Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #154: Flamengo 3×2 Vasco 1923

    Jogos eternos #154: Flamengo 3×2 Vasco 1923

    A rivalidade entre Flamengo e Vasco vem de longe. Para alguns, do final dos anos 1990, quando o vice-presidente vascaíno Eurico Miranda inflamou a rivalidade. Para outros, vem de 1989, quando o craque flamenguista Bebeto assinou com o Vasco. Os mais antigos não podem esquecer de duas décadas de rivalidade e jogos disputadíssimos nos anos 1970 e 1980, quando os clubes eram representados para o maior ídolo deles, craque e símbolo, Zico para Flamengo, Roberto Dinamite para Vasco. Os saudosistas lembram que o nome Clássico dos Milhões nasceu com o surgimento do Maracanã, que podia abrigar tantos torcedores a partir de 1950. Lembram também que o Expresso da Vitória, o time do Vasco que foi a base da Seleção vice-campeã mundial em 1950, brilhou entre dois tricampeonatos do Flamengo, 1942-1943-1944 e 1953-1954-1955.

    A rivalidade entre Flamengo e Vasco vem de longe, de muito longe. Vem até antes do futebol. No nome dos dois clubes, as mesmas letras CR, para Clube de Regatas. A rivalidade nasceu no início do século XX, nasceu no mar, quando os clubes eram apenas regatas. Em 1911, um pé do Flamengo pisou num gramado de futebol. Cinco anos depois e uma fusão com o clube de futebol do Lusitânia, Vasco também começou a jogar futebol, ainda nas divisões inferiores. Venceu a Série B do campeonato carioca em 1922 e subiu no futebol de elite no ano seguinte.

    O futebol era de elite mesmo, apenas 35 anos depois da abolição do escrivadão. Os dirigentes dos clubes cariocas eram da elite, e até os jogadores. No Flamengo, os jogadores eram advogados, engenheiros como Moderato, médicos como Junqueira. O futebol era amador, jogava-se por diversão e por amor a camisa, ao clube, sem qualquer pretensão financeira. Ou amadorismo era regra para impedir o pobre de jogar no mesmo campo. No Vasco não, no Vasco podia jogar todo mundo, pobre, negro, branco, mestiço, só a habilidade com a bola contava. Os dirigentes contornaram a regra do amadorismo com o apoio da comunidade portuguesa, que ofereceu falsos empregos aos jogadores.

    Assim, quando a turma do Flamengo estudava ou trabalhava durante o dia, os jogadores do Vasco treinavam, se exercitavam, melhoravam. Com a preparação física do técnico uruguaio Ramón Platero, Vasco começou a ganhar, não parou de ganhar. Talvez se o Vasco não ganhasse, imitando um Andarahy, clube da Zona Norte que nunca lutava pelo título de campeão, não teria problemas. Mas Vasco ganhou, a maioria dos jogos de virada ou no segundo tempo graças ao melhor preparo físico. Foi o caso no jogo de ida contra Flamengo, o Mengo abriu o placar, mas perdeu 3×1 no segundo tempo. E Vasco, vindo da Série B, jogando com semianalfabetos, com portugueses, com italianos, com negros, ia conquistar o título, incomodar os ricos. O futebol já começava a se tornar paixão do Rio, paixão do povo, principalmente graças ao campeonato sul-americano de 1919, conquistado pelo Brasil nas Laranjeiras contra o Uruguai do negro Gradín. E a cada vitória, o Vasco conquistava novos torcedores, pobres e negros, portugueses e analfabetos.

    Em 1922, no centenário da Independência do Brasil, ressurgiu um sentimento antiportuguês. E Vasco, até no nome, era Portugal. E Vasco ia conquistar o campeonato carioca, deixando para trás Flamengo, Fluminense, Botafogo, America, os grandes até o momento. Vasco ganhou 8 jogos consecutivos, a dúvida não era se Vasco ia ser campeão, mas quando ia ser. Pela honra do Brasil, pela salvação do rico, Vasco tinha que perder ao menos um jogo, um miserável jogo. Para amenizar a diferença de preparo físico, os “moços de boas famílias” do Flamengo começaram a treinar durante a semana, nas noites depois do trabalho, no campo da rua Paissandu. Foi neste contexto que aconteceu o Flamengo x Vasco do 8 de julho de 1923, data especial para mim, nasci um 7 de julho. O Flamengo x Vasco virou Brasil x Portugal. Se nas regatas, os dois clubes eram rivais no sentido simples de adversários, agora no futebol eram rivais mesmo, inimigos, beligerantes. O gramado de futebol era um campo de batalha.

    Com tanta gente interessada para o jogo, o encontro aconteceu nas Laranjeiras, estádio do Fluminense e maior estádio da cidade. Mesmo defendendo um futebol amador, a Liga Metropolitana vendeu mais ingressos do que vagas no estádio. Escreveu, com ortografo da época o jornal O Imparcial: “Há uma semana que em todos os círculos desta cidade em outra cousa não se falava. O match era motivo obrigatório de todas as conversas. Dahi a explicação natural da colossal assistência que afluiu à bella praça de desportos da Rua Guanabara. Mais de 35 mil pessoas, sem exagero, enchiam as vastas dependências do tricolor”. O Jornal do Commercio foi além: “Jamais, nesta capital, affluiu igual concurrência em jogos de football. Não havia um único lugar no ground. Calculamos em cerca de 55 mil pessoas o número de espectadores verificados hontem”. Começava assim de verdade a rivalidade entre Flamengo e Vasco, começava o Clássico dos Milhões.

    O lendário jornalista Mário Filho nomeou a partida o Jogo das Pás de Remo, escrevendo que os remadores do Flamengo batiam nas arquibancadas nos torcedores vascaínos. Não se sabe se é verdade, certeza é que a arquibancada estava cheia. Com tanta gente, a pista de atletismo foi invadida pelos torcedores em pé, criando antes do Maracanã, uma geral, ainda rica, ainda de terno e chapéu. Mais um extrato de um jornal da época, o Correio da Manhã: “A partida assumiu a proporção de um vultoso acontecimento, que ultrapassou os limites do mundo sportivo, para interessar, fora desse âmbito, à toda a cidade. Não há positivamente exemplo, no Rio, de um facto ou de um match que tenha despertado interesse tão vivo. Não conhecemos, francamente, na história do football carioca uma competição que tivesse alardeado tão ruidoso sucesso […] Há várias opções para público de tal porte. O principal é que todos os adversários do Vasco estavam roxos para que ele perdesse. Era uma torcida, em regra, contra os camisas pretas”.

    No 8 de julho de 1923, Flamengo foi escalado assim: Iberê; Pennaforte, Telefone; Mameda, Seabra, Dino; Sidney Pullen, Candiota, Junqueira, Moderato, Nonô. No time, tinha vários ídolos da época do amadorismo, como Moderato, que fez 2 gols na Copa do Mundo de 1930, Junqueira campeão do campeonato sul-americano 1922 e Sidney Pullen, também técnico do time e que, apesar de ser inglês, jogou na Seleção brasileira. Campeão carioca em 1915, o primeiro da história do Flamengo, foi convocado no Exército inglês para a Primeira Guerra Mundial e, como havia prometido, voltou depois da guerra ao Flamengo para conquistar mais um título carioca, em 1925. Mas o melhor jogador era provavelmente Nonô, que foi o primeiro jogador do Flamengo a ser artilheiro de uma edição do campeonato carioca, justamente em 1923. Com 120 gols com o Manto Sagrado, foi o maior artilheiro da história do Flamengo até 1940 quando foi ultrapassado pelo ídolo do povo Leônidas.

    Uma palavra agora sobre o juiz, o dirigente histórico do Botafogo, Carlito Rocha, na época os juízes eram jogadores de outros clubes ou dirigentes. A palavra é do Carlito Rocha mesmo, que falou sobre o jogo em 1979 para o Jornal do Brasil: “Naquela época, os clubes se reuniam e indicavam o árbitro. Eu era um dos cotados porque o Vasco e o Flamengo confiavam em mim […] Eu amava o meu Botafogo. Mas houve um jogo em que marquei dois pênaltis contra. Eu estava querendo a vitória do meu clube, mas era durão no apito […] Nessa partida entre Flamengo e Vasco, quando começou efetivamente a grande fase desses dois clubes como rivais, por mim teria vencido o Vasco. Muita gente, naquela época, não queria que os negros jogassem, e eles foram entrando. E o Vasco colaborou muito para isso […] No dia daquele clássico, o campo do Fluminense ficou lotado. Me lembro que muitas pessoas não conseguiram entrar. Dentro de campo, na poste, também havia muita gente. Foi um acontecimento da época. Mesmo assim, não me preocupei com a arbitragem”.

