Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #26: Flamengo 5×1 Atlético Mineiro 1979

    Jogos eternos #26: Flamengo 5×1 Atlético Mineiro 1979

    Para o início do ano, uma volta no tempo. Para o enterro do Rei, um jogo eterno, quando ele vestiu o Manto Sagrado. Flamengo e Pelé juntos, dois monumentos do Brasil. Uma história linda, de apenas um jogo.

    O jogo aconteceu no 6 de abril de 1979 entre Flamengo e o Atlético Mineiro, antes do inicio de uma das maiores rivalidades interestaduais do Brasil. Esse jogo foi um amistoso beneficente para as vítimas de uma chuva no Minas Gerais, que deixou 246 mortos e milhares de pessoas sem casa. Pelé, já aposentado e mineiro de nascimento, vestiu a camisa mais linda do mundo, a do Flamengo. O jogo no Maracanã teve a presença de 139.953 pagantes, para uma renda de mais de 8 milhões de cruzeiros. Ver Pelé e Zico juntos em campo valia todos os cruzeiros do ingresso, independentemente do preço final do ingresso.

    No 6 de abril de 1979, o saudoso Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele, Toninho Baiano, Rondinelli (Nelson), Manguito, Junior; Andrade, Paulo César Carpegiani (Ramirez), Zico (Claudio Adão); Tita, Pelé (Luisinho), Julio César Uri Geller (Reinaldo). Um time histórico para um jogo eterno. Não era só Flamengo, era Flamengo com a presença do maior jogador de todos os tempos. Zico, com toda sua classe, cedeu sua eterna camisa 10 para Pelé, que fez a camisa 10 ser não apenas uma camisa, mas um mito, uma definição do futebol-arte.

    O Atlético Mineiro tinha também alguns craques, em todas as posições, como João Leite, Luizinho, Toninho Cerezo, Paulo Isidoro e Dario. E quem abriu o placar foi o próprio Galo, com cruzamento de Serginho e chute de primeira de Marcelo. Mas o Flamengo já era irresistível sem Pelé, então com Pelé, era quase desleal para os adversários. Tita se infiltrou na grande área driblando, até ser derrubado pelo Luizinho. O juiz marcou pênalti, e o Maraca chamou Pelé para cobrar o pênalti. Zico, com toda sua classe, deixou a bola para Pelé. Pelé, com toda sua classe, recusou e deixou Zico bater. Zico, camisa 9, pronto a bater. Só Pelé podia impedir Zico de vestir a camisa 10 do Manto Sagrado. Zico, com toda sua classe, empatou. Pelé, com toda sua classe, abraçou Zico. O Pelé e o Pelé branco. O Rei do futebol e Nosso Rei. Dois Reis. Pelé e Zico, juntos com o Flamengo.

    Pelé saiu no intervalo, com lesão na perna. Não foi um grande jogo no primeiro tempo, mas foi um jogo eterno. Um jogo que fez brilhar o olho de todos, os jogadores do Flamengo, os torcedores, até o juiz, até os adversários. “Eu posso dizer que foi o jogo mais importante da minha vida. Eu me senti um torcedor privilegiado dentro do gramado vendo Pelé e Zico barbarizarem juntos” falou depois o centroavante atleticano Dario. Um jogo que ultrapassa as gerações, um jogo na eternidade, um jogo com Zico e Pelé, um jogo de fotos e fatos históricos. E ainda não tinha a goleada. No segundo tempo, Zico fez o segundo, com oportunismo, e o terceiro, com um show na esquerda de Júlio César, um novo Garrincha. E Zico, com esse gol, chegava ao seu 245o gol com o Manto Sagrado, ultrapassando Dida para se tornar o jogador com mais gols na história do Flamengo. Realmente, um jogo eterno.

    Zico ainda fez uma assistência para o gol de Luisinho, e depois, Cláudio Adão, com passe de Júnior, fez o quinto gol, o gol final da goleada por 5×1. Um jogo eterno, com Pelé, que com tudo que conhecia da bola, previa que o Flamengo ia ganhar muitos títulos. E ganhou.

    Pelé morreu no 29 de dezembro de 2022, mas Pelé não foi, porque Pelé é eterno, como esse jogo de 1979 contra o Atlético Mineiro é eterno.

  • Na geral #11: Hoje eu vi Zico em campo

    Hoje, ou mais anteontem, o Zico estava lá. Arthur Antunes Coimbra. Eu vi Zico jogar, pela primeira vez, e talvez pela última vez. É inesquecível, mais um grande momento vivendo no Rio. Zico em campo.

    Meus amigos franceses Antoine e Marc-Antoine chegaram na segunda feira dia 26 de dezembro. Antônio e Marco no Brasil. Hospedados comigo, na Rocinha. Já teve tempo de ir na Pedra do Sal, na parte baixa da Rocinha, em Copacabana, na parte alta da Rocinha. Hoje o dia começou lindo, com uma trilha da Pedra Bonita. Depois foram na sede do Flamengo na Gávea, onde fomos recebidos de uma forma maravilhosa pelo Dudu, do projeto das Embaixadas e Consulados. Ele falou com os franceses em inglês, mais fácil e mai precioso para comunicar. Eu, representando com orgulho a Fla Paris, mostrou para eles a sede, as instalações, as infraestruturas, os esportes diferentes. A capela, o ofício de Dudu, o bar, a loja. Uma grande alegria para mim.

    Antoine pegou já a camisa do Flamengo para ele, primeira camisa, com nome Gabi, com camisa 9. Só faltou o patch da Libertadores que não era disponível. Depois vai ter que voltar para comprar mais dois Mantos Sagrados, para o pai e para o irmão. Marco ainda não precisava, emprestei para ele a camisa mais bonita do Flamengo, a do ano histórico de 2008. Fomos visitar a sede, o ofício dos consulados e fomos beber uma cerveja, bem geladinha, com sede e na sede. Um momento único para mim. Os franceses já gostavam muito do Flamengo. E depois era hora de ir no Maracanã, com uma primeira parada no Buxixo, com mais cervejas. E depois era hora de ir no Maracanã. Mais 3 cervejas para nós, e depois, com um vendedor malandro, mais 3 a mais. Mas com alegria, prazer e gratidão de estar aqui, no Rio, no Maraca, no Brasil.

    E depois era hora de entrar no Maracanã. Uma emoção enorme para quem nunca foi no Maracanã. Uma emoção enorme para quem tinha muita saudade do Maracanã, após uma dezena de jogos lá em 2022. Não tinha jogo do Flamengo, mas foi mais um show da torcida do Flamengo. Antes do apito inicial, foram muitos cantos do Flamengo, os mais conhecidos, cantados pelo 90% dos 60.356 torcedores, os outros, vascaínos, tricolores e botafoguenses, caladinhos. Foi meu primeiro jogo das estrelas e não sabia como ia ser. Esperava alguns cantos do Flamengo, menos para mim do que pra meus amigos franceses. E com esse show de 10-15 minutos, Antoine e Marc-Antoine estavam lá, com o celular na mão e o brilho no olho. E com uma vontade só, voltar no Maracanã, para um jogo do Flamengo.

