Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #107: Flamengo 2×0 Boca Juniors 1981

    Jogos eternos #107: Flamengo 2×0 Boca Juniors 1981

    Hoje, a Seleção brasileira joga contra o maior rival, a Argentina, no maior estádio do mundo, o Maracanã. Fora a final da Copa América de 2021, a última vez que a Seleção programou um jogo contra a Argentina no Maracanã foi um amistoso em 1998. Para essa volta nos tempos antigos, vamos relembrar um jogo entre, para mim, o maior do Brasil, Flamengo, e o maior da Argentina, Boca Juniors, um amistoso de 1981 no Maracanã.

    O ano de 1981 foi histórico, o maior da história do Flamengo, com 3 títulos em 3 semanas, a Libertadores, o carioca, o Mundial. Porém, o clube vivia dificuldades, principalmente financeiras, e a renovação do contrato de Zico estava em risco. Para ter recursos financeiros, Flamengo organizou um amistoso de prestígio, contra o Boca Juniors de Diego Maradona. O jogo foi batizado “O desafio da camisa 10”, não precisa de explicações, e teve um troféu em jogo, a chamada “Taça da Raça”. Era o quarto jogo do Flamengo em apenas 8 dias e Zico precisava de descansar. Mas a presença dele em campo, como a do Maradona, era obrigatória pelo contrato assinado do amistoso.

    Assim, no 15 de setembro de 1981, Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Carlos Alberto, Leandro, Mozer, Júnior; Andrade, Paulo César Carpegiani, Zico; Tita, Baroninho, Nunes. Detalhe para a presença do técnico Carpegiani no meio de campo, que voltou a jogar alguns meses depois de pendurar as chuteiras, jogo também serviu de despedida dele. Primeiro sucesso do dia, o público, mesmo com o jogo retransmitido na televisão, quase 65 mil pessoas foram no Maracanã. Primeiro show do jogo, foi antes mesmo do jogo, com Maradona fazendo embaixadinhas com uma bola de papel no meio do campo.

    Flamengo dominou o início de jogo, e Boca reagiu com um chute de fora da área de Maradona, sem problema para Raul. No segundo tempo, com um cruzamento de Nunes vindo da direita, Zico abriu o placar apesar da forte marcação argentina. Na comemoração, Zico, de camisa rasgada, de pé-coxinho por causa de uma pancada, foi até Nunes para agradecer o bom passe. E 15 minutos depois, Flamengo fez o segundo do jogo, agora com passe de Tita, sempre com finalização de Zico, que ganhou o cara a cara com o goleiro Gatti. No final, Flamengo 2×0 Boca, Zico 2×0 Maradona, e uma renda de 22 milhões de cruzeiros, que permitiu a renovação de Zico. Uma noite perfeita no Maracanã.

    Para fechar, deixo a publicação no Twitter, ou X, de Flamengo, quando o jogo completou 42 anos no 15 de setembro de 2023: “Zico x Maradona no Maracanã. Flamengo x Boca Juniors. Um grande encontro do futebol mundial na despedida de Carpegiani como jogador. Resultado: Mengão 2 a 0, com dois gols do Galinho. Uma história que completa hoje 42 anos. Após a partida, Maradona perguntou para Zico quem era o jogador que o estava marcando, que não batia, não puxava a camisa e mesmo assim não o deixou jogar. Era Andrade. Zico enfrentou Maradona seis vezes (duas pelo Flamengo, duas pela Seleção Brasileira, uma pela Seleção do Mundo e uma pela Udinese). Venceu o argentino em cinco oportunidades e empatou uma. Marcou seis gols nestes jogos, já Maradona marcou duas vezes. Eles jogaram juntos apenas uma vez, no Jogo das Estrelas de 2005, no CFZ. Nesta partida, Zico deixou a 10 com Maradona”.

  • Ídolos #26: Adílio

    Ídolos #26: Adílio

    O time do Flamengo dos anos 1980 é a geração de ouro do clube, com vários ídolos, muitos craques, algumas pratas da casa. Com Andrade, Adílio e Zico, todos ídolos, craques e pratas da casa, Flamengo tinha o melhor meio de campo de sua história, e não foi só da história do clube, foi da história do futebol. Não troco esse meio de campo pelo o de Barcelona, Busquets – Xavi – Iniesta, ou do Real Madrid, Casemiro – Kroos – Modric. No meu coração, só o da Seleção de 1982, Toninho Cerezo – Falcão – Sócrates – Zico, pode competir. E mesmo assim, eu fico com o do Flamengo. Aliás, talvez foi justamente um Andrade ou um Adílio que faltaram a Seleção de 1982 para conquistar o tetra. Enfim, eu já escrevi as crônicas de Andrade e Zico no blog, vamos então com Adílio.

    Adílio de Oliveira Gonçalves nasceu no 15 de maio de 1956 no Rio de Janeiro. Como (quase) todo menino carioca dessa época, Adilio jogou futebol, muito futebol, e muito cedo. Jogou na rua, jogou na praia, jogou no salão. Foi descoberto por Dominguinhos, antigo atacante do Flamengo, na comunidade da Cruzada de São Sebastião, entre Ipanema e Leblon. Adílio chegou no Flamengo e reencontrou futuros ídolos do clube com quem jogava futsal, Júnior e Júlio César. Estreou com o time principal em 1975 com um amistoso contra Rio Branco, quando foi lançado pelo técnico Joubert, que trabalhava às vezes com a base, às vezes com o time profissional.

    O primeiro gol de Adílio com o Manto Sagrado chegou no final do ano de 1976 num amistoso contra Remo no Pará. Em 1978, Adílio era titular na decisão contra Vasco, que marca o início da geração de ouro, que conquistou tudo nos anos 1980. No campeonato, foi o terceiro artilheiro do Flamengo com 5 gols, bem atrás da dupla Zico – Cláudio Adão, com 19 gols para cada um. Em 1979, Andrade voltou ao Flamengo depois de fazer apenas um jogo em 1976, e Adílio seguiu como titular absoluto. Dos 73 jogos do tricampeonato carioca 1978 – 1979 – 1979 Especial, Adílio jogou 63 jogos, atrás apenas de dois ídolos, Júnior e Zico. Isso é suficiente para explicar a importância de Adílio no time. Mas para acrescentar, vale a pena dizer que Adílio tem um capítulo à parte no excelente livro Os 100 melhores jogadores brasileiros de todos os tempos, de André Kfouri e Paulo Vinícius Coelho: “No lendário meio de campo que deu ao Flamengo seus troféus mais valiosos, Adílio era o complemento, o parceiro de Zico. O jogador que mantinha o nível de preocupação da defesa adversária quando a bola não estava com Zico. O meia que garantia a qualidade de toque de bola de um dos times mais encantadores que o Brasil já teve”. Para acrescentar mais uma coisa, a Samba rubro-negro de 1955 de Roberto Silva que tinha “Rubens, Dequinha e Pavão”, de qual já falei na crônica sobre o Doutor Rúbis, virou, já em 1979, “o Mais Querido tem Zico, Adílio e Adão”.

    Adílio virou letra de samba, também virou um líder, um modelo, uma inspiração para os mais jovens, como Mozer, que estreou no Flamengo em 1980. Adílio até escreveu o prefácio da biografia de Mozer, escrita por José Maria Zuchelli. Na véspera dos jogos, Adílio corria uma hora na praia e ajudou muito Mozer, na parte física e mais. Explica Adílio: “Nessa época, eu fazia Educação Física na Universidade Castelo Branco, e lá eu fiz atletismo, o que fez com que melhorasse muito a minha velocidade e me deu uma qualidade muito boa. E eu dizia para ele que tinha de ter uma postura boa de corrida, e sempre ao final dos treinos nós dávamos dez piques, só tiros. Aquilo também melhorou bastante o potencial dele de velocidade, o ensinei a correr com a mão aberta, com isso ele pegou gosto e fazia tudo com perfeição, sem perturbar. Ele era muito curioso, queria saber tudo […] Nossa relação, tanto dentro que fora de campo sempre foi muito boa. Por isso, depois que nasceu o meu segundo filho, Adílio Júnior, eu o chamei para batizá-lo, e ele gostou muito. Então, fortaleceu ainda mais a nossa amizade, viramos compadres. Sempre fomos muito ligados, saíamos juntos, ele sempre ouvia meus conselhos como se fosse meu irmão mais novo. Conversávamos sobre futebol, sobre o nosso jogo, batíamos papo. Falava sobre as dificuldades que ele tinha, me perguntava, pedia conselhos e eu e eu o estava sempre orientando. O Flamengo, sempre nos orientou sobre como devíamos investir nossos salários”. Um craque, um mentor, um ídolo.

