Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #326: Bahia 0x2 Flamengo 2001

    Jogos eternos #326: Bahia 0x2 Flamengo 2001

    Na última crônica, escrevi sobre um jogo contra Cruzeiro em 2014, ano difícil para o Flamengo, com luta contra o rebaixamento. No Brasileirão de 2001, também foi complicado, até pior. Flamengo fechou a primeira fase na 24.a colocação, com apenas dois pontos a mais que o primeiro rebaixado. Talvez com um número menor de times no campeonato, o desfecho teria sido terrível. Ou talvez com um outro resultado na Fonte Nova contra Bahia.

    Flamengo estreou no Brasileirão com um 0x0 contra a Ponte Preta e em seguida perdeu três jogos consecutivos, o último um 0x4 contra o Athletico Paranaense. Se recuperou um pouco vencendo Sport em casa, antes de um jogo emSalvador. Flamengo não tinha Petkovic, mas em troca tinha a volta dos convocados Juan e Edílson. E mais, tinha a estreia de Vampeta, por coincidência nas suas terras natais da Bahia. A contratação foi motivo de esperança para a Nação, mas em campo só rendeu decepções.

    Em 19 de agosto de 2001, o técnico Zagallo escalou Flamengo assim: Júlio César; Alessandro, Juan, Leonardo Valença, Cássio; Jorginho Araújo, Vampeta, Beto, Fábio Augusto; Edílson, Reinaldo. O time era até bom, mas Flamengo não vencia contra Bahia no Brasileirão desde 1987, ou seja, 11 jogos sem vitória!

    E o início do jogo na Fonte Nova quase confirmou isso. Nonato driblou Júlio César, mas não conseguiu chutar no gol. Na metade do primeiro tempo, Bahia acentuou a pressão, mas a bola apenas flirtou com a trave. E quem não faz, acaba tomando. Aos 26 minutos, Beto cobrou uma falta de longe. No rebote, Edílson girou e tocou para Alessandro, que de calcanhar abriu para Reinaldo, para o gol fácil, para o golaço coletivo.

    No final do primeiro tempo, Júlio César, o herói de tantas lutas contra o rebaixamento, fez duas grandes defesas em cima de Nonato e Marcus Vinícius. E quem não faz, acabada tomando. Na metade do segundo tempo, bem lançado pelo Fábio Augusto, o também baiano Edílson driblou o goleiro e tocou no fundo da rede.

    Flamengo acabava com o jejum contra Bahia, seja no Maracanã, seja na Fonte Nova, e conseguia três pontinhos, que valiam muito mais no final do campeonato. Em 2025, com um luta diferente, agora pelo título, esses três pontos também valem ouro.

  • Jogos eternos #325: Flamengo 3×0 Cruzeiro 2014

    Jogos eternos #325: Flamengo 3×0 Cruzeiro 2014

    Flamengo começa um dos meses mais importantes da temporada, jogando em seguida contra quatro times do G-6: Cruzeiro, Bahia, Botafogo e Palmeiras. Ainda no final do mês, tem os dois jogos da semifinal da Libertadores, com o sonho ainda vivo de conquistar uma dupla Brasileirão – Copa Libertadores, como em 2019.

    Em 2014, porém, o cenário era diferente. Eram tempos de restrições financeiras, com um time bem modesto, que começou muito mal o Brasileirão: apenas uma vitória em 9 jogos. Depois de uma derrota 3×0 contra o próprio Cruzeiro, Flamengo passou a parada para a Copa na penúltima colocação do Brasileirão.

    Na Europa, eu torço pelo Real Madrid desde a final da Liga dos campeões de 2000, um amor consolidado com Ronaldo Fenômeno e Zinédine Zidane, depois com Cristiano Ronaldo e Karim Benzema. O ano de 2014 começou como um sonho com a Décima finalmente conquistada e acabou em pesadelo com o 7×1. Só podia piorar e passei semanas tremendo, quase antecipando, que Flamengo ia cair para a Série B pela primeira vez neste ano de 2014 maldito.

    Porém, Flamengo se recuperou depois da Copa e mesmo sem mostrar um grande futebol, voltou a vencer. Ocupava o meio da tabela, mas muito mais perto do Z-4 do que do G-4. Eu respirava, mas com dificuldades, ainda tremendo um rebaixamento depois de um Brasileirão de 2013 já sufocante. Flamengo ainda precisava vencer todos os jogos, ou quase. E o próximo adversário era temido, era o atual campeão, ainda líder disparado e futuro campeão, o Cruzeiro.

    Em 12 de outubro de 2014, o técnico Vanderlei Luxemburgo escalou Flamengo assim: Paulo Victor; Léo Moura, Marcelo, Wallace, Anderson Pico; Víctor Cáceres, Márcio Araújo, Canteros; Éverton, Alecsandro, Eduardo. Um time bem limitado, com jogadores que davam ansiedade e até agonia. Porém, apesar da diferença técnica entre os dois times, tinha esperança, já que Cruzeiro andava com vários desfalques importantes: o convocado na Seleção Éverton Ribeiro e os lesionados Ricardo Goulart, Júlio Baptista, Borges e Dagoberto.

    Era uma tarde de sol no Maracanã, o que nem sempre combina com uma vitória do Mengo. Já teve vários domingos ensolados frustrados com o Flamengo. O Mengo dominou o início do jogo e aos 15 minutos, Márcio Araújo ganhou uma bola, na parte do campo de Cruzeiro. Abriu na direita para Alecsandro, que cruzou. A bola foi desviada primeiramente pelo Manoel, o outro zagueiro Dedé chegou antes do Fábio e saiu mal, fazendo um belíssimo gol contra. Cruzeiro reagiu e passou a dominar o resto do primeiro tempo. Só não empatou por causa de um gol feito perdido pelo artilheiro do campeonato, Marcelo Moreno. Os Deuses do futebol pareciam ser rubro-negros nesta tarde de sol carioca.

    No segundo tempo, foi a vez do outro zagueiro cruzeirense, Manoel, de falhar feio. Numa bola longa de Léo Moura, Manoel fez mal a proteção para a chegada de Fábio, Canteros teve tempo de roubar a bola e chutar no gol vazio. Cinco minutos depois, num contra-ataque rápido, Alecsandro cruzou da direita. Gabriel, que entrou depois do intervalo, chegou e tocou de primeira para o terceiro gol do Flamengo. O Maracanã explodiu de alegria, bem como o técnico Vanderlei Luxemburgo.

    Flamengo, com seus craques como Canteros, Alecsandro e Gabriel, com a ajuda dos zagueiros adversários, amassava o líder Cruzeiro, conseguia uma segunda vitória consecutiva. Respirava mais na tabela e se distanciava definitivamente de um rebaixamento antes muito ameaçador. Assim, para fechar, uma escrita sagrada do gênio e visionário Nelson Rodrigues: “Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furor imponente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável”.

  • Jogos eternos #324: Flamengo 4×0 Volta Redonda 1976

    Jogos eternos #324: Flamengo 4×0 Volta Redonda 1976

    Sem jogo hoje, eu vou de um jogo aniversariante e uma lembrança de 49 anos. Uma lembrança triste, já que o jogo foi uma homenagem ao Geraldo, que faleceu de forma brutal dois meses antes, com apenas 22 de idade.

    Geraldo era craque e promessa do Flamengo. Já escrevi sobre ele na categoria dos ídolos como escrevi sobre o jogo contra a Seleção Brasileira, com renda destinada à família de Geraldo. Uma semana antes, Flamengo já homenageou Geraldo e entrou em campo de luto, de calções pretos, para um jogo contra Volta Redonda.