    O anúncio das escalações foi mais um grande momento. Um momento de alegria e também de risos, até para os amigos franceses que não entendiam tudo, como podia ter tanta paixão num jogo beneficente. O time vermelho é quase um Flamengo, todo mundo foi muito aplaudido. E a emoção maior com o nome de Zico. Muitas palmas, muitos gritos, muito amor, muita emoção. Isso, só Zico. Agora, o time branco é quase um Vasco. Foram muitas vaias, e aplausos claro para Andrade, Nunes, Hernane, Endrick e alguns outros.

    Vi muitos jogadores jogar pela primeira vez. Adoro o menino Endrick, que tem muita estrela. Vi ídolos, como Sávio, Petkovic, Júnior, Júlio César. Mas eu só olhava para o Zico. Numa noite cheia de estrelas, a do Zico brilho mais, muito mais, quase apaga o brilho das outras estrelas. Queria ver o Zico marcar um gol. E teve oportunidade num pênalti. Estava pronto a vibrar, mas Carlos Germano fez a loucura de parar o pênalti de Zico, na frente de meus olhos, na Norte, claro. No minuto seguinte, Zico quase fez um golaço. Valia a pena perder o pênalti para fazer o golaço em seguida. Mas Germano defendeu de novo. Acho que é meu maior lamento num estádio ao vivo. Queria esse golaço, essa vibração.

    Não teve, e Zico saiu no intervalo. Acho que ele merecia sair aos 40 minutos, para ser ovacionado pelo Maracanã lotado. Mas talvez pela própria humildade, Zico não queria. E Zico entrou no fim do jogo, fazer o gol tão esperado, num passe de Arrascaeta. Mas estava longe de meus olhos, e o Maracanã já estava meio vazio. Quando Zico saiu, as pessoas saíram do Maracanã. Isso só Zico.

    Zico fez o gol, fez a alegria de milhares de torcedores, e vai ajudar milhares de pessoas com a renda. Tinha mais de 60.000 pessoas no Maracanã, para um jogo beneficente, com um ingresso não tão barato. Isso só Zico. Meus amigos franceses curtiram muito, querem voltar para um jogo do Mengo. Antoine já tem a camisa do Flamengo, com o nome de Gabi. E Marc-Antoine vai comprar, e escolher um jogador. Ele já me falou que queria botar o nome de um jogador antigo, de Nosso Rei, de Deus. Só Zico tem esse peso, esse tamanho de idolatria que até um francês vai querer eternizar sua camisa com o nome de Zico. Isso só Zico.

    Mais uma vez, obrigado Zico. Por tudo.

  • Ídolos #8: Elias

    Ídolos #8: Elias

    Depois da sétima crônica dos ídolos, com um meio-campo que brilhou nesse século, Ibson, vamos de um outro meio-campo do século XXI, camisa 8, Elias.

    Elias chegou no Flamengo no início de 2013, depois do que foi uma das piores temporadas do Flamengo, o ano 2012, com nenhum título e pouco futebol. Elias chegou como a maior contratação no Sporting Lisboa, mas decepcionou lá e voltou ao Brasil. Com o Manto Sagrado, escolheu a camisa 8: “Fiz minha história no Corinthians com a 7, fui muito feliz, mas agora escolhi a 8 para fazer a minha história no Flamengo”. Fez bem.

    Elias começou no campeonato carioca, contra Volta Redonda. Jogou ao lado do próprio Ibson, que se aproximava do fim de sua história com o Flamengo. Tinha também Léo Moura, Victor Cáceres, Rafinha, Hernane. Um time bem mediano. O primeiro gol de Elias saiu num belo chute de fora da área, depois de uma tabelinha com Hernane. Nesse jogo, Flamengo perdeu em casa contra Resende. Realmente, tempos difíceis.

    Elias voltou a marcar contra Campinenses e ASA, os dois gols na Copa do Brasil, realmente a competição que ia fazer do ano 2013 um ano histórico. Flamengo começou mal o Brasileirão, com 2 pontos nos 4 primeiros jogos, e já não tinha esperança de um título. Elias jogava bem, mas sem destaque até agora.

    Nas oitavas de final da Copa do Brasil, Flamengo enfrentou o futuro campeão brasileiro, o Cruzeiro de Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart. Um timaço, bem superior ao Flamengo. E no jogo de ida, deu lógica, com vitória 2×1 do Cruzeiro no Mineirão. E no jogo de volta, deu raça, deu amor, deu paixão. Deu Flamengo. No finalzinho do jogo, ainda num 0x0 que eliminava o Flamengo, Paulinho cruzou, Elias, com a braçadeira de capitão, bateu e fez o gol da classificação. Fez mais do que isso. Com esse gol, o Maracanã explodiu. O Novo Maracanã abriu nesse ano de 2013, vibrou com a vitória do Brasil contra a Espanha na final da Copa das confederações, mas esperava ainda seu momento histórico com o Flamengo. E aconteceu com Elias, que fez até aqui, o gol mais importante de sua carreira com o Manto Sagrado.

    Flamengo voltou a decepcionar, a jogar mal. No jogo seguinte, uma derrota 4×0 contra o Corinthians. Depois de mais uma derrota, contra o Atlético Paranaense, Mano Menezes pediu demissão. Para as quartas de final da Copa do Brasil, mais um timaço a enfrentar, o Botafogo de Seedorf. E Flamengo jogava sem Elias, suspenso depois de alguns cartões amarelos. Sem seu melhor jogador, Flamengo conseguiu um 1×1, que deixava a esperança viva. O jogo de volta foi o dia de Hernane, que fez três gols na goleada por 4×0. Elias pediu para jogar esse jogo, apesar do momento muito difícil para ele e sua família. O filho de 1 ano estava internado num hospital, por causa de uma pneumonia.

    Na semifinal, vitória 2×1 no jogo de ida em Goiânia, de novo com atuação discreta de Elias. Mas na volta no Maraca, foi mais um show de Elias. Assistência para mais um gol de Hernane, e um golaço de fora da área, um chute certeiro, repentino, libertador. E com o pequeno Davi que estava bem melhor, pronto a sair do hospital. E com homenagens da torcida para Elias, a torcida sempre apoiou o jogador, mostrou o que é uma torcida de verdade, em todos os sentidos. Elias era o homem-chave de Flamengo, o dono do meio-campo e parecia crescer a cada jogo, com atuações cada vez mais firmes. Só faltava o título.

