Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #92: Alianza Lima 3×4 Flamengo 1959

    Hoje a Seleção brasileira joga em Lima, no estádio Nacional. Flamengo fez muita história em Lima, mas no estádio Monumental, no 23 de novembro de 2019, com o Milagre de Lima. Flamengo também jogou no estádio Nacional, pela primeira vez em 1952, e voltou 7 anos depois para o torneio hexagonal.

    Um ano antes da criação da Copa Libertadores, o Peru organizou um torneio amistoso com algumas das maiores potencias do continente: os dois maiores clubes do Peru da época, Universitario e Alianza Lima, um gigante do Chile, Colo-Colo, um pentacampeão uruguaio entre 1958 e 1962 além de conquistar as duas primeiras Copas Libertadores no período, Peñarol, e um dos maiores da América do Sul, o River Plate de Norberto Menéndez e Ángel Labruna. Por sua vez, Flamengo já tinha brilhado em Lima numa excursão de 1958, com vitórias sobre Alianza Lima e Centro Iqueño e empate contra Universitario, e assim foi convidado para o hexagonal de Lima, também chamado de Gran Serie Suramericana Inter Clubs.

    No início do ano de 1959, Flamengo ainda jogava o campeonato carioca 1958, quando precisou de duas fases a mais para designar o campeão. No 17 de janeiro de 1959, Flamengo empatou contra Vasco e perdeu o campeonato, quando o hexagonal de Lima já tinha começado. Por isso, Flamengo começou a competição quando outros times já tinham feito dois jogos. E sem tempo de recuperar-se fisicamente e emocionalmente, Flamengo começou mal em Lima, com derrota 2×0 contra Peñarol e ainda perdeu de lesão um de seus líderes, Dequinha. O campeonato já estava quase perdido.

    Flamengo se recuperou com vitória 2×0 sobre Universitario, gols de Henrique e Moacir, e atropelou Colo-Colo com 4 gols nos 22 primeiros minutos, o time chileno salvando a honra no final do jogo. E Flamengo foi ainda mais impressionante contra River Plate, que tinha ainda alguns dos jogadores da “Maquinita” tricampeã argentina entre 1955 e 1957. No estádio Nacional, Luís Carlos abriu o placar, Henrique fez o doblete e o pequeno Babá fechou para 4×1 com um drible que deixou Ballesteros no chão. O Jornal dos Sports viu uma “vitória justa, insofismável e sem apelação”. Flamengo era o líder do hexagonal e precisava de um empate contra o time da casa, Alianza Lima, para ser campeão.

    No 6 de fevereiro de 1959, um Carnaval no Rio. E em Lima, o técnico paraguaio Fleitas Solich escalou Flamengo assim: Fernando; Joubert, Pavão, Jadir, Jordan; Dequinha, Moacir; Luís Carlos, Moacir, Henrique Frade, Manoelzinho, Babá. Tinha a volta de um ídolo com Dequinha, mas Flamengo perdia para o último jogo um outro ídolo, Dida. O que ficava como sempre era a mistica da camisa e a raça rubro-negra.

    No início do jogo, aproveitando uma falha de Fernando, o Alianza Lima abriu o placar. Antes do intervalo, mais um gol para o time peruano. E com 10 minutos no segundo tempo, mais um gol do time da casa. Alianza 3×0 Flamengo, festa no estádio, o Alianza Lima tinha uma mão e 4 dedos na taça. Mas aconteceu nesse momento uma coisa que só pode acontecer uma vez na história de alguns clubes, nenhuma para os demais mortais. Flamengo reagiu no minuto seguinte ao terceiro gol do Alianza, o substituto de Dida, Manoelzinho, recebendo um passe de Babá antes de fazer o gol. E dois minutos depois, um escanteio, mais um gol de Manoelzinho, de cabeça. E três minutos depois, mais um passe de Babá, mais um gol de Manoelzinho. Alianza 3×3 Flamengo, uma loucura total, sem o estádio ter a capacidade de entender o que acontecia em campo.

    E Flamengo foi além do possível, do racional, do imaginável. Apenas um minuto depois do empate, Manoelzinho chutou uma bomba, o goleiro defendeu, mas Henrique fez o gol da virada, uma das maiores não só da história do Flamengo, mas da história do futebol mundial. A folia do Carnaval de Rio ganhou Lima, em menos de 10 minutos, Flamengo passou de uma derrota 0x3 a uma vitória 4×3. Flamengo era o campeão, um título que alguns times mortais poderiam reclamar como uma Copa Libertadores. Não para Flamengo, que fazia mais: mostrava que para quem vestia o Manto Sagrado, tudo era possível, até o impossível, até quando tudo parecia perdido. Era o primeiro Milagre de Lima.

  • Jogos eternos #91: Paysandu 1×4 Flamengo 2005

    Jogos eternos #91: Paysandu 1×4 Flamengo 2005

    Hoje a Seleção brasileira joga em Belém, no estádio do Mangueirão, onde Flamengo já jogou várias vezes. Vamos então para a lembrança do dia de um jogo nesse estádio, no ano muito difícil de 2005, que já foi eternizado no francêsguista.

    Provavelmente o ano 2005 foi o ano em que Flamengo ficou mais perto de um rebaixamento. Flamengo ficou muito tempo na zona de rebaixamento e se salvou graças aos ídolos, como meu primeiro particular no Flamengo, Obina, que fez um gol decisivo contra Paraná. Para o jogo contra Paysandu, Flamengo já estava livre do rebaixamento e jogava o último jogo do ano, sem risco de conhecer a maior vergonha para um clube gigante. No 4 de dezembro de 2005, Joel Santana escalou Flamengo assim: Diego; Léo Moura, Renato Silva, Rodrigo Antônio, André Santos; Fabiano, Júnior, Renato Abreu, Fellype Gabriel; Diego Souza, Obina.

    Como foi muitas vezes o caso nesse ano, começo do jogo foi difícil para o Flamengo e as maiores oportunidades de gol foram para Paysandu. Mas no 13o minuto, Léo Moura, com seu jeito particular, se aproximou da grande área e achou Obina, de costas para o gol. Jogada esperada era uma tabelinha, mas Obina, com a inteligência do craque, nem tocou na bola, só deixou a bola passar. Léo Moura percebeu, completou uma espécie de tabelinha sozinho e abriu o pé para abrir o placar. Paysandu voltou a dominar, Diego voltou a fazer defesas impressionantes, Obina perdeu um gol feito e antes do intervalo, Rodrigo empatou para Paysandu.

    No início do segundo tempo, num longo lançamento, Renato Abreu, outro ídolo que chegou nesse ano de 2005, fez um domínio de craque, um drible curto para abrir o ângulo no pé esquerdo, um chute colocado para colocar de novo Flamengo na frente no placar. Faltando 15 minutos para o final do jogo, o capitão Renato Abreu conseguiu o doblete com um segundo golaço, de cabeça depois de um cruzamento perfeito de Diego Souza, que na época tinha 20 anos.

    Ainda teve tempo para um outro doblete, de Léo Moura, que também começava a se tornar ídolo no clube depois de passar pelos outros três grandes do Rio. No meio de campo, recebeu de Renato Abreu, passou entre dois defensores, voltou na esquerda para Renato Abreu e piquou na grande área. Com um toque de cobertura, Renato Abreu completou a dupla tabelinha, Léo Moura completou o doblete, completou a goleada. Mesmo num ano difícil, Flamengo tinha ídolos e fechou o ano com uma bela vitória no Mangueirão.