    Por mais incrível que parece hoje, o jogo contra Volta Redonda aconteceu no Brasileirão. Flamengo começou bem o campeonato, com 5 vitórias, um empate e uma derrota. O jogo contra o pequeno rival carioca atraiu pouco público no Maracanã, apenas 22.895 torcedores. Em 30 de setembro de 1976, o técnico Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Dequinha, Rondinelli, Paolino, Júnior; Merica, Dendê, Zico; Paulinho, Marciano, Luís Paulo.

    Com 16 minutos de jogo, Zico já brilhou, sem nem tocar a bola. Marciano serviu Zico na grande área, e com a visão e inteligência do craque, num jogada à la Pelé, à la Zico mesmo, o Galinho deixou a bola passar entre suas pernas para abrir o caminho ao Luís Paulo, que chutou firme para abrir o placar. Ainda no primeiro tempo, Paulinho ganhou uma bola no campo de Volta Redonda e fez o passe alto para Marciano. Antes da chegada do goleiro, Marciano cabeceou e fez o segundo gol do dia para o Flamengo.

    O segundo tempo pertence ao quem Nelson Rodrigues – e não só ele, considerava o melhor jogador do mundo, Nosso Rei Zico. Na metade do segundo tempo, uma falta quase na entrada na grande área, no meio da meia-lua, um meio gol. Com metade de força, metade de leveza, 100% de precisão, Zico achou a gaveta, sem chance para o goleiro. Golaço do Zico, que chegava ao 14.o gol de falta com o Manto Sagrado.

    Apenas três minutos depois, Zico recebeu a bola de Júnior e já no domínio, eliminou um adversário. Fintou o chute com força, deixou Vágner no chão, abriu o pé e bateu de leveza, fora do alcance do goleiro, no fundo da rede. Com esse gol, Zico chegava ao 9.o gol no campeonato, igualando Dário no topo da artilharia. Infelizmente, no final do campeonato, Flamengo ficou fora das semifinais por um pontinho e Zico deixou a artilharia por dois gols. Mas Geraldo podia descansar em paz, Zico, apesar do luto, tinha muito futebol e o Flamengo tinha muitas taças para levantar.

  • Jogos eternos #323: Corinthians 1×2 Flamengo 1999

    Jogos eternos #323: Corinthians 1×2 Flamengo 1999

    Depois do susto na Copa Libertadores, Flamengo volta no Brasileirão, com a posição de líder ameaçada pelo Palmeiras. Antes do jogo contra o Corinthians, tinha muitas opções de jogos eternos, tanto nos anos recentes que nas épocas mais antigas. Mas fazia um tempinho que não escrevi sobre Romário, eu vou então de um jogo de 1999, como o Baixinho sendo mais uma vez o nome do jogo.

    E um Corinthians x Flamengo de 1999 no Pacaembu, com doblete de Romário, inclusive um golaço, todo mundo tem o mesmo lance na mente, talvez menos Amaral, que procura até hoje a bola neste elástico inesquecível. Porém, já escrevi sobre este jogo, que aconteceu no início do ano de 1999 para o Torneio Rio – São Paulo. Hoje eu vou do Corinthians x Flamengo no final do ano, no Brasileirão.

    E quem fazia a festa antes do jogo era o Corinthians. O Timão merecia o apelido com Dida no gol, Rincón, Vampeta e Ricardinho no meio, Edílson e Luizão no ataque. Era o atual campeão brasileiro e começou o Brasileirão de 1999 de maneira perfeita: 7 jogos e 7 vitórias! E mais, o jogo contra o Flamengo era no dia do aniversário do clube, que celebrava os 89 anos da fundação. O Flamengo, que já oscilava no início do Brasileirão com 4 vitórias e 3 derrotas, parecia ser apenas a próxima vítima. Talvez justamente por isso o Flamengo era perigoso e poderoso. Em 1.o de setembro de 1999, o eterno técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Clemer; Pimentel, Luiz Alberto, Fabão, Athirson; Jorginho Araújo, Leandro Ávila, Beto, Fábio Baiano; Leandro Machado, Romário.

    E quem fez a festa no início do jogo ainda era o Corinthians. Com apenas 5 minutos de jogo, o Timão fez a diferença com seus craques. Ricardinho ganhou uma bola no círculo central e achou na direita Edílson, que esperou um pouco e achou do outro lado Luizão. O centroavante só teve a empurrar a bola na rede para abrir o placar. Logo depois, Luizão quase fez o segundo, mas chutou para fora. O Corinthians ainda atacava, Edílson tabelou com Luís Mário e chegou sozinho na pequena área para fazer o gol. Clemer saiu do gol e fez sua primeira defesaça do jogo.

    Aos 27 minutos de jogo, Pimentel lançou a bola, perfeitamente dominada pelo Beto, que ainda fez o toque leve, nas costas da zaga corintiana, em direção ao Romário. Também de costas, o Baixinho dominou de peito, tocou uma vez na bola para se posicionar na frente do gol, e na continuidade da jogada, chutou forte, chutou firme, chutou no cantinho de Dida. Golaço de Romário, que ainda exibiu na comemoração uma mensagem na camisa: “Armas não protegem, matam”.

    Quem matava era o próprio Romário. Aparecia pouco no jogo, mas sempre de maneira letal. Sete minutos depois do gol do empate, Beto, em posição de ponta-esquerda, cruzou. Romário subiu mais alto que Augusto, mais alto que o céu paulista. O Baixinho cabeceou e virou, calou o Pacaembu e estragou a festa corintiana.

    No segundo tempo, foi a vez de Clemer brilhar, defendendo um pênalti que ele mesmo tinha concedido. Clemer ainda defendeu um chute potente de Edílson e um quase golaço de calcanhar de Fernando Baiano. O campeão – ex e futuro, o aniversariante, era o Corinthians sim, mas quem fazia a festa era a torcida do Mengo, com mais uma atuação memorável de seu craque e ídolo, o Baixinho Romário.

  • Jogos eternos #322: Estudiantes 0x2 Flamengo 1991

    Jogos eternos #322: Estudiantes 0x2 Flamengo 1991

    Flamengo venceu Estudiantes na ida na Copa Libertadores, mas apesar da vitória, o resultado é frustrante, tanto pelos gols perdidos que pela atuação desastrosa do juiz. Quando era possível de assegurar a classificação já no Maracanã, o jogo na Argentina promete agora ser difícil e tenso.

    Na Supercopa Libertadores 1991, o jogo de ida no Brasil também foi frustrante. Flamengo enfrentou um fraco Estudiantes, que ainda teve dois jogadores expulsos no decorrer do jogo. E Flamengo, mesmo com um golaço de Júnior, não conseguiu fazer melhor que um 1×1, um jogo eternizado na semana passada no Francêsguista. Para o jogo de volta, a torcida do Estudiantes prometia um inferno no estádio do Hurácan. “Mengo se prepara para a guerra” até escreveu o Jornal dos Sports um dia antes do jogo. Em 9 de outubro de 1991, o eterno técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Rogério, Wilson Gottardo, Piá; Zé Ricardo, Júnior, Marquinhos, Zinho; Paulo Nunes, Gaúcho.

    Para o jogo, Flamengo tinha a volta de Júnior, que já veterano, foi jogar um amistoso de times Masters no Japão. Fez as 30 horas de voo para jogar na Argentina, para mudar o time do Flamengo. Como prometido, jogo começou tenso, com cantos da hinchada na arquibancada, com duelos disputados em campo, com pouco espaço para fazer o gol, até para chutar. A diferença podia se fazer nas bolas paradas. Júnior, sempre ele, cobrou bem um escanteio, Paulo Nunes desviou de cabeça na segunda trave, Wilson Gottardo chegou, mas chutou para fora. Estudiantes reagiu, aproveitando uma falha da defesa rubro-negra, mas Capria chutou só um pouco em cima do travessão.