    Na final contra o Atlético Paranaense, um jogo eterno, gols de Elias e Hernane, e um tricampeonato. Uma alegria incrível para quem estava no Maracanã ou na frente da televisão, vibrando com o Flamengo. Era o último jogo de Elias com o Manto Sagrado e ele deu mais um show, mais um gol, o gol décimo da temporada. Obrigado Elias para essa temporada de sonhos e de um título tão importante para quem sofreu muito em 2012.

    Elias foi escolhido no time do Brasileirão de 2013, prova que ele não jogou muito só na Copa do Brasil. O camisa 8 queria ficar no Flamengo e chegou a recusar uma oferta milionária da China. Também por isso que ele é ídolo. Mas, outros tempos do Flamengo, as negociações com o Sporting não permitiram de chegar a um acordo. Depois, voltou no Corinthians.

    Em apenas uma temporada e 55 jogos, Elias conseguiu se inscrever na galeria dos ídolos do Flamengo e honrou, muito, o Manto Sagrado.

  • Jogos eternos #25: Ceará 0x3 Flamengo 2019

    Jogos eternos #25: Ceará 0x3 Flamengo 2019

    Para o presente de Natal, mais um jogo eterno de um ano histórico, o de 2019. Já teve crônicas de jogos eternos de 2019, o 1×0 contra Santos, gol de Gabigol, para fechar o primeiro turno na liderança, o 6×1 contra Avaí, o jogo das Taças, e claro, o Milagre de Lima, contra River Plate com dois gols de Gabigol. Esse ano foi maravilhoso, e vamos de mais um jogo, contra um time que foi rebaixado em 2022, Ceará.

    O Flamengo vinha de uma vitória 2×0 contra o Internacional no jogo de ida das quartas de final da Libertadores. No jogo antes, uma goleada contra Vasco. O Flamengo de Jesus já era uma realidade, faltava os títulos, mas as vitórias, as goleadas, os golaços já desfilavam no Maracanã e nos outros estádios do Brasil e da América.

    Depois da alegria do Maraca contra o Internacional, Flamengo foi no Ceará, em Fortaleza, para jogar contra Ceará, no Castelão. Detalhe importante para o final da história, o jogo foi num domingo as 19 horas no Brasil, então meia-noite na França. No 25 de agosto de 2019, um domingo, Jorge Jesus escalou um time misto, por causa do jogo de volta da Libertadores três dias depois. No Castelão, Flamengo entrou em campo assim: Diego Alves; João Lucas, Rodrigo Caio, Pablo Marí, Renê; Willian Arão, Piris da Motta, Gerson, De Arrascaeta; Berrío, Gabigol.

    Na metade do primeiro tempo, um primeiro golaço. Um passe de peito de Berrío, um voleio de Marí, sem chance para o goleiro. Um golaço para a alegria do setor flamenguista do Castelão, para outros torcedores do Castelão nos setores de Ceará mas com o coração dividido, para os flamenguistas em todos os cantos do Brasil e do mundo, e para mim em Paris, já na cama de meu pequeno studio parisiense. Depois, João Lucas salvou em cima da linha de uma maneira impressionante. Flamengo ficava na frente no placar. Ainda no primeiro tempo, tabelinha entre Berrío e Gabigol, e um chute poderoso de Gabigol, sem chance para o goleiro. Segunda assistência de Berrío e segundo golaço do jogo.

    Depois, foi história de gol anulados por impedimento, dois para Ceará, bem anulados, e um golaço de Gabigol de cobertura, também bem anulado. Depois, foi história de lances perigosos, sem gol. E para mim, acabou aqui a história do jogo. O juiz Wilton Pereira Sampaio deu 8 minutos de acréscimo. Na França, era duas da manhã, com trabalho cedo no dia seguinte. Para ganhar alguns minutos de sono, com o jogo já ganhado, desliguei a televisão e fui dormir. Mas o jogo não tinha acabado ainda, e o jogo virou eterno. Narrou Luiz Carlos Júnior: “La vem o Flamengo, querendo o terceiro, para terminar bem o jogo, Arrascaeta…”. Num cruzamento de Rafinha, Arrascaeta fez uma das bicicletas mais impressionantes que vi na minha vida. Mas que não vi ao vivo, e eu não terminei bem o jogo, ao contrário de todos os flamenguistas na frente da televisão.

    Não relembro se vi o gol pela primeira vez no dia do jogo ou no dia seguinte. Acho que foi no dia do jogo mesmo. Sempre tenho um pouco de insônia depois de um jogo de Flamengo de noite, e após um tempo sem conseguir dormir, vou olhar o que está se dizendo no Twitter. E nesse dia no Twitter, foi só Arrascaeta, só o golaço do nosso Arraxxxca. Estava muito frustrado de ter faltado esse gol ao vivo por poucos minutos de (não) sono. Desde esse dia do 25 de agosto de 2019, ou dessa noite do 26 de agosto, nunca desligo um jogo do Flamengo antes do apito final. Luto até o fim. Mas desde lá, nunca vi um golaço tão bonito do que o gol de bicicleta de Arrascaeta.

  • Times históricos #8: Flamengo 1983

    Times históricos #8: Flamengo 1983

    Depois do ano de 1977 e do pacto dos jogadores, Flamengo ganhou a cada ano pelo menos um título: campeonato carioca em 1978, duas vezes o campeonato carioca em 1979, Brasileirão em 1980, carioca, Liberta e Mundial em 1981 e mais um Brasileirão em 1982. Muito difícil de ganhar tantos títulos em muitos anos seguidos, ainda mais com os mesmos jogadores, sem perder a fome de gols, de vitórias, de títulos. O fim dessa geração de ouro foi em 1983.

    Flamengo começou o ano 1983 com mudanças no ataque, Tita foi emprestado no Grêmio e Nunes foi vendido no Botafogo. Do outro lado, chegaram Robertinho e Baltazar para apoiar Zico no ataque. O ano 1983 começou com o Brasileirão, e contra um adversário que voltaria a cruzar o caminho do Mengo, Santos. Baltazar e Zico fizeram os gols da vitória. Depois, Flamengo goleou Moto Clube 5×1 e Rio Negro 7×1 mas perdeu a liderança na última rodada, com a primeira derrota no campeonato, contra Santos. Na Copa Libertadores, estreou mal com nenhuma vitória nos três primeiros jogos. Depois, goleou Blooming 7×1 e Bolívar 5×2, mas não foi suficiente para tirar o primeiro lugar do Grêmio, único classificado do grupo para as semifinais. Na segunda fase do Brasileirão, de novo Flamengo foi no segundo lugar, mas agora classificado para a terceira fase.

    Dessa vez, na terceira fase, Flamengo ficou na liderança com mais uma goleada, mais um jogo eterno, um 5×1 contra o Corinthians para a estreia do técnico Carlos Alberto Torres. Zico estava em dia de Zico, com dois gols e duas assistências. E a goleada foi pouca, com dois gols mal anulados de Júnior e Zico. O Rei Arthur estava em grande forma, tinha feito o gol 500 da carreira um ano antes, e brocou de novo nas quartas de final contra Vasco e na semifinal contra o Atlético Paranaense. Ninguém podia parar Flamengo, ninguém podia parar Zico, que foi pai pela terceira vez no início do ano e, mesmo com 30 anos, jogava com o mesmo brilho de sempre.