  • Ídolos #23: Modesto Bría

    Ídolos #23: Modesto Bría

    Modesto Bría nasceu no 8 de março de 1922 em Encarnación, no Paraguai, e tinha uma encarnação de rubro-negro. Começou sua carreira no Nacional, onde foi campeão paraguaio em 1942, e no ano seguinte, com apenas 21 anos, chegou no Flamengo. Modesto Bría foi um dos primeiros ídolos gringos do Flamengo e honrou o Manto Sagrado durante 10 anos.

    Modesto Bría foi indicado pelo grande repórter Geraldo Romualdo da Silva e foi o compositor e locutor Ary Barroso, outro flamenguista de alma, que foi buscar Modesto Bría em Assunção. O paraguaio chegou no final do campeonato carioca de 1943 quando Flamengo era líder, com ídolos como Domingos, Zizinho, Jaime, Biguá e Pirilo. Um time histórico, que já tinha conquistado o campeonato carioca um ano antes, e que ia ser ainda mais forte com a chegada de Modesto Bría. Escreve Roberto Sander no seu livro Anos 40, viagem à década sem copa: “Bría chegou ao Brasil quando faltavam cinco rodadas para o fim do campeonato. Chegou e conquistou imediatamente a condição de titular. Encarnou como poucos o espírito rubro-negro. Além da boa técnica, era um jogador raçudo. Sua garra contagiava. Tinha um senhor pulmão. Com a rapidez de um raio virou ídolo da torcida. Ao lado de Biguá e Jaime de Almeida, ele formou uma linha média que aliava habilidade e disposição. Marcava e apoiava com a mesma facilidade”.

    Modesto Bría substituiu outro gringo, o argentino Volante, que deu seu nome a posição em campo. Bría estreou com um empate 2×2 no Fla-Flu e em seguida, Flamengo empatou contra São Cristóvão. Mas o time rubro-negro não era cavalo paraguaio e só goleou nos últimos 3 jogos: 5×1 contra Bonsucesso, 6×2 contra Vasco, 5×0 contra Bangu. Com apenas 5 jogos, Modesto Bría conhecia a maior experiência da vida, ser campeão com Flamengo. Em 1944, Vasco levou o Torneio Relâmpago e o Torneio Início, mas no campeonato carioca, deu mais uma vez Flamengo, deu o primeiro tricampeonato do Mengo depois de um jogo eterno contra Vasco, com o gol válido de Valido. “Fiz a maior partida de minha vida” falou depois Modesto Bría.

    Ao lado de Biguá e Jaime de Almeida, Modesto Bría reinou no meio de campo, mas o Expresso da Vitória do Vasco impediu de conquistar mais títulos. Modesto Bría era tão bom que permitiu a chegada de outros paraguaios no Flamengo, o goleiro García em 1949 e o atacante Benítez em 1952. Flamengo tinha uma coluna vertebral paraguaia e caminhava para mais títulos. Em 1953, o Paraguai levou seu primeiro campeonato sul-americano, vencendo um jogo-desempate contra o Brasil. O Paraguai estava sem Modesto Bría, García e Benítez, que jogavam no exterior, mas o técnico campeão Fleitas Solich chegou semanas depois no Flamengo. Estreou sem Modesto Bría, mas com vitória 3×2 sobre Santos, gols de Joel, Evaristo e Esquerdinha, os novos ídolos.

    Modesto Bría ainda jogou algumas partidas do Torneio Rio – São Paulo, mas não participou do campeonato carioca, que iniciou mais um tricampeonato do Flamengo entre 1953 e 1955. Modesto Bría fez seu último jogo com o Manto Sagrado no 10 de setembro de 1953, um amistoso contra XV de Jaú que acabou num 4×4. Como ele substituiu Volante no início da carreira, Modesto Bría foi substituído pelo Dequinha, que reinou no meio-campo rubro-negro na década de 1950. No Flamengo, foram para Modesto Bría dez anos de raça, amor e paixão, 369 jogos e 8 gols.

    E na verdade, foram mais do que 369 jogos. Porque se Modesto podia pendurar as chuteiras, não podia ficar longe do Flamengo. Trabalhou no clube, às vezes como assistente do Flávio Costa e do próprio Fleitas Solich, às vezes trabalhando na base. Dirigiu o time principal do Flamengo pela primeira vez em 1959, fez outras passagens em 1967, 1971 e 1981. Depois voltou a ser assistente de Carpegiani quando Flamengo ganhou tudo no ano histórico de 1981. Também foi assistente de outro ídolo, no campo e no banco, o Violino Carlinhos, e de um ídolo apenas no banco porque era militar, Cláudio Coutinho.

    Na base, o trabalho de Modesto Bría foi ainda mais impressionante. Tinha um olho clínico, convidou Gérson, jogador do Canto do Rio, para um teste no Flamengo. Reposicionou Júnior na lateral direita e recuou Mozer do meio de campo para a zaga. Talvez o momento mais importante foi em 1967 quando Celso Garcia o apresentou um jovem jogador de 13 anos, bem franzino, um certo Zico. Vendo o “lourinho muidinho” como ele falou para Celso Garcia, Modesto Bría estranhou um pouco, mas autorizou o jovem a fazer o teste. Relembra Zico no livro Zico conta sua história: “Bom, não foi um treino brilhante. Não marquei nenhum gol, mas joguei bem, sem complicar. O fato é que o Bría, no final, me mandou voltar na sexta-feira e foi logo avisando do que, no sábado, eu ia entrar no jogo contra o Everest…”. Por esse momento, e muitos outros durante 40 anos, Modesto Bría é patrimônio histórico do Flamengo.

  • Jogos eternos #90: Botafogo 0x1 Flamengo 2009

    Jogos eternos #90: Botafogo 0x1 Flamengo 2009

    Quando se fala do Flamengo, eu sou de um otimismo às vezes exagerado. Já acreditei em times muitos ruins, já acreditei em títulos muitos perdidos. Minha ideia para o jogo de hoje era um duelo para um título do Brasileirão entre Flamengo e Botafogo, a final de 1992, jogo de volta, já que o jogo de ida foi eternizado aqui. Mas apesar de todo meu otimismo em geral, não acredito ao título de 2023. Mesmo que Botafogo caia drasticamente, não vejo Flamengo, como o nível de hoje dentro e fora do campo, ganhar 15 pontos sobre o rival. O título para mim acabou, só pode ganhar, talvez, a Copa do Brasil.

    Mas mesmo assim, não vou desistir de meu Mengo e vamos então para o primeiro jogo entre Botafogo e Flamengo no Engenhão, inaugurado em 2007. Flamengo já tinha jogado 3 partidas como mandante em 2008 e 2009, mas ainda não tinha jogado contra Botafogo no Engenhão, antes do 25 de outubro de 2009, já na reta final do Brasileirão. Era a época do tricampeonato carioca em cima do Botafogo, do chororô e do jejum, Botafogo não vencia Flamengo há 9 jogos.

    Para o jogo contra Botafogo, o ídolo Andrade escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Airton, Fabrício, Juan; Maldonado, Toró, Fierro, Petkovic; Zé Roberto, Adriano. Primeiro lance veio no 6o minuto, mas o chute de Zé Roberto só flirtou com a trave de Jefferson. Com 30 minutos de jogo, Adriano passou entre os dois zagueiros Juninho e Wellington, com potência e energia na grande área. Mas o Imperador não era só força física, também era técnica, era goleador, até artilheiro nesse campeonato. Com a perna esquerda de sempre, o Didico chutou sem chance para Jefferson, chutou forte para abrir o placar, chutou no gol para a alegria dos flamenguistas.