    Jogo seguiu tenso, com carrinhos duros e faltas às vezes nem apitadas. Jogo era difícil, até Júnior errava passes. Faltando 10 minutos para o final do primeiro tempo, Piá ganhou uma bola e lançou Zinho. O meia avançou com a bola nos pés, o zagueiro argentino recuou, tentando fechar o espaço. Na hora de chegar na grande área, Zinho fez o drible seco na esquerda e achou o pequeninho espaço entre o goleiro e a trave para abrir o placar. Até o final do primeiro tempo, muitas faltas, pouco futebol, mas o mais importante, Flamengo na frente, perto da classificação.

    No início do segundo tempo, como era esperado, Estudiantes botou pressão e quase empatou. Piá quase fez gol contra, Trotta quase fez de cabeceio. Gilmar fez uma grande defesa e espalmou para escanteio. Na hora de jogo, o empate parecia questão de tempo. Flamengo finalmente teve um chute ao gol, Zinho fez grande jogada na esquerda e serviu Gaúcho. O chute de longe do centroavante foi desviado por um defensor argentino e não ameaçou a meta de Yorno.

    Abro aqui um parêntese para falar de Gaúcho, artilheiro do campeonato carioca 1990 e da Copa Libertadores 1991 com o Flamengo. O atacante vivia uma grande fase e virou alvo dos próprios argentinos. Para a final do campeonato argentino de 1991, o Boca Juniors andava sem seu artilheiro e ídolo Gabriel Batistuta, que jogava a Copa América com a Albiceleste. Assim, o Boca resolveu conseguir o empréstimo de Gaúcho apenas para os dois jogos da final contra o Newell’s Old Boys de Marcelo Bielsa. Gaúcho disputou os dois jogos, sem fazer gol. Newell’s foi campeão na Bombonera e Gaúcho foi vaiado pela própria hinchada do Boca Juniors. O artilheiro e ídolo rubro-negro prometeu que terá sua vingança.

    E chegou a hora da vingança. Zinho serviu Júnior ainda na parte do campo flamenguista. O Vovô-Garoto percorreu 30 metros com a bola no pé, com olho na movimentação dos companheiros e adversários. Júnior fez o passe na profundidade no momento perfeito para lançar o atacante. Já era meio gol. Ou até mais, considerando que a bola era agora nos pés de Gaúcho. O camisa 9 driblou o goleiro e chutou no gol vazio, a bola entrou mansamente no gol para o desespero dos argentinos, para a vingança de Gaúcho. “Melhor não poderia ter sido. Saio da Argentina com uma grande vitória, deixando um golzinho de recordação para eles” falou depois do jogo o vingativo, que ainda se tornará artilheiro da Supercopa Libertadores e do campeonato carioca na temporada. Flamengo sofreu na Argentina sim, mas saiu com a vitória e a classificação.

    Porém, a viagem na Argentina não foi só de alegria, foi até de luto, com a perda precoce do argentino Doval. Foi ídolo no Flamengo e no Fluminense, daqui a pouco no Francêsguista, foi o “gringo mais carioca do mundo”. Em 1991, dividia seu tempo entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, entre os prédios portenhos e as praias cariocas. Aos 47 anos, ainda estava em plena forma, ganhou um torneio na Argentina com o Flamengo Masters, fazendo dois gols na final contra o Boca Juniors Masters. Uma semana depois, Doval encontrou o time rubro-negro num hotel de Buenos Aires depois da vitória sobre Estudiantes. Ressaltou seu amor pelo Flamengo e foi comemorar a classificação numa boate da cidade. E seu coração, dividido entre dois países, entre muitos torcedores e torcedoras, parou, deixando órfãos milhões de fãs. O time do Flamengo soube da triste notícia ainda na Argentina. Lembrou Júnior para GloboEsporte: “Eu era o único dali que tinha jogado com ele, que tinha alguma relação com ele. Eu tinha jogado com o Narciso e foi um choque, porque, quando a gente se preparava para a viagem, é que veio a notícia. Ficou todo mundo meio chocado, ele tinha estado com a gente lá no hotel”.

    Na hora de Arrascaeta se aproximar de se tornar o maior artilheiro gringo da história do Flamengo, ultrapassando o próprio Doval, não podemos esquecer o ídolo argentino de cabelo loiro. Assim, fecho essa crônica doce e amarga com um trecho do Jornal dos Sports no dia de sua morte: “Raríssimos jogadores conseguiram encarnar tão bem a mística do Flamengo como o gringo Doval […] Poucos se identificaram tanto com a massa rubro-negra como ele. Cheirava ao povo flamengo e sempre deu tudo de si pelas vitórias. Era incrível como ele e a torcida se pareciam”.

  • Jogos eternos #321: Flamengo 4×1 Vasco 2019

    Jogos eternos #321: Flamengo 4×1 Vasco 2019

    Na quinta, Flamengo venceu o Estudiantes num jogo que quebrou o recorde do público do futebol brasileiro em 2025. O Mengão ainda pode conquistar uma dupla Copa Libertadores – Brasileirão, com um futebol envolvente e ofensivo. Pode se aproximar da melhor versão do Flamengo que eu vi na minha vida, o Flamengo de Jorge Jesus em 2019, com dois títulos em dois dias, com muitas goleadas e tantos jogos eternos. Antes do jogo contra Vasco hoje, vou de mais uma goleada de 2019, contra o maior rival, com recorde de público quebrado.

    Em 2019, Vasco mandou seu jogo contra Flamengo no Mané Garrincha para ganhar mais dinheiro, perdendo ao mesmo tempo o apoio do estádio e de seus 65.418 pagantes. O Mané Garrincha, como todo o Brasil, tem em sua maioria o Flamengo. Pior ainda para Vasco, era um Flamengo ainda em construção, mas já avassalador, já com alguns jogos eternos. Flamengo já tinha um paredão, Diego Alves, que brilhou contra Emelec, já tinha um trio ofensivo de destaque, que brilhou contra Goiás e Botafogo entre outros. Em 17 de agosto de 2019, o técnico Jorge Jesus escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rodinei, Thuler, Pablo Marí, Filipe Luís; Willian Arão, Cuéllar, Gerson, Arrascaeta; Bruno Henrique, Gabigol.

    Apoiado pelo estádio rubro-negro, Flamengo dominou o início da partida. Com apenas 4 minutos de jogo, num escanteio, Bruno Henrique cabeceou, bola subiu e caiu no travessão, já inflamando o Mané Garrincha. Arrascaeta continuou a inflamar o estádio com dribles de efeito. O jogo se equilibrou e Diego Alves fez uma defesaça num chute de Raul. No final do primeiro tempo, o placar ainda era de 0x0 até o Flamengo de Jorge Jesus se acionar. Bruno Henrique tabelou com Arrascaeta, fez uma finta e chutou de fora da área. Chutou colocado, na gaveta, para o golaço do dia.

    Bruno Henrique era o nome certo do jogo. No início do segundo tempo, quase fez outro, mas não teve espaço para finalizar. Logo depois, tabelou de novo, agora com Cuéllar e invadiu a grande área. Com a chance de quem acredita no gol, Bruno Henrique teve o rebote favorável e fez seu segundo gol do dia, quase afundou Vasco. Flamengo não perdia o Clássico dos Milhões desde 2016, ou seja, já 12 jogos sem perder, mas nunca tinha ultrapassado os dois gols marcados num jogo. Ainda não era o tempo das goleadas, agora com Jorge Jesus, o Clássico dos Milhões era diferente, tinha um agressor e uma vítima, tinha quem batia e quem apanhava.