    Ninguém podia parar Zico, ao menos o próprio presidente do clube, Antônio Augusto Dunshee de Abranches. O presidente fez a coisa mais absurda da vida, se separou do Zico. No livro Gigantes do futebol brasileiro de João Máximo e Marcos de Castro, Zico fala: “Eu não tinha o menor interesse em deixar o Flamengo, mas o presidente Antônio Augusto forçou a minha saída. Mostrou que na verdade não queria que eu continuasse no clube, porque existiu essa possibilidade, com a Adidas pagando as luvas de renovação de contrato, como se dispunha a pagar. Mas ele quis jogar para a torcida, invertendo as coisas e dizendo que eu é que estava forçando minha saída do clube”. Claro, a venda foi no sigilo, se não a torcida do Flamengo ia se revoltar, impossibilitar de qualquer maneira a saída de seu maior ídolo.

    Antes, teve a final do Brasileirão, contra Santos, primeiro adversário da campanha. No jogo de ida, no Morumbi, com um publico impressionante de 114.761 torcedores, Santos abriu 2×0 antes do gol de Baltazar no final do jogo, um gol muito importante. Flamengo precisava agora de uma vitória de dois gols de diferença no Maracanã para conquistar um terceiro título brasileiro em 4 anos. Confiança dos torcedores, dos jogadores e do técnico Carlos Alberto Torres. O Capita falou depois do jogo de ida: “No Maracanã, podem ter certeza, não temos como perder para o Santos”. Confiança e para Zico, tristeza. As negociações com Udinese já eram concluídas, a transferência definitiva. Zico não era mais jogador do Flamengo. E só a diretoria e ele sabiam, não os outros jogadores, ainda menos a torcida. Imagina a emoção de Zico antes de pisar no Maracanã pela última vez com o Manto Sagrado.

    Mas Zico é Flamengo para sempre, e também é extremamente profissional. Precisou de menos um minuto no Maracanã para abrir o placar, para a alegria dos 155.523 torcedores do Maracanã. Aliás, o maior publico da história do Brasileirão. Nunca teve tanta gente em qualquer estádio para um jogo do Brasileirão, e podemos dizer tranquilamente que nunca terá mais gente. De novo, imagina a emoção do Nosso Rei ao fazer o gol, balançar as redes talvez pela última vez com o Maior do Mundo. No final do primeiro tempo, o peixe-frito Leandro fritou o Peixe. Leandro fez um gol de cabeça, depois de uma falta de Zico. Leandro no livro 6x Mengão de Paschoal Ambrosio Filho: “Foi muita emoção. A gente tinha perdido o primeiro jogo em São Paulo e precisávamos de dois gols de diferença. Nunca fui de fazer muitos gols, mas o Zico me dizia que, quando eu marcava, era sempre um gol importante. Foi o caso deste dia”.

    Flamengo já era campeão, mas esse jogo merecia uma goleada, merecia mais um gol. E no final do jogo, Adílio, provavelmente o melhor jogador em campo nesse dia, fez um gol de cabeça depois de um show de Robertinho na ala direita. Flamengo 3, Santos 0, Flamengo tricampeão. Uma alegria para todo o Maracanã e uma mistura de emoções para Zico. “Dos jogadores que disputaram a final do Brasileirão só eu sabia que estava vendido. A direção do clube sabia, mas não vazou, nas deve ter vazado, ninguém da imprensa falou nada, ninguém tocou no assunto. O duro foi você ser campeão, ver a torcida gritando o teu nome e você sabendo que não ia ter mais aquilo, que aquilo tinha acabado, aí foi brabo. Foi assim que comemorei o título. Sabendo que era o último. Não passava pela minha cabeça que eu ia cumprir o contrato e voltar”, explica Zico no livro Zico 50 anos de futebol. Ao menos, Zico saiu, mas Zico voltou, como o que era, como campeão.

    Dois dias depois do tricampeonato, o Jornal do Brasil anunciava a saída de Zico, pegando toda uma Nação de surpresa. Talvez ainda pior foi o destino, no pequeno clube de Udinese, longe dos grandes da Itália. Causou revolta na Itália e a federação bloqueou momentaneamente a transferência. Imagina agora a revolta da torcida do Udinese, que nunca esperou ter um craque como Zico no time deles. Os torcedores até ameaçaram de pedir separação da Itália e voltar ao domínio da Áustria se a transferência ficava bloqueada. Zico jogou no Udinese e quem ficou revoltada era a torcida do Flamengo. O presidente Antônio Augusto Dunshee de Abranches teve de pedir demissão diante da traição contra a Nação.

    Sem Zico, sem seu melhor craque e seu maior ídolo, Flamengo estreou no campeonato carioca contra o pequeno Goytacaz com derrota. Também perdeu contra America, Americano e Campo Grande. Levou um 3×0 do Botafogo e foi goleado pelo Bangu, uma derrota humilhante por 6×2. Flamengo foi apenas no sexto lugar na primeira fase e se recuperou na segunda fase, ficando na liderança junto com o Bangu. No jogo de desempate, Flamengo conquistou a Taça Rio com uma vitória 1×0, gol de Adílio. Flamengo era no triangular final, com o próprio Bangu, que conquistou o maior número de pontos nas duas fases, e o vencedor da Taça Guanabara, Fluminense.

    No primeiro jogo, empate entre Bangu e Fluminense. No segundo jogo, Flamengo perdeu o Fla-Flu com um gol de Assis no último minuto jogo. Há torcedores do Fluminense que consideram esse jogo uma decisão. Não foi. Flamengo estava fora do título, mas Fluminense ainda não era campeão. Precisava de uma vitória do Flamengo contra Bangu para ser campeão. E Flamengo deu o título ao Fluminense, é assim que aconteceu, com uma vitória 2×0, gols de Adílio e Tita, já de volta na Gávea. Uma decepção, que seria ainda maior com o roteiro de 1984, mas o maior drama do Flamengo em 1983 não foi a perda do carioca, mas a perda de Zico. A maior alegria, 155.523 pessoas a viram no Maraca.

  • Jogos eternos #24: Flamengo 5×1 Corinthians 1974

    Jogos eternos #24: Flamengo 5×1 Corinthians 1974

    Com o fim da temporada, vamos relembrar um jogo de início de uma temporada, um amistoso contra o Corinthians em 1974. Nesse ano, Zico se tornava titular absoluto e referência técnica do time. Com quase 21 anos, começava a responder a todas expectativas que a torcida tinha já quando ele jogava na base. E começou com um amistoso, contra o Corinthians.