    No segundo tempo, o juiz inventou um pênalti para Botafogo. Lúcio Flávio chutou, Bruno saiu do bom lado e fez a defesa. Nos acréscimos, num contra-ataque de Zé Roberto com sua caraterística velocidade, Gil, que entrou no lugar do Petkovic, tinha o gol feito, mas errou feio. Sem consequência no final, vitória do Flamengo, que ainda estava fora do G-4, mas com apenas 3 pontos atrás do líder, Palmeiras. Agora, Flamengo de 2023, é tarde demais para aprender.

  • Times históricos #22: Flamengo 1982

    Times históricos #22: Flamengo 1982

    Em 3 semanas, do 23 de novembro até o 13 de dezembro de 1981, Flamengo ganhou três títulos muito importantes: a Copa Libertadores, o campeonato carioca e o Mundial. É muito difícil de ganhar, ainda mais de continuar a ganhar, com a mesma fome de vitórias e títulos. Entre 1978 e 1983, Flamengo ganhou muitas coisas, e particularmente entre o fim de 1981 e o início de 1982, deixou nada para os outros, os ingleses e os vascaínos, os estetas e os violentos.

    Depois de um mês de férias, Flamengo voltou no ano de 1982 com o Brasileirão no dia 20 de janeiro, dia do São Sebastião, padroeiro de Rio de Janeiro. O Brasileirão, chamado nesse ano de Taça de Ouro, começou com 40 clubes, divididos em 8 grupos de 5, com 3 ou 4 se classificando para a próxima fase. Flamengo começou com o que será uma marca registrada durante o campeonato, uma vitória em virada. No Maracanã, contra um outro favorito, São Paulo, perdia 2×0 no intervalo. Relembra Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia: “Voltamos para o vestiário com uma vergonha danada, 85 mil pessoas no Maracanã… No vestiário, fizemos a corrente… vamos lá, vamos lá! Olha, o time voltou prontinho. Quando fizemos o primeiro gol, o estádio veio abaixo. O time de São Paulo ficou maluquinho. Foi uma das nossas viradas mais bonitas, uma das muitas daquele Brasileiro”. Zico descontou depois de uma tabelinha com Lico, Andrade empatou depois de uma bola dividida entre Zico e a defesa tricolor, Zico virou de cabeça depois de um cruzamento pé esquerdo de Júnior. Esse Flamengo de 1982 era show já no primeiro jogo da temporada.

    Flamengo ainda venceu Náutico em Recife 4×3 depois de perder 3×1, goleou Treze 5×0, ganhou 3×0 contra Ferroviária com 3 gols de Zico. Para a última rodada, uma derrota impedia o time rubro-negro de cair no grupo da morte na próxima fase. No Morumbi, São Paulo abriu o placar, mas Flamengo venceu mais uma vez de virada, 4×3. No final da primeira fase, Flamengo ainda era invicto, com 7 vitórias, apenas um empate e já 25 gols marcados! E na segunda fase, o grupo da morte, com Corinthians, Atlético Mineiro e Internacional. Algumas semanas antes, os 4 clubes foram os campeões dos 4 maiores campeonatos estaduais do Brasil. Todos tinham grandes craques, tinha Zico, Sócrates, Reinaldo, Mauro Galvão, todos craques, alguns que iam brilhar na Copa do Mundo alguns meses depois. Provavelmente foi o maior grupo da história de um Brasileirão, já na segunda fase, quando ainda tinha 32 times na disputa.

    Flamengo começou a segunda fase com um empate 1×1 no Morumbi contra o Corinthians, gols de Wladimir e Zico. No Mineirão, o craque Reinaldo abriu o placar para o Galo, mas Flamengo, com apenas 10 jogadores depois da expulsão de Figueiredo, virou, com assistência e gol de Mozer, o último um gol à la Rondinelli num escanteio de Zico. Flamengo empatou contra o Inter na chuva, perdeu contra o Atlético no Maraca, e venceu o Inter de virada, um jogo eterno no francêsguista. Para se classificar nas oitavas de final, Flamengo venceu o Corinthians, com gols de Zico e Tita. Nas oitavas, Flamengo venceu o jogo de ida contra Sport, 2×0, doblete de Zico. Flamengo perdeu o jogo de volta, mas se classificou com um gol salvador de Leandro, o ídolo, o homem de poucos gols mas importantíssimos, como fez contra Fluminense em 1985.

    Nas quartas de final, mais um grande time na frente, Santos, e mais uma vez Flamengo atrás no placar no intervalo no Maracanã. E a diferença era de um gol só graças as várias defesas de Raul, que salvou o Flamengo nesse primeiro tempo. Relembra Raul no livro 6x Mengão de Paschoal Ambrósio Filho: “Os jogadores do Flamengo tinham um padrão de comportamento, independente do que estivesse acontecendo em campo. Todos iam para o vestiário em silêncio, sentavam, chupavam uma laranjinha, respiravam e só depois de uns quatro a cinco minutos o Carpegiani procurava se informar melhor sobre o que estava acontecendo em campo. Ele recebia as informações e passava as instruções. Alguns falavam mais, como Júnior e Nunes, e procuravam ajudar dando outras sugestões. O Zico falava pouco. Ele era mais de fazer”. E mais uma vez Flamengo virou no segundo tempo, com um primeiro gol de Tita depois de cruzamento pé direito de Júnior, e um segundo gol de Marinho no tempo adicional, com uma jogada típica desse Flamengo, passes curtos, dribles e objetividade. Na volta, com o Flamengo de 1982 ainda invicto no Morumbi, Santos abriu o placar de novo, mas Zico cabeceou, empatou, classificou Flamengo.

    Na semifinal o adversário era Guarani, e sim, mais um timaço. Com jogadores como Jorge Mendonça, Careca, Lúcio Bala e Ernani, Guarani era o melhor ataque do campeonato e tinha eliminado o São Paulo de Serginho Chulapa na fase anterior. No Maracanã, Flamengo fez a diferença nos 20 primeiros minutos, primeiramente com Zico com domínio de gênio e carrinho cruzado, e depois com Peu, que jogou no lugar de Nunes, depois de bom desarme de Zico. Zico era demais nesse campeonato de 1982, ele era técnica e raça, carinho com a bola e carrinho quando precisava, ele era, para plagiar Armando Nogueira que falou isso sobre Zizinho, “o pianista e o carregador do piano”. O gol de Lúcio Bala no fim do jogo deixou tudo possível no Brinco de Ouro, um jogo eterno ou uma tremenda decepção. E, apesar da abertura do placar de Jorge Mendonça para Guarani com apenas 3 minutos, deu jogo eterno, deu show do maior ídolo, 3 gols de Zico, um de cabeça para empatar, um de fora da área para virar, um de pênalti para classificar Flamengo para a final.

    E na final, mais um timaço na frente, Grêmio, com craques em todas as linhas. Emerson Leão e Hugo de León atrás, Batista e Paulo Isidoro no meio, Tarciso e Baltazar na frente. Era um time bem gaúcho, bem trancado, sem espaço, com um treinador também gaúcho, também defensivo, Ênio Andrade. Na ida, na frente de 138.107 espectadores no Maraca, Grêmio quase não deixou Flamengo jogar, quase ganhou, Tonho Gil abrindo o placar nos 10 minutos finais do jogo. Mas Flamengo empatou, cruzamento pé esquerdo de Júnior, gol de nosso salvador, Nosso Rei Zico. Como no primeiro jogo do campeonato, Júnior deu uma assistência com o pé esquerdo para Zico, um dos gols mais importantes da história do Flamengo. Relembra Júnior no livro Os dez mais do Flamengo de Roberto Sander: “Sabia que teria que melhorar a capacidade de passar e cruzar com a canhota. Quando fiz um cruzamento na medida de esquerda para o Zico marcar um gol, num jogo decisivo com o Grêmio pelo Campeonato Brasileiro em 1982, lembrei o quanto valeu a pena ter ralado naquele paredão”. Concordo também com a opinião de Zico, no livro de Paschoal Ambrósio Filho: “O Grêmio foi um adversário dificílimo de ser batido. Na época, eles tinham um grande time. Leão, Paulo Roberto, Hugo de León, Batista, Paulo Isidoro, Renato Gaúcho… Só tinha cobra. Por isso, considero aquele gol de empate no fim do jogo no Maracanã o mais importante que marquei pelo Flamengo em jogos decisivos de Brasileiro. Se tivéssemos ido para Porto Alegre derrotados ia ser muito complicado reverter”. Eu acho que se Flamengo tinha perdido o primeiro jogo no Maracanã, Grêmio ia ser campeão. Mas Zico marcou e Flamengo empatou, deixando as chances vivas na volta em Porto Alegre.