    Flamengo, treinado, motivado, apoiado por uma Nação, abriu o placar com Candiota, fez o segundo gol com Nonô. No intervalo, 2×0 para o Flamengo. Mas no início do segundo tempo, o Vasco, quem sabe o Portugal, reduziu a vantagem com gol de Ceci. E a torcida flamenguista, a Nação rubro-negra, tremeu. Seria que Vasco ia conseguir de novo a virada, ia conseguir o campeonato invicto? Escreveu Marcel Pereira no livro A Nação, como e por que o Flamengo se tornou o clube com a maior torcida do Brasil: “O Vasco teria sido campeão invicto se não fosse o Flamengo. O mais curioso é que a cidade inteira pensou junto ‘só podia ser o Flamengo’. Mesmo quem não era rubro-negro depositou nele a última esperança. Era questão de honra bater a soberba do colonizador português. Se não fosse o Flamengo, quem poderia defender a honra do futebol da cidade e do país? Meteu-se até o Brasil na história”. O terceiro Flamengo – Vasco da história virou uma guerra da pátria. Falei sobre o jogo de ida, vencido pelo Vasco, mas foi o segundo Clássico dos Milhões da história. O primeiro, no Torneio Início de 1922, foi vencido, claro, pelo Flamengo.

    E no 8 de julho de 1923, Vasco, pressionando pelo menos ao empate, não conseguiu nem o empate. Quem fez mais um gol foi Flamengo, com o médico Junqueira, emprestado dois anos depois ao Paulistano para participar da primeira excursão de um time brasileiro na Europa. E 4 minutos antes de fim do jogo, de novo Vasco reagiu, gol de Arlindo, de novo Vasco pressionou para o empate, de novo Flamengo não cedeu. Os vascaínos frustrados com a derrota, a única do campeonato, inventaram um gol mal anulado pelo juiz, versão desmentida pelos jornais da época, como o Correio da Manhã, que escreveu: “O juiz, convidado especialmente pelos dous disputantes, foi excellente em toda a marcação. Agradou a gregos e troianos pelo acerto de todos os seus actos”. “Carlos Martins da Rocha foi energético e brilhante, se tornando alvo de francos e merecidos elogios de toda a assistência, indistinctamente” acrescentou o bem nomeado O Imparcial, que também escreveu: “A victória deveria cabe àquelle que mais téchnica e inteligência desenvolvesse. Foi o que sucedeu. Venceu a valorosa eleven que, inegavelmente, melhor atuação produziu”.

    Vamos ficar com o juiz e dirigente botafoguense Carlito Rocha, que homenageou o time do Flamengo em 1979: “O Flamengo tinha grandes estrelas. Sidney Pullen era muito bom. Nonô era valente. Moderato magnífico. A verdade é que o ataque do Flamengo era um espetáculo […] e até mesmo se jogasse hoje faria miséria. Nesse jogo, houve uma festa tão grande que nem cheguei a tomar minha laranjada no fim. Era o único prêmio ao árbitro. Eu fazia tudo por amadorismo. Não ganhava um tostão. O futebol sempre foi a minha paixão”. O futebol, profissional ou amador, se tornava a paixão do povo e o Flamengo x Vasco era o coração do Rio. O Flamengo não era o campeão da cidade, mas era a honra do Brasil. Continua Marcel Pereira no seu livro: “Quando acabou o jogo, foi mesmo 3 a 2. Aí começou o carnaval. Toda a cidade soube, sem rádio sem nada, na mesma hora, que o Flamengo tinha vencido. E como era o Flamengo, esperou-se pelo carnaval rubro-negro. Estava tudo preparado. Organizou-se um cortejo de automóveis, enorme, mais de cem carros, com bandeiras do Flamengo cobrindo os capôs, as capotas arriadas, os jogadores sentados em cima, torcedores de pé nos para-lamas”.

    Os torcedores do Flamengo partiram para um carnaval de uma noite inteira, até, num sentimento antiportuguês, destruindo uma estátua de Pedro Alves Cabral. Não há como, e não deveria, negar a importância do Vasco na luta contra racismo. Mas Flamengo, há mais de 100 anos, já mostrava que era o maior e o melhor time no Clássico dos Milhões.

  • Jogos eternos #153: Flamengo 5×2 Cerro Porteño 1981

    Jogos eternos #153: Flamengo 5×2 Cerro Porteño 1981

    O jornalismo esportivo está de luto. Anteontem, Apolinho Rodrigues, que homenageei com o jogo de sua estreia como técnico do Flamengo, contra Vélez Sarsfield. E ontem, num dia negro que também viu o falecimento de Antero Greco, o narrador Silvio Luiz morreu aos 89 anos. Sem dúvida, Silvio Luiz está na minha Santíssima Trinidade dos narradores esportivos, junto com Luciano do Valle e Galvão Bueno. Não é nenhuma loucura de minha parte, é até admitido de forma geral que foram os três maiores. A verdadeira dificuldade seria de designar quem foi o maior dentro os 3. Talvez Galvão Bueno foi mais emblemático e Luciano do Valle mais histórico, Galvão Bueno mais completo e Luciano do Valle mais homogêneo. Mas são sinônimos, é escolher para não escolher. Eu vou então com a reposta do próprio Galvão Bueno sobre o melhor dos três: “os três”.

    Mas acho que o mais genial foi Silvio Luiz. Com certeza, é meu favorito, sem tirar nada ao Galvão ou ao Luciano. Falei dos bordões de Apolinho ontem, Silvio Luiz tinha outros, e muitos. Se tem que eleger outra Santíssima Trinidade, dos bordões de Silvio, eu vou de “olho no lance”, “pelo amor dos meus filhinhos” e “pelas barbas do profeta”, este último no topo de meu Monte Olimpo para misturar as religiões e as crenças. Como Apolinho, Silvio Luiz trabalhou até o fim da vida, trabalhando ultimamente para a TV Record. Como Apolinho, era querido por quase todo mundo.

    Qualquer jogo de futebol melhorava automaticamente se era narrado pelo Silvio Luiz. E ele tinha o habito de nunca gritar “gol”, o que o já deixava numa categoria de narradores onde era o único representante. O “gol”, obvio demais segundo ele, era substituído por um “éééééé” ou um “foi, foi, foi ele”. Digo de novo: com ele narrando, qualquer jogo de futebol ficava melhor. Mas para a homenagem, eu vou de um jogo do melhor time do mundo, o Flamengo de 1981, na mais bela competição, a Copa Libertadores. Flamengo começou sua história na Libertadores neste ano de 1981, com um empate 2×2 em Belo Horizonte contra o Atlético Mineiro. Para o primeiro jogo do Flamengo no Maracanã na Copa Libertadores, recebeu o Cerro Porteño, um dos maiores do Paraguai.

    No 14 de julho de 1981, dia da Bastilha na França, o então técnico Dino Sani escalou Flamengo assim: Cantarele; Leandro, Mozer, Marinho, Júnior; Figueiredo, Adílio, Zico; Tita, Baroninho, Nunes. E jogo começou da forma mais bonita possível, com falta para Zico, perto da grande área, perto do gol. Dois passos, “olho no lance”, bola na rede, Flamengo na frente. Hino do Flamengo na TV Record, “confira comigo no replay”, Zico é um craque diferenciado, exaltado pelo Silvio Luiz. Zico na era só batidas de falta, também fazia de pênalti, e foi desse jeito que teve a oportunidade de fazer o segundo do dia, o segundo dele. “Olho no lance”, “éééééééé” Flamengo 2, Cerro 0, Zico 2, Fernández 0.

    No início do segundo tempo, outra falta perto da grande área, só que quem bateu foi Baroninho, “é dele a camisa número 11”, é dele a cobrança, é dele o gol. Cinco minutos depois, o Cerro Porteño reagiu, num escanteio Julián Giménez pulou, cabeceou, “deu zebra”, descontou. Mas o time do Flamengo era maior que qualquer um, do Paraguai, da Liberta, do Mundo. Na hora do jogo, Baroninho na direita “pode levantar se quiser”, levantou, e Nunes pulou, cabeceou. “Olho no lance”, bola no cantinho, olha a reação do Flamengo. Esse Flamengo era bonito de ver e, com a narração de Silvio Luiz, bonito de ouvir.