    O Corinthians de 1974 era um time cheio de craques: Zé Maria, Wladimir, Vaguinho, Adãozinho, Roberto Miranda e o nome mais importante, que jogava sua última temporada com o Corinthians antes de ir no Fluminense, o tricampeão Rivelino. Apesar da falta de títulos, era um timaço. Já o Flamengo, treinado pelo técnico Joubert, que jogou quase dez anos no Flamengo como zagueiro, foi escalado assim no 17 de fevereiro de 1974: Renato; Souza (Betaglione), Chiquinho Pastor, Luís Carlos (Jaime), Rodrigues Neto; Liminha, Geraldo (Zé Mário), Rogério (Julinho); Zico, Paulinho Carioca, Dario.

    No Maracanã, Zico se procurou a primeira oportunidade do jogo, um chute poderoso bem defendido pelo Armando, mas quem fez o primeiro gol foi o Corinthians, com um gol marcado pelo Vaguinho. Era suficiente para acordar os 13.926 espectadores no Maracanã, a maioria na geral, e os 11 rubro-negros em campo. E o Flamengo empatou. Como? Quando Zico está em campo, a reposta mais obvia é um gol de falta de Zico. E foi, com uma falta de 20 metros na gaveta, sem chance para Armando. Flamengo empatou mas era só o início de uma goleada.

    No segundo tempo Flamengo desempatou, com outro gol de falta. Mas agora que fez o gol foi o melhor companheiro de Zico na base, Geraldo, que merece um capítulo a parte na categoria dos ídolos. Geraldo morreu dois anos depois, com apenas 22 anos depois de uma cirurgia, e se o Flamengo de 1978-1983 foi mágico, poderia ter sido ainda mais com uma dupla Geraldo – Zico. Uma pena e uma grande perda pelo Flamengo e pelo futebol brasileiro. No jogo contra Corinthians, Zico fez mais um golaço, depois de passar entre três zagueiros, finalizou com tranquilidade, fora do alcance de Armando. Geraldo – Zico era para brilhar durante dez anos e aterrorizar os adversários.

    Depois foi o centroavante Dario, que também merece um capítulo dentro dos ídolos, que fez o gol. Bateu com força os zagueiros, bateu com inteligência o goleiro, e empurrou nas redes. E como Zico, Dario deixou o segundo dele, de novo com um drible no goleiro, agora um drible de vaca. Rivelino estava desolado no meio de campo, Flamengo aplicava uma goleada irresistível, um 5×1 eterno.

    Num amistoso contra o Corinthians, Flamengo fez um show para a geral do Maraca e para iniciar uma temporada brilhante, com gols e gênio de Zico, e concluída da melhor forma possível, com um título carioca em cima do Vasco.

  • Ídolos #7: Ibson

    Ídolos #7: Ibson

    Eu já escrevi que meu primeiro ídolo no Flamengo foi Obina. Porque comecei a conhecer os jogadores do Flamengo em 2006, e Obina, cheio de carisma e gols, era o ídolo da torcida. Dessa época, também gostava de Léo Moura, Juan, Renato Augusto, Renato Abreu. Depois Bruno, Fábio Luciano, Claiton, Souza.

    Primeiro Brasileirão que acompanhei foi em 2007. Eu já tinha conquistado um título com o Flamengo, a Copa do Brasil 2006, mas primeiro Brasileirão, foi 2007 mesmo. E o início do Flamengo no Brasileirão foi muito ruim, até para o Flamengo dessa época que decepcionava muitas vezes no Brasileirão. Nos 13 primeiros jogos, Flamengo ganhou apenas um jogo! Flamengo ficava na lanterna e Ibson chegou como grande reforço depois de semanas de incerteza.

    Eu estava feliz com esse reforço, porque ele era cria da casa, começou como profissional no Flamengo em 2003 e ganhou o campeonato carioca 2004. Depois, foi no Porto, onde não se destacou tanto que outros brasileiros do clube portista, mas era um meia com muitas qualidades. Mas Ibson, camisa 7, recomeçou com o Flamengo com duas derrotas, contra Santos e o Atlético-PR. Ganhou seu primeiro jogo no último jogo do primeiro turno, contra Náutico, também primeira vitória depois da volta de um outro conhecido do clube, o técnico Joel Santana. Flamengo ganhou, mas Flamengo ainda era na vice-lanterna, com um verdadeiro risco de rebaixamento.

    Mas o segundo turno foi melhor, muito melhor. Ibson fez seu primeiro gol, de cabeça, contra Goiás, na 21a rodada, onde a vitória deixava enfim Flamengo fora do Z-4. No Maracanã, já tinha mais de 50.000 pessoas. Esse Maracanã, o da reforma para os Jogos Pan-Americanos de 2007 é meu Maracanã particular, apesar de infelizmente nunca ter ido. Porque quando comecei a assistir aos jogos, era esse o Maracanã, e mesmo no computador, era um show incrível. A arrancada de 2007 não teria sido possível sem o Maracanã. Também não teria sido possível sem Ibson.

    Ibson voltou a marcar contra Figueirense e depois contra São Paulo. Foi uma das vitórias mais marcantes da temporada, porque São Paulo tinha um timaço e era o líder disparado do campeonato, porque era até lá o maior publico do Brasileirão 2007, com quase 60.000 pessoas, porque Ibson fez o único gol do jogo, aliás um golaço.

    E Ibson não era só gols claro, era de uma liderança técnica incrível, também um líder de homens. Ibson transformou o Flamengo de 2007 e o Flamengo de 2007 tinha a cara de Ibson. De lá até cá, talvez nenhum outro jogador carregou tanto sozinho um time do Flamengo. Era um show em campo do Ibshow, e também um show na arquibancada do Maraca. Depois de uma derrota contra Fluminense, Flamengo venceu 5 jogos consecutivos, e o recorde do publico do Brasileirão 2007 estava batido a quase cada jogo do Flamengo no Maracanã.

    A torcida acompanhava o time, o time acompanhava o Ibson, mais líder do que nunca. Depois da vitória do Flamengo contra o Corinthians, com mais um gol de Ibson, o Flamengo estava no G-4, uma situação improvável no fim do primeiro turno. Era a arrancada que marcou todo flamenguista que assistiu. Flamengo bateu mais duas vezes o recorde do publico e garantiu a volta na Libertadores após uma vitória contra o Atlético-PR, para a alegria de 82.044 rubro-negros no Maracanã.

    Ibson foi merecidamente eleito no time do Brasileirão e só não foi o melhor jogador porque o campeão também tinha um grande líder, Rogério Ceni, que também foi eleito craque da galera. Mas Ibson ficou na história, ficou no coração dos flamenguistas, foi ídolo para sempre. Foram gols, liderança, e um estilo particular que eu adorava, com chuteiras pretas e meias brancas. Duvido achar um flamenguista que não gostava do Ibson nessa época.