    Vasco lutou e conseguiu um pênalti na hora do jogo. O Mané Garrincha, em sua minoria, comemorou. Yago Pikachu bateu, Diego Alves partiu de seu lado esquerdo e desviou o chute para o escanteio. O Mané Garrincha, em sua maioria, comemorou. Por pouco tempo. No escanteio, Vasco fez o gol e voltou a acreditar no empate, quem sabe a virada. Por pouco tempo. Três minutos depois, a volta do Flamengo avassalador, Gerson cruzou, Bruno Henrique cabeceou, Fernando Miguel defendeu parcialmente. Gabigol chegou e mandou de voleio a bola no fundo da rede. O Mané Garrincha exultou, Gabigol comemorou e exibiu a placa “Hoje tem gol do Gabigol”, essa vez vindo de Tocantins, mostrando para a Nação toda feliz. O Flamengo reinava dos Clássicos dos Milhões. Tudo normal em Brasília, no Rio de Janeiro e no Brasil inteiro.

    Flamengo continuou a dominar o jogo, sem fazer o gol da goleada. E faltando dez minutos para o final do jogo, Vasco conseguiu um outro pênalti. Depois do fracasso de Yago Pikachu, o batedor mudou, agora Bruno César. O destino ficou igual, Diego Alves fez a defesaça, com uma mão só. Diego Alves já era o rei dos pênaltis na Espanha, defendendo tentativa de Ronaldo por três vezes, também vencendo seu duelo com Messi e Griezmann. Agora Diego Alves era o outro nome certo do jogo, o paredão do Flamengo, brilhando na Libertadores contra Emelec, brilhando no Brasileirão contra Vasco.

    O Mané Garrincha comemorou ainda mais dois minutos depois, quando foi a vez de Flamengo de conseguir um pênalti. E o cenário era diferente agora, o batedor também. Arrascaeta pegou o goleiro no contrapé e fez o gol para completar o brilho do trio ofensivo rubro-negro, o gol do 4×1, o gol da goleada completa e inteira. Em Brasília, o dono do Clássico dos Milhões de novo era Flamengo, mas agora aplicava uma goleada em cima do rival que não vinha desde 2000. Desde lá, já teve duas outras goleadas rubro-negras sobre Vasco, um 4×1 em 2023, um 6×1 em 2024. Agora a cada Flamengo x Vasco, a questão já não é mais quem vai ganhar, mas se o Flamengo vai aplicar uma goleada.

  • Ídolos #47: Mozer

    Ídolos #47: Mozer

    Eu me tornei flamenguista no dia em que nasci, mas sendo um menino francês, comecei a acompanhar o futebol europeu, conheci a história do futebol com fontes francesas. Assim, comecei a conhecer ídolos do Flamengo já do lado europeu, alguns eternizados aqui, outros grandes zagueiros do Flamengo, como Júnior Baiano, Gamarra ou Juan. E Mozer, apesar de nunca o ter visto jogar – saiu da França no ano de meu nascimento, foi um deles.

    Para o menino francês que eu era, Mozer era ídolo do Olympique de Marselha. Meu padrinho, torcedor roxo do Marselha, me falava de Mozer, que já me fazia vibrar só para ser brasileiro. O padrinho falava que era um zagueiro durão mas técnico ao mesmo tempo, jogava sujo nos tornozelos do atacante, e saía limpo com a bola nos pés. Também falava que Mozer teria merecido conquistar a Liga dos campeões, saiu do Marselha um ano antes do clube conquistar a Taça. Então para mim, Mozer era ídolo do Olympique, como era ídolo do Benfica para um menino português.

    Mas a unanimidade é no Flamengo, onde começou a carreira, onde se consagrou como ídolo. E até hoje um dos maiores zagueiros da história do clube. Em 2025, a Revista Placar elegeu o time dos sonhos dos clubes brasileiros. Como foi o caso nos últimos enquetes, em 1994 e 2006, Mozer foi eleito no time ideal do Flamengo, ao lado de Aldair, outro ídolo rubro-negro que conheci na França. Em 2021, os leitores do excelente site Imortaisdofutebol também elegeram um time dos sonhos do Flamengo. Com justiça, Mozer foi o zagueiro mais votado, na frente de Aldair e Domingos.

    José Carlos Nepomuceno Mozer nasceu em 19 de setembro de 1960, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e cresceu em Bangu. Ainda pequeno, jogou futebol de campo e futsal em várias posições, para já se tornar um jogador especial. Escreveu José Maria Zuchelli na sua biografia Mozer, a história de um campeão: “Era o segundo ponta de lança do time de Campo Grande e defesa de beque parado no futebol de salão do Cassino Bangu. Era a mistura de raça e técnica, ataque e defesa, e isso dei ao jovem Mozer a possibilidade de combater em duas frentes: defendia e já saía para atacar, o que permitia que ele tivesse um nível elevado de jogo e contava com a técnica da bola nos pés”.

    Com 13 anos, foi convidado pelo Botafogo para um torneio retransmitido na televisão. Para driblar a vigilância dos dirigentes de Campo Grande, se pintou o cabelo de loiro. Acabou tendo o efeito contrário. Além do futebol diferente, o visual particular chamou a atenção dos dirigentes do clube, que reconheceram Mozer. Assinou com o Botafogo, mas não se tornou torcedor do clube. Já era flamenguista, inclusive sofrendo demais com a goleada 6×0 do Botafogo sobre o Mengão em 1972, jogo que terá vingança com o próprio Mozer em campo do lado rubro-negro. No General Severiano, Mozer acordava às 4:30 da manhã para chegar aos treinos, jogava como ponta de lança e ponta-direita. Não gostou da posição e conseguiu um teste com o Flamengo. Foi aprovado, agora jogava no time de coração.

    A mistura incomum das qualidades de Mozer trazia um dilema: em qual posição em campo devia jogar? Tinha a raça de um zagueiro ou um volante, a habilidade de um ponta de lança, a velocidade de um ponta. Modesto Bria, ídolo do Flamengo e coordenador da base do Flamengo, sugeriu que Mozer devia jogar como centroavante ou zagueiro. Ainda José Maria Zuchelli: “A primeira foi muito bem-aceita pelo jovem, pois exigia características que ele dominava que eram o tamanho, a impulsão, o domínio e o passe. No entanto, a segunda, a de zagueiro, era detestada pelo jovem atleta. Mozer lembra bem de ouvir do Sr. Modesto a seguinte frase: ‘você vai jogar de zagueiro, e te falo mais, vai entrar no time principal e nunca mais vai sair’”.

    Mozer começou a treinar com os profissionais e viu de perto Zico, maior exemplo de profissional. Explica Zuchelli: “Ao sair do vestiário viu Zico treinando sozinho no campo, ele, as bolas e a velha camisa que pendurava nas gavetas. Treinava cobrança de falta, incessantemente. Ao olhar o treino, voltou para o vestiário e ficou ali, observando o treino e esperando para quando ele saísse de campo. Era o aprendiz vendo o mestre, observando o atleta profissional treinar debaixo de um sol de quase 40 ºC, ao meio-dia. Mozer sentiu certa vergonha por sua atitude de ir embora e, naquele momento, percebeu o porquê de determinadas pessoas fazerem a diferença, porque elas são o diferencial do time […] Mozer se condicionou a treinar, treinar e treinar, cada vez mais. Treinava tanto o ataque como a defesa, gostava de cabecear e imprimia grande velocidade nas jogadas”. Mozer pegou também o mau exemplo do irmão mais velho, talentoso mas que perdeu seu futebol nas noites. Mozer treinou muito, em campo, no ginásio, até na praia, três vezes por semana com Adílio. “O Mozer sempre foi uma pessoa séria na maneira de treinar. Ele treinava do mesmo jeito que jogava” fala o eterno camisa 8.