    Adílio chegou até a Seleção brasileira em 1979, quando foi lançado pelo seu próprio técnico no Flamengo, Cláudio Coutinho. Fez apenas um jogo, contra a Seleção baiana, e apesar de fazer parte da lista dos pré-convocados, não foi chamado para a Copa América 1979. Em 1980, ganhou seu primeiro Brasileirão, alternando a titularidade e o banco com outro ídolo, Paulo César Carpegiani. Com a aposentadoria de Carpegiani, Adílio talvez viveu em 1981 seu melhor ano como jogador do Flamengo. Já no final de um ano, ainda longe de acabar, teve o Jogo da Vingança, o 6×0 contra Botafogo, com um jogaço de Adílio. Uma assistência no primeiro gol, uma cabeçada para fazer o quarto gol, o pênalti obtido no quinto gol, Adílio ainda fez o cruzamento no gol do 6×0, o gol da vingança completa. Adílio jogou muito em 1981.

    Jogou muito e foi muito decisivo. No jogo de ida da final da Copa Libertadores, foi Adílio que fez a assistência para Zico abrir o placar. Lembra Adílio, no livro 1981, o ano rubro-negro, de Eduardo Monsanto: “A gente sempre trocava de posição. O Zico bem marcado, ele vinha aqui para trás fazendo a minha função e eu fazia a função dele. Daqui a pouco ele tocava para mim, eu arrumava um jeitinho de tocar para ele chegar em velocidade e fazer o gol. Eu dei aquela proteçãozinha de futebol de salão que a gente aprende quando é criança. Tirei dois zagueiros da jogada, ele bateu e fez o gol”. Flamengo venceu 2×1, mas no jogo de volta, no clima hostil e ditatorial de Santiago, Flamengo sofreu da violência do adversário e da cegueira do juiz. O zagueiro Mario Soto tinha uma pedra na mão e agredia os jogadores do Flamengo, abrindo o supercílio de Adílio, na frente dos olhos fechados do juiz uruguaio Ramón Barreto. De novo Adílio no livro de Monsanto: “ Era uma pedra grande, mais ou menos do tamanho de um limão. Quando ia bater o escanteio, a gente já via a pedra na mão dele. O Soto ameaçava todos nós com a pedra na mão. E o juiz vendo! O juiz olhando. Eu ia reclamar com ele, e ele dizia: ‘Revida!’ Ele queria que eu revidasse! Ele estava comprado, vamos dizer assim. A marca da pedra está aqui no meu supercílio até hoje. Tomei quatro pontos no intervalo do jogo”.

    No jogo-desempate, Adílio foi mais uma vez decisivo. No primeiro gol, Adílio acreditou na jogada, não desistiu e seu esforço combinado ao de Andrade permitiu ao Zico de estufar as redes. O meio de campo do Flamengo tinha técnica, tinha raça também, e a torcida do Flamengo estava inchada de amor, de alegria, de orgulho. No segundo gol, o esforço de Adílio forçou o goleiro Oscar Wirth a usar as mãos fora da grande área. Falta para Flamengo, o final você já sabe, gol de Zico. Com participação de Adílio nos dois gols, Flamengo conquistava um primeiro título em 1981, não o último.

    Quatro dias depois da conquista da América, Cláudio Coutinho, o técnico que idealizou o time do Flamengo e de férias no Rio de Janeiro, morreu afogado fazendo sua segunda paixão – a primeira sempre foi o Flamengo – a pesca submarina. O falecimento de Coutinho abalou o time, que perdeu os dois primeiros jogos da decisão do campeonato carioca contra Vasco, o segundo numa chuva que não ajudava um time tão técnico. Não são desculpinhas, são fatos explicativos. E no terceiro jogo, um domingo, acabou a chuva, Rio acordou com sol, pronto a adormecer com Flamengo campeão. Relembra Adílio: “O sol baixou no Maracanã, ficou bonitinho. Vai dar Flamengo! Quando jogamos no campo alagado, os jogadores do Vasco eram mais pesados, a gente, mais leve, nós sofremos ali. Mas quando o céu ficou limpinho, eu tive certeza que a gente ia bem”.

    E a gente foi bem, com o mesmo sistema desde o jogo de desempate da Libertadores, quando a lesão de Lico por causa da violência dos chilenos forçou o técnico Carpegiani a improvisar, como explica José Maria Zuchelli na sua biografia de Mozer: “Carpegiani, muito inteligente como sempre, colocou Ney para a lateral direita e puxou o Leandro para o meio de campo, e Adílio para ponta esquerda, por saber que ele era oriundo do futebol de salão e futebol de praia”. E Adílio foi muito bem, na frente de 169.989 presentes, olha o absurdo do número, abriu o placar do pé direito. Adílio fazia seu nono gol do campeonato e quase acabou com o jogo. Fala seu companheiro Ney: “O que o Adílio fez naquele jogo, eu nunca vi outro jogador fazer. O Adílio acabou com o Rosemiro! E olha que ele jogava contrariado na ponta-esquerda”. Flamengo conquistava mais um campeonato, mas faltava ainda o mais importante, faltava o Mundial.

    No aeroporto de Los Angeles, uma pequena vingança, com a presença do zagueiro chileno Mario Soto, que foi tanto na maldade durante a final da Copa Libertadores. Relembra Adílio: “ Eu fui seco nele. Falei: ‘Ó: tu só não vai levar uma pancada em respeito à sua esposa e aos seus filhos’. Ele ficou amarelo, ficou preto, ficou tudo. Ali eu lavei a minha alma! Se eu desse uma porrada nele, ia ficar até feio para mim. Aquela palavra ali foi o bastante. Uma hora você paga pelo que fez”. Dez anos depois, outro jogador do Cobreloa, pediu desculpas ao Adílio, que ele era o maior garçom de Zico e precisava ser neutralizado. Mostra também a importância de Adílio no time do Flamengo e a falta de recursos leais dos chilenos.

    Para o Mundial, Adílio teve de cortar a lua de mel para ir ao Japão, um sacrifício necessário, lógico, mas difícil. Em Tóquio, Flamengo botou os ingleses na roda. Com um bolão de Zico, Nunes abriu o placar. Ainda no primeiro tempo, numa falta de Zico mal defendida pelo goleiro – ou talvez bem defendida já que não tomar um gol de falta de Zico é uma façanha – Adílio chegou na bola e, com a ajuda da mulher na arquibancada, de Coutinho no céu, de todos os rubro-negros no mundo, fez o segundo do jogo. Na comemoração, Adílio manda beijos para a mulher, mas era toda a arquibancada rubro-negra que estava cheia de amor. Relembra Adílio, sempre no livro 1981, o ano rubro-negro, de Eduardo Monsanto : “Passou de tudo pela cabeça! Eu cheguei lá em lua de mel, a responsabilidade para mim era maior. Quando veio o gol, aí foi a realização, missão cumprida! Eu agradeci a Deus, era isso que o Coutinho queria que acontecesse. Foi uma causa bem espiritual. Claro que Coutinho estava com a gente! A toda hora, a todo momento. Era desejo dele; ele queria ver isso de perto”.

    Ainda no primeiro tempo, bola para Leandro, para Adílio, para Zico, para Nunes, para o fundo do gol dos arrogantes ingleses, 3 a 0 no Liverpool, ficou marcado na história. Para a eleição do melhor jogador da decisão, Zico conquistou 22 votos, contra 19 de Nunes. Mas Adílio foi um dos dois outros jogadores a ganhar um voto, outro foi o goleiro Raul, uma piada de bom gosto, que Raul quase nem tocou a bola durante todo o jogo. Esse voto para Adílio mostrou mais uma vez a importância de quem também era chamado de Brown, e que também conquistou a admiração do volante inglês Graeme Souness: “Como joga este negrinho, hein? Por que não está na seleção? É infernal. Parece que tem a bola presa com um ímã nos pés e, quando a solta, encontra sempre um companheiro desmarcado próximo de nossa área. Hoje, pelo menos, o achei melhor até que Zico”.