    Na imprensa, o técnico do Flamengo e antigo jogador do Internacional, Paulo César Carpegiani, reclamou do Grêmio: “O gol marcado por Zico impediu que acontecesse uma grande injustiça. O time que procurou a vitória a qualquer preço não poderia ser derrotado por quem apenas se defendeu e tentou fechar todos os espaços do campo, durando retraidamente. Espero que lá em Porto Alegre eles saiam para jogar de igual para igual. Aqui o Grêmio se defendeu muito, durante toda a partida, e não mostrou nenhuma objetividade”. No Olímpico, 74.238 espectadores e de novo Grêmio na retranca. Raul jogou apesar de uma lesão e recebeu a braçadeira de Zico. E Raul relembra do jogo por uma outra história que eu acho sensacional: “O Ênio Andrade, técnico do Grêmio, sabia que sempre saiamos jogando pelas laterais e colocou o Tarciso para marcar o Júnior e o Tonho em cima do Leandro. Vendo o problema, comecei a dar chutões para a frente e as bolas voltavam rapidinho. A gente no maior sufoco. Enquanto isso, o Leandro ficava insistindo: ‘Não adianta dar chutão pra frente. Manda a bola pra mim, Véio. Manda!’ Eu ignorava, porque ele estava sempre muito bem marcado e seria um risco. Aquilo foi me irritando. Peguei a bola e joguei de qualquer maneira para ele. Com toda a classe e categoria que tinha, o Leandro dominou no peito, deu um chapéu num adversário, driblou outro e saiu jogando. Voltou correndo e ficou me chamando. Eu fingindo que não via, até que olhei e ele gritou: ‘Tá vendo, Véio? É assim que se faz. Eu jogo pra caralho!’ E o pior é que jogava mesmo… O jogo acabou 0 a 0. Como não havia vantagem, tivemos que partir para um terceiro jogo, também no Olímpico”.

    Quatro dias depois, o jogo decisivo, de novo no Olímpico, mas com a confiança do campeão no lado do Flamengo. Zico anunciou uma vitória 1×0 com um gol de Nunes, e o mesmo confirmou, anunciando até o lado do campo: “Será ali que vou marcar meu gol. Quem não estiver lá não vai fotografar nada!”. Por causa do preço caríssimo do ingresso, teve um pouco menos de torcedores, 62.256, mas o jogo ficou igualmente tenso, Nunes e Emerson Leão quase brigando. Se Ênio Andrade era um monstro tático, Carpegiani também era bom e montou um plano, com Zico mais recuado e Lico na ala direita. Relembra Carpegiani no livro 20 jogos eternos do Flamengo de Marcos Eduardo Neves: “O Grêmio caiu nesta armadilha. O Batista, mais separado dos zagueiros, não sabia se colava no Zico ou se marcava o Tita. O gol nasceu dessa indecisão”. Com apenas 10 minutos de jogo, Zico, no meio do campo, deu uma caneta no Vilson Taddei e lançou em profundidade Nunes, que fez o gol prometido a Nação e a filha, que nasceu três meses antes. “Se é final, sempre apareço para conferir. Nunca me senti tão predestinado como nesta decisão” falou depois o ídolo Nunes, que só não fez nesse dia o gol mais importante de sua carreira porque fez outros importantíssimos com o Manto Sagrado.

    Flamengo era um time cheio de ídolos, Zico claro, o goleador Nunes, o goleiro Raul, que salvou o time quando Grêmio finalmente saiu da defesa. Relembra Raul: “Depois do gol do Nunes, eles vieram com o jogo aéreo. Toda hora era chuveirinho dentro da área. E eu adotando, porque eu gostava desse tipo de jogo. Era mais fácil para mim. Teve um lance na nossa pequena área que o Grêmio veio com tudo. A maior confusão e a bola ia entrando. Até hoje os gremistas reclamam de pênalti, pois dizem que o Adílio ou o Andrade tiraram a bola com a mão. Nada disso. Quem tirou a bola, quase em cima da linha, fui eu”. Se o também ídolo Andrade não tirou a bola com a mão nesse lance, ele apareceu muito durante o jogo e foi considerado o melhor em campo para o Jornal do Brasil: “Ele foi o melhor do Flamengo e do jogo. Perfeito na defesa, marcando Paulo Isidoro, cobrindo todos os setores, tirando o perigo de sua área e, para completar, exigindo toda a sua categoria com a bola nos pés. Uma atuação impecável”.

    Nunes fez o gol do título, mas fez apenas 5 gols durante todo o campeonato. Era predestinado mesmo. E o artilheiro do Brasileirão foi Zico, com 21 gols, um a mais que Serginho Chulapa. Foi o primeiro título nacional do Flamengo fora do Maracanã e ajudou a mudar a história de Zico, que às vezes era ainda injustamente considerado como um “jogador de Maracanã”. O Flamengo era o campeão brasileiro, dentro do Olímpico. “Deus no céu, Mengão na terra” manchetou Placar quando o jornalista botafoguense Sandro Moreyra escreveu: “Resta continuarmos aguentando a ruidosa euforia rubro-negra, suas charangas, seus hinos, seus foguetes. Ele é o maior mesmo, que é que se vai fazer?”. Não tinha nada a fazer, Flamengo era o maior e o melhor, o símbolo do futebol-arte e da obstinação, com 10 vitórias de virada durante o campeonato. No dia seguinte, Telê Santana anunciou seus convocados para a Copa do Mundo, sem Adílio, sem Andrade, sem Raul também que falou: “quem joga no Flamengo não precisa de Seleção”. Pronto, mas acho que a Seleção precisava de Adílio, Andrade e Raul.

    Por causa da preparação para a Copa do Mundo, Flamengo não fez jogos oficiais durante 3 meses. E o futebol-arte foi derrotado, a Seleção não conseguindo fazer o que o Flamengo de 1982 sabia fazer, ganhar de virada, vencer o futebol-força. Flamengo fez durante esse tempo amistosos, claro sem os jogadores internacionais, mas jogou no Norte, no Nordeste, no Sudeste, no Sul, no Rio. Flamengo é do Brasil, é o único clube com dimensão nacional do Brasil, Flamengo é uma Nação. Os jogadores internacionais voltaram menos de duas semanas depois do fatídico 5 de julho para o campeonato carioca. Flamengo voltou com goleadas contra Campo Grande e a Portuguesa, Zico fazendo doblete nos dois jogos, Flamengo até jogou um amistoso na Trindade e Tobago, Flamengo também é internacional, e depois foi derrotado contra o Americano. Se vingou no pobre Madureira, derrotado 8×0 com 3 gols de Zico, que voltou a marcar dois contra o Botafogo, vencido 3×0. Fluminense foi derrotado pelo mesmo placar e Flamengo chegou no fim da Taça Guanabara empatado com o Vasco. No jogo-desempate, deu Flamengo, Adílio fazendo o único gol do jogo no último minuto para oferecer ao Flamengo uma quinta Taça Guanabara consecutiva. Jogo foi conhecido como “Watergate do futebol brasileiro” por causa do arbitro José Roberto Wright, que aceitou a proposta da Globo e colocou sem o conhecimento dos jogadores um microfone atrás de sua camisa. Eurico Miranda tentou mais uma vez ganhar o jogo no Tribunal, mas não deu, Flamengo campeão. Durante o campeonato, Flamengo ainda ganhou a Taça Confraternização Brasil-Paraguai, vencendo o grande time do Olimpia no mítico Defensores del Chaco.