    Dono de forte personalidade, Mozer estreou no Flamengo antes de completar 20 anos, num Fla-Flu em 1980, saindo com a vitória e elogios da torcida. O primeiro gol saiu em 1981, ano de ouro do Flamengo. Mozer já era uma peça-chave do time que tinha só estrelas, só craques. Mozer defendia no ar e no chão, lutando para cada bola como se fosse uma questão de vida ou morte. Jogando no lado esquerdo da zaga, cobria os avanços de Júnior. E também ele mesmo apoiava os ataques do Flamengo, no jogo aéreo, com uma impulsão absurda, no jogo no chão, com habilidade bola nos pés. E até podia ajudar os companheiros no ataque, ficando na defesa, perto do atacante que marcava. Explica Adílio: “Várias vezes em campo aconteceu de ter um jogador desleal, geralmente o zagueiro do time adversário. Nós não falávamos nada e nem reclamávamos. Só olhávamos para ele e sabíamos que Mozer agiria na hora certa. Aconteceu muitas vezes do Mozer chegar para o centroavante e dizer: ‘avisa os caras lá que estão batendo nos meus companheiros que você vai apanhar aqui também’”.

    Mozer jogou tão bem que Rondinelli, o Deus da Raça, aliás um apelido que também poderia ter caído bem no Mozer, percebeu que tinha perdido espaço no time e saiu do Flamengo nos meados de 1981. E Flamengo ganhou tudo, com Mozer quase sempre titular, vencendo a concorrência de Luís Pereira e Figueiredo, fazendo dupla com Marinho. Foi o caso nos três jogos da final da Copa Libertadores, nos três jogos da final do campeonato carioca, no eterno Mundial contra Liverpool. Quando se fala do Flamengo 1981, sempre se fala de Zico, do meio de campo de ouro com Andrade e Adílio, dos laterais ídolos Leandro e Júnior, dos gols do artilheiro das decisões Nunes. Mas não podemos esquecer de Mozer, que com sua raça e técnica, sua inteligência e folego, permitiu ao time ter ainda mais armas ofensivas, de ser um dos maiores times da história do futebol brasileiro. Inclusive, ficou marcado na história o passe de Mozer para Zico, que achou Nunes na profundidade para abrir o placar contra Liverpool.

    Aos 21 anos de idade, Mozer já tinha ganho quase tudo com o Flamengo, ainda faltava o Brasileirão, não participou da campanha vitoriosa de 1980. Em 1982, foi titular para o bicampeonato, sendo o herói do jogo contra o Atlético Mineiro. No Maracanã, o Atlético Mineiro abriu o placar com um gol de Reinaldo e Flamengo ficou com um a menos com a expulsão de Figueiredo, ainda no primeiro tempo. Nos 15 minutos finais, num falta de Júnior, Mozer subiu no ar e cabeceou, Adílio chegou e empatou. E logo depois, num escanteio de Zico no canto direito, Mozer correu, voou, virou. Era o gol de mais uma virada do Mengo no Brasileirão de 1982. E o gol, pelo escanteio de Zico, pela corrida de Mozer, pela cabeçada até pela comemoração, só faz lembrar o gol de Rondinelli contra Vasco na decisão do campeonato carioca 1978. É quase igual. O Deus da Raça e seu herdeiro.

    Uma lesão tirou Mozer da decisão do Brasileirão de 1982, vencida contra Grêmio. Também não foi convocado para a Copa de 1982. Em 1983, de novo fez um jogo marcante no Brasileirão, fazendo um gol na goleada 5×1 contra o Corinthians, de novo de cabeceio num escanteio de Zico. E de novo, Mozer faltou a decisão do campeonato por causa de lesão. Disputou o jogo de ida no Morumbi, mas perdeu o jogo de volta no Maracanã, sendo outra vez substituído pelo Figueiredo. Logo depois, Mozer fez seu primeiro jogo com a Seleção brasileira, estreando com vitória contra o Chile. Titular na Copa América de 1983, foi destaque na semifinal no Paraguai quando no final do jogo, driblou dois jogadores com a facilidade desconcertante de um ponta-esquerda e cruzou para Éder fazer o gol do empate. Na final, porém, o Uruguai levou o melhor.

    Mozer não jogou no 3×0 contra Santos na final do Brasileirão de 1983, mas foi o carrasco do Peixe no ano seguinte. No jogo de ida na Copa Libertadores, fez dois gols, dois golaços, o primeiro de voleio, o segundo com dribles numa velocidade incomum para um zagueiro. Mozer era muito mais que jogo aéreo e carrinhos nos tornozelos adversários. Na volta, uma goleada 5×0 no Morumbi, Mozer fez outro gol, agora sim de cabeçada caindo no chão, de peixinho num cruzamento do Peixe Frito Leandro, para afundar o Peixe. E apenas dois dias depois, teve outro Flamengo x Santos, agora no Brasileirão, teve outro gol de Mozer, agora de falta. Mozer era mais que um zagueiro completo, era um jogador de futebol completo. “Zagueiro clássico, habilidoso no trato com a bola, também era capaz de dar chutões e, quando necessário, alguma pancada. Como se não bastasse, ainda se tornava uma ameaça quando partia em direção ao ataque e também no jogo aéreo, o que lhe possibilitou a marcação de muitos gols” escreveram Roberto Assaf e Clóvis Martins no Almanaque do Flamengo.

    Além dos gols contra Santos, Mozer fez outros golaços na temporada de 1984, a começar contra Operário no Brasileirão. Numa falta cobrada por João Paulo – Flamengo era órfão de Zico, Mozer subiu no céu carioca, cabeceou e encobriu o goleiro. Flamengo não tinha Zico, mas abriu espaço para outros batedores num time que tinha só craques. Contra o Internacional, Mozer cobrou uma falta, bateu leve, colocado, bem na gaveta. Golaço. Agora na estreia do Brasileirão de 1986, contra Paysandu, Mozer fez outro golaço de falta, agora uma bomba com força máxima para matar o goleiro e a rede. Detalhe, era o segundo gol do dia de Mozer, já tinha feito um de cabeceio num escanteio. Um craque completo, que podia fazer gol de jeitos diferentes, até de pênalti, como fez contra o Corinthians no Brasileirão de 1985.

    Intocável na Seleção, Mozer participou de 18 jogos seguidos como titular entre 1983 e 1985. Também foi titular para a preparação da Copa, mas se machucou no joelho e acabou cortado. No Flamengo, sua ausência deu espaço a mais um zagueirão da casa, Aldair, revelação do campeonato carioca conquistado em cima do Vasco de Romário. Mozer fez sua última temporada no Mengão em 1987, o último gol saiu contra Olaria em maio, e o último jogo um mês depois, um amistoso no Pernambuco.

    Mozer não participou na Copa União de 1987 que teria merecido vencer. No total, foram 292 jogos, 21 gols, e muitos gestos, alguns de classe, outros de violência, tanto para defender que no ataque, sempre com orgulho de vestir o Manto Sagrado. “No Flamengo, era a força, mas também a técnica. Capaz de jogadas ríspidas e, no mesmo lance, de sair de cabeça erguida, com a bola grudada no pé direito. Jogava igualmente do lado direito ou esquerdo da defesa, o que despertou o interesse dos clubes estrangeiros, a partir do momento em que o mercado internacional ficou escancarado, na primeira metade dos anos 80” escreveu Paulo Vinícius Coelho no livro Os 100 melhores jogadores brasileiros de todos os tempos.