    Em 1982, Adílio finalmente voltou a jogar com a seleção brasileira, na verdade seu primeiro jogo oficial com a amarelinha, um amistoso contra a Alemanha Ocidental. E no Maracanã, Adílio fez a assistência do único gol da partida, aliás um golaço, uma tabelinha com Júnior com bola no ar, e em seguida, bola na gaveta de Harald Schumacher. Um mês depois, Flamengo ganhou mais uma vez o Brasileirão, conquistado no Olímpico contra Grêmio, um jogo já eternizado no francêsguista. Depois do jogo, Adílio explicou: “Merecemos esse título porque trabalhamos sério e fizemos tudo o que o Carpegiani pediu. As dificuldades foram muitas, mas mostramos que somos os melhores. Não são todos os times que decidem no campo do adversário e se tornam campeões”. No dia seguinte, Telê Santana anuncia sua lista de convocados para a Copa do Mundo. Ao lado dos nomes flamenguistas certos, como Zico, Leandro e Júnior, Adílio era um nome esperado, talvez até lógico apesar de tantos craques no meio de campo nessa época. Mas Adílio ficou em casa e quem foi chamado foi o gremista Batista. Uma pena.

    Adílio continuou a fazer o que sabia fazer, reinar no meio de campo do Flamengo, conquistar títulos, fazer lances decisivos. Nas quartas de final do Brasileirão 1983 contra Vasco, outro jogo eterno desse blog, Adílio que quebrou a defesa do Vasco no final do jogo e fez a assistência para o gol fácil de Zico. Na final, o último jogo de Deus antes da saída para a Itália, Flamengo enfrentou o Santos dos craques Pita e Paulo Isidoro. Mas Flamengo tinha ainda mais craques, um deles, Adílio. No seu livro 20 jogos do Flamengo, Marcos Eduardo Neves escreveu: “Vice do Brasileiro tanto em 1980 quanto em 1982, o santista Paulo Isidoro sentiu que vinha chumbo grosso pela frente. Até porque Adílio dava show. Na primeira que recebeu, o camisa 8 gingou para a esquerda e comeu Joãozinho pela direita. Na jogada seguinte, ameaçou driblar para o fundo e cortou Toninho Oliveira para o meio, estalando-o no chão”. Zico, maior ídolo, fez o primeiro gol do jogo, Leandro, segundo maior ídolo, fez o segundo gol, e Adílio, de novo, foi decisivo no final do jogo, de cabeça, fez o terceiro gol do jogo para o terceiro título brasileiro do Flamengo. “No cruzamento certeiro, Adílio mergulhou bonito. Foi o peixinho da consagração. Ninguém merecia mais do que ele tamanha emoção. Onipresente, Adílio teve uma atuação heroica. Na véspera, seu sogro cortou-lhe o cabelo – pressentia que marcaria de cabeça. Acertou. Aos 44 do segundo tempo, o meia cravou o mais celebrado de seus 129 gols pelo Rubro-Negro” continua Marcos Eduardo Neves. Talvez, não por causa só desse gol mas também por causa das várias jogadas de craque, a final contra Santos foi o maior jogo de Adílio com o Manto Sagrado. Opina o próprio Adílio: “Quando vi a bola entrando na rede, na minha cabeça veio a imagem do meu filho. Senti um nó na garganta e fiquei emocionado. Felizmente deu tudo certo. Acho que foi a minha melhor atuação neste campeonato. Não vou dizer que foi a melhor do Flamengo, mas sei que estive bem. Estou certo disso”. De novo, Adílio foi o terceiro artilheiro do Flamengo no campeonato, com 8 gols em 21 jogos.

    Depois, Flamengo sentiu a saída do maior ídolo, ganhou menos títulos em 1984 e 1985, Adílio sentiu algumas lesões em 1986 e 1987 e o sonho de se aposentar com a camisa do Flamengo não foi possível. Adílio foi emprestado ao Coritiba em 1987, perdendo a oportunidade de um tetracampeonato pessoal. Adílio ainda jogou no Barcelona de Guayaquil, onde tinha tanta confiança da diretoria que conseguiu indicar o futuro treinador, Edu Coimbra, o irmão de Zico. Adílio voltou ao Brasil onde jogou em clubes pequenos do Rio de Janeiro, e voltou a formar o trio de ouro do meio de campo rubro-negro por um jogo, na despedida de Zico em 1990. Durante o jogo, cedeu seu lugar para Aílton, que também jogou muito no Flamengo, mas muito menos que Adílio.

    Adílio jogou muito no Flamengo, em nível e em números. Com o Manto Sagrado, foram 617 jogos, o terceiro total atrás apenas de dois ídolos da mesma geração, Júnior e Zico. Foram também 129 gols e 377 vitórias, mais de 60% dos jogos disputados com Flamengo. Isso sem contar os jogos com o Flamengo Master, projeto de quem Adílio é um dos maiores incentivadores. Em 2022, tive o prazer de encontrar Adílio na sede do Flamengo, e o que me chamou atenção era a discrição e simplicidade dele, e também a forma física que tinha, parecia muito mais jovem dos 66 anos que ele tinha. Adílio foi um craque, no campo, fora de campo, e também nas quadras de futsal, esporte que eu amo muito. Em 1989, conquistou a Copa do Mundo de futebol de salão, fazendo gol contra o Paraguai e a Argentina. Ainda hoje, Adílio é o único jogador a ter atuado pela Seleção de futebol e de futsal. Teria merecido ser campeão do mundo com as duas seleções. O que ele foi, e sempre será, é um dos maiores ídolos da história do Flamengo.

  • Jogos eternos #106: Junior Barranquilla 0x2 Flamengo 2017

    Jogos eternos #106: Junior Barranquilla 0x2 Flamengo 2017

    Hoje, a Seleção brasileira joga na Colômbia, no estádio Metropolitano Barranquilla. Para o jogo eterno do dia, um outro jogo no Metropolitano, entre Flamengo e o time da casa, Junior Barranquilla, na Copa Sudamericana 2017.

    Já falei que eu queria muito esse título da Copa Sudamericana 2017. Porque fazia muito tempo que Flamengo não tinha levado um título internacional, apesar de se aproximar disso, ainda não tinha conquistado. E principalmente porque eu tinha assisto aos dois jogos das quartas de final, os dois Fla-Flus, e um 3×3 inesquecível na volta, um jogo já eternizado no francêsguista. Faltava dois adversários, o primeiro, Junior Baranquilla, que viu passar no seu time, por apenas um jogo em 1968, um dos maiores jogadores da história, Garrincha.

    Na ida, no Maraca, Flamengo ganhou de virada no segundo tempo, depois do primeiro gol do atacante da seleção colombiana, Teófilo Gutiérrez. Na volta no Metropolitano Barranquilla, tudo era possível e o também colombiano, Reinaldo Rueda, escalou Flamengo assim: César; Pará, Juan, Rhodolfo, Trauco; Willian Arão, Cuéllar, Diego; Éverton Ribeiro, Lucas Paquetá, Felipe Vizeu. Um time bem equilibrado, com jovens jogadores, com jogadores experientes e alguns gringos, como mais um colombiano, Cuéllar, um jogador de raça e técnica. Tinha um outro gringo que não podia jogar, Paolo Guerrero, suspenso provisoriamente pela FIFA depois um teste positivo no antidoping. Paolo Guerrero foi suspenso até 14 meses, faltou a reta final do ano 2017, mas depois a suspensão foi anulada, já em 2018. Enfim, com sua ausência, centroavante titular foi Felipe Vizeu.

    No Metropolitano, vamos diretamente para o início do segundo tempo, com Felipe Vizeu que, ainda na parte do campo do Flamengo, fez um drible de vaca, meio sem querer. Depois, foi só a vontade de Felipe Vizeu, que acelerou na esquerda, olhou para Éverton Ribeiro no meio, continuou com a bola, ainda acelerou, entrou na grande área e chutou de pé esquerdo com categoria, para fazer o primeiro gol do jogo, para deixar Flamengo perto da final.

    Flamengo se fechou na defesa e o jogo virou dramático com 41 minutos no segundo tempo, quando o juiz Roberto Tobar assinalou um pênalti duvidoso para o time colombiano. Na marca de pênalti, Yimmi Chará, outro jogador internacional da Colômbia. No gol do Flamengo, César, prata da casa, que estreou como profissional em 2013, mas sempre foi reserva. Depois de dois empréstimos na Ponta Preta e Ferroviária, César voltou ao Flamengo em fevereiro de 2017, mas sequer fez um jogo, com Diego Alves titular absoluto. E quando Diego Alves se lesionou na ida contra Barranquilla, foi Alex Muralha que entrou no jogo. E Alex Muralha tomou um gol apenas um minuto depois de sua entrada em campo, acabando de vez com a confiança da torcida flamenguista, e até do Reinaldo Rueda, que escalou César na volta.