    Flamengo começou a Taça Rio com um empate contra Volta Redonda e fez mais um amistoso de prestígio, no mítico Giants Stadium contra o também mítico New York Cosmos, para a despedida de um ídolo do Flamengo e do futebol, Carlos Alberto Torres. Para o apito inicial, Pelé, no time do Cosmos, Carlos Alberto claro, Beckenbauer e até Sócrates, no time do Flamengo, Zico, que abriu o placar com um chute de longe. Flamengo ganhava 3×0 no intervalo, mas com 3 gols de Chinaglia no segundo tempo, o Cosmos empatou e a festa foi preservada. De volta no Brasil, duas vitórias e uma derrota no campeonato carioca, 3 gols de Zico e o início da Copa Libertadores. Como último campeão, Flamengo estreou diretamente na semifinal, na época um grupo de 3 times, com dois outros gigantes, River Plate e Peñarol, quando o outro grupo da semifinal era mais acessível.

    No Centenario, onde Flamengo tinha vencido a Libertadores um ano antes, o Mengo perdeu na estreia contra Peñarol. No Monumental, mais um estádio mítico, Flamengo não tomou conhecimento do River Plate e goleou 3×0, gols de Lico, Zico, Nunes. De volta no campeonato carioca, contra a Portuguesa, Flamengo perdeu mas Zico fez o primeiro gol olímpico de sua carreira. “O vento ajudou” explicou Zico com a modéstia de sempre. Três dias depois, 28 de outubro, dia de São Judas Tadeu, padroeiro do Flamengo, Zico, com a genialidade de sempre, fez o gol 600 de sua carreira e Flamengo goleou 5×0 Madureira. Entre duas derrotas no campeonato carioca, contra Fluminense e America, Flamengo voltou na Copa Libertadores, contra River Plate, e deu mais um show no Maraca, com vitória 4×2.

    Voltou a vencer no campeonato carioca, contra Americano e Bangu, a dupla Zico – Nunes fazendo gols nos dois jogos, e voltou na Copa Libertadores, contra Penãrol, precisando de uma vitória para forçar um jogo-desempate. Mas não deu, o brasileiro Jair fez para o time uruguaio o único gol da partida, um golaço de falta, uma falta aliás que existia só na cabeça do juiz. “A derrota para o Peñarol foi talvez uma das piores da minha carreira. Deu tudo errado naquele dia. Jogamos o tempo todo em cima deles, perdemos gols à beça, não deu nada certo” relembra Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roger Garcia. Mais uma vez, o futebol-arte foi derrotado em 1982, Flamengo tinha mais time que Peñarol, que ficou com o troféu depois de vencer o Cobreloa na final. Quatro dias depois, Flamengo perdeu contra Vasco mas se classificou para o triangular final do campeonato carioca, contra o America e o próprio Vasco.

    Flamengo estreou com uma vitória 1×0 sobre America com um golaço de Wilsinho, que entrou no decorrer do jogo, Zico fazendo um corta-luz sensacional para deixar o caminho livre ao Wilsinho. A vitória do Mengo ofereceu ao campeonato carioca uma final, já que Vasco também tinha vencido o America 1×0. No início do segundo tempo, Marquinho Carioca, que jogou depois no Flamengo, fez o único gol da partida para Vasco, impedindo o bicampeonato do Flamengo. No 5 de dezembro de 1982, exatamente 4 meses depois da Tragédia de Sarriá, Flamengo fechou a temporada de 1982 de uma maneira melancólica, mas não pode esquecer o título brasileiro no Olímpico e a magia de Zico, que vivia nesses tempos seu auge como jogador de futebol.

  • Ídolos #22: Geraldo

    Ídolos #22: Geraldo

    Para a crônica #22 do 26 de agosto, uma trista lembrança de um ídolo, Geraldo, que morreu no 26 de agosto de 1976, com apenas 22 anos. O Flamengo de 1978-1983 é um dos maiores times da história, e não é possível de reescrever a história, mas acho que com Geraldo no meio de campo, o time teria sido ainda mais especial, ainda mais histórico, com ainda mais jogos eternos. Geraldo sempre foi um gênio, um ídolo do futebol e do Flamengo.

    Geraldo Cleofas Dias Alves nasceu craque, no 16 de abril de 1954, em Barão de Cocais, no Minas Gerais. Nasceu numa família de futebolistas, dos 9 filhos, 5 jogaram futebol, como Lincoln, que jogou no América Mineiro, e Washington, zagueiro do Flamengo no início dos anos 1970 antes de ir no Portugal. Mas o maior craque da família era Geraldo. Um ano mais jovem que Zico, começou na base do Flamengo e se tornou o melhor amigo de Zico. Frequentava a casa de Zico e era até chamado de “filho marrom” pelo pai de Zico. E era craque, como fala Zico no livro Zico, paixão e glória de um ídolo, de Lúcia Rito: “O Geraldo tinha um domínio incrível sobre a bola. Ele jogava sempre com a cabeça em pé, não olhava para baixo, e a bola nunca desgrudava da chuteira dele. Eu ficava muito espantado ao ver aquela telepatia dele com a bola. Só anos depois encontrei outro jogador que fazia o mesmo, o Leandro”.

    Geraldo foi lançado no profissional em 1973 pelo técnico Joubert. Era o início dos anos 1970, cabelo black power e irreverência, dentro e fora do campo. No time, tinha também Paulo César Caju e Afonsinho, sempre craques de bola, às vezes problemáticos. Para uma matéria de UOL, Afonsinho compara Geraldo a “um Beckenbauer brasileiro, um Beckenbauer tropical” quando Paulo César acha que “Geraldo tinha o estilo de Didi”. Jogava de cabeça erguida, e driblava, driblava muito, driblava levemente, quase inocentemente, o que lhe deu um dos apelidos mais sensacionais do futebol brasileiro, Geraldo Assoviador. “O apelido ‘assobiador’ não é mentira. Ele jogava assobiando, era mania que ele tinha de ficar assobiando, parece que era um tique nervoso que dava nele. E ele jogava bola com a maior naturalidade” explica para UOL Dão, um amigo de infância.