    E três minutos depois, o Flamengo foi bonito de ver de novo. Triangulação entre Júnior, Baroninho e Zico, que achou de volta Júnior na grande área, goleiro perdido, “olha o quinto, olha o quinto”, passe para Nunes, bola na rede, é gol do Flamengo, do “Nu-Nu-Nu-Nu-Nunes, é dele a camisa número 9”. Agora era fechar o caixão e beijar a viuvá. Só que a viúva não se deixou beijar, o Cerro fez um gol no tempo adicional, apenas para definir o placar final: 5×2 para Flamengo, que fazia uma grande exibição para a primeira de muitas noites continentais no Maraca, numa campanha que só ia se fechar com a taça nas mãos, numa noite fria e calorosa em Montevidéu. “Obrigado pela sua companhia, audiência, sintonia e mais que isso, pela sua grande amizade. O importante que é a nossa emoção sobreviva”. Obrigado senhor Silvio Luiz por ter feito o Flamengo ainda mais emocionante que ele é.

  • Jogos eternos #152: Vélez Sarsfield 2×3 Flamengo 1995

    Jogos eternos #152: Vélez Sarsfield 2×3 Flamengo 1995

    Ontem, apesar da goleada 4×0 contra Bolívar na Copa Libertadores, foi um dia triste para o Flamengo. O jornalista Washington Rodrigues, o Apolinho, morreu aos 87 anos. Sua maior paixão era o Flamengo, mas ele era tão bom como profissional que tinha o respeito das torcidas dos 4 times de Rio. Era um profissional apaixonado, trabalhou até o fim da vida. Mesmo com um câncer no fígado, ainda atuava na Rádio Tupi e participou de seu último jogo na ida contra o mesmo Bolívar. No jogo de volta, Washington Rodrigues morreu, partiu com sua grande paixão em campo. Em 2001, segundos antes do gol do Tri de Petkovic, Apolinho profetou: “E acaba de chegar São Judas Tadeu”.

    Washington Rodrigues era chamado de Apolinho por causa do microfone que usava, que lembrava o Apolo 11. O apelido foi dado pelo locutor Celso Garcia, outro jornalista eternizado na história do Flamengo. Em 1967, Celso Garcia indicou ao Flamengo uma joia franzina de 14 anos, um Galinho de Quintino, Zico. Apolinho Rodrigues também eternizou bordões, entre meus favoritos “chocolate”, “geraldinos e arquibaldos” e “briga de cachorro grande”. Imitando outro jornalista, João Saldanha, Washigton Rodrigues também virou técnico de futebol, só que não dirigiu a Seleção que deu o tricampeonato ao Brasil, fez mais, treinou sua grande paixão, o Maior do Mundo, Flamengo.

    Em 2015, vinte anos depois da passagem, Apolinho lembrou para UOL um jantar com o presidente do Flamengo: “Kleber Leite me convidou para encontrá-lo em um restaurante. Imaginei que queria conselhos sobre o momento do time e fui preparado para sugerir a contratação do Telê Santana. Ninguém queria pegar o Flamengo. O papo varou a madrugada. Até que por volta das 3h30 havia um prato virado na mesa e sem uso. O Kleber me disse que tinha um nome e pediu para que virasse o prato. Quando vi que era o meu tomei um susto e perguntei se ele estava brincando. Pensei rápido e aceitei, já que o Flamengo é uma convocação”. A frase dele, “o Flamengo não convida, o Flamengo convoca o rubro-negro” também está para a eternidade na história do Flamengo.

    O ano era 1995, ano de centenário, ano das maiores ambições, com o maior ataque do mundo, Romário, Edmundo, Sávio, ano também das primeiras frustrações, com a perda do campeonato carioca num final dramático contra Fluminense. O técnico Vanderlei Luxemburgo foi substituído pelo Edinho, que também não deu muito certo. E Kleber Leite convidou – não, convocou, Apolinho Rodrigues para ser o técnico do Flamengo. A escolha surpreendeu, tanto pela profissão de Washington Rodrigues que as críticas dele sobre Romário, falando que “talvez ele decida suar a camisa tanto quanto sua camisinha”. De novo Apolinho Rodrigues para UOL: “O Romário foi a primeira pessoa que me ligou para dar os parabéns. Terminamos as desavenças imediatamente. Brigávamos pelo jornal. Eu o convidei para que estivesse comigo na apresentação. Queria acabar com aquilo na frente de toda a imprensa. Ele aceitou e na primeira pergunta disse que tinha esquecido a briga. Respondi que era bom ele me abraçar ou sairíamos na porrada. Resolvemos o problema no primeiro momento…”.

    Eu já eternizei no Francêsguista dois jogos dirigidos pelo Apolinho, o segundo dele como técnico, com doblete de Sávio contra o Juventude e um jogo da primeira fase da Supercopa Libertadores, o jogo de volta contra Vélez, marcado por um gol para cada membro do trio infernal Romário, Edmundo, Sávio, e uma briga sensacional no final do jogo. Para a homenagem ao Apolinho, vamos então no jogo de ida, que também foi o jogo da estreia do técnico. No 14 de setembro de 1995, o técnico-jornalista Washington Rodrigues escalou Flamengo assim: Paulo César; Agnaldo, Cláudio, Ronaldão, Lira; Pingo, Márcio Costa, Djair; Nélio, Sávio, Edmundo. Um jogo sem Romário então, como lembrava Apolinho para UOL: “O ataque dos sonhos jogou pouquíssimas vezes junto. É preciso destacar isso. Praticamente não contei com os três juntos para escalá-los”.

    No estádio José Amalfitani de Buenos Aires, o juiz começou apitando um pênalti contra o Flamengo por uma falta de Ronaldão. O zagueiro argentino Roberto Trotta bateu forte e abriu o placar. Ainda no primeiro tempo, vindo da direita, o lateral Agnaldo cruzou alto e Edmundo teve tempo e espaço para ajustar o goleiro e empatar o jogo. Agora no segundo tempo, o Vélez teve outro lance, bola bateu na trave, Marcelo Herrera, que entrou no decorrer do jogo, desempatou. Vélez estava de novo na frente e, até o minuto 42 do segundo tempo, parecia que ia sair com a vitória.

    E no minuto 42 do segundo tempo, Sávio, com a agilidade dele, a facilidade dele, a ousadia dele, driblou na direita e cruzou. Edmundo quase fez seu segundo gol do dia de cabeça mas o goleiro Chilavert, um de meus maiores ídolos quando era mais jovem, defendeu. Bola ainda viva e Chilavert, com a loucura dele, saiu nos pés de Lira. Só nos pés mesmo, Chilavert tocou tudo, menos a bola. Sávio, com a tranquilidade dele, a precisão dele, venceu Chilavert no contrapé e fez o gol antes de partir para o abraço com o Apolinho. O empate já era bom para o Flamengo.

    Apolinho Rodrigues, que se via mais como um psicólogo do que um mestre tático, já fez uma primeira escolha decisiva, logo no primeiro jogo de sua carreira, fazendo entrar em campo Rodrigo Mendes no lugar de Djair. E num contra-ataque no tempo adicional, Edmundo abriu na esquerda para Rodrigo Mendes, que chutou cruzado, venceu Chilavert, contra-virou, deu a inesperada vitória ao Flamengo. “Gol do Brasil, gol do Flamengo” narrou Luciano do Valle, outro jornalista histórico, que também se arriscou na carreira de treinador, na Seleção brasileira de Masters. Em Buenos Aires, Sávio nem foi comemorar com Rodrigo Mendes, que estava longe na frente, mas com o banco, de novo nos braços do Apolinho. Washington Rodrigues tinha um carisma diferente e parecia que tinha estrela também, vencendo seu primeiro jogo num roteiro incrível. Em 2021, ele falou sobre esse jogo para Lance: “Contra o Vélez, que foi a minha estreia como técnico do Flamengo, nós perdíamos por 2 a 1 até os 42 minutos do segundo tempo, quando reagimos e viramos o jogo. Uma das maiores emoções da minha vida, quase morri do coração”.

    Infelizmente, Apolinho morreu de verdade ontem e juntou-se a vários ídolos do Flamengo no céu rubro-negro. Mesmo sem nunca jogar no Flamengo, Apolinho Rodrigues, ao lado de outros como Celso Garcia que faleceu em 2008, mostrou durante décadas de trabalho e de um profissionalismo exemplar, o que era ser Flamengo. Pode descansar em paz senhor Apolinho, Flamengo ainda está vivo na Libertadores e não faltaria de lhe dedicar o título caso vencer. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #151: Flamengo 2×0 Emelec 2018

    Jogos eternos #151: Flamengo 2×0 Emelec 2018

    Flamengo joga hoje na Libertadores na quinta rodada, necessitando absolutamente da vitória. Flamengo corre risco de eliminação e a situação lembra a de 2018, embora era menos pior 6 anos atrás. Flamengo estava no segundo lugar, com 2 pontos a mais que Santa Fé. Mesmo assim, na quinta rodada, no Maracanã, a vitória contra Emelec era obrigatória.