    Em 2008, Ibson começou muito bem o Brasileirão, com 4 gols nos seus 5 primeiros jogos. Mas era depois de uma traumatizante eliminação na Libertadores contra o América. Ibson ainda jogou bem, brilho no campeonato carioca onde foi campeão, ainda foi líder, mas o que ele fez em 2007 não podia ser ultrapassado, nem até igualado. Flamengo brigou com Porto para ficar com o jogador, que também fechou bem o Brasileirão 2008. Num 5×2 eterno contra Palmeiras, fez um hat-trick com dois golaços, um chute no ângulo e um gol de letra. Mas Flamengo não ganhou nenhum dos três últimos jogos e fechou o ano 2008 com mais uma decepção.

    O ano 2009 foi feliz para o Flamengo, mas bem diferente para Ibson, que fez apenas um gol em 32 jogos pelo Flamengo! Um gol de pé esquerdo depois de um cruzamento, contra Cabofriense, no campeonato carioca. Depois de alguns jogos no Brasileirão, suficiente para ser campeão, era a hora do adeus. No seu último jogo, contra Vitória e já com Adriano em campo, Ibson perdeu um pênalti. E mesmo assim, foi ovacionado pela torcida, não pelo jogo, não pelo ano de 2009 mas pelo tudo que fez antes. E era muito, muito merecido.

    Ibson voltou na Europa, no Spartak Moscou, voltou no Brasil, no Santos, e depois vestiu de novo o Manto Sagrado, em 2012. Santos tinha Neymar, tinha a Libertadores, mas Flamengo tem alguma coisa a mais, impalpável, inexplicável e impossível de entender para quem não é Flamengo. E os que são Flamengo sabem o que é, não precisa explicar para entender. Ibson era e ele falou da saudade ao receber de novo a camisa 7 do Flamengo. Falou também que não voltava como uma “solução” e não foi mesmo, num time bem ruim. Fez apenas um gol em 2012, em 33 jogos, um belo chute de trivela de fora da área, contra Sport. Em 2013, de novo fez apenas em gol, mas agora em 3 meses, a diretoria do Flamengo liberou-o em março.

    Ibson também criticou a diretoria do clube e o atraso dos pagamentos, falando que não era Casa Bahias. Isso não sei, eu não sou da diretoria do Flamengo, eu não sou dos jogadores do Flamengo, eu sou do Flamengo. E eu sei que do Flamengo, Ibson foi muito ídolo.

  • Jogos eternos #23: Flamengo 3×0 Liverpool 1981

    Jogos eternos #23: Flamengo 3×0 Liverpool 1981

    Hoje é o dia, pela lei estadual, das embaixadas e dos consulados do Flamengo, um projeto muito lindo, de qual tenho o orgulho de fazer parte com a Fla Paris. E o dia escolhido não é por acaso, no 13 de dezembro de 1981, Flamengo jogava o que é para mim o seu maior jogo da história.

    Claro, tem o Milagre de Lima, sobre qual já escrevi aqui. Mas Mundial é Mundial. E era realmente o caso na época, apesar de ser um confronto apenas entre o campeão europeu e o campeão sul-americano, os times dos outros continentes não podiam entrar na conversa. Era o que se fazia do melhor no mundo, principalmente o Flamengo. No 13 de dezembro de 1981, Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Marinho, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Lico, Nunes. Um time histórico, o melhor da história, para um jogo eterno, o maior da história.

    O Liverpool era o favorito e os jogadores sequer conheciam os jogadores do Flamengo, com exceção de Zico e Júnior. E não era para menosprezar o time, era alguns meses antes da Copa de 1982, Leandro não era titular da Seleção e ainda hoje os jogos do futebol sul-americano não são retransmitidos nas televisões da Europa. Então imagina em 1981…

    Liverpool não menosprezou o Flamengo, ou talvez não, mas riu do Flamengo. Quem escreve agora é Eduardo Monsanto, escritor do livro 1981, o ano rubro-negro: “Carpegiani deu o recado, e antes do aquecimento, houve tempo para um pouco mais de samba à beira do gramado. Figueiredo, Adílio, Peu, Zico, Anselmo e Júnior ainda faziam som quando tiveram o primeiro contato visual com os ingleses, que estranharam ver os adversários cantando e batucando antes do jogo, algo inimaginável na terre de Sua Majestade”. Depois, os jogadores do Flamengo rezaram juntos, e os jogadores do Liverpool riram juntos. Um choque de cultura ainda visível quando europeus não entendem que os jogadores da Seleção comemoram os gols com dança. Mas Zico usou o argumento do rir e reuniu todos os jogadores do Flamengo: “Quem ri por último, ri melhor. Vamos entrar concentrados. Nossa reposta vai ser dada dentro de campo”.

    E Flamengo deu a reposta, com juros, bônus, extra e tudo mais. No estádio Nacional de Tóquio, construído para os Jogos Olímpicos de 1964, na frente de 62.000 torcedores, Flamengo abriu o placar com apenas 12 minutos de jogo. Um passe perfeito de Zico, uma finalização perfeita de Nunes. Quando é perfeito, não precisa de outras palavras para dizer que é perfeito. É apenas perfeito. Flamengo 1×0 Liverpool.

    Era a primeira reposta, mas ainda faltava os juros. Numa falta de Zico, o goleiro defendeu, mas com dificuldades e não segurou a bola. Adílio foi o mais rápido, o mais determinado, o mais abençoado. Com um detalhe não muito conhecido: Adílio não deixou Rio para Tóquio com o resto da delegação por uma razão simples e importante: estava em lua de mel. Por isso mandou beijos nas arquibancadas para comemorar o gol. Para o livro 1981, o ano rubro-negro, Adílio fala do momento do gol, homenageando o técnico Cláudio Coutinho, que tinha falecido alguns meses antes: “Passou de tudo pela cabeça! Eu cheguei lá em lua de mel, a responsa para mim era maior. Quando veio o gol, aí foi a realização, missão cumprida! Eu agradeci a Deus, era isso que o Coutinho queria que acontecesse. Foi uma causa bem espiritual. Claro que Coutinho estava com a gente! A toda hora, a todo momento. Era desejo dele; ele queria ver isso de perto”.

    Cláudio Coutinho foi o técnico tricampeão carioca 1978-1979-1979 Especial e campeão brasileiro 1980. Se o Flamengo jogou tão bem nesse momento, foi graças aos jogadores sim, mas também graças a ele, com liberdade para os laterais, liberdade para o gênio Zico, e ideias de jogo como o overlapping e a polivalência dos jogadores. E acho também que ele teve uma grande influência na tão mítica Seleção de 1982. No 13 de dezembro de 1981, o rubro-negro Cláudio Coutinho estava em paz, e feliz, como milhões de outros rubro-negros.