    E César, que já tinha feito algumas defesas durante o jogo, a maior um cara a cara onde impediu o gol de Teó Gutiérrez, saiu do lado certo, defendeu o pênalti, fez a alegria do torcedor rubro-negro em todos os cantos do Brasil, em todas as partes do mundo. César o herói improvável da defesa, que fez mais uma defesa no minuto seguinte num lance de Chará, que chutou forte, que chutou nas luvas de César. E tinha mais um herói improvável, lá no ataque. Nos acréscimos, um falta jogada rapidamente pelo Diego, para Rodinei na direita, que cruzou no chão. Primeiro a chegar foi o herói improvável Felipe Vizeu, bola nas redes, silêncio no Metropolitano, doblete para Vizeu. Flamengo, finalmente, estava de novo numa final continental. O final foi infeliz e Flamengo teve que esperar ainda mais para conhecer de novo a maior glória. Mesmo assim, o caminho para a final de 2017 foi histórico e deu muitas alegrias ao torcedor do Flamengo.

  • Jogos eternos #105: Flamengo 2×0 Fluminense 2009

    Jogos eternos #105: Flamengo 2×0 Fluminense 2009

    Eu já escrevi numa crônica anterior que o Brasileirão de 2023 estava perdido para o Flamengo. Mas escrevi isso no frio da derrota, e agora, no calor da vitória, ainda quero acreditar ao título. Até porque tem um precedente, um Brasileirão que parecia muito perdido, uma época em que já sonhar para a classificação na Libertadores era sonhar alto. Mas Flamengo é maior que os sonhos mais altos.

    Em 2009, depois dos dois terços do campeonato, Flamengo estava na oitava colocação, 12 pontos a menos do que o líder, Palmeiras. Era impossível acreditar ao título, menos para quem queria acreditar, para quem tinha fé e amor pelo Flamengo. Depois do empate 0x0 contra o Internacional, Flamengo afrontava Fluminense, que também conheceu um milagre este ano, se salvando do rebaixamento apesar de apenas 2% de chance de permanecer na Série A num momento do campeonato.

    No 4 de outubro de 2009, o técnico e ídolo Andrade escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, David Braz, Ronaldo Angelim, Éverton; Airton, Maldonado, Petkovic; Zé Roberto, Dênis Marques, Adriano. Do lado do Fluminense, Darío Conca no campo e Cuca no banco, Cuca que começou o Brasileirão 2009 com o próprio Flamengo e foi demitido depois de 14 jogos, deixando o Flamengo na 11a colocação, muito longe do título.

    Para o Fla-Flu, um Maracanã cheio, 78.409 pagantes, um recorde no ano que só seria ultrapassado nos dois últimos jogos do Flamengo no campeonato, e 82.566 presentes. Um Maracanã, já sem geral, mais ainda antigo, pronto a vibrar, a explodir, com o gol do Flamengo, com a grande atuação de um craque, de um ídolo. E o Maracanã começou a vibrar com apenas 4 minutos de jogo e um lance perigoso de Zé Roberto, que jogou muito nesse final do Brasileirão, mas o goleiro Rafael fez a defesa. Adriano também chutou no gol, mas Rafael defendeu de novo. Primeiro tempo foi animado, com lances dos dois lados, mas nada de gol. No intervalo, 0x0.

    E o Maracanã vibrou no início do segundo tempo, com uma dupla de ídolos, que brilhou muito no início da década e, a torcida ainda não sabia, ia brilhar ainda mais nesse Brasileirão. Petkovic com um tapa de qualidade bem ao seu estilo para Adriano, que dominou já na direção do gol. Adriano chutou de pé direito e Rafael defendeu mais uma vez. No momento, ainda 0x0. Alguns minutos depois, no campo de Fluminense, Zé Roberto derrubou a bola nos pés de Fabinho, partiu para o ataque, deixou para Adriano. Nosso Didico fez uma finta de corpo e esperou o momento certo para fazer o drible e abrir o ângulo no pé esquerdo. O Imperador chutou entre as pernas de Fabinho sim, de Luiz Alberto também, fez o gol. O Maracanã explodiu, 1×0 no Fla-Flu.

    E doze minutos depois, num lançamento aéreo de Léo Moura, Adriano recebeu sozinho na grande área. Dominou perfeitamente e esperou um pouco, só o tempo de o goleiro perder um pouco de seu equilíbrio. Adriano chutou de pé direito, fez seu segundo do jogo, seu décimo quinto do campeonato, deixando para trás os agora ex-artilheiros Diego Tardelli e Jonas. O Maracanã em festa, 2×0 para Fla.

    No final, 2×0 para Flu num Maraca cheio de alegria, nosso Didico fazia aqui uma das atuações mais brilhantes de um jogador no Fla-Flu, o clássico mais charmoso de Rio, um clássico que viu desfilar alguns dos maiores craques do futebol. Adriano decidia quase sozinho o Fla-Flu e Flamengo podia sonhar com uma classificação na Libertadores. Mas, a torcida ainda não sabia, Flamengo ia fazer ainda mais.

  • Jogos eternos #104: Flamengo 6×2 Palmeiras 1980

    Jogos eternos #104: Flamengo 6×2 Palmeiras 1980

    Em 1980, Flamengo vinha de um tricampeonato carioca 1978-1979-1979 Especial, mas também vinha de uma decepção no Brasileirão com uma eliminação nas quartas de final contra Palmeiras. No 9 de dezembro de 1979, Flamengo foi goleado 4×1 pelo Palmeiras na frente de mais de cem mil pessoas no Maracanã e teve que esperar mais um ano para ser enfim o campeão brasileiro.

    Na verdade, menos de um ano, porque teve uma mudança do calendário e o ano 1980 começou com o Brasileirão e não mais o campeonato estadual. No 24 de fevereiro de 1980, Flamengo estreou no Brasileirão com vitória 1×0 sobre Santos, gol de Zico. Em seguida, venceu o Internacional, de novo 1×0, de novo com gol de Deus, um jogo eterno no francêsguista. Depois, Fla perdeu contra Botafogo de Paraíba, a única derrota do Flamengo nos 9 jogos da primeira fase. Flamengo fechou o grupo na segunda colocação e se classificou para a segunda fase, num grupo de quatro times, com outro carioca, Bangu, e também Santa Cruz e Palmeiras.

    No grupo J, Flamengo estreou com empate 0x0 contra Santa Cruz, e Palmeiras perdeu em casa 3×2 contra Bangu. Mas os dois favoritos eram bem Flamengo e Palmeiras e se reencontravam para uma vingança do Brasileirão 1979, quatro meses antes. No 13 de abril de 1980, Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Raul; Toninho Baiano, Rondinelli, Marinho, Júnior; Andrade, Paulo César Carpegiani, Zico; Tita, Júlio César, Nunes. Do lado de Palmeiras, mesmo sem o técnico Telê Santana, agora na Seleção, e o craque Jorge Mendonça, agora no Vasco, ainda tinha um time poderoso e grandes jogadores, como Beto Fuscão, Mococa e Baroninho, que seria emprestado ao Flamengo no ano seguinte.

    Com 70.389 pagantes no Maracanã, Flamengo abriu o placar no primeiro tempo com um cruzamento vindo da esquerda de Júlio César, o goleiro Gilmar falhou, Tita cabeceou e fez o primeiro gol do dia, não o último. O segundo gol também começou dos pés de Júlio César, que achou na esquerda o ambidestro Júnior, que cortou no meio e achou a falta muito perto da área, quase um pênalti. E para Zico, uma falta perto da grande área é quase um pênalti sim. Três passos, uma curva de estrela, uma bola na gaveta, mais um golaço de Zico pelo Mengo.

    E Zico fez ainda mais, agora no segundo tempo, com uma dupla tabelinha com Tita para invadir a grande área, conseguir o pênalti. Com força, com precisão, com categoria, Zico fez o segundo dele, o terceiro do jogo, desenhava a goleada. Zico pediu para sair por causa de uma lesão e vale a pena destacar a atitude de Gilmar, que jogou diretamente a bola na lateral para fazer a substituição. Tita passou a organizar o time mas o quarto gol chegou numa jogada de laterais, Júnior achou um passe sensacional na grande área para Toninho Baiano, que chegou em velocidade e soltou a bomba para queimar as redes do Palmeiras.

    E Flamengo tinha ainda mais nos cofres, com mais um gol, típico do Flamengo dessa época, o maior e mais brilhante de todos. Carpegiani de trivela para Tita, que devolveu para Carpegiani com um toque só. Carpegiani, agora na grande área, esperou dois defensores chegar para fazer o toque leve de cobertura, de novo para Tita, que dominou de joelho e, sem deixar a bola cair, mandou a bola nas redes para fazer o quinto gol do dia, o terceiro golaço do jogo.