    Com Zico, e outros jovens lançados pelo Joubert, como Jayme, Rondinelli e Júnior – que aceitou jogar na lateral sabendo que o meio de campo estava sem espaço por causa de Geraldo – o Assoviador fez parte do time histórico de 1974 e levou o campeonato carioca nesse ano. Zico foi artilheiro, com passes de Geraldo. Vale a pena citar um longo trecho de Zico no livro Zico conta sua história: “O time estava se reformulando, com a entrada do pessoal que havia conquistado o campeonato dos juvenis. E foi aí que o Geraldo foi promovido à equipe titular. O Geraldo foi meu grande companheiro de tabelinhas. Um sabia o que o outro ia fazer e já lançava a bola apostando na capacidade do outro. Era incrível o domínio que ele tinha sobre a bola. Jogava sempre de cabeça em pé, não olhava para baixo – e a bola nunca desgrudava da chuteira dele. Eu ficava espantado: ‘Como é que você faz isso, cara?’ Há jogadores que, com o tempo e a experiência, conseguem ter essa telepatia com a bola. Mas o Geraldo fazia isso com vinte anos! Mais tarde, vi o Leandro jogar do mesmo jeito, no Flamengo. Tinha um feitiço lá entre eles e a bola, juro que tinha. Lá em casa, adoravam o Geraldo. O velho Antunes o chamava de “meu filho marrom”. E o Geraldo fora meu amigão, companheiro de farras de solteiro […] Geraldo tinha fama de rebelde, de não gostar de treinar, de não cuidar da forma física. Mas era a rebeldia dele que surpreendia todo mundo em campo – principalmente os adversários. Era o que criava a jogada inesperada, aquela que saía do certinho e colocava a gente de cara pro gol, o passe de curva que encontrava o pé da gente no meio de uma moita de zagueiros, o lançamento a distância – como se fosse um milagre, com endereço do destinatário muito bem explicado. O Geraldo era um gênio”.

    Em 1975, Geraldo já era jogador da Seleção, convocado para a Copa América pelo Osvaldo Brandão, que até tentou levar o jogador no seu clube, Palmeiras. Mas Geraldo era imperdível para o Flamengo. Geraldo jogou dois jogos na Copa América, o último contra o Peru, que selou a eliminação do Brasil depois de um sorteio muito duvidoso. Ainda jogou algumas partidas com a Seleção em 1976, conquistando no seu sétimo e último jogo com a Seleção a Taça do Atlântico no Maracanã, ainda sob o comando de Osvaldo Brandão. “Osvaldo Brandão adorava o futebol do Geraldo. Ele gostava mais do Geraldo do que de mim” explica Zico. Geraldo ainda jogou muito com o Flamengo, como no eterno Fla-Flu de 1976, quando Zico fez 4 gols. E como Zico, Geraldo perdeu o pênalti na disputa contra Vasco na final da Taça Guanabara de 1976, depois de fazer um gol no tempo normal. Flamengo perdeu a Taça na frente de 133.444 espectadores, mas talvez a geração de ouro do Flamengo começou nesse dia. Infelizmente, sem Geraldo.

    Dois meses depois do jogo contra Vasco, chegou o triste dia de 22 de agosto de 1976. Geraldo tinha uma operação para extrair as amídalas, uma cirurgia sem risco, mas Geraldo tinha medo, até não apareceu na clínica um ano antes, quando Zico e Júnior fizeram a mesma operação. O time do Flamengo estava numa excursão no Nordeste e soube depois o que aconteceu, o que era impossível a acreditar: Geraldo morreu as 10h30 da manhã de um choque anafilático causado pela anestesia. Ele tinha apenas 22 anos.

    Foi um choque para todo mundo, a família claro – a irmã aprendeu a notícia no rádio – a família depois culpou o médico, mas ele foi absolvido pelo Conselho Regional de Medicina. Foi um choque claro para o Flamengo, para o presidente Hélio Maurício, que falou uma vez: “Eu só vi dois jogadores que jogam de cabeça erguida no Brasil. O Didi e o Geraldo”. Foi um choque para os companheiros do time, os irmãos de longa data, como Jayme, ainda emocionado 45 anos depois ao lembrar o amigo, como Zico que falou no livro Zico conta sua história: “O Geraldo, meu melhor amigo na época… Não conseguia acreditar na notícia, até chegar de volta ao Rio, até ver o corpo dele sendo velado no Flamengo”. Foi um choque para os rivais no campo, mas amigos fora, como Carlos Alberto Pintinho, ídolo do Fluminense, e que explicou para UOL: “Eu não acredito muito em destino, sei lá. Mas depois da morte do Gera, a única decisão que tomei foi ir embora do Brasil. Ele partiu e eu também, porque eu não aguentava ficar”. Foi duro para todo mundo, foi duro para a torcida do Flamengo, que apesar de todos os sucessos em campo, vivia tragédias fora, com a morte de Cláudio Coutinho em 1980 e a de Figueiredo em 1984.

    Algumas semanas depois, teve um jogo em homenagem ao Geraldo para ajudar a família com a renda, entre Flamengo e a Seleção brasileira. Pelé, que não tinha jogado com a Seleção desde sua aposentadoria em 1971, voltou dos Estados Unidos para participar ao jogo, que teve a presença de quase todos os campeões do mundo de 1970. E a participação do Pelé não foi apenas como jogador, mas como homem também. Relembra Lincoln, o irmão de Geraldo, para UOL: “O Pelé me disse: ‘Quando estiver faltando 20 minutos pra terminar, se o alto-falante do Maracanã não tiver anunciado a renda, você vai subir até a tribuna de honra e vai cobrar. Se não derem a renda para o público, eu paro o jogo e vou notificar para a imprensa o motivo’. Mas a renda não saía de jeito nenhum e o Pelé me fez um sinal. Eu estava na entrada do vestiário e ele fez gestos com os dedos para eu subir. Na Tribuna estava o Almirante Heleno Nunes, presidente da CBD, e o presidente do Flamengo, Hélio Maurício. Quando cobrei, disseram que eu estava desconfiado. E eu respondi: ‘Não sou eu que estou desconfiando, não. É aquele negão lá embaixo. Ele falou que se não der a renda, ele para com o jogo’, Aí anunciaram: 2 milhões 382 mil cruzeiros”. O jogo não é eterno ainda nesse blog, mas Flamengo ganhou 2×0, na frente de 142.404 pessoas, ajudando, além da família, a superar a dor da perda do ídolo.

    Infelizmente, tem poucas imagens de Geraldo em campo, mas suficientemente para ver que ele era craque. Fica essas imagens raras, fica os números, 13 gols em 168 jogos entre 1973 e 1976 com o Manto Sagrado, e fica as dúvidas, principalmente qual teria sido a carreira de Geraldo, com Flamengo e com a Seleção brasileira? O Flamengo ganhou tudo, foi pura magia, mas talvez faltou as tabelinhas entre Geraldo e Zico, quais eram comparadas a apenas uma outra dupla, Pelé – Coutinho. E para a Seleção, Geraldo era nome quase certo para a Copa do Mundo de 1978, quando o Brasil foi campeão moral, mas não campeão em campo. Geraldo foi uma das maiores perdas do futebol brasileiro, só vem para mim um outro nome, também um jogador que driblava muito, voava em campo, também polêmico fora do campo, que morreu com apenas 23 anos, defendendo as cores do Vasco, Dener. Mesmo sem ter acompanhado essa época ao vivo, sinto muita falta desses dois craques. Não é possível saber quais lances mágicos eles ainda fariam, só tem uma certeza: Geraldo era craque e ídolo do Flamengo.

  • Jogos eternos #89: Flamengo 2×1 Internacional 2003

    Jogos eternos #89: Flamengo 2×1 Internacional 2003

    Pela primeira vez no francêsguista, eu escrevo sobre um jogo eterno do ano de 2003. Claro, não foi o time mais histórico da história do clube, mas valia a pena escrever sobre esse jogo contra o Internacional. Principalmente porque hoje, apesar da classificação na final da Copa do Brasil, o time está mal, precisa de uma reação no Brasileirão. Vinte anos atrás, o time também estava mal, com 5 derrotas nos últimos 6 jogos.