    Como muitos jogadores brasileiros da época, o destino de Mozer foi o Portugal, no Benfica, onde conquistou o campeonato português em 1989. Neste ano, seguiu na minha França e assinou com o Olympique de Marselha. Em três temporadas, conquistou três vezes o campeonato nacional, ganhou a admiração e o respeito dos torcedores e inspirou medo aos adversários. Perdeu em 1991 a final da Liga dos campeões que teria merecido ganhar. Inclusive fez o pênalti dele na disputada de penalidades, com calma e categoria, mas não foi suficiente para o time francês. Marselha conquistou o título europeu em 1993, mas Mozer já tinha voltado no Benfica, onde conquistou mais um campeonato português, em 1994. Assim, depois de ser ídolo no Flamengo, conseguia mais idolatria em dois outros grandes clubes da Europa.

    Com a Seleção, foi titular nos dois primeiros jogos da Copa de 1990. Foi suspenso para o terceiro jogo e ficou no banco nas oitavas de final, quando o Brasil foi eliminado pela Argentina de Maradona. Em 1994, como aconteceu em 1986, foi cortado pouco antes da Copa e esta vez se mostrou magoado pela forma que aconteceu. Assim, seu último jogo com a Seleção aconteceu na França onde brilhou, por ironia contra o Paris Saint-Germain, reforçado por alguns jogadores do Bordeaux, dois rivais do Marselha. Com a Seleção brasileira, foram 37 jogos entre 1983 e 1994. Poderia ter sido mais jogos sem uma concorrência absurda. Romário não tem dúvidas em colocar Mozer como um dos melhores zagueiros que enfrentou, ao lado de Ricardo Gomes e Ricardo Rocha.

    Mozer ainda foi jogar no Japão, cedendo ao apelo de Zico. Escreveu José Maria Zuchelli no livro Mozer, a história de um campeão: “Mozer falou que havia parado de jogar, mas ouviu do amigo o pedido de que jogasse mais dois anos, depois estaria tudo bem. A relação entre Mozer e Zico sempre foi como de irmãos e Mozer nunca negaria um pedido do amigo. Foi para o Japão e sentiu grande felicidade em fazê-lo. Depois de um ano no time japonês foi campeão nacional. Não conseguiu jogar os dois anos por conta da dor no joelho que o atrapalhava ainda mais. Juntamente com outros jogadores, como Leonardo, Jorginho e Mazinho foi campeão nacional mais uma vez e encerrou a carreira com chave de ouro, junto ao amigo Zico”.

    Assim acabava a trajetória de um jogador que combinou com muitos poucos a raça e a técnica, que conquistou três continentes, que foi ídolo no Portugal, na França e no Japão. E claro no Flamengo. Para fechar, tive a alegria e o orgulho de encontrar Mozer, na sede do clube, para a apresentação do livro de Zuchelli. Foi rápido, mas tive tempo de dizer que eu era francês. Trouxe para ele uma saudade da França. E para mim, mesmo sem assistir ao vivo nesta incarnação, a saudade do inesquecível Flamengo de 1981, de quem Mozer foi uma peça importantíssima.

  • Jogos eternos #320: Flamengo 1×1 Estudiantes 1991

    Jogos eternos #320: Flamengo 1×1 Estudiantes 1991

    Flamengo teve 4 confrontos contra Estudiantes, sempre de mata-mata. Por coincidência, sempre na extinta Supercopa Libertadores. Outra coincidência, sempre com Carlinhos como treinador, em 1988, 1991, 1992 e 1994. Tinha então algumas opções possíveis para o jogo eterno do dia, e com elas, a indecisão de escolher.

    Quase fui do primeiro jogo, em 1988, com golaço de falta de Bebeto. Mas o jogo aconteceu na Argentina e Flamengo abre hoje as quartas de final da Copa Libertadores no Maracanã. Eu vou então para o jogo de 1991, Flamengo abrindo a decisão no Brasil, no Mané Garrincha. Em 2 de outubro de 1991, para a estreia na Supercopa, o técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Rogério, Wilson Gottardo, Piá; Júnior, Uidemar, Marquinhos, Zinho; Nélio, Gaúcho.

    Talvez ainda mais que hoje, Flamengo estava o franco favorito do jogo, já que Estudiantes ocupava a 16a colocação do campeonato argentino. O time rubro-negro dominou o início do jogo e abriu o placar com 14 minutos de jogo. Na direita, Charles cruzou na segunda trave, Gaúcho cabeceou no meio, na entrada da área. Júnior chegou firme e de primeira, de direita, fez o voleio inspirado, o golaço absurdo, “um gol de placa” segundo o Jornal dos Sports. Na verdade, foi esse o critério para definir o jogo eterno do dia entre 1988 e 1991. Dois jogos contra Estudiantes, dois golaços, um de Bebeto, um de Júnior, o segundo muito mais ídolo do Flamengo.

    Por que o resto do jogo foi decepção. No final do primeiro tempo, Nélio, duas vezes, e Gaúcho, bem servido pelo Charles, perderam a oportunidade de fazer o segundo gol, abrindo o caminho do sucesso. Pior ainda no início do segundo tempo, quando Peinado chutou na entrada da grande área. Gilmar desviou na trave e a bola foi tocar na outra trave, enganando a volta de Gilmar. Aredes aproveitou e chutou na rede vazia para empatar o jogo.

    “Daí para frente, o futebol, que já não era muito, desapareceu” até escreveu o Jornal do Brasil no dia seguinte. Mesmo com dois jogadores a mais – Patrola e Malugano foram expulsos no lado do Estudiantes, Flamengo não conseguiu a vitória, até escapou de uma derrota com algumas oportunidades do time argentino. O Flamengo, com crise de futebol e de funcionários, se preparava para a Taça Rio sem a confiança da torcida. Fluminense tinha vencido a Taça Guanabara e Flamengo tinha a obrigação de vencer a Taça Rio para jogar a final do campeonato carioca.

    O jogo contra Estudiantes foi frustrante, mas tinha um destaque, mais uma vez, quase sempre, Júnior. Escreveu o Jornal dos Sports: “Além do talento, o jogador continua tendo a maior aplicação em campo, onde é eficiente no combate, desarmando as jogadas adversárias com categoria, e tem maior criatividade nas opções ofensivas da equipe rubro-negra”. Com toda sua experiência, Júnior pediu calma e ficou confiante para a volta na Argentina: “Certamente teremos muitas dificuldades em Buenos Aires. Mas acredito que os erros cometidos hoje não vão se repetir. Vamos nos empenhar ao máximo para conquistar a vitória”. E foi o caso, Flamengo venceu na Argentina e se classificou, como venceu Fluminense na final e conquistou o campeonato carioca, com mais uma vez, quase sempre, uma atuação de gala do Júnior.

  • Jogos eternos #319: Flamengo 2×1 Vasco 1951

    Flamengo tem uma de suas semanas mais importantes da temporada até aqui com dois jogos imperdíveis: o jogo de ida das quartas de final da Libertadores contra Estudiantes na quinta, e o Clássico dos Milhões contra Vasco no domingo. O jogo contra Vasco traz mais confiança, já que Flamengo está invicto há 11 jogos contra o velho rival.

    Flamengo até perdeu apenas dois dos últimos 33 jogos contra Vasco desde 2017, mas nem sempre foi o caso, até já aconteceu o contrário. No final dos anos 1940, Vasco era a base da seleção brasileira que chegou ao vice-campeonato mundial em 1950, era o Expresso da Vitória, que não perdia contra Flamengo. Entre 1945 e 1951, Vasco ficou invicto contra o Flamengo durante 20 jogos, com 15 vitórias e 5 empates. Um jejum interminável, que precisava acabar o mais rápido possível.