    Palmeiras finalmente conseguiu reagir e voltou a 5×1, depois 5×2, com pênalti de Baroninho e gol de Mococa. No finalzinho, mais uma jogada com DNA do Flamengo 1978-1983 e participação dos jogadores que saíram do banco. Júnior abriu o espaço do outro lado para Toninho Baiano, que avançou de 30 metros para Adílio, que devolveu para Toninho Baiano, que achou na direita para Reinaldo, que tinha substituído Zico. Reinaldo cruzou alto, Nunes dominou de barriga, chutou e decretou o placar final, Flamengo 6×2 Palmeiras. Era a goleada flamenguista, a vingança de 1979 e mais um passo para o título inédito do Brasileirão, que veio um mês e meio depois.

    Para fechar, deixo a palavra para o maior de todos, Zico, que volta no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia, sobre o 1×4 de 1979 e o 6×2 de 1980: “Na realidade, foi um jogo equilibrado, não foi um domínio tão grande quanto sugere o placar, porque os dois últimos gols deles, o terceiro e o quarto, saíram no finzinho da partida, depois que o Beijoca arrumou lá uma confusão. Mas o fato é que o Telê acabou indo para a Seleção Brasileira por causa daquele jogo. Aí no ano seguinte veio o jogo do 6 a 2. Eu só joguei o primeiro tempo. No início do segundo tempo marquei um gol e tive um problema muscular. Quando saí estava 3 a 0. Acho que vingança é mais papo de torcedor, mas lembro que no 4 a 1 o centroavante deles, o Carlos Alberto Seixas, fez lá uma gracinha de dançar, e isso mexe com quem está no jogo. Você quer devolver a goleada e dizer – vai lá dançar agora… Às vezes você mete cinco ou seis e não acontece nada, é do jogo. Tanto que quando o time estava ganhando de goleada, eu mesmo chamava a atenção do companheiro que quisesse fazer alguma coisa. Eu não deixava não. Eu falava: ‘Vamos meter nove, dez, mas nada de driblinho, ficar passando pé por cima da bola, porque depois quem leva porrada somos nós mesmos’. É claro que se a jogada tem um objetivo aí vale tudo. O próprio Garrincha fazia o diabo e se você bobeasse ele ia embora, até dentro do gol”.

  • Jogos eternos #103: Fortaleza 0x3 Flamengo 2011

    Jogos eternos #103: Fortaleza 0x3 Flamengo 2011

    Já que o Brasileirão está perdido para o Flamengo, para variar, um jogo eterno contra o adversário do dia, mas na Copa do Brasil. A edição de 2011 foi a anteúltima sem a presença dos times classificados na Libertadores. Flamengo fechou o Brasileirão de 2010 na 14a colocação e estreou na Copa do Brasil de 2011 já na primeira fase.

    Outra regra da Copa do Brasil da época, era que se no jogo de ida tinha uma vitória de mais de 2 gols de diferença, não precisava do jogo de volta e o vencedor passava diretamente na próxima fase. Foi o caso para Flamengo na primeira fase, quando derrotou Murici, time alagoano, com três gols no segundo tempo, de Ronaldinho, Renato Abreu e Negueba.

    O adversário na segunda fase era Fortaleza, time tradicional mas que na época jogava na Série C. O Flamengo por sua vez ainda era invicto no ano e vinha de um empate 0x0 no Fla-Flu. No 16 de março de 2011, Vanderlei Luxemburgo escalou Flamengo assim: Felipe; Léo Moura, Welinton, David Braz, Egídio; Maldonado, Willians, Renato Abreu; Thiago Neves, Ronaldinho, Wanderley.

    No Castelão, com 20 minutos, Flamengo teve um primeiro lance de perigo. Jogada começou com um lateral de Ronaldinho para Renato Abreu, que usou o jogo físico para guardar a bola e a devolver para Ronaldinho Gaúcho, na esquerda. O Bruxou, com a categoria dele, achou Thiago Neves na grande área, que girou e fez o passe atrás para completar a triangulação com a chegada de Renato Abreu. Com uma bomba do pé direito – sim, direito – Renato Abreu achou a gaveta do goleiro e abriu o placar.

    Com uma hora de jogo, Léo Moura cruzou na direita, o goleiro Fabiano e o centroavante Wanderley brigaram pela bola, que passou na frente de todo mundo e caiu nos pés de Ronaldinho. A bruxaria começou, Ronaldinho fez um belo cruzamento para Thiago Neves, que tentou o gesto acrobático. Thiago Neves errou um pouco na realização, mas o chute se transformou em passe para Wanderley, sozinho na segunda trave, que fez o segundo gol, de cabeça.

    No final do jogo, mais um gol do Flamengo, Bottinelli para Ronaldinho, que fez o toque leve de trivela antes da chegada do zagueiro. Diego Maurício, que tinha acabado de entrar no lugar de Thiago Neves, girou sem tocar a bola para se livrar do último zagueiro, e chutou rasteiro para estufar as redes. Flamengo vencia 3×0 e evitou mais uma vez o jogo de volta. Nas oitavas de final, passou de outro cearense, Horizonte, 1×1 na ida e 3×0 na volta. Depois de conquistar o campeonato carioca de forma invicta, Flamengo conheceu a primeira derrota do ano nas quartas de final da Copa do Brasil, contra mais um time cearense, Ceará. O 2×2 na volta foi insuficiente e Flamengo foi eliminado da Copa do Brasil, finalmente conquistada pelo Vasco. Uma competição para esquecer, mas não é a única.

  • Jogos eternos #102: Flamengo 0x0 Santos 2013

    Jogos eternos #102: Flamengo 0x0 Santos 2013

    Um jogo entre Flamengo e Santos no Mané Garrincha traz imediatamente a lembrança do jogo de 2013, o último de Neymar no Brasil. Sempre gostei de acompanhar as promessas já no Brasil e Neymar foi um dos maiores jogadores que eu vi no Brasil. Já quando ele começou, em 2009 com apenas 17 anos, era um jogador diferente, um craque.

    Depois, o menino cresceu, adorei acompanhar o Santos de 2010, um dos melhores times que eu vi no Brasil. O ano de 2011 foi o ano da confirmação e da revelação para o mundo, com a conquista da Copa Libertadores. Já era um dos maiores nomes da Seleção, já era pronto para a Europa, mas ficou no Brasil, quebrou alguns recordes em 2012 e fez show a quase cada jogo. Na Europa em geral e na França em particular, o nome de Neymar já era recurrente e o menino tinha muitos haters. Pessoas achavam que ele era arrogante, era polêmico, pode ser, mas achavam que driblar no Brasil era fácil, queriam ver na Europa contra bons defensores, como se não tinha no Brasil, achavam que ele ia ser flop, que não jogava nada. Mais de 10 anos depois, ainda fico chateado com tantas criticas, às vezes sem nenhum sentido.

    Gostei de ver tanto tempo Neymar no Brasil, 5 temporadas quando agora o craque ou o meio craque sai depois de uma, ou duas no máximo. Melhor ainda, o último jogo de Neymar era contra meu Flamengo. No 26 de maio de 2013, para a estreia do Brasileirão, Jorginho escalou Flamengo assim: Felipe; Léo Moura, Renato Santos, Marcos González, Ramon; Luiz Antônio, Elias, Renato Abreu; Gabriel, Rafinha, Hernane. Apesar da presença de ídolos da época, como Léo Moura, Elias e Renato Abreu, é impressionante de ver como Flamengo mudou em dez anos.

    No estádio Mané Garrincha, primeiro momento de emoção foi na execução do hino nacional, quando Neymar não segurou as lágrimas. No primeiro tempo, Flamengo dominou, mas nem Gabriel camisa 10, olha como o Flamengo mudou, nem Luiz Antônio conseguiram fazer o gol. Elias, Léo Moura e Marcos González conseguiram marcar bem Neymar, que pouco fez para seu último jogo com o Peixe.

    E o último jogo de Neymar virou o primeiro jogo de um dos meus outros ídolos no futebol, Gabigol, que entrou no meio do segundo tempo para seu primeiro jogo profissional, com apenas 16 anos. Gabigol tinha quebrado alguns recordes de Neymar na base do Santos e era a próxima joia do futebol brasileiro, talvez mundial. Dos jogadores que eu vi estrear profissionalmente, Neymar e Gabigol estão no meu top 3, com primeiro lugar para Vinícius Jr.