    O time de Emelec não trazia boas lembranças para mim e para milhões de rubro-negros. Em 2012, na última rodada da fase de grupos, Emelec vencia Olimpia de forma dramática e eliminava Flamengo de forma traumática. Era na época de vacas magras, de decepções do tamanho de um elefante. Eram 31 anos sem título na Libertadores, uma espera que parecia ser sem fim. Em 2018, Flamengo começava a brigar de forma mais intensa pelos títulos continentais, mas ainda vivia de decepções, vexames, vergonhas. Para quem conhecia o clube nesta época, uma derrota contra Emelec parecia até anunciada.

    No 16 de maio de 2018, o técnico Maurício Barbieri escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rodinei, Juan, Réver, Renê; Cuellar, Lucas Paquetá, Diego; Éverton Ribeiro, Vinícius Júnior, Henrique Dourado. A festa começou até antes do apito inicial, era o reencontro da torcida com o Maracanã depois de dois jogos sem publico por causa de tumultos na final da Copa Sudamericana de 2017. Meses depois, eram mais de 40 mil presentes, ainda ansiosos, ainda precisando absolutamente de um alívio, de uma vitória.

    Com 5 minutos, Vinícius Júnior, herói do jogo de ida com doblete no Equador, quase abriu o placar encobrindo o goleiro, mas bola passou em cima do travessão. Outra promessa da base que já virava realidade, Lucas Paquetá, chutou de longe, mas bola passou ao lado da trave. Outro garoto da base, mas agora ídolo e veterano com 39 anos, Juan, também se destacou, mas a cabeçada, desviada pelo goleiro, morreu no travessão. Vinícius driblou na esquerda, bola caiu nos pés de Henrique Dourado, que chutou no meio do gol, sem perigo para o goleiro. Depois de mais uma falta, Juan, bem livre, cabeceou de novo, bola fugiu do gol de novo. No intervalo, 0x0. Flamengo dominava, sem conseguir fazer o gol, o que só aumentava o medo legítimo do torcedor, que já tinha vivido antes tantas frustrações.

    Mas já no iníciozinho do segundo tempo, Renê ganhou uma bola, tabelou com Vinícius Júnior, cruzou, bate-bola na grande área, Diego sem espaço chutou fraco, goleiro defendeu do pé, bola ainda viva. E Éverton Ribeiro chegou, chutando firme, para delivrar uma Nação inteira com um chutaço em baixo do travessão. Era alívio da geral e momento especial para o miteiro, que dedicou o gol ao filho Augusto, nascido dias antes de forma prematura. A Nação ainda não sabia quanto será feliz com o Baby Guto como torcedor do Flamengo.

    Flamengo teve outras oportunidades, sem fazer o gol. A torcida ainda tremia, ainda mais quando Emelec quase fez um gol, mas Diego Alves esticou os dedos para salvar o placar e a geral. No tempo adicional, uma falta para o Flamengo, quase na entrada da grande área. O narrador João Guilherme, antecipando como sempre, falou sobre os “grandes batedores” na história de Flamengo. “Já teve Zico, já teve Pet, já teve Júnior”, adiciono Marcelinho Carioca e Renato Abreu, todos ídolos na história do Flamengo e no Francêsguista. Em 2018, para a bola parada, Éverton Ribeiro e Cuellar, e em seguida apenas Éverton Ribeiro que de esquerda achou a gaveta de Dreer para fazer o golaço, o segundo do dia. Éverton Ribeiro, que começou o ano de 2018 abaixo das esperanças do torcedor, brilhou no melhor momento, classificando Flamengo nas oitavas e repetindo a comemoração do dedo na boca como uma chupeta, talvez para antecipar sem saber o futuro nascimento do segundo filho, Antônio, o Tótoi, que também ia alegrar muito a torcida flamenguista, de volta ao Maraca, de volta nas oitavas da Liberta.

  • Jogos eternos #150: Flamengo 1×1 Corinthians 2022

    Jogos eternos #150: Flamengo 1×1 Corinthians 2022

    Flamengo joga hoje contra o Corinthians no Maracanã e pensei no início escrever sobre um jogo do Brasileirão de 2006 ou 2009. Mas essa crônica é a #150 dos jogos eternos e um número redondo merece um jogo mais especial. E tem nada mais especial que um título, vamos então para o jogo do tetra da Copa do Brasil contra o Corinthians, quando Flamengo saiu do Maracanã como campeão em 2022.

    Ah sim, tem mais especial que ganhar um título, tem para o torcedor a possibilidade de ganhar um título assistindo dentro do estádio. E foi meu caso com a final da Copa do Brasil de 2022. Já escrevi isso na crônica da época intitulada “A Copa do Brasil eu tenho 4”, foi minha primeira decisão no Maracanã e consegui um ingresso na Norte, só me interessava a Norte. Meu preço máximo para o ingresso era 500 reais, muito dinheiro, ainda mais que não tinha renda no Brasil. Mas valeu cada um dos reais, e até valeria o dobro.

    Cheguei cedo, muito cedo e fez muito bem. A Norte estava cheia apesar do número total de pagantes de 47.031, que pode ser considerado até baixo para uma final no Maracanã. Mas quando finalmente consegui entrar na Norte, tinha pouco espaço para se mover, para respirar. Fiz até duas vezes a entrada na arquibancada, adoro essa sensação, a descoberta da atmosfera, a Norte cheia, rubro-negra, apaixonada. A emoção era pura, voltei nos corredores, vibrei de novo chegando na Norte, com lágrimas no rosto, com gratidão no coração. Valia 500 reais e mais.

    No 19 de outubro de 2022, o técnico Dorival Júnior escalou Flamengo assim: Santos; Rodinei, David Luiz, Léo Pereira, Filipe Luís; Thiago Maia, Vidal, Éverton Ribeiro, Arrascaeta; Gabi, Pedro. Um time que já mudou bastante. Do outro lado, o Corinthians do Vítor Pereira tinha um time misto de experiência e juventude, com grandes nomes como Cássio, Balbuena, Renato Augusto e Róger Guedes. O Tetra será nada fácil.

    Depois do 0x0 na ida, estava tudo aberto. O pré-jogo foi um dos mais emocionantes que eu vi, cheio de fumaça, de esperança, de amor até de terror. Ainda tinha fumaça quando Flamengo fez o primeiro lance de perigo, tabelinha entre Arrascaeta e Filipe Luís, o uruguaio achou na grande área Éverton Ribeiro que, de um toque só, achou na pequena área Pedro. O artilheiro esticou a perna, chegou antes do Cássio, abriu o placar, encheu meu coração de felicidade, minha cabeça de loucura. Menos de 10 minutos de jogo, gritei alto, abracei forte o irmão rubro-negro desconhecido ao meu lado, pulei, fechei o punho, peguei 5 segundos de calma para saber se o momento era real. Era real, Flamengo estava na frente.

    Em seguida, Arrasceta e Pedro quase fizeram o segundo gol, mas bola fugiu do gol de Cássio. Tinha no jogo uma intensidade e uma tensão que são possíveis apenas nos dias de decisão. E numa outra bola de Éverton Ribeiro, Pedro deixou Gabigol em boas condições, Gabigol chutou na trave, bola voltou nos pés de Arrascaeta, que mandou finalmente a bola na rede. Era o gol do alívio, mas o juiz anulou o gol por um impedido milimétrico de Gabigol. Estou em favor de uma mudança da regra para dar um pouco mais de espaço ao atacante, mas enfim gol anulado, não relembro de tanto e quanto gritei nesta hora.

    O primeiro tempo chegou ao fim depois de um último chute de Róger Guedes. No início do segundo tempo, Arrascaeta, bem servido pelo Gabigol, perdeu um gol quase feito, ao menos podia ter feito muito mais bonito, mais perigoso. Na hora do lance decisivo, parece que a perna tremeu um pouco. E eu na arquibancada tremia muito, não vou julgar. Depois Arrascaeta foi no início da jogada, Pedro levantou a bola com a parte externa do pé, mas parece que errou um pouco na hora da cabeçada. Gabigol chegou em velocidade e errou ainda mais, chutando meio de carrinho, fora do gol. Odeio quando Flamengo está na frente e começa a perder oportunidades, a errar gols. Parece que o desastro se aproxima. Quem perdeu mais feio foi Róger Guedes que, a um metro do gol e em posição legal, conseguiu chutar em cima do travessão. Flamengo ainda estava vivo, eu morrendo de estresse na Norte.