    Flamengo começou a mudar com a contratação de Rubens, um ídolo no Flamengo e no Francêsguista, um velho alvo da diretoria rubro-negra apesar da juventude do jogador. Escreveram Paschoal Ambrósio Filho, Arturo Vaz e Celso Júnior no livro 100 anos de bola, raça e paixão, sobre Rubens: “Foi visto pela primeira vez quando, convocado para a seleção paulista, disputou o Campeonato Brasileiro de Seleções em 1950, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Rubens encheu os olhos da diretoria do Flamengo. O seu futebol requintado, eficiente e de incessante movimentação se encaixaria perfeitamente no quadro rubro-negro que acabara de perder Zizinho. Mas foi a Portuguesa de Desportos que acabou contratando o craque. Os rubro-negros não se conformaram e só sossegaram quando, um ano depois, em 1951, conseguiram trazê-lo para o futebol carioca”. Finalmente, em 11 de setembro de 1951, o Jornal dos Sports anunciou: “Definitivo: Rubens será do Flamengo”.

    No primeiro treino com o novo time na Gávea, Rubens já conquistou os companheiros, o autoritário técnico Flávio Costa, também os torcedores e os jornalistas presentes no treino. Ainda o Jornal dos Sports, na edição do 12 de setembro de 1951: “Com Rubens confirmado, o clima na Gávea naquele 12 de setembro era de dia de jogo. Nas imediações do estádio, a movimentação de torcedores era intensa. Os ônibus que faziam ponto final nas imediações do clube chegavam lotados. Era o povo rubro-negro querendo assistir ao primeiro treino do novo craque. Quando pisou no gramado, Rubens sentiu o que lhe esperava. Os aplausos e gritos de incentivo foram retribuídos com uma movimentação que fez o técnico Flávio Costa não ter dúvida em escalá-lo para o clássico com o Vasco”.

    Rubens já tinha seu lugar no meio do campo do Flamengo para o jogo contra o poderoso Vasco. O time cruzmaltino era invicto contra Flamengo desde 1945, era o primeiro campeão carioca da Era Maracanã, já líder do campeonato carioca de 1951 com 4 vitórias em 4 jogos, a última com autoridade sobre Fluminense. Por sua vez, Flamengo tinha vencido apenas dois de seus 5 jogos do campeonato e vinha de uma derrota contra Bangu. Era o Clássico dos Milhões que valia ainda mais. Escreveu o Jornal dos Sports no dia do jogo: “Mais uma vez, estarão em confronto, hoje, dois tradicionais adversários do futebol carioca que contam com o maior apoio popular. Não desmentindo a tradição, a peleja que hoje travarão rubro-negros e vascaínos se reveste de grande sensação. Classificado como clássico dos recordes, em relação à renda, não será impossível que nova marca seja batida […] Além das atrações naturais da peleja, teremos a estreia de Rubens, um valor positivo do futebol paulista, que, adquirido pelo Flamengo, mostrou no treino realizado na Gávea suas boas qualidades”. O Jornal dos Sports acertou em cheio, com 120.485 presentes no Maracanã, o estádio marcou um novo recorde para um jogo de clubes. Faltava a estreia de Rubens.

    Em 16 de setembro de 1951, o técnico Flávio Costa escalou Flamengo assim: Garcia; Biguá, Pavão; Modesto Bria, Dequinha, Newton Canegal; Nestor, Rubens, Adãozinho, Índio, Esquerdinha. E no Maracanã, já cheio, ainda jovem, pareceu que o tabu de 6 anos e 20 jogos ia ser mantido. Com apenas 10 minutos de jogo, Maneca aproveitou de uma falha do goleiro paraguaio Garcia e abriu o placar para Vasco. Mas agora Flamengo era diferente, tinha Rubens no meio de campo. Dez minutos depois do gol, Esquerdinha, que fazia jus ao apelido, cruzou da esquerda, Barbosa também falhou, e Adãozinho, sozinho, empatou.

    Rubens cresceu no jogo, e com ele o Flamengo cresceu. Vasco, com todos seus craques antigos, se apequenou. E com hora de jogo, num contra-ataque mortal, Índio matou o Vasco, fez o gol da virada, quem sabe do fim do tabu. Teve um último susto no final do jogo, faltando três minutos, Edmur empatou mas o gol foi bem anulado por impedimento. Depois de invasão no campo e parada de 10 minutos, o juiz finalmente apitou o final do jogo, o fim do martírio rubro-negro. Enfim, depois de 6 anos, 5 meses e 8 dias de interminável espera, Flamengo era o dono do Clássico dos Milhões. No Maracanã, a sensação era de um título. “A quebra da escrita tão cuidadosamente mantida durante sete anos foi muito mais sentida pelos cruzmaltinos do que a perda da liderança” escreveu o Globo.

    Deixo aqui um trecho inteiro do livro já mencionado 100 anos de bola, raça e paixão: “Para a alegria dos rubro-negros, num jogo extremamente disputado, finalmente, a longa escrita que perdurava a eternidade de sete anos seria quebrada. E melhor: com uma exibição de gala do estreante Rubens. Sem, em momento algum, sentir o peso da camisa rubro-negra, ele foi um dos melhores em campo na vitória por 2 a 1, com gols de Adãozinho e Índio. O estilo vistoso com que se apresentou, em breve, seria definido como um futebol de quem era, de fato, um ‘doutor da bola’. Após o jogo, o vestiário, sem as barreiras impostas pelos clubes nos dias atuais, foi invadido por uma euforia incontrolável. Jogadores, dirigentes e torcedores se confraternizavam como se um título houvesse sido conquistado. O treinador Flávio Costa e o presidente Gilberto Cardoso se abraçavam demoradamente. O escritor José Lins do Rego, fanático torcedor do Flamengo, era só alegria. Exultante, comemorava o fim do jejum de vitórias sobre o rival”. Acrescenta Edilberto Coutinho no livro Nação rubro-negra: “O dr. Rúbis e o Flamengo pareciam predestinados. Feitos um para o outro. Viu-se que o casamento dava certo, logo no primeiro jogo. De cara, Rubens vai ajudar a desfazer uma escrita de derrotas e empates, que vinha perseguindo o Mengão”.

    Rubens, sem fazer um gol – mandou de falta uma bola no travessão, fez uma das estreias mais marcantes de um jogador do Flamengo, ao lado de Bruno Henrique contra Botafogo em 2019. No primeiro jogo, o futuro, quem diria já ídolo, conquistou as massas. Conquistou o técnico Flávio Costa. “Tendo feito somente dois treinos conosco, ele já parecia um veterano do time, na estreia contra o Vasco” julgou Flávio Costa, que falará anos depois: “Depois de Zizinho (é o melhor elogio que posso fazer ao Rubens), foi o maior armador que o Flamengo teve. Me congratulo de ter observado as suas mais notáveis qualidades logo que o vi jogando pela Seleção Paulista de Novos”. Rubens conquistou os companheiros, como Evaristo de Macedo: “Ele era um jogador incrível, um doutor mesmo em matéria de futebol. Suas qualidades eram inúmeras. Protegia a bola como ninguém, driblava fácil, lançava bem e tinha um chute de uma precisão fora do comum. Na posição dele, na época, talvez nem o Didi fosse melhor, pois Rubens chegava mais na área para concluir”.

    Rubens conquistou a imprensa. “O mérito, de fato é de direito, deve ficar com o jovem Rubens Josué, que com seus 22 anos e 1,64 m, de tamanho ao comprido, tomou conta do campo e jogou de verde numa equipe amadurecida e perante uma plateia exigente, como o mais experimentado dos veteranos” escreveu Geraldo Romualdo da Silva. Para o Esporte Ilustrado: “Rubens fez uma estreia auspiciosa. Jogando atrás, na armação do jogo, cumpriu aí um trabalho exato, perfeitíssimo, o que mais se torna notável quando lembramos que era esta a sua segunda oportunidade entre os companheiros. A primeira foi no treino, a segunda em pleno jogo. Grande aquisição do Flamengo”. Presente no Maracanã, o jornalista Luiz Mendes lembrou mais de 50 anos depois: “O Rubens vinha da Portuguesa de Desportos cercado de muitas expectativas. E chegou realmente como uma grande esperança para o Flamengo. Ele jogava realmente um ótimo futebol. Eu era narrador da Rádio Globo, no Rio, e lembro que o Rubens fez uma partida espetacular […] Aliás, como acontece com frequência com o Flamengo, no dia seguinte ele começou a virar ídolo da massa. Pudera. Além de habilidoso, vez por outra marcava gols e ainda batia faltas com precisão. Nesse jogo, por exemplo, me recordo bem, mandou uma cobrança na trave. A torcida logo passou a chamá-lo de Doutor Rúbis. Doutor porque se dizia que era um sujeito diplomado em futebol. E Rúbis porque era mais fácil para o povão falar assim”.