    O capitão inglês Thompson devia marcar o Zico. Ele não fez uma partida ruim, apenas a tarefa era demasiado difícil. Se você dá a missão para alguém de parar o vento, ele tem boas chances de fracassar. Porque no estádio Nacional, Zico voava em campo. Antes do intervalo, Zico fez mais um lançamento perfeito para o Nunes. Galvão Bueno antecipou o gol de quem ele ia chamar o “artilheiro das decisões”, com toda justiça. Flamengo 3×0 Liverpool. “Esse Zico é mesmo infernal, é um jogador de sonho. Estive atrás dele o tempo todo, e mesmo assim ele armou a maior confusão na nossa defesa, com lances absolutamente imperdíveis. É um monstro”, falou Thompson depois do jogo.

    O segundo tempo não serviu para muitas coisas. Flamengo levou o pé, Liverpool ficou abaixo do chão. Era tarde demais para Liverpool para rezar, Flamengo podia rir, podia dançar, podia comemorar. É uma das Copas intercontinentais mais marcantes, com o Santos – Benfica de 1962 e o São Paulo – Barcelona de 1992. Porque o Liverpool era gigante na Europa, ganhando 3 das últimas 4 Copas europeias. Mas o Flamengo era gigante no Rio, no Brasil, na América do Sul, e agora no Japão. Flamengo era o maior do Mundo.

    Depois de ter o melhor clube do mundo, faltava eleger o melhor jogador da partida. Os jornalistas japoneses escolheram Zico com 22 votos, um pouco na frente dos 19 votos para Nunes. Adílio recebeu um voto, e também o goleiro Raul, provavelmente de um jornalista que tinha entendido que precisava eleger quem menos apareceu no jogo. “Fiquei meio frustrado porque não participei do jogo. Só veio uma bola. O Flamengo podia ter jogado sem goleiro, que seria 3 a 1”, explicou Raul no livro 20 jogos eternos do Flamengo de Marcos Eduardo Neves.

    Zico ganhou do sponsor Toyota um carro Cellica zero-quilômetro, e o artilheiro Nunes um Toyota Carina. Os dois ficaram com os carros mas ofereceram para os outros jogadores o valor compartilhado do carro. Era também isso esse Flamengo de 1981, era mais do que 11 jogadores em campo jogando juntos, era a perfeição mais perfeita de um time de futebol.

  • Jogos eternos #22: Gama 2×4 Flamengo 2000

    Jogos eternos #22: Gama 2×4 Flamengo 2000

    Gama é um clube de Brasília, que em 2022 jogou apenas o campeonato brasiliense. Mas em 2000, foi o pivô de uma nova virada de mesa do futebol brasileiro, onde os detalhes não serão detalhados nessa crônica. Basta dizer que Gama recorreu na justiça comum para garantir seu lugar no Brasileirão de 2000, uma edição com 116 clubes! A competição pegou o nome de Copa João Havelange, do nome do presidente brasileiro da FIFA, onde também aqui nós não vamos contar mais detalhes.

    Gama ficou no Módulo Azul da Copa João Havelange, que era mais ou menos a Série A, com 25 clubes, incluindo obviamente Flamengo, que nunca foi rebaixado do Brasileirão. Flamengo não fez um ótimo início no Brasileirão 2000, com 5 vitórias, 5 empates e 2 derrotas. Antes do jogo contra Gama, vinha de uma vitória 3×0 contra Santos no Maracanã, com gols de Adriano, Petkovic e Fernando.

    No 30 de setembro de 2000, no antigo estádio Mané Garrincha, o saudoso Carlinhos escalou Flamengo assim: Júlio César; Bruno Carvalho, Fernando, Ronaldo, Athirson; Leandro Ávila, Rocha, Mozart, Petkovic; Denílson, Edison. Um time com craques e ídolos, que poderia ter feito bem mais em campo, mas a diretoria era bem mais desorganizada do que hoje, o que nunca ajuda. Uma palavra aqui para a camisa de 2000, a primeira de Nike depois de anos com Umbro. Era um Manto Sagrado muito lindo, para mim mais lindo do que os últimos do Umbro.

    Contra Gama, Flamengo abriu o placar com 17 minutos. Jogada começou com Denílson, um jogador que eu adorava com a Seleção, particularmente na Copa de 1998, com um estilo de jogo tipicamente brasileiro, cheio de ginga e de dribles. Em 2002, foi novamente muito bem na Copa. Entre os dois, uma passagem no Flamengo não tão feliz. Mas contra Gama, matou a bola de peito e deixou de calcanhar para Athirson, que eliminou um adversário de caneta e entrou na área. Bola para Petkovic, primeiro chute bloqueado por um zagueiro, segundo chute nas redes. Flamengo 1×0. Depois de uma primeira experiência brilhante no Brasil com a camisa de Vitória, e uma volta na Europa com Venezia, Petkovic foi num clube bem maior, nosso Flamengo, e começou a brilhar com gols, assistências e jogadas mágicas.

    Alguns minutos depois do gol, Gama aproveitou da desorganização da zaga do Flamengo para empatar com um gol de Juary. Antes do intervalo, Flamengo conseguiu ter um pênalti, depois de dois dribles do lateral-direito Bruno Carvalho. Era mais falta do que pênalti, mas para Petkovic falta e pênalti eram quase a mesma coisa, quase um gol. De 11 metros, Petkovic bateu com força, com precisão e fez o seu segundo do jogo. No intervalo, depois de dois milagres de Júlio César e de uma bola salvada na linha do gol de Ronaldo, Gama 1, Flamengo 2.

    No início do segundo tempo, Gama empatou com um gol contra do não tão gênio Mozart. Depois, Flamengo e Gama tiveram oportunidades, mas nada de gol. Com 30 minutos no segundo tempo, a torcida do Flamengo, que enchia quase todo o estádio Mané Garrincha, foi à loucura com Adriano que finalizava o aquecimento e se preparava para entrar, e com uma falta para Petkovic, a mais ou menos 25 metros do gol, bem no eixo central do gol. E para Pet, uma falta era quase um pênalti, quase um gol. Com uma trajetória que ia ser eternizada no ano seguinte, a bola foi na gaveta do pobre goleiro de Gama. Petkovic completava o hat-trick, seu único com o Manto Sagrado, e de novo, Flamengo estava na frente no placar..

    Só que dessa vez, Flamengo não cedeu o empate, conservou a vantagem, ampliou-a. Porque agora tinha um outro gênio em campo, não da Sérvia mas da favela, um atacante de 18 anos, Adriano Leite Ribeiro, nosso Didico. Na sua primeira bola, no meio de campo, Adriano passou de um defensor e antes da chegada do segundo, abriu na direita para Rocha. Adriano foi na grande área, Rocha tentou finalizar a tabela, mas por poucos centímetros, Adriano não conseguiu dominar a bola. A torcida flamenguista ficou no grito de desespero.