    Logo em seguida, ainda com uma hora de um jogo excepcional na intensidade, Éverton Ribeiro pedalou, quase fez cair Fábio Santos, chutou. Cássio defendeu, Gabigol chegou, fintou, driblou Cássio, bateu na trave. Bola voltou Ao mesmo Gabigol, que finalmente mandou a bola nas redes. Parecia uma repetição do primeiro gol anulado do Flamengo. E o desfecho foi o mesmo, gol anulado por um impedido, agora mais obvio. Eu quase não aguentava mais toda essa emoção, era tão difícil de respirar que tinha dor no peito, 500 reais era muito para sofrer assim. Mas uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

    Com obrigação de empatar, o Corinthians passou a dominar o jogo. Flamengo se recusou a jogar, com substituições francamente defensivas. E Flamengo fracassou, tomou o gol do empate a menos de 10 minutos do apito final. E eu era o mesmo torcedor-sofredor, ainda não pronto para o desfecho, tremendo de medo, sufocando, chorando de desespero e esperança, orando para São Judas Tadeu e todos os Santos que podiam ajudar meu Flamengo. Odeio disputa de penalidades quando meu time joga, ainda mais quando tinha tudo para vencer antes. No Maracanã, estava de um otimismo péssimo. Fábio Santos abriu a disputa para o Corinthians e Filipe Luís perdeu. Confesso que acredito que quem toma vantagem na disputa acaba perdendo a disputa. Mas neste 19 de outubro de 2022, eu estava pessimista.

    Giuliano também fez, eu ainda mais pessimista, David Luiz também fez, eu voltando ao otimismo, Renato Augusto também fez. Léo Pereira não tremeu e Fagner fez tremer o travessão. Empate total e o Maracanã finalmente acordou. Também falei na crônica da época que estava frustrado com o Maracanã. O preço do ingresso explica, mas teve pessoas que não cantaram do jogo inteiro, sequer no início da disputa de penalidades. Precisou esperar o erro de Fagner e mais, depois de transformação de Éverton Ribeiro e Yuri Alberto, o pênalti de Gabigol e a comemoração icônica, para finalmente apoiar. Gabigol partiu para a comemoração de sempre, mas mudou no caminho, explodiu de vontade de vencer, inflamou o Maracanã, agora sim, pronto a comemorar um título. Gabigol fez muito mais que um pênalti, preparou meio time a bater um pênalti se precisava, preparou uma Nação inteira a conhecer a alegria do Tetra.

    Maycon fez, Éverton Cebolinha também. Matheus Vital chutou muito fora e Rodinei partiu para a última cobrança ao som de “nunca te critiquei”. Rodinei fez algumas partidas muito ruins, mas sempre trabalhou e, a diferença de mim, sempre ficou otimismo. Partiu com fé no pé, bateu, fez. Flamengo era tetra e eu na arquibancada, nem pensava mais no preço do ingresso, só pensava na alegria de ser campeão pelo Flamengo. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #149: Universidad de Chile 0x4 Flamengo 2000

    Jogos eternos #149: Universidad de Chile 0x4 Flamengo 2000

    Hoje Flamengo joga no Chile, na Copa Libertadores, contra Palestino. Escrevi no jogo de ida sobre o jogo de Copa Sudamericana em 2017, com goleada na Ilha do Urubu. O jogo no Chile contra o mesmo Palestino era uma possibilidade, com outra goleada e golaços, mas finalmente vou de um jogo mais antigo, numa competição continental que foi extinta um ano depois, a Copa Mercosul de 2000, um ano histórico para o Flamengo. Uma competição dificilíssima, com apenas 20 times, alguns grandes, muitos gigantes, com formato simples e também dificilíssimo, onde nem o segundo lugar do grupo garantia a classificação no mata-mata.

     

    Um ano antes, na campanha que viu Flamengo ser campeão, o Mengão foi sortudo contra times chilenos, vitória 4×0 contra Colo-Colo em Santiago, goleada 7×0 contra Universidad de Chile no Maracanã, dois jogos eternos no Francêsguista. E no final, Flamengo campeão, depois de outro jogo eterno, no blog e na história do Mengo. Um ano depois, o Universidad de Chile tinha a possibilidade de uma vingança em casa, no estádio Nacional. Flamengo, derrotado em casa no primeiro jogo contra River Plate, outro gigante, precisava de uma reação, não podia perder, era quase obrigado a vencer.

     

    E Flamengo já andava sem Romário, que fechou em 2000 a volta no arquirrival Vasco. Mas Flamengo, ambicioso com a ISL, contratou caro para o segundo semestre de 2000, com Gamarra, um ídolo no Francêsguista e Denílson, que eu já adorava desde 1998 quando o vi jogar na Copa do Mundo. E Flamengo chegou ao terceiro reforço, que eu não conhecia, mas que era muito conhecido dos brasileiros, um craque, não tanto que Romário claro mas um craque, irreverente, não tanto que Romário talvez mas irreverente, polêmico, às vezes genial, às vezes só complicado, Edílson. A estreia, a derrota já mencionada contra River, com gol de Pet, nenhum gol de Edílson. Depois, dois jogos na Espanha, contra o Atlético de Madrid e o Betis, ambos com gols de Edílson. E na estreia no Brasileirão, uma vitória contra o Atlético Mineiro, com gols de Petkovic e Edílson, uma dupla de craques, com muitos pontos fortes e alguns fracos.

     

    E no quinto jogo de Edílson com o Manto Sagrado, o jogo contra o Universidad de Chile, lá no Nacional de Chile. No 6 de setembro de 2000, o técnico Carlinhos, outro ídolo aqui – um dia deveria contar quantos jogos dirigidos pelo Violino já eternizei no blog, escalou Flamengo assim: Júlio César; Maurinho, Fabão, Fernando, Leonardo Inácio; Leandro Ávila, Rocha, Petkovic; Denílson, Edílson, Adriano. O potencial ofensivo do time era realmente absurdo, com craques em todos os cantos.

     

    Com apenas 6 minutos de jogo, já um perigo no gol chileno, com falta de Petkovic, defesa do goleiro Vargas, escanteio, cobrado pelo Petkovic claro. Edílson cortou na primeira trave e como o craque que ele era, tocou de calcanhar, diretamente no gol para abrir o placar, e foi em direção do Pet para o abraço. Uma dupla que, bem, não tinha tudo para der certo, mas podia fazer sonhar os flamenguistas. Ainda nos 10 minutos iniciais, outro escanteio, agora do lado direito, agora cobrado pelo Denílson, agora com joelhada de Fabão. O destino foi o mesmo, bola na rede chilena e alegria contida do Violino Carlinhos. Um time para sonhar, um futebol para se maravilhar.

     

    O Universidad de Chile reagiu, passou a dominar o jogo. Mas se Flamengo tinha muitos craques no setor ofensivo, tinha também um como goleiro, ainda em formação Júlio César. O craque da casa fez 4 defesas importantes, algumas milagrosas, e Flamengo chegou ao intervalo com vantagem de 2 gols.

     

    Como foi o caso no primeiro tempo, Flamengo começou muito bem o segundo tempo, com bola longa de Maurinho, entre Petkovic e Edílson. O novato fez domínio de craque, três fintas de chute, a dança de Edílson só não foi mais bonita que a do goleiro Vargas, sem apoio no chão, lutando para não cair. Petkovic que já esperava o passe antes da dancinha do Capetinha, ainda esperava, agora quase parado, a bola para fazer o gol, mas Edílson, com a fama e a fome do artilheiro, fez o gol sozinho. No abraço para a comemoração, vieram Adriano e Denilson, mas nada de Petkovic, como um anúncio da futura briga de egos entre os dois craques.

     

    Logo depois, Edilson quase completou o hat-trick com uma falta. Bem antes do Ronaldinho, Edílson fez bruxaria, chutando em baixo da barreira, mas a bola foi morrer na trave. O quarto gol quase saiu do pés de Adriano. No meio de campo, o craque de 18 anos recebeu de Denílson, dominou de calcanhar, acelerou, cortou no meio, chutou, mas a bola foi bem no centro do gol, sem perigo para o pobre goleiro Vargas, que enfim conseguia uma defesa. Sem tempo para aproveitar, no meio do segundo tempo, Leonardo Inácio chegou na esquerda e cruzou. Edílson mostrava que era um craque diferenciado, capaz de fazer a diferença com apenas um toque, às vezes até menos de um toque. Outra dancinha do Capetinha, uma corta-luz sensacional, Edílson, sem tocar na bola, deixou passar para Denílson, que de primeira mandou a bola nas redes pela quarta vez da noite.

