brasileiro no futebol e na alma, lutou pela profissionalização do futebol, que permitia a inserção dos mais pobres no futebol. E como um símbolo, Friedenreich fez o primeiro gol profissional no Brasil, na vitória 5×1 de São Paulo FC, herdeiro do rico Paulistano, contra Santos na Vila Belmiro, no 12 de março de 1933, mais uma data histórica de Friedenreich no futebol. Ainda jogou no Santos e em 1935, rejeitou uma oferta do Fluminense para assinar com seu clube de coração no Rio, Flamengo. Com a profissionalização, Flamengo abria as portas para os jogadores negros quando Fluminense ainda era rico, branco, quase paulista. O Flamengo não, e a chegada de Friedenreich foi menos importante que as de Jarbas, Médio e Waldemar de Brito em 1933, ou claro de Domingos, Fausto e Leônidas no histórico ano de 1936, mas está na história do clube.
Chegando no clube rubro-negro, Friedenreich foi entrevistado pelo Jornal dos Sports: “Aqui vocês me veem cheio de entusiasmo, disposto a defender as cores do Flamengo, com o mesmo entusiasmo que empregava defendendo as cores do Paulistano e do São Paulo. Estou velho, no fim de carreira, mas não me falta flama […] Se o Flamengo precisar de meu concurso, mais tarde, virei de novo ao Rio. Não poderei, entretanto, voltar. Considero encerrada a minha carreira. O futebol decaiu muito moralmente. Prefiro afastar-me levando as boas recordações do passado. Não quero que elas se manchem. Além disso, entristeceu-me a extinção do São Paulo, um clube que não poderia desaparecer. Depois, já estou na idade de descansar”. Com o Manto Sagrado, depois dos dois jogos de 1917 e 1923, Friedenreich fez apenas 4 outros jogos, duas derrotas contra o America e dois empates contra Fluminense. Nenhuma vitória e nenhum gol, mas no último jogo, 3 dias depois de comemorar o 43o aniversário, no 21 de julho de 1935, exatamente 21 anos depois de participar do primeiro jogo da Seleção, Friedenreich fez no Fla-Flu uma assistência para o gol de Jarbas, considerado como o primeiro jogador negro do Flamengo. Mas Friedenreich, filho de negra, não pode ser esquecido na história do Flamengo, muito menos do futebol brasileiro.
Depois, Friedenreich descansou, ficou na Santíssima Trinidade do futebol brasileiro ao lado de Leônidas e Pelé. Antes da morte de Friedenreich, em 1969, dois meses antes do gol 1000 de Pelé, várias lendas apareciam, Fried matou um irmão só com um chute, Fried driblava o time adversário inteiro logo depois do apito inicial, Fried fez mais de 1000 gols na carreira. O número foi até oficializado pela FIFA, hoje sabemos que foi exagerado, graças ao trabalho de Alexandre Costa e Luiz Carlos Duarte, sabemos que Friedenreich fez entre 500 e 600 gols, já uma anomalia, ainda mais numa época onde tinha menos jogos. Concordo plenamente com Paulo Vinícius Coelho, no seu livro Os 100 melhores jogadores brasileiros de todos os tempos: “Craque dos primeiros tempos, Fried foi referência até o surgimento de Pelé, e os mais antigos chegavam até mesmo a dizer que o Rei não jogava tanto quanto o gênio das primeiras décadas do Século XX. Mas Friedenreich, claro, rendeu-se à majestade de Pelé. No final de sua vida, nos anos 60, chegou a posar para fotos ao lado do Rei. Fried não foi rei, não fez mais de 1.000 gols. Não se impressione com as mentiras. Fique com as verdades. Essas já fazem de Arthur Friedenreich um jogador de poucos similares”.
E para fechar, mais um trecho, agora de um jornalista contemporâneo de Friedenreich, provavelmente o maior jornalista paulista da época, Tomaz Mazzoni, que escreveu: “Fried foi um fenômeno extraordinário no futebol. Tornou-se a figura número um do ‘association’ do nosso país, como foi a de Carlos Gomes na música, de Rio Branco na diplomacia, Rui Barbosa na jurisprudência, Bilac na poesia, Santos Dumont na aviação etc. Mereceu ser chamado em 1919 um dos ‘maiores brasileiros vivos’. Então sua fama atingiu o auge, juntamente com a fama do futebol nacional. Seu nome imortalizou-se. Fried, sem dúvida, é um imortal para o nosso esporte. Seu nome saiu da cidade, foi para o interior, para o sertão, atravessou fronteiras. Sua figura é lendária, e será recordada eternamente pelo mundo brasileiro esportivo. A criança prodígio de 1909, que já era orgulho daquele que fora o autor de seus dias, Oscar Friedenreich, e que foi também seu maior animador e torcedor, até finar sua honrada existência, devia ser “El Tigre” de 1919. Depois foi o ‘sábio’, o ‘vovô’ de 1935. Nos seus 26 anos de faustosa carreira futebolística, Fried descobriu todos os segredos da arte da pelota. Herói de mil batalhas, o artífice de mil vitórias. Os seus tentos foram pequenos capolavoros. Toda a ciência do popular jogo ele a conheceu. Foi completo. Completíssimo… Tudo ele teve, nada deixou de fazer com a bola. Foi técnico e estilista, improvisador e construtor, artilheiro e fintador, compassado e astuto. A sua arte, uma maravilha… Jogou com imaginação e intuição, com inteligência e vivacidade, com lealdade, elegância, correção e audácia. Os seus tentos, os seus passes, as suas fintas tiveram precisão mecânica e estilo inconfundível, segurança absoluta e técnica acabada. Todo o seu jogo foi um espetáculo, como raro outro avante, desde que o futebol existe no mundo, executou. Em um quarto de século, o jogo de Fried criou um verdadeiro dicionário da sua arte. Em arte, tanto o foi de futebol científico, como bizarro, de fantasia, volúvel e positivo, alegre e efetivo. Que gênio! Que fenômeno!”.
Hoje um pouco esquecido, Friedenreich foi Fenômeno antes de Ronaldo, Gênio antes de Zico, Rei antes de Pelé, Mestre antes de Zizinho, foi inspiração para Leônidas e tantos outros jogadores, foi herói para todos os brasileiros e foi, para apenas 6 jogos, um ídolo do Flamengo.