    Adriano ficou na frente da ataque, e Arthirson se infiltrou na zaga, Adriano abriu espaço na esquerda, Arthirson deixou de trivela, Adriano bateu cruzado, brocou, comemorou com a torcida agora com gritos de alegria, sob os aplausos do Petkovic no banco, que tinha cedido seu lugar para Alessandro. Gama 2, Flamengo 4, show de Petkovic, brilho de Adriano, que fazia aqui seu sexto gol da temporada.

    Flamengo fazia aqui um dos seus melhores jogos do campeonato, mas era o Flamengo do fim do século XX – começo do século XXI. Em seguida, perdeu cinco jogos consecutivos e ficou fora da fase seguinte por 3 pontos. Flamengo já estava eliminado de um campeonato que ia ser conquistado pelo arquirrival Vasco. Para esquecer, mas a história, de novo como Petkovic, ia ser bem diferente alguns meses depois.

  • Times históricos #7: Flamengo 1977

    Times históricos #7: Flamengo 1977

    Para a volta dos times históricos, vamos de um time que não fez tanta história, mas que foi muito importante para o clube. O ano é 1977, com já alguns dos jovens jogadores que fariam parte da maior geração do clube, entre 1978 e 1983: Rondinelli, Adílio, Júnior, Tita e claro, Zico. Flamengo também trouxe do Fluminense um veterano ídolo do Brasil, o Capita do Tri, Carlos Alberto Torres. Técnico era o saudoso Cláudio Coutinho, também jovem, apenas 38 anos.

    Flamengo começou a temporada de amistosos, de goleadas também: 9×0 contra Central e 7×0 contra Portela. Depois, também num amistoso, jogou contra Fluminense, com na ponta do ataque o desconhecido Kalu, que lembrou-se do jogo para GloboEsporte: “Quando regressei para o Flamengo eu era ainda juvenil. O técnico era o Cláudio Coutinho, o centroavante titular era o Luizinho, e o reserva, o Marciano. No dia do jogo, de manhã, o Luizinho falou que não ia jogar, porque estava sem contrato. E o Marciano estava machucado. Aí o Coutinho telefonou para a concentração dos juvenis, que ficava na Praia do Flamengo, e me perguntou se eu estava bem, se não tinha ido a festa na noite anterior”. Kalu estava numa festa, mas mentiu e fez bem: no jogo, fez dois golaços e Flamengo venceu 3×1.

    Flamengo também foi jogar um amistoso no Estadio Nacional do Santiago, contra a própria seleção chilena. O Chile jogou como de costume em vermelho, e Flamengo entrou em campo com o Manto Sagrado para a foto oficial, mas depois trocou para o jogo para uma camisa azul-celeste, que era da associação de futebol do Chile. Apesar de um gol de Adílio, Flamengo perdeu por 2×1.

    No campeonato carioca, Fla começou com um empate 1×1 contra Olaria, Zico fazendo o primeiro gol oficial da temporada de 1977. Na Taça Guanabara, Flamengo ficou 3 pontos atrás do Vasco, com uma frustrante derrota 3×0 contra o próprio Vasco. Depois de mais outros amistosos, Flamengo e Vasco fecharam o segundo turno do campeonato carioca na liderança com 12 vitórias, 2 empates e nenhuma derrota. Flamengo foi muito bem com várias goleadas, 37 gols pro em 14 jogos e apenas 2 gols contra. Mas se o Flamengo era o melhor ataque, com 27 gols em 28 jogos para Zico no campeonato, os 2 gols tomados não foram suficientes para ser a melhor defesa do segundo turno, a Taça Manoel do Nascimento Vargas Netto. Vasco tomou nenhum gol, o goleiro Mazarópi ficando 1.816 minutos sem ter o gol vazado, um recorde mundial.

    Precisava então de um desempate para o segundo turno, Flamengo precisando da vitória para forçar uma final, já o Vasco podia ser o vencedor do campeonato carioca com uma vitória no jogo de desempate. Como aconteceu no último jogo entre os dois clubes, a partida ficou num 0x0. Mas um empate num jogo de desempate não é uma opção e jogo foi decidido numa disputa de pênaltis. Júnior abriu a disputa com um gol de pé direito, depois todo mundo fez, até Tita, que tinha entrado no jogo só para bater o pênalti. Tita, 21 anos na época, chutou e Mazarópi defendeu. Ultimo cobrador do Flamengo, Zico fez o dele, achando o canto direito de Mazarópi. O ídolo do Vasco, Roberto Dinamite, foi no contrapé de Cantarelli e ofereceu o título ao Vasco.

    Apesar da dor de perder contra Vasco, foi uma derrota muito importante para a geração de ouro do Flamengo, como falou Zico: “o marco inicial daquela equipe vitoriosa foi a derrota no estadual de 77, especialmente pelo Tita. Ele era muito jovem e entrou só pra bater o pênalti. Acabou perdendo e o grupo se fechou em torno dele. Saímos do Maracanã arrasados. Fomos para um restaurante e fizemos um pacto. O time era esse, não precisava de reforços significativos. Nós seremos vencedores. Precisamos acreditar no trabalho que estamos fazendo. E assim foi. Só nós, jogadores e a Comissão Técnica estavam lá. Foi o início de tudo”. O Flamengo nunca ia ser o mesmo depois dessa derrota contra Vasco.

    Antes do início do Brasileirão, Flamengo jogou mais um amistoso, contra o Cosmos de New York. No Maracanã, Flamengo goleou o time de Beckenbauer por 4×1, com dois gols de nosso Rei Arthur. O Brasileirão de 1977 ficou com 62 times e começou apenas no 15 de outubro. Flamengo estreou com uma goleada 5×0 contra Vitória, de novo Zico fazendo o primeiro gol rubro-negro do campeonato. Goleou também o Fluminense de Feira, time baiano, por 6×0, de novo Zico fazendo dois gols no jogo. Flamengo perdeu o Fla-Flu, mas fechou a primeira fase na liderança de seu grupo. Na segunda fase, agora no grupo K, Flamengo também foi o vencedor do grupo.

    Tinha mais uma fase, Flamengo agora no grupo S! Com tantos jogos, a terceira fase começou no ano de 1978. Flamengo estava no grupo de Londrina, Vasco, Corinthians, Santos e Caxias, um grupo acessível onde só o primeiro se classificava para as semifinais do Brasileirão. E Flamengo foi muito mal, jogou mal, exceção com Adílio, e ganhou nenhum dos cinco jogos da fase! Flamengo estava eliminado e o vencedor do grupo foi o surpreendente Londrina, que caiu na semifinal contra o Atlético Mineiro.

    A temporada de 1977 foi frustrante para os flamenguistas, mas foi a última antes de muitos anos de felicidade. E talvez tudo isso não teria sido possível sem a frustração de 1977 e o pacto dos jogadores.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”