    Foi a vitória de Rubens, além do triunfo sobre Vasco, além dos elogios do técnico, do time, da imprensa, Rubens conquistou o mais precioso: a Nação. “ A categoria e o estilo lhe conferiram o grau de doutor; o jeito de moleque e a malandragem lhe deram o apelido de Rúbis. Doutor Rúbis, como passou a ser chamado com carinho pela torcida. Foi, nos anos seguintes, ao lado de Dequinha – com quem se entendia por música — uma das figuras principais do segundo tricampeonato do Flamengo e um dos nomes mais populares da cidade. Futebol de doutor, apelido de malandro: Doutor Rúbis! A torcida jamais o esqueceu” escreveu Fernando Calazans.

    Apesar da estreia brilhante, Rubens ficou bem tranquilo sobre a avaliação do jogo contra Vasco: “Em São Paulo, joga-se mais duro que aqui”. E Rubens, que fumava e bebia muito, revelou o segredo: “Jogo futebol com a cabeça, não preciso tanto das pernas”.

  • Jogos eternos #318: Juventude 2×1 Flamengo 2001

    Jogos eternos #318: Juventude 2×1 Flamengo 2001

    Flamengo finalmente volta em campo hoje contra o Juventude, num estádio difícil de jogar. Flamengo não vence no Alfredo Jaconi desde 1997. Uma eternidade. Mas já falei que o Flamengo de 2025 soa diferente e estou confiante para o jogo. Aliás, o jejum no Alfredo Jaconi que se estendia aos outros clubes cariocas desde 2005 foi quebrado pelo Botafogo há pouco tempo. Porém, mesmo com confiança, fica difícil achar uma vitória no passado para o jogo eterno do dia.

    Assim, eu vou de uma derrota, mas com final feliz. Na Copa do Brasil de 2001, Flamengo eliminou dois times do Nordeste, River de Piauí e ABC, e jogou contra o Juventude nas oitavas de final. Na ida, Flamengo venceu de virada com um golaço de falta de Petkovic e um gol de Reinaldo no final do jogo. Assim, podia empatar para se classificar ou perder de um gol de diferença para ir nos pênaltis. Mas já era o Alfredo Jaconi, onde o Juventude tinha um aproveitamento de 100% até aqui na temporada, onde Flamengo já tinha perdido em 1997 e 1999.

    Além da Copa do Brasil, Flamengo jogava ao mesmo tempo o campeonato carioca e se classificou para a final vencendo a Taça Guanabara. Faltava um jogo para o final da Taça Rio, já com Vasco campeão. A final já era definida e o último jogo da Taça Rio valia nada. Assim, Flamengo podia jogar com as forças máximas para a Copa do Brasil. Em 9 de maio de 2001, o técnico Zagallo escalou Flamengo assim: Júlio César; Alessandro, Juan, Gamarra, Cássio; Leandro Ávila, Rocha, Beto, Petkovic; Reinaldo, Edílson.

    Flamengo começou bem a partida e logo aos 3 minutos de jogo, Edílson perdeu no cara-a-cara com o goleiro. Num cruzamento do Juventude, o jovem goleiro Júlio César quase falhou, mas se recuperou antes de tomar o gol. Dois minutos depois, Júlio César não pude fazer nada no cabeceio de Dauri, que achou a rede. O jogo já complicado, se complicava ainda mais.

    Edílson teve outra oportunidade de gol, mas chutou no goleiro, e Petkovic, sozinho do outro lado, reclamou bastante. Petkovic armava as jogadas, achou Gamarra, que cabeceou para fora. Em seguida, Pet achou na profundidade Beto, que bateu cruzado e empatou. Flamengo respirava no Jaconi. No final do primeiro tempo, Júlio César fez uma boa defesa para garantir o empate parcial, a classificação hipotética.

    Bem no início do segundo tempo, Cássio chegou atrasado e levou o segundo amarelo, a expulsão justa. O jogo complicado se complicava ainda mais. Com hora de jogo, num contra-ataque, Beto chegou sozinho na grande área, apenas o goleiro na sua frente, e ao seu lado Edílson, ainda mais sozinho, sem goleiro na frente. Essa vez, foi Beto que esqueceu criminalmente Edílson, preferiu o chute, até preferiu a trivela do pé direito em vez do pé esquerdo adequado. Chutou errado, chutou para fora, matou o gol de Edílson. O Juventude ainda estava vivo. Dois minutos depois, como uma consequência obvia, o canhoto João Marcelo chutou com o pé direito e virou o jogo para o Juventude. O jogo era mais que complicado.

    Pior ainda, cinco minutos depois, Petkovic, em franca posição de impedimento, prosseguiu o lance apesar do apito e chutou de longe. O bem conhecido juiz Edílson Pereira de Carvalho não gostou e aplicou o segundo amarelo, agora a expulsão injusta. Engraçado é que depois do escândalo da Máfia do Apito, o próprio Edílson Pereira de Carvalho acusou o presidente da comissão de arbitragem, o também bem conhecido e polêmico Armando Marques, de lhe pressionar para favorecer o Flamengo neste jogo… Enfim, o Flamengo estava na igualidade no placar, mas com dois jogadores a menos. Agora a classificação era um meio milagre. Juventude partiu com tudo no ataque, Luciano Fonseca chutou de longe e Júlio César fez a defesaça. Nos acréscimos, mais um chute do Papo, mais uma defesa de Júlio César. O jogo ia se decidir na disputada de penalidades, quase um milagre para o Flamengo heroico, com 9 jogadores contra 11, até 12 com a torcida, quem diria 13 com o juiz.

    Dauri, que abriu o placar durante o jogo, também abriu a disputada para o Juventude. Chutou para fora, esfriando o já frio Alfredo Jaconi. Edílson bateu firme e deixou Flamengo na frente. Pontes pegou Júlio César no contrapé e fez o gol para o Juventude. O jovem Juan também chutou bem e manteve Flamengo na frente. Luciano Fonseca chutou forte e Júlio César, de 21 anos apenas, ainda não idolatrado, fez um primeiro milagre, desviando a bola para fora. Beto chutou forte e fez o terceiro gol do Flamengo na disputa. O Alfredo Jaconi tremia, a classificação era quase do Mengo.

    Já com eliminação decretada em caso de erro, Márcio não tremeu e deixou a esperança viva para o Juventude. Alessandro precisava fazer o gol para classificar o time rubro-negro, chutou no contrapé do goleiro, mas chutou na trave. O milagre agora era do Juventude, ainda vivo. Júlio César foi confortar Alessandro, já chamando a responsabilidade para si. E o roteiro seguia igual, se o Juventude perdia o gol, o Flamengo se classificava. João Marcelo chutou e Júlio César fez o último milagre do jogo, fazendo a defesa, a alegria da Nação em casa, zoando a torcida do Juventude no estádio. Júlio César começava a escrever seu nome na história dos grandes goleiros do Flamengo, sendo o grande personagem de uma derrota no Jaconi sim, mas de uma classificação heroica.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”