     

    Flamengo tinha um potencial absurdo no ataque, e um outro craque no gol. Júlio César defendeu um pênalti de Cristián Mora, preservou a meta flamenguista, a alegria total da torcida. No final, uma vitória fácil no Chile, mas o fim da temporada foi infeliz, com eliminação nas quartas contra River Plate, título do arquirrival Vasco com show de Romário, briga de egos entre Pet e Edílson e no final, falência da ISL e alegria frustrada da Nação, que viveria anos muitos difíceis.

  • Jogos eternos #148: Red Bull Bragantino 1×1 Flamengo 2021

    Jogos eternos #148: Red Bull Bragantino 1×1 Flamengo 2021

    Em agora quase 150 crônicas sobre os jogos eternos do Flamengo, sempre gostei de relacionar o jogo eterno do dia com o jogo do Flamengo na atual temporada. E no ano passado, o jogo na Bragança Paulista foi um dos únicos – acho até o único, que deixei passar. Por excesso de trabalho e falta de opções. Contra o Bragantino, tem poucos jogos possíveis, porque também gosto de deixar o vídeo de jogo. Tinha 2 vitórias por 1×0, em 1994 e 1996 quando o Bragantino ainda não era bebida energética, gols de Sávio e Bebeto, mas só tinha o gol no vídeo e nenhum outro lance. Tinha dois 1×1 mais recentes, mas mais frustrantes que gratificantes. Até pensei fazer sobre outro time do interior paulistano mais tradicional, como Guarani, a Ponte Preta ou a Portuguesa.

    Mas no meio da semana teve uma excelente notícia com a liberação de Gabigol, que estava suspenso por 2 anos. Gabigol está no mínimo no top 5 da galeria dos ídolos do Flamengo. Em 5 anos, foram mais de 150 gols e muitos, muitos títulos. O ano de 2023 foi decepcionante, mas não podemos esquecer tudo que ele fez com o Manto Sagrado e tenho certeza que ele ainda pode render no time. Vamos então mesmo para um jogo recente, contra o Red Bull Bragantino, com Gabigol decisivo.

    O ano era 2021 mas o campeonato ainda era 2020. Tempos sombrios da Covid, hospitais cheios, estádios vazios. Na reta final do campeonato, Flamengo brigava pelo título, pelo bicampeonato, pelo octa. No 7 de fevereiro de 2021, Rogério Ceni escalou Flamengo assim: Hugo Souza; Isla, Willian Arão, Gustavo Henrique, Filipe Luís; João Gomes, Gerson, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Gabigol. Só a vitória interessava, com a possibilidade de tomar o posto de líder ao Internacional, que tinha um jogo a menos.

    Flamengo dominou o início do jogo, sem conseguir fazer o gol, bola fugindo da meta, bola parando nas mãos do goleiro Cleiton. E com meia hora de jogo, com intervenção do VAR, o juiz apitou pênalti para o Flamengo. E Gabigol, no estilo dele, com tranquilidade, no contrapé do goleiro, fazia o gol e chegava ao quarto jogo consecutivo estufando as redes.

    Flamengo continuou a dominar, de novo sem conseguir fazer o segundo gol, e com hora de jogo, Bragantino empatou com gol de Ytalo. O goleiro Cleiton, em estado de graça, fez milagres contra Bruno Henrique, contra Arrascaeta, contra Gabigol, contra o Flamengo todo, contra a Nação inteira. No final, um empate 1×1 frustrante, Flamengo perdia a oportunidade de ser o novo líder. Mas no finalzinho, Gabigol voltou a ser decisivo nas vitórias contra o Corinthians e o Internacional e no finalzinho-zinho, apesar da derrota contra São Paulo, Flamengo era o campeão, de novo, Gabigol o ídolo, como sempre.

  • Jogos eternos #147: Nacional 2×6 Flamengo 1997

    Jogos eternos #147: Nacional 2×6 Flamengo 1997

    Hoje Flamengo estreia na Copa do Brasil, contra um time amazonense, o Amazonas FC, fundado em 2019. Vamos para o jogo eterno do dia de uma outra estreia na Copa do Brasil contra um time amazonense, o Nacional, em 1997.

    O Nacional tem muito mais tradição que o Amazonas FC, tem 111 anos de história e 43 campeonatos amazonenses. Na Copa do Brasil, chegou nas oitavas de final em 1995. Dois anos depois, enfrentou Flamengo, ainda na primeira fase. Do lado do Flamengo, Romário estava de volta depois de uma curta passagem na Valencia e continuava a fazer o que sabia fazer: gols. Nos 10 primeiros jogos do ano de 1997 com o Manto Sagrado, fez 12 gols, insuficiente para levar um título, Flamengo perdendo a final do Torneio Rio – São Paulo contra Santos. Para o jogo contra Nacional, no 27 de fevereiro de 1997, o técnico e ídolo Júnior escalou Flamengo assim: Zé Carlos; Fábio Baiano, Júnior Baiano, Fabiano, Athirson; Bruno Quadros, Marcelo Ribeiro, Lúcio, Iranildo; Sávio, Romário.

    No Vivaldo Lima, com apenas 9 minutos de jogo, Romário já fazia o que sabia fazer: ser gênio. Mas não começou com um gol, começou com uma assistência de cobertura, com um toque sensacional, reservado aos craques. Lúcio Bala conseguiu o belo domínio, a bela finalização para abrir o placar. Dois minutos depois, agora sim, gol de Romário, recebendo a bola num escanteio, foi preciso no domínio, foi certeiro no chute, Flamengo já com 2 gols de vantagem.

    Antes do intervalo, Nacional fez um gol, mas no minuto seguinte, Romário conseguia o doblete, recebendo na segunda trave um cruzamento de Iranildo. A goleada se construiu no segundo tempo com gols de Bruno Quadros e Marco Aurélio Jacozinho, um minuto depois de ele entrar em campo. E o jogo virou eterno no tempo adicional, com um feito que tinha acontecido apenas uma vez antes na história do Flamengo. O juiz apitou um pênalti e o goleiro rubro-negro Zé Carlos saiu de sua meta até a meta adversaria para fazer o gol no contrapé do colega adversário.

    Zé Carlos se tornava assim o segundo goleiro do Flamengo a fazer um gol durante um jogo, imitando Ubirajara Alcântara, que marcou em 1970. O terceiro goleiro a fazer um gol com o Manto Sagrado foi Bruno, que vestiu uma camisa branca em homenagem ao próprio Zé Carlos, falecido em 2009, no ano do hexacampeonato brasileiro. Bruno também dedicou a conquista do hexa ao Zé Carlos, que faleceu de um câncer com apenas 47 anos.

    Voltando ao jogo no Amazonas, Flamengo derrotava facilmente o Nacional e na época, quem goleava na ida escapava do jogo de volta para diretamente ir na próxima fase. Flamengo ainda passou de Rio Branco, Internacional e Palmeiras, mas parou na final contra Grêmio com uma outra regra que não existia mais, a de gols fora de casa. Com um 0x0 no Olímpico e um 2×2 no Maracanã, Flamengo ficou no vice e Romário, apesar de toda a genialidade, não conseguia conquistar um título nacional ou internacional com o Flamengo.

  • Jogos eternos #146: Flamengo 2×2 Botafogo 1992

    Jogos eternos #146: Flamengo 2×2 Botafogo 1992

    O ano passado, Botafogo passou muito perto, e ao mesmo tempo muito longe, do título brasileiro. Em 1992, também passou perto, passou longe. No primeiro jogo da final, a segunda da história do Brasileirão entre clubes cariocas depois do Fluminense x Vasco de 1984, Flamengo aplicou um implacável 3×0, um jogo eterno no Francêsguista. Principal nome do jogo, o Vovô Garoto Júnior advertiu os companheiros mais jovens de não fazer o mesmo erro que os jogadores do Botafogo na ida, que consideravam o jogo como já ganhou. Quem errou foi o Renato Gaúcho, na época jogador do Botafogo, e que entre os dois jogos participou de um churrasco com o atacante rubro-negro Gaúcho, em total descontração. O presidente do Botafogo ficou vermelho, baniu Renato Gaúcho do segundo jogo e do clube.