    No jogo, Felipe defendeu uma cobrança de falta de Neymar e Durval salvou uma bola em cima da linha depois de um chute de cobertura de Gabriel. Flamengo continuou a dominar, mas parou nas mãos do goleiro Rafael. O jogo ficou no 0x0 e está então marcado por ser o último de Neymar e o primeiro de Gabigol, dois ídolos. Sempre torci pelo sucesso dele e as decepções foram inumerosas. As Copas do Mundo para Neymar, as lesões, as polêmicas. Neymar fez uma grande carreira, mas abaixa do seu potencial. Dez anos depois, me decepcionou com a escolha de ir na Arábia Saudita, como se precisava dinheiro. Acho que era possível ir num outro clube europeu, ou até voltar no Brasil. Ele já falou que queria um dia jogar no Flamengo e, apesar das decepções, espero que essa dia vai acontecer.

    Gabigol já não precisa esperar para ele um dia jogar no Flamengo. Depois de duas decepções na Europa e uma volta convincente no Santos em 2018, assinou com o Flamengo em 2019 e deu inumerosas alegrias, com gols, títulos e polêmicas contra rivais. Se inscreveu na galeria dos ídolos do Flamengo e na minha galeria particular, junto com o Neymar, junto com muitos outros. Dez anos depois do jogo em Brasília, Gabigol também decepcionou com uma temporada muito abaixa das esperanças. Até hoje, fez apenas 5 gols no Brasileirão de 2023. Mas ainda torço para uma recuperação do Gabigol, como torço para a do Neymar que conheceu a lesão mais grave da carreira, ainda defendo a renovação do contrato do Gabigol, ainda acho que ele pode trazer muitas alegrias a Nação. Afinal, Neymar e Gabigol, um dia santistas, um dia flamenguistas, são meus ídolos.

  • Ídolos #25: Rubens

    Ídolos #25: Rubens

    Hoje a crônica é sobre um dos maiores ídolos do Flamengo, a prova de que Flamengo não nasceu nos anos 1980, muito menos em 2019, nasceu como remo em 1895, como futebol em 1911 e sempre teve grandes ídolos, sempre foi uma Nação. No início dos anos 1950, o maior ídolo era certamente Rubens, o Doutor Rúbis.

    Rubens Josué da Costa nasceu em São Paulo no 24 de novembro de 1928. Aos 14 anos, foi jogar no Ypiranga em São Paulo, terra de ídolos brasileiros como o artilheiro Friedenreich e o goleiro Barbosa, também terra do grito de Ipiranga de Pedro I, que marca a independência do Brasil. Escreve Roberto Sander no livro Os dez mais do Flamengo: “Rubens era um negro de pelé bem escura, dentes alvíssimos, tórax de estivador e pernas que pareciam duas toras de tão musculosas. Em 1943, aos 14 anos, chegou ao Ypiranga e logo, igual a D. Pedro, foi botando pra quebrar. O chute era um foguete: tinha potência e direção. O drible, impossível de ser contido, tinha malícia e picardia. E, para completar, tinha um passe que, de tão perfeito, parecia medido previamente por uma fita métrica. Com tudo isso, o sucesso era uma questão de tempo e, consequentemente, também a partida do velho e histórico Ipiranga”.

    Com a seleção paulista, Rubens se revelou no campeonato brasileiro de seleções de 1950 e já chamou o interesse do Flamengo. Mas quem levou o jogador foi a Portuguesa de São Paulo, que tinha um timaço na época com Djalma Santos, Brandãozinho, Pinga e Julinho Botelho, todos convocados para a Copa do Mundo de 1954. A Portuguesa escreveu a história do futebol brasileiro com uma excursão na Europa em 1951, onde levou a Fita Azul oferecida pela Gazeta Esportiva por ter ficado invicto nos 12 jogos entre Turquia, Espanha e Suécia. Mas Rubens se desentendeu com o técnico Osvaldo Brandão e finalmente chegou no Flamengo em setembro de 1951.

    O Flamengo não tinha conquistado o campeonato carioca desde 1944 e perdeu em 1950 o maior ídolo dos anos 1940, Zizinho, vendido num vacilação do presidente Dario de Melo Pinto, substituído logo depois pelo grande Gilberto Cardoso. Flamengo era órfão de seu maior ídolo, até a chegada de Rubens. Muitos torcedores rubro-negros assistiram ao primeiro treino do Rubens, como escreveu Roberto Sander: “O porte de atleta na juventude dos seus 22 anos, aliado a uma refina que se fazia botar assim que uma bola chegava a seus pés, fez com que os rubro-negros pressentissem que finalmente o luto pela perda de Zizinho chegaria ao fim”. Flamengo vinha de uma derrota 2×0, justamente contra o Bangu de Zizinho, e ia enfrentar Vasco com um jejum talvez até mais incomodante que a falta do título carioca desde 1944, este conquistado com uma vitória 1×0 contra Vasco, gol de Válido: esse jogo foi justamente a última vitória do Flamengo sobre Vasco no campeonato carioca! Depois, foram 10 derrotas, 2 empates e nenhuma vitória. Alguma coisa precisava mudar.

    E a escalação mudou, com Rubens já titularizado pelo Flávio Costa. E Rubens, com apenas 90 minutos com o Manto Sagrado, já virou ídolo da Nação. Foi o melhor em campo na vitória 2×1 para a alegria da maioria dos 120.485 presentes. No livro Grandes Jogos do Flamengo, da Fundação ao Hexa, escreveram Roberto Assaf e Roger Garcia: “Um tabu de pouco mais de sete anos estava finalmente encerado. A torcida rubro-negra deixou o Maracanã em êxtase, elegendo um novo herói, Rubens Josué da Costa, já chamado de ‘Doutor Rúbis’”. Também relembra o grande jornalista Luiz Mendes, que assistiu ao jogo: “O Rubens vinha da Portuguesa de Desportos cercado de muitas expectativas. E chegou realmente como uma grande esperança para o Flamengo. Ele jogava realmente um ótimo futebol. Eu era narrador da Rádio Globo, no Rio, e lembro que o Rubens fez uma partida espetacular […] Aliás, como acontece com frequência com o Flamengo, no dia seguinte ele começou a virar ídolo da massa. Pudera. Além de habilidoso, vez por outra marcava gols e ainda batia faltas com precisão. Nesse jogo, por exemplo, me recordo bem, mandou uma cobrança na trave. A torcida logo passou a chamá-lo de Doutor Rúbis. Doutor porque se dizia que era um sujeito diplomado em futebol. E Rúbis porque era mais fácil para o povão falar assim”.

    O Doutor Rúbis também caiu no gosto de seus companheiros, como o também ídolo Evaristo de Macedo: “Ele era um jogador incrível, um doutor mesmo em matéria de futebol. Suas qualidades eram inúmeras. Protegia a bola como ninguém, driblava fácil, lançava bem e tinha um chute de uma precisão fora do comum. Na posição deles na época, talvez nem o Didi fosse melhor, pois Rubens chegava mais na área para concluir. Era também um grande artilheiro. Acho que ele era até mais dinâmico que o Didi. Mas eram dois fenômenos”. E o grande Didi, um dos maiores nomes do futebol brasileiro, também gostava de Rubens: “Em Rubens, o que saltava aos olhos de imediato era a malícia. E a sua enorme habilidade. Primeiro, estudava a posição do goleiro. E aí tirava-o do lance, sempre chutando colocado. Lá no ângulo. Certa vez, presenciei o doutor Rubens fazer um gol inacreditável. A falta foi à altura da intermediária. Mas ele chutou calculadamente, por cima da barreira, com a bola descaindo por detrás do grande Barbosa. Incrível!”. E a admiração era recíproca, fala Rubens sobre Didi: “Fazer o que ele fazia, nunca conheci outro igual. Sei que ele gostava do meu jogo, admirava o meu jeito de cobrar faltas. Mas depois que descobriu a folha-seca, ninguém superou o Didi. Aquele vaivém que o chute fazia enlouquecia qualquer goleiro. Ou ele se arriscava, indo numa incerta; ou ficava parado, sem ação. O bom é que sempre fomos grandes amigos. A rivalidade era só na hora do jogo”.