    A série negativa foi fatal para o técnico Nelsinho Baptista e ele foi substituído pelo Oswaldo de Oliveira, um técnico muito bom, que teve seus maiores sucessos no início da carreira, com o Corinthians e Vasco no fim do século XX. No 24 de julho de 2003, para seu primeiro jogo com o Flamengo, Oswaldo de Oliveira escalou o time assim: Júlio César; Fábio Baiano, Fernando, Fabiano Eller, Cássio; Fabinho, Jônatas, Jean, Igor; Edílson, Fernando Baiano. Um time longe de ser o maior da história do clube, mas alguns bons jogadores, até um ídolo, Julio César, até um craque, Edílson. Do lado do Internacional, também um técnico que eu admiro, Muricy Ramalho, que escalou nesse dia um time reserva e dois ídolos, o goleiro Clemer e o zagueiro Bolívar.

    No Maracanã, uma quinta-feira, apenas 7.996 espectadores para ver o primeiro gol do jogo, com meia hora de jogo, com um golaço, Cidimar de calcanhar, de forma acrobática, para abrir o placar para o Inter. Flamengo precisava reagir, não podia perder mais um jogo, que seria o quarto consecutivo. Flamengo reagiu primeiramente com um chute de Fernando Baiano, que parou nas luvas de Clemer, que jogou no Flamengo entre 1997 e 2002.

    O gol do empate chegou ainda no primeiro tempo, com a participação dos baianos. Cruzamento de Fábio Baiano para a cabeçada de Fernando Baiano, para o gol, para o alívio do Maraca. Detalhe, se Fábio Baiano nasceu na Bahia, em Feira de Santana, Fernando Baiano não tem nada de baiano e nasceu em São Paulo. Mas seu técnico na base do Corinthians, o antigo jogador Mirandinha, chamava ele de baiano, gíria de São Paulo, e o apelidou ficou.

    O gol da virada chegou no segundo tempo, com um gol de Jean, chamado assim porque se chamava Jean. Nos acréscimos, o Internacional fez o gol do empate, mas Jefferson Feijão, chamado assim porque segundo ele comia muito feijão na juventude, foi bem marcado impedido. No final, uma vitória sofrida, mas uma vitória, que permitia ao rubro-negro de voltar a uma triste 13a colocação.

  • Ídolos #21: Marcelinho Carioca

    Ídolos #21: Marcelinho Carioca

    Marcelinho Carioca é um dos maiores nomes do futebol. Eu falo do nome mesmo. Ele se chama Marcelo Pereira Surcin, eu me chamo Marcelin Chamoin. Ele nasceu no Rio de Janeiro no 31 de dezembro de 1971, meu coração mora no Rio de Janeiro. Então Marcelinho Carioca também é meu nome. Uma vez, escrevi uma ficção sobre um jogador de futebol. Claro, meu personagem jogava no Flamengo. E se chamava Marcelinho Carioca.

    Marcelinho Carioca não foi um dos maiores jogadores do futebol, de primeiro patamar, mas ele foi outras coisas. É um dos maiores ídolos da história do Corinthians. Numa enquete de GloboEsporte com os torcedores, ele ficou no segundo lugar, ficando só de pouco atrás de Sócrates. Mas antes, Marcelinho começou a carreira no Flamengo. E começou em grande estilo. Foi lançado em 1988, com apenas 16 anos. Foi lançando num Fla-Flu, meu clássico favorito no futebol. Foi lançando pelo Telê Santana, para mim o maior técnico brasileiro da história. E substituiu Deus, o próprio Zico. Só faltou o gol, que chegou no ano seguinte, Marcelinho já com a camisa 10 do craque, vencendo o goleiro veterano do Grêmio, Mazarópi.

    No Flamengo, oscilou um pouco e não jogou a final da Copa do Brasil de 1990, vencida contra Goiás. Mas honrou a lema: “Craque, o Flamengo faz em casa”. Jogou com Djalminha, Marquinhos, Zinho, Paulo Nunes, Nélio e Júnior Baiano, a maioria dos jogadores vencendo a Copinha no mesmo ano de 1990. Marcelinho Carioca jogou a Libertadores em 1991 e fez seu primeiro gol de falta com o Manto Sagrado nessa competição mesmo, contra o Corinthians, olha a ironia do destino. Marcelinho fez dois gols nas oitavas contra Deportivo Tachira, mas Flamengo caiu nas quartas de final contra Boca Juniors, Marcelinho jogando apenas os 45 primeiros minutos do jogo de ida. E no final do ano, ganhou o campeonato carioca, fazendo golaços de falta contra Fluminense e Vasco, não tem melhores adversários para fazer um golaço.

    Em 1992, o pentacampeonato brasileiro, mas Marcelinho ainda oscilava entre o bom e o ruim, entre titularidade e banco. Na final contra Botafogo, só entrou no final do primeiro jogo. Fechou a temporada de 1992 com um gol de falta contra Vasco e foi em 1993 que ele explodiu, afinal ele só tinha 21 anos. Liderou o time com classe e técnica, com gols e assistências, liderou o time até a final da Supercopa Libertadores, contra o São Paulo de Telê Santana. Na ida, 2×2, Marcelinho fazendo o passe no primeiro gol de Marquinhos. Na volta, de novo 2×2, com gol de Renato Gaúcho num escanteio de Marcelinho e gol de Marquinhos num passe de Marcelinho. Na disputa de penalidades, Marcelinho foi o único a errar, oferecendo o título ao São Paulo. Incrível com a carreira de Marcelinho Carioca foi marcada com pênaltis perdidos.

    Uma semana depois, fez seu último gol de falta com o Manto Sagrado, contra… o Corinthians. No fim da temporada, foi vendido pela diretoria, contra a vontade dele. Acho que sem esse erro no pênalti, teria continuado no Flamengo. Falou depois: “Tenho todo o respeito com o torcedor flamenguista, foram vocês que me ascenderam para o futebol brasileiro. Quando foram me vender, eu não queria. Eu saí extremamente chateado e triste, porque me tiraram para pagar o salário dos medalhões […] Eu não queria sair do Flamengo. Falar que eu queria vir pra São Paulo, pro Corinthians, eu vou tá mentindo. Não queria. Não conhecia São Paulo. Eu queria jogar no Maracanã, no Flamengo”. Júnior Baiano, Djalminha e Paulo Nunes também foram vendidos. Marcelinho parece ainda hoje magoado, falando que a geração dele era muito melhor do que a de 2019. Não sei, como também não sei se uma dupla Marcelinho – Sávio teria funcionado. Mas certeza é que como todos esses jogadores, Flamengo teria tido mais chances de títulos para o ano do centenário.

    Mas Marcelinho saiu do Flamengo e chegou no Corinthians, virou Marcelinho Carioca, virou ídolo da torcida, virou o Pé de Anjo. Um pé muito pequeno, mas um talento enorme, deixava a bola onde queria, de lançamento, de falta, de escanteio. E que os clubistas mais ferozes do Flamengo me perdoam, mas Zico está só no terceiro lugar para mim na lista dos maiores batedores de falta da história do futebol. Como vice, um vascaíno, Juninho Pernambucano. E como primeiro, um flamenguista, Marcelinho Carioca. Zico é letal até os 30 metros, mas Juninho e Marcelinho conseguiam fazer gol até 40 metros de distância. E Marcelinho leva vantagem sobre Juninho por uma coisa, a variedade. Juninho batia de um jeito só, muito difícil para o goleiro defender, mas de um jeito só. Marcelinho batia colocado, batia com força, batia com a parte interna do pé, batia com o peito de pé. Batia de qualquer jeito e regularmente fazia o gol. O Pé de Anjo, meu ídolo.