    No 19 de julho de 1992, apenas 12 dias depois de meu nascimento, o técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Wilson Gottardo, Gelson, Fabinho; Uidemar, Júnior, Zinho, Júlio César Garcia, Piá; Gaúcho. Infelizmente, antes do jogo, teve uma tragédia. No Maracanã, tinha 122.001 pagantes, quase 145 mil presentes. O velho Maracanã não aguentou e uma grade da arquibancada caiu, precipitando a queda de dezenas de pessoas e a morte de 3 torcedores do Flamengo de 16 a 25 anos. De uma certa maneira, também foi a morte do Maracanã, que foi interditado até o fim do ano de 1992 e nunca mais voltou ao mesmo. Para evitar uma catástrofe maior, o jogo foi mantido, alguns jogadores do Flamengo nem sabendo do que aconteceu.

    Precisando de um milagre, Botafogo partiu ao ataque no primeiro tempo e quase fez um gol de falta, mas Gilmar defendeu a tentativa de Carlos Alberto Dias. Na zaga do Flamengo, sobrava Gelson Baresi, chamado assim em homenagem ao líbero italiano, que não se impressionou com a importância do jogo, apesar de seus 18 anos, apesar de jogar sem contrato profissional ainda, apesar de o jogo ser apenas seu quinto jogo com o Manto Sagrado. No ataque, Zinho infernizava com seus dribles a defesa do Botafogo, obrigada a cometer falta, na direita do campo. Júnior cobrou, Gaúcho desviou de cabeça, Piá chutou, Renê salvou em cima da linha. Ainda 0x0 no Maracanã.

    Zinho, no dia do aniversário da mãe, continuou a provocar a defesa alvinegra com dribles e forçou a expulsão de Renê. Minutos antes do intervalo, teve uma falta em favor do Flamengo, bem no centro do gol, com 20-25 metros de distância. Era o momento para Júnior brilhar mais uma vez. Relembra Júnior no seu livro Minha paixão pelo futebol: “O jogo começou muito nervoso como eu previa. A marcação, acirrada nos dois lados do campo. Lá pelos 43 minutos do primeiro tempo, eu tinha invertido minha posição com o Uidemar, meu companheiro de meio-campo, para que ele pudesse ter mais liberdade, já que eu estava muito marcado. Foi então que o adversário cometeu a bobagem de fazer uma falta perto da área inimiga – para nós -, sofrida pelo Gaúcho do lado direito da defesa do goleiro Ricardo Cruz, do Botafogo. Senti que era o momento de deixar a minha marca no Maracanã. Era uma falta perfeita para quem chuta com o pé direito, exatamente como eu gostava e tinha treinado na véspera muito com o Zinho. Eu cheguei para bater e o Zinho, que tinha tido um ótimo aproveitamento, pediu a vez: ‘Deixa comigo, maestro, que eu vou marcar o gol’. Esperei o Ricardo fazer a barreira e respondi ao Zinho: ‘Está mais para o pé direito, se eu acertar o gol dificilmente ele vai pegar, está muito perto’. A trajetória que a bola iria tomar comigo batendo iria fugir do goleiro, e o Zinho como canhoto ia de encontro a ele. Ele me olhou não muito convencido e se posicionou como se fosse bater, porém, no último segundo, disse: ‘Vai você’. Acho que até o Ricardo Cruz achou que ele iria bater mesmo”.

    Também não estou muito convencido com o argumento de Júnior, mas estou convencido que ele é um craque, que o momento era dele, com a experiência de seus 38 anos, metade jogando futebol como profissional. “O tempo é uma convenção que não existe nem para o craque nem para a mulher bonita” escreveu uma vez Nelson Rodrigues. O Vovô Garoto cobrou, gavetou, golaçou. “O gol de falta que inaugurou o marcador aos 42 minutos do primeiro tempo teve o toque do gênio na maciez marota da curva, descrevendo no ar a trajetória oblíqua e dissimulante como os celebrados olhos de Capitu” escreveu Villas-Bôas Corrêa para o Jornal do Brasil. Além do gol, a comemoração também é icônica. Júnior mexeu os braços, pulou, gritou, sorriu. “Guardo até hoje na cabeça minha vibração após o gol de falta” explicou Júnior, como é o caso de todo mundo que assistiu ao gol, no Maracanã, na televisão, no replay. Com esse gol, Júnior chegava ao seu nono gol no campeonato e virava o maior artilheiro do Flamengo no Brasileirão, ultrapassando os 8 gols de Gaúcho. Ainda Júnior: “Até hoje, quando revejo este gol, me vem a certeza de que foi sem dúvida o mais importante da minha vida como profissional do Flamengo. A hora da bola dentro da rede e a do eco da torcida, num dos maiores e mais belos estádios de futebol do mundo, ficarão para sempre impressos em meu coração”.

    No início do segundo tempo, um lance na esquerda, com passe de corte de Zinho para Piá que cruzou, Júlio César se jogou no chão para fazer o segundo gol do dia. Nos 10 minutos finais, Botafogo fez 2 gols e chegou ao empate. Nada para impedir a alegria da torcida do Flamengo, com gritos de “é campeão”, com gritos para Júnior, mais uma vez o herói da Nação. De novo Júnior, agora no livro Os dez mais do Flamengo, de Roberto Sander: “Tenho um carinho muito grande por este título. Eu era o único remanescente da época de ouro vivida pelo clube de 78 até 83. Eu era, na verdade, um irmão mais velho daquela garotada. Procurava orientá-los sobre como enfrentar as dificuldades da profissão. Para mim, que terminei, inclusive, como artilheiro do time, foi indescritível. Ainda mais porque ninguém acreditava na gente, pois tinham equipes que haviam feito campanhas melhores. Só que foi criada uma alquimia muito forte com a torcida. Na fase final, tivemos uma média de 50 mil torcedores. Essa conquista foi um prêmio pelo sacrifício que fiz. Naqueles jogos decisivos, consegui jogar acima da média. Tive um plano de trabalho, feito pelos preparados físicos Marcelo Pontes e Helvécio Pessoa, que fez com que eu terminasse os jogos querendo mais. Esse foi o ponto determinante para que superássemos nossos adversários”.

    Bom lembrar que Júnior por pouco não renunciou a jogar o Brasileirão, como ele explica para Marcos Eduardo Neves no livro 20 jogos eternos do Flamengo: “Foi uma escolha difícil, mas acertada. Todo mundo dizia que seria melhor eu parar depois do título carioca de 1991. Mas resolvi acreditar e conquistei este. Valeu ou não valeu?”. Valeu Maestro, valeu mil vezes, valeu o penta, valeu as lembranças eternas da Nação. E eu na França, um bebê de 12 dias, já flamenguista na alma, já conhecia a maior alegria do mundo, ser campeão com o Flamengo.

  • Ídolos #33: Júnior Baiano

    Ídolos #33: Júnior Baiano

    Fazia tempo que eu queria escrever sobre Júnior Baiano e a crônica #33 cai (quase) perfeitamente, porque algumas fontes atribuam ao Júnior Baiano 33 gols com o Manto Sagrado. Na verdade, o clube do Flamengo e o site Flaestatística consideram que Júnior Baiano tem 32 gols pelo Flamengo. Certeza é que, ao lado de outro ídolo no Flamengo e no Francêsguista, Juan, Júnior Baiano é o maior zagueiro-artilheiro da história do Flamengo.

    Raimundo Ferreira Ramos Júnior nasceu no 14 de março de 1970 em Feira de Santana, na Bahia. Começou na base do… Fluminense de Feira, o clube da cidade, e recebeu ainda nas categorias da base uma oportunidade no Flamengo. Chegou, foi aproveitado, e estreou como profissional em 1988, num jogo do Brasileirão contra Bangu, no Maracanã. Como, claro, ainda tinha a sombra do Maestro Júnior, o jovem zagueiro virou Júnior Baiano e foi lançado por um outro mestre, que Júnior Baiano chamou de segundo pai, Telê Santana. Flamengo venceu 2×0 e Júnior Baiano formou a zaga ao lado de um outro ídolo, no Flamengo mas ainda não no Francêsguista, Aldair.

    Por coincidência, conheci juntamente a dupla Júnior Baiano – Aldair, dez anos depois da estreia do Baiano, com a Copa do Mundo de 1998. De meus 6 anos ainda não completados, meus olhos brilhavam para os jogadores mais ofensivos e técnicos, como Roberto Carlos, Rivaldo, Denílson e claro, o maior de todos, Ronaldo. Mas com meu coração já verde e amarelo, gostava também da zaga, confesso que gostava mais do Aldair do que Júnior Baiano. Mas os dois eram gigantes, parecia tão difícil fazer um gol neles que acreditava que o Brasil ia ganhar a Copa contra a França, que eu ia ser o único pequeninho francês feliz no 12 de julho de 1998. A realidade foi diferente.