    Em 1953, Flamengo começou bem o ano com o Torneio quadrangular da Argentina, também chamado de Troféu Juan Domingo Perón. Depois de dois empates contra San Lorenzo e Boca Juniors na Bombonera, Flamengo levou o título no Monumental com um 3×0 contra Botafogo, com 2 gols de Rubens, herói da partida. Ainda na Argentina, Flamengo mudou sua história contratando o técnico paraguaio Fleitas Solich, que levou ao mesmo tempo o primeiro campeonato sul-americano da história do Paraguai. Flamengo começou perfeitamente o campeonato carioca com 5 vitórias em 5 jogos, a última um 5×0 contra Bangu de Zizinho, com 2 gols de Rubens. “Não coube a Rubens a armação das jogadas pela vanguarda. Esse trabalho foi feito por Dequinha, que, visivelmente avançado, fazia o pivot de todo o jogo. Rubens, entrosando-se com o centro médio, jogava entre a linha média e a intermediária adversária, devendo ser citado como o jogador mais espetacular e positivo” escreveu o Jornal dos Sports. No jogo de volta contra Bangu, Rubens fez de novo 2 gols na goleada 7×2. Fez outro grande jogo contra São Cristóvão, com agora 3 gols, e não foi só isso, como escreveu o Jornal dos Sports: “Três tentos, só ele, e ainda mais: aparecendo em todos os lugares do ataque e da defesa. Comandando ações e dirigindo ações fulminantes, não permitindo que os companheiros parassem satisfeitos com o placar”.

    Rubens ainda fez o gol da vitória no Fla-Flu, para conquistar o segundo turno do campeonato carioca, um gol descrito de novo pelo Jornal dos Sports: “A intensa luta entre os dois grandes rivais do football da cidade, Fla e Flu, ganhava maior intensidade quando Rubens, recebendo o couro, manobrou rápido e, quando parecia que iria passar, ludibriou a todos desferindo uma ‘bomba’ que, passando por Pinheiro, Édson e Bigode e sob as vistas de Joel, foi aninhar-se nas redes, enquanto Veludo esticava-se na vã tentativa de praticar a defesa”. Ainda faltava o título do campeonato carioca, com uma última fase entre 6 times. E Flamengo foi mais uma vez perfeito, 5 jogos, 5 vitórias, inclusive o jogo do título contra Vasco, com mais uma goleada, agora sem gol de Rubens. Mas Dr. Rúbis fez o último gol do campeonato, o único do jogo contra Botafogo, uma perfeita falta no segundo tempo. Depois de 9 anos, Flamengo era enfim o campeonato da cidade, e Rubens o ídolo da Nação.

    No campeonato carioca de 1953, Rubens fez 17 gols em 24 jogos, um pouco menos do que seus companheiros Índio com 18 gols e Benítez, artilheiro do campeonato com 22 gols. Flamengo tinha um dos melhores ataques de sua história, ainda tinha Joel e Esquerdinha nas alas, e chegou no final do ano Evaristo, que rapidamente gostou do Dr. Rúbis: “Principalmente na campanha de 1953, ele estava jogando o fino, tudo que sabia. Era realmente um autêntico ídolo. A torcida o adorava. Tinha a cara do povão. Era um homem simples, sem grande cultura, mas possuía muita vivacidade e sempre fazia observações pertinentes. Ele era um jogador muito inteligente. Sua visão de jogo era impressionante e, numa fração de segundo, resolvia uma jogada e decidia a parada”. Logicamente, Rubens foi chamado na Seleção no começo do ano de 1954, mas num dia de folga, voltou na concentração bêbado. O autoritário Zezé Moreira convocou Rubens para a Copa do Mundo, mas o ídolo do Flamengo não jogou sequer um minuto na Suiça. Rubens também não caiu nas graças do também autoritário Fleitas Solich, que odiava o cigarro e o álcool. O Dr. Rúbis gostava de fumar, de beber, não gostava de treinar, principalmente os treinos físicos. “O negócio é que chegava na hora do jogo e o doutor arrebentava. Mas aos poucos isso foi desgastando a relação dele com o Solich, que andava com o prestígio nas alturas na Gávea” explica Evaristo de Macedo. No seu livro Os dez mais do Flamengo, Roberto Sander escreve: “ Rubens ainda foi decisivo na campanha de 1954. Se na hora dos polichinelos e flexões ele se movimentava em câmera lenta, nos jogos acontecia o contrário. Era incisivo e seguia atormentando os adversários com seus gols de falta, seus passes de primeira e as penetrações em zigue-zague que lembravam, mas, paradoxalmente, faziam a torcida esquecer Zizinho”. Rubens ainda foi eternizado na Samba rubro-negro de Roberto Silva, com essa letra: “Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá / vai haver mais um baile, no Maracanã / o Mais Querido tem Rubens, Dequinha e Pavão / eu já rezei pra São Jorge, por Mengão ser campeão”.

    Com outros jogadores mais novos e aplicados nos treinos, com agora problema crônico no joelho e ainda a birra de Fleitas Solich, Rubens jogou pouco no campeonato carioca 1955, que ofereceu ao Flamengo mais um tricampeonato. Rubens disputou apenas 6 jogos no campeonato carioca de 1955 e nenhum na edição do ano seguinte. Participou da excursão do Flamengo na Europa em 1956 e mostrou que ainda era capaz de gols: dobletes contra Osters e Bodens na Suécia, um tento na goleada 12×1 contra Brann da Noruega, seu último gol com o Manto Sagrado. Fez apenas um jogo em 1957, uma vitória 4×1 sobre Botafogo no Torneio Rio – São Paulo. Foi definitivamente esquecido pelo Fleitas Solich e foi em 1958 o primeiro jogador a trocar Flamengo pelo Vasco, Leônidas, Fausto, Domingos, os ídolos do Flamengo no ano histórico de 1936, e Jair Rosa Pinto já tinham defendido o Flamengo depois de jogar pelo Vasco. Rubens recuperou seu bom futebol, com 8 gols no campeonato carioca de 1958, conquistado pelo Vasco. Mesmo assim, Dr. Rúbis é ídolo do Flamengo, com 84 gols em 173 jogos, e talvez ainda mais impressionante, conseguiu fazer a Nação rubro-negra esquecer um pouco de Zizinho.

    Como de costume, fecho essa crônica com trecho de um jornalista, talvez o maior de todos quando se fala sobre a história do futebol brasileiro, Mário Filho: “‘Dr’. Rubens gostava de dar drible largos. Parecia que prendia a bola com um barbante ou um elástico amarrado à chuteira. Porque a bola, que ele atirava para a direita ou para a esquerda, voltava sempre, e logo, aos pés dele. Era um preto atarracado. Lembrava um mongol pelos olhos apertados, amendoados mesmo, pelo bigode ralo caindo-lhe, frouxo, pelos cantos da boca, o tronco largo e grande, as pernas curtas […] Rubens não andava como qualquer mortal. Levava um pé à frente, devagar, deixava-o pousar na calçada e, depois, trazia o outro, gingando o corpo, como se dançasse. Não era um samba, embora o corpo de Rubens balançasse num compasso de samba. O trinco meio girava, levando para trás um braço encolhido. Era um gingar de malandro. De bamba de terreiro”.

  • Jogos eternos #101: Grêmio 0x1 Flamengo 1982

    Jogos eternos #101: Grêmio 0x1 Flamengo 1982

    Em agora mais de 100 crônicas na categoria dos jogos eternos, ainda teve poucos títulos brasileiros, na verdade apenas o jogo de ida contra Botafogo em 1992 e o jogo do hexa, com o gol do Angelim no escanteio que Pet cobrou, já contra Grêmio. E teve outros jogos eternos contra Grêmio no francêsguista, em 1995 com show de Sávio, em 1999 com show de Romário e claro, o Cincum de 2019.

    Para hoje, vamos então de um título brasileiro, de um ano histórico já eternizado nesse blog, 1982. O Flamengo vinha do melhor ano de sua história, com 3 títulos importantíssimos entre o 23 de novembro e o 13 de dezembro de 1981. Flamengo continuou a brilhar no início de 1982 e se classificou para a final do Brasileirão depois de eliminar Sport, Santos e Guarani no mata-mata. O adversário agora era o Grêmio, que conquistou um ano antes seu primeiro Brasileirão. Talvez era o maior jogo possível para a final, com dois timaços. E ainda era a época de um futebol com identidade regional forte, e o futebol gaúcho era muito duro, difícil de manobrar. Vale a pena citar o grande João Saldanha, que escreveu sobre os dois times antes da final: “Todos conhecem o time do Flamengo com seus grandes cobras, homens acostumados a jogar em qualquer situação. Um Zico, Júnior, Leandro, Adílio, Andrade, Raul, Marinho, Lico e mais outros que nem sentem onde estão. Se o gramado for bom, jogam igual aqui ou ali. Em Porto Alegre ou em Sevilha. Creio não estar dizendo novidade. O time do Flamengo é bem conhecido. Mas acho que anda cometendo um erro fundamental e isto inclui alguns colegas gaúchos. Se o time do Flamengo é um time de ‘artistas’, resolveram dar ao Grêmio a tônica de time de futebol-força […] Vejam bem, homem por homem, que o time do Grêmio é muito bom de bola e não o que pretendem afirmar, um time de ‘briga’, de ‘raça pura’ ou que corre mais. Nada disso. É o time de cobras. O Leão custou uma nota. Se não é o melhor goleiro do Brasil, é um dos melhores. O Paulo Roberto, jogador novo e de primeira qualidade, chuta bem e sabe jogar bola. Tanto como um Edvaldo ou Perivaldo. Depois vem o De León. Gostaria que fosse brasileiro”.