    Não relembro quando conheci Marcelinho Carioca. Relembro que jogou na França, no Ajaccio em 2004, mas jogou pouco, 10 jogos e 2 gols só. Mas acho que ele já era um nome conhecido para mim, também jogou no Parque dos Príncipes contra Paris em 2000 num amistoso com o Corinthians. Depois, vi vários vídeos dele. Porque não era só um dos maiores ídolos do Corinthians, não era só maior batedor de faltas, não era só meu nome preferido do futebol, era também um jogador completo, de técnica rara até no Brasil onde teve tantos malabaristas, era um jogador delicado, com grande visão de jogo. Podia ver onde devia colocar a bola, e o pé dele colocava a bola no lugar exato. Depois da primeira passagem no Mengo, nunca mais jogou no clube. Uma pena, queria ter tido a chance de ver ele ao vivo com o Flamengo. Mas entre 1988 e 1993 honrou muito o Manta Sagrado, com 49 gols em 242 jogos, com golaços de falta, com jogadas de gênio. Porque Marcelinho Carioca era um gênio mesmo.

  • Jogos eternos #88: Coritiba 1×3 Flamengo 1998

    Jogos eternos #88: Coritiba 1×3 Flamengo 1998

    Um jogo pode ser eternizado aqui com uma goleada ou um título, como aconteceu várias vezes na história do Flamengo. Também pode ser eternizado com a atuação de um jogador, como aconteceu no último jogo eterno, quando o ídolo Sávio martirizou o Grêmio na Copa do Brasil de 1995. Também pode ser eternizado com um golaço, como acontece hoje, com gol de outro ídolo, Romário.

    A competição era o Brasileirão, já no segundo semestre de 1998. Flamengo já tinha decepcionado durante o ano, várias vezes. No Torneio Rio – São Paulo, nenhuma vitória em 6 jogos. Na Copa do Brasil, uma eliminação contra Vitória depois de uma goleada 5×0 sofrida. No campeonato carioca, alguns jogos de W.O e o Vasco campeão, no ano de seu centenário. No Brasileirão, Flamengo começou com um empate 1×1 contra Botafogo.

    Na segunda rodada, Flamengo foi jogar contra Coritiba, lá no Couto Pereira. No 1o de agosto de 1998, Joel Santana escalou Flamengo assim: Clemer; Eduardo, Ricardo Rocha, Luís Alberto, Vagner; Marcos Assunção, Leandro Ávila, Beto; Nélio, Cleisson, Romário. Confesso que não relembrava que o grande zagueiro Ricardo Rocha, campeão do mundo em 1994 com a Seleção, jogou no Flamengo, encerrando a carreira em 1998 depois de 24 jogos com o Manto Sagrado.

    Na frente de 19.192 espectadores no Couto Pereira, Flamengo começou bem o jogo, abrindo o placar no 17o minuto do primeiro tempo. Uma falta de Luís Alberto, Beto completamente sozinho na grande área, uma cabeçada, um gol. Mas Coritiba empatou apenas 3 minutos depois, também numa falta, Brandão desviando um chute de Luís Carlos. No intervalo, Coritiba 1×1 Flamengo.

    Com uma hora de jogo, um frango do goleiro Régis, um presente para Vinícius, que entrou no lugar de Beto. No cruzamento de Vagner, Régis tentou bloquear a bola e a deixou nos pés de Vinicius, que fez o gol mais fácil do dia. E o gol mais difícil ficou para Romário, que fez o golaço, que deixou o jogo eterno no finalzinho. Romário recebeu a bola, caminhou 15 metros, e a 30 metros de gol, fez um chutaço, um golaço, encobrindo Régis. Uma bola indefensável, uma comemoração mítica, um golaço.

    Romário era o gênio da grande área, mas podia fazer gol de qualquer lugar. Romário tinha tranquilidade na hora da finalização, mas também podia chutar forte. E não foi só força, deu efeito para a bola passar em cima do goleiro, mas em baixo do travessão. Romário era o artilheiro nato e fazia nesse dia mais um golaço com o Manto Sagrado.

  • Jogos eternos #87: Flamengo 2×1 Grêmio 1995

    Jogos eternos #87: Flamengo 2×1 Grêmio 1995

    Antes do Flamengo x Grêmio da Copa do Brasil, eu tinha várias opções para a lembrança de um jogo eterno. Os sucessos recentes, de 2018 ou 2021, ou, como foi o caso para o jogo eterno da ida, o confronto de 1999, quando Romário brocou mais uma vez. Até o jogo de 1993 era uma opção apesar da eliminação no final, Flamengo ganhando 4×3 na ida no Maracanã. Finalmente, vou de outro jogo, um jogo eterno de 1995.

    O ano do Flamengo era do centenário e o time precisava de um título. Jogou a Copa do Brasil como um dos convidados da CBF, na época tinha só 36 times na Copa do Brasil, a maioria campeões estaduais. Flamengo passou a fase preliminar eliminando Sousa, time paraibano, depois passou de Gama, Kaburé e Cruzeiro até chegar na semifinal contra Grêmio, outro time convidado pela CBF. Dois convidados, mas dois timaços, o Grêmio de Luiz Felipe Scolari tinha alguns nomes de peso no futebol brasileiro, com Danrlei no gol, Arce e Adílson na defesa, Dinho e Arílson no meio, Paulo Nunes e Jardel no ataque.

    Do lado do Flamengo, outros nomes de peso, e no 23 de maio de 1995, Vanderlei Luxemburgo escalou Flamengo assim: Roger; Marcos Adriano, Jorge Luis, Válber, Branco; Fabinho, Charles Guerreiro, Marquinhos, Mazinho; Sávio, Romário. Um time que precisava de um título, e uma das primeiras oportunidades foi a Copa do Brasil. Do outro lado do chaveamento, um jogo entre Vasco e o Corinthians, e a possibilidade de um Clássico dos Milhões na final.

    Esse jogo não é eterno por causa da atuação do time, mas de um jogador, um ídolo aqui, Sávio. No meio do primeiro tempo, fez um de seus gols mais bonitos com o Manto Sagrado, passando de vários defensores antes de achar as redes de Danrlei. Era impressionante a habilidade de Sávio, parecia que a bola obedecia aos seus pés, que ele nunca podia perder o controle da bola. O adversário, ou era driblado, ou fazia a falta, tomava o cartão amarelo, o vermelho, como aconteceu com Dinho. Do lado do Grêmio, a maior esperança era as cabeçadas de Mario Jardel, mas Roger fez ótima defesa.

    Do lado do Flamengo, só Sávio, driblando, levitando entre os defensores gremistas, levando os 25.220 espectadores à loucura. E no final, mais um golaço de Sávio, driblando o goleiro, esperando o momento certo para vencer Arce, que fazia função de segundo goleiro. Flamengo era quase na final, mas no finalzinho do jogo, duas notícias ruins. Num cruzamento de Arce, Jardel fez o gol de cabeça, o gol da esperança para Grêmio. E mais, Romário saiu machucado, perdeu um mês de competição, perdeu o jogo de volta. E Flamengo perdeu o jogo de volta, Jardel fazendo o único gol do jogo, eliminando Flamengo. Eu acho que Flamengo teria vencido a final contra Corinthians, mas enfim, Flamengo perdia um primeiro título no ano do centenário.

    Mesmo sem a classificação no final, valia a pena relembrar esse jogo pela atuação de sonho de Sávio. Fazia muitos grandes jogos, e tem ao menos um jogo eterno por ano, contra Palmeiras em 1994, contra Grêmio em 1995, contra Vasco em 1996, contra o Real Madrid em 1997. Difícil apontar o melhor desses porque a impressão era sempre a mesma, o que jogava fácil o Sávio, o que jogava bonito o Sávio.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”