    Júnior Baiano fez apenas um jogo em 1988 e voltou a jogar no time principal em 1989 durante uma excursão na Europa. Jogou ao lado de Zico, jogou a Copa do Brasil, até a eliminação na semifinal contra Grêmio, jogou o Brasileirão, jogou a Supercopa Libertadores. E Júnior Baiano viveu um ano 1990 maior do que ele ousaria sonhar. No início do ano, ao lado de Piá, Fabinho, Nélio e Djalminha, também de Marquinhos, Marcelinho Carioca e Paulo Nunes que não participaram da final, fez parte do maior time da história da Copinha. Na final, Júnior Baiano, já criando a fama de zagueiro-artilheiro, fez o único gol do jogo. Alias, um golaço, Júnior Baiano subiu no ar para cabecear em direção de Djalminha e lançou o pique em direção ao gol para chamar a bola de volta. O passe do craque Djalminha foi perfeito, Júnior Baiano finalizou de cobertura, do pé esquerdo, o pé supostamente ruim, para fazer o golaço, a alegria da galera e encher a galeria das taças, com a primeira Copinha da história do Flamengo.

    Apenas uma semana depois do título, Júnior Baiano estava em campo no Maracanã para a despedida de ninguém menos que Zico. Entrou no lugar de ninguém menos que Leandro. Quem ousaria sonhar tudo isso? No final do ano, Flamengo conquistou a Copa do Brasil, mas Júnior Baiano participou de nenhum jogo da competição. O primeiro gol como profissional chegou em 1991, quando Flamengo era dirigido por um outro mestre, Vanderlei Luxemburgo. Jogo foi um amistoso contra Figueirense no Orlando Scarpelli e não tem imagens disponíveis do gol. Também fez gol numa excursão na Suíça e jogou na minha França, na minha Cidade Luz, perdendo na final do Torneio de Paris contra o Olympique de Marselha. O primeiro gol com imagens chegou também em 1991, com mais um outro mestre no banco, o Violino Carlinhos. E foi para lembrar para sempre, falta do Maestro Júnior, cabeçada do Júnior Baiano, gol do Flamengo. Jogo foi contra Campo Grande no campeonato carioca de 1991 e no final, título do Flamengo, num Fla-Flu eterno.

    O gol seguinte chegou um ano depois, da mesma forma, falta de Júnior, cabeçada de Júnior Baiano. Mais que para os gols, Júnior Baiano era conhecido no início da carreira pela valentia e raça. Com apenas 22 anos, era zagueiro raiz, o jogador que você quer como companheiro, não como adversário. Num Clássico dos Milhões bem quente, deu sem se arrepender um soco na cara do Edmundo e o canto “Baiano é mau, pega um, pega geral” virou “pega um, pega o Animal”. E Edmundo não foi a única vítima, Júnior Baiano deu socos para Gilmar de São Paulo, Carlos André de Paysandu, até agrediu um repórter, até acusou um juiz de apitar bêbado. Com Júnior Baiano, tinha para todo mundo, tinha para geral.

    Mas sim, Júnior Baiano não era apenas carrinhos violentos e tapas, era talento, dedicação, era uma raça que não o permitia apenas de destruir atacantes de forma limpa e menos limpa, mas também, do outro lado do campo, de fazer gols, de virar zagueiro-artilheiro. Apenas no ano de 1993, foram 7 gols, e Júnior Baiano não era apenas raça, também tinha técnica suficiente para fazer gol de falta contra Bragantino, gol de pênalti contra Olimpia, um jogo eterno no Francêsguista. Para fechar o ano de 1993, nada melhor que um gol num clássico contra Botafogo no Maracanã, também de pênalti.

    Em 1994, Júnior Baiano assinou com o São Paulo, onde reencontrou o técnico que o lançou como profissional, Telê Santana. O Mestre odiava o jogo violento e avisou o Júnior Baiano: “Se você arrumar confusão aqui, te mando embora e ligo para todo mundo para não te contratar”. Com Telê, graças a Telê, Júnior Baiano virou outro jogador, mais calmo, mais seguro, sem perder a capacidade de defender, de ganhar bolas. Conquistou a Recopa Sudamericana, chegou na Europa, no Werder da Alemanha, e voltou em casa, voltou na Gávea em 1996.

    A volta no Flamengo não foi ideal, com derrota 4×1 contra o Vasco de Edmundo. Mas no seu 4o jogo, já voltava a fazer um gol com o Manto Sagrado, contra Colo-Colo na Supercopa Libertadores. Também fez um gol, com passe de Romário, na goleada 7×0 contra Madureira, um jogo que ainda devo eternizar aqui. O ano de 1997 novamente foi muito bom para Júnior Baiano, com 10 gols no Flamengo. Dos 10 gols, 3 foram de pênalti, outros três de falta, assim qualquer um chamando Júnior Baiano de perna de pau parece ou louco ou burro, e ainda teve dois gols com passe de Romário. Como capitão, Júnior Baiano levou uma taça, a Copa dos Campeões Mundiais contra São Paulo e foi eleito no time ideal do Brasileirão pelo Placar. Também em 1997, estreou na Seleção brasileira, contra a Correia do Sul. Poderia ter começado antes, mas era um época de muitos craques e concorrência na Seleção, até na zaga. Três dias depois do primeiro hino, Júnior Baiano já fazia um gol com a amarelinha, de cabeça contra o Japão. No final do ano, esquecendo de mais uma eliminação no Brasileirão contra o Vasco de Edmundo, conquistou a Copa das Confederações, fazendo um golaço contra o México.

    Júnior Baiano ainda fez alguns jogos com Flamengo em 1998, sem fazer gols, e disputou a Copa do Mundo na minha França. Ficou marcado por cometer um pênalti contra a Noruega, aliás um pênalti muito severo, talvez até inexistente. Fez seu último jogo com o Brasil na final contra a França e em seguida assinou com Palmeiras, onde conquistou a Copa Mercosul em 1998. Mais importante, no ano seguinte conquistou a Copa Libertadores, mais impressionante, foi o artilheiro do Palmeiras durante o torneio, apenas a um gol de ser o artilheiro geral da competição. E fez seu último jogo no Verdão no final de 1999, um jogo eterno aqui, quando Flamengo levou a Copa Mercosul. Com a saída da Parmalat, Palmeiras tinha que vender, Júnior Baiano até esperou uma proposta de Flamengo que não chegou e cedeu as chamadas de Romário e Edmundo para assinar com o Vasco, onde conquistou a Copa Mercosul (sua terceira final consecutiva) e o Brasileirão.

    Passou pela China e pelo Internacional, voltou mais uma vez no Flamengo, em 2004, 16 anos depois da estreia. Confesso que gosto muito quando os ídolos de outras épocas voltam a vestir o Manto Sagrado em fim de carreira, apesar de hoje parece ser mais difícil acontecer, até pelo momento do Flamengo e falta de ídolos na metade da década de 2010. Já no seu primeiro jogo na volta no Flamengo, Júnior Baiano voltou a fazer um gol, contra o CFZ, time fundado pelo próprio Zico. Júnior Baiano conquistou o campeonato carioca e fez 5 gols no Brasileirão 2004, os mais bonitos um chute sem ângulo contra Grêmio e um gol de falta contra Guarani. Mas o campeonato foi difícil e Flamengo fechou num vergonhoso 17o lugar.

    Em 2005, o zagueiro-artilheiro virou famoso para os gols contra, até bonitos mas na meta errada, durante o Brasileirão, contra São Paulo e Vasco. Fez seus últimos gols pelo Flamengo contra Juventude, seu único doblete no Mengão e fez seu último jogo com o Manto Sagrado em outubro de 2005, numa derrota 2×1 contra Vasco, 2005 também foi um ano difícil para Flamengo. No jogo contra Vasco, tinha jogadores como Léo Moura, Diego Souza e Obina. Isso mostra a longevidade de Júnior Baiano, que começou a carreira jogando ao lado de Leandro, Júnior e Zico. No total, 337 jogos com o Manto Sagrado e 32 gols, o que ainda lhe vale, ao lado do Juan, a honra de ser o maior zagueiro-artilheiro da história do Flamengo.

    Para fechar, deixo a participação do Júnior Baiano na Resenha do Galinho, com o maior de todos, Zico.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”