    No jogo de ida, com 138.107 presentes no Maracanã, Tonho abriu o placar no final do jogo para Grêmio, mas Zico salvou o empate no finalzinho, talvez salvou o título. No Olímpico, com 74.238 presentes, segundo maior público da história do estádio, mais um empate, agora 0x0. O resultado forçava um terceiro jogo, de novo no Olímpico. Anunciava mais uma batalha num lugar hostil, agora com 62.256 presentes, um público um pouco menor por causa dos preços altos dos ingressos. Um dia antes do jogo, Zico anunciou um 1×0 para o Flamengo, com gol de Nunes. Nunes confirmou, apontando para os jornalistas: “Será ali que vou marcar meu gol. Quem não estiver lá não vai fotografar nada”.

    No 25 de abril de 1982, Paulo César Carpegiani, ídolo do Internacional e técnico rubro-negro, escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Marinho, Figueiredo, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Lico, Nunes. E Carpegiani adaptou seu sistema em relação ao jogo anterior, com Lico na ala direita e Zico mais atrás. “O Grêmio caiu nesta armadilha. O Batista, mais separado dos zagueiros, não sabia se colocava no Zico ou se marcava o Tita. O gol nasceu dessa indecisão” explica Carpegiani no livro 20 jogos eternos do Flamengo, de Marcos Eduardo Neves. Agora quem narra o gol é o maior de todos, Zico, no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia: “O Nunes se colocava muito bem, tinha uma movimentação muito grande, eu sempre conversava com ele: ‘Quando eu pego a bola, a primeira coisa que faço é dar ao centroavante, porque é quem está mais perto do gol. Eu vou pegar a bola e dar a você’. O Nunes já ficava esperando. Foi um passe legal. Se fosse hoje, ia ganhar cinco páginas de jornal. Porque hoje o cara faz uma coisinha… Naquele jogo eu fiz aquela jogada e ainda disseram que eu fui uma lerda. As cobranças eram outras, né? Hoje você faz uma coisa só, o cara é um Deus, valeu o ingresso. Recebi na lateral, dei uma caneta no Vílson Taddei, ele ficou sem pai nem mãe, olhei, meti a bola entre os dois zagueiros, o Nunes entrou e bateu. Gol. Foi um jogo duro, equilibrado, mas nosso time segurava muito bem a bola, tinha muito toque de bola, saía bem no contra-ataque”.

    Nunes, apenas 5 gols no Brasileirão de 1982, fazia mais um gol num jogo de título, depois do doblete contra o Atlético Mineiro em 1980, outro doblete contra Liverpool em 1981. Grêmio tentou reagir, botou pressão, na defesa do Mengo e no juiz, mas não fez gol. Quem explica agora é o goleiro flamenguista Raul, no livro 6x Mengão, de Paschoal Ambrósio Filho: “Depois do gol do Nunes, eles vieram com o jogo aéreo. Toda hora era chuveirinho dentro da área. E eu adotando, porque eu gostava desse tipo de jogo. Era mais fácil para mim. Teve um lance na nossa pequena área que o Grêmio veio com tudo. A maior confusão e a bola ia entrando. Até hoje os gremistas reclamam de pênalti, pois dizem que o Adílio ou o Andrade tiraram a bola com a mão. Nada disso. Quem tirou a bola, quase em cima da linha, fui eu”. Grêmio não fez gol, Nunes fez o único tento do jogo, e Flamengo era o campeão.

    No dia seguinte, o Jornal do Brasil manchetou “Fla é campeão com técnica e raça” e fez de Andrade, esquecido pelo Telê Santana na lista para a Copa na Espanha um dia depois, o melhor do jogo: “Ele foi o melhor do Flamengo e do jogo. Perfeito na defesa, marcando Paulo Isidoro, cobrindo todos os setores, tirando o perigo de sua área e, para completar, exigindo toda a sua categoria com a bola nos pés. Uma atuação impecável”. Vale também relembrar a capa de Placar uma semana depois: “Deus no céu, Mengão na Terra”. E tinha um outro Deus no Olímpico, Zico, que acabava de vez com essa lenda que era apenas um jogador do Maracanã. Zico artilheiro do campeonato, Flamengo bicampeão brasileiro. Para fechar, um trecho da crônica para o Jornal do Brasil do grande Sandro Moreyra, botafoguense feroz, mas não tanto amargado: “Resta continuarmos aguentando a ruidosa euforia rubro-negra, suas charangas, seus hinos, seus foguetes. Ele é o maior mesmo, que é que se vai fazer?”. Nada, nada, Flamengo é o maior, Flamengo é o campeão.

  • Jogos eternos #100: Flamengo 1×1 Vasco 1983

    Jogos eternos #100: Flamengo 1×1 Vasco 1983

    E o destino, com ajuda minha, queria que o jogo eterno #100 desse blog fosse um Flamengo x Vasco, um dos maiores clássicos do mundo. Para o jogo #100, um jogo eterno, com Flamengo vitorioso, com Vasco eliminado.

    O ano é histórico, 1983, com título e tudo. Já escrevi sobre o ano e sobre alguns jogos durante o Brasileirão, contra Rio Negro na primeira fase, contra Goiás e Corinthians na terceira fase. Vamos então na fase final, com um clássico dos milhões, um quarta de final contra Vasco. Flamengo tinha desejo de vingança, alguns meses antes, perdeu o jogo decisivo do campeonato carioca de 1982, 1×0 contra Vasco.

    No Brasileirão de 1983, nas quartas de ida, Flamengo abriu o placar com gol de Adílio depois de triangulação com Zico e Júnior. Vasco empatou graças a um gol contra de Mozer, mas Júlio César fez o gol da vitória para o Flamengo, aproveitando da falha do goleiro Mazarópi. Uma palavra para o técnico do Flamengo, ainda jovem e inexperiente por dirigir apenas o sexto jogo de sua carreira de treinador, mas um antigo jogador que ganhou como poucos, que tem um dos apelidos mais impactantes do futebol, o Capita, Carlos Alberto Torres.

    No 8 de maio de 1983, Carlos Alberto Torres escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Vitor, Elder, Adílio; Zico, Júlio César Barbosa, Baltazar. Um time de craques, perto de perder o maior de todos, Zico, que assinaria contra sua vontade na Udinese. Flamengo podia perder por um gol de diferença e se classificar, mas tomou um gol já nos primeiros minutos do jogo, numa falta, Roberto achou Elói, que viu seu chute desviado pela defesa rubro-negro e cair nas redes de Raul. Pressão total no Maracanã e seus 121.3553 pagantes.

    Vasco estava na frente no placar, mas quem mandava no jogo era Flamengo, era Zico. O Galinho brilhou muito no primeiro tempo, com drible de letra, toque de calcanhar, passes de três dedos. Quase fez um gol, mas Mazarópi fez o milagre. Zico também deixou Júnior e Leandro em condições de fazer o gol, mas nas duas vezes a bola apenas flirtou com a trave. No fim do primeiro tempo, uma falta perigosa, uma bola quase na gaveta para Zico, mas mais um milagre de Mazarópi. No intervalo, Vasco tinha um gol de vantagem, outro milagre, mas o classificado parcial era o Flamengo.

    No segundo tempo, Adílio quase fez um gol depois de um chute de Zico. Vasco, precisando de um gol para se classificar, passou a dominar o jogo, que ficou indeciso até “44 minutos e 20” quando Galvão Bueno narrou uma jogada que começou com falta de Mozer até o calcanhar de Elder para Adílio, que acelerou com um toque, entrou na grande área com dois toques. Adilio só tinha Mazarópi na frente e Zico no lado, Adílio deixou a bola no momento ideal para Zico, que só tinha a empurrar a bola nas redes, para fazer a alegria da geral, para fazer o gol da classificação do Mengo. Com mais um show de Zico, mais uma classificação sobre Vasco, Flamengo estava na semifinal e posteriormente Flamengo era o campeão, para o último ano de Zico com o Manto Sagrado, antes da volta consagrada.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”