Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #353: Flamengo 5×1 Bonsucesso 1954

    Em 1953, ou melhor, no início do ano de 1954, Flamengo colocou um fim a um jejum de 9 anos e conquistou finalmente o campeonato carioca, com vitória épica sobre Vasco, um jogo já eternizado no Francêsguista. “Isso foi apenas o começo”, profetizou o técnico e feiticeiro paraguaio Fleitas Solich.

    Para o campeonato carioca de 1954, Flamengo começou bem também, vencendo seus oito primeiros jogos. Empatou no Fla-Flu e voltou depois com as vitórias, até as goleadas, com 5×0 sobre Madureira e Canto do Rio. E de novo não venceu o Fla-Flu. Pior, perdeu por 3×0. Os rivais já queriam a queda do líder disparado. Alguns falaram até de cavalo paraguaio. Só que Flamengo era gigante e de paraguaio tinha apenas o técnico Fleitas Solich, o goleiro García e o centroavante Benítez.

    Flamengo tinha craques em campo e até no banco. O ano de 1954 foi o ano de afirmação de jovens jogadores como Tomires, Jadir, Evaristo e Zagallo. Ainda tinha Dida e Babá que esperavam a chance deles no time titular. Em 23 de dezembro de 1954, para o último jogo do ano, o técnico Fleitas Solich escalou Flamengo assim: García; Tomires, Pavão; Servílio, Dequinha, Jordan; Rubens, Joel, Zagallo, Índio, Evaristo de Macedo.

    Após o tropeço no Fla-Flu, o Mengão precisava de uma reação contra o Bonsucesso. E no Maraca, num jogo noturno, Flamengo dominou o início da partida. Zagallo, titular no lugar de Esquerdinha, cruzou para o cabeceio de Joel, que abriu o placar com 29 minutos de jogo. Parecia o início da goleada. Porém, o Bonsucesso chegou ao empate no final do primeiro tempo. Os antis já queriam a virada do jogo, a queda do Flamengo. Mas Flamengo era gigante.

    No início do segundo tempo, Joel fez o segundo dele, o segundo do Mengo, vencendo o goleiro Ari, que brilhou no Flamengo a partir do ano seguinte. Dez minutos depois do segundo gol, Flamengo voltou ao ataque. Escreveu no dia seguinte o Jornal dos Sports: “Acontece uma grande jogada de Índio que, alias, fez uma excelente partida, sem gols, é verdade, mas construindo nada menos de três tentos. Índio aproveitou uma falha do zagueiro no meio de campo e escapou rápido para o gol. Prevendo o perigo iminente, Ari deixa a meta mas Índio dribla-o sensacionalmente, e quando o goleiro voltava para o arco, juntamente com os dois zagueiros, Índio, já sem ângulo para finalizar, estendeu, com sangue frio admirável para Evaristo que vinha na corrida. Ari ainda corria para a sua posição quando a bola encontrou as redes”.

    E no final do jogo, a dupla Índio – Evaristo voltou a funcionar: “Rubens conduz o couro, cede a Índio que entrega otimamente a Evaristo e este atira firme às redes, quarto tento do Flamengo”. Simples assim. Ainda tinha espaço para um golzinho, “possivelmente o mais belo da noite, consignado por Zagallo. A bola veio da direita, atirada por Índio. Zagallo matou-a no peito, ajeitou como quis e chutou alto, longo, sobre o gol. Ari pulou, mas estava um pouco fora da meta e não pôde evitar a entrada da bola”.

    Mesmo sem fazer um gol, Rubens foi eleito o melhor do jogo pelo Correio da Manhã: “O atacante Rubens foi indiscutivelmente a grande figura da noitada futebolística. Repetiu ontem, a atuação desenvolvida na pugna com o Botafogo, revelando estar em esplêndida forma”. O Jornal dos Sports via a mesma coisa, elogiando também todo o ataque rubro-negro: “No ataque Rubens voltou a ser a maior figura, logo seguido por Joel e Índio, excelentes ambos, Joel finalizando bem nos dois gols e Índio dando passes ‘amanteigados’ para Evaristo. A ala esquerda lutou bastante, esforçou-se e garantiu nada menos de três gols. Assim, de um modo geral todo o ataque correspondeu e o ‘Rôlo’ voltou mais uma vez a funcionar”. O Rolo compressor voltava a vencer, voltava a golear e podia aproveitar as festas do final do ano antes de ser campeão, bicampeão, ainda não tricampeão. Fleitas Solich tinha razão, o campeonato carioca de 1953 foi apenas o começo.

  • Times históricos #36: Flamengo 2006

    Times históricos #36: Flamengo 2006

    Nesse momento de final de Copa do Brasil, volto para uma temporada com Flamengo conquistando a Copa nacional, a segunda da história do clube. Em 2006, Flamengo saía de anos lutando contra o rebaixamento. Um título nacional não vinha desde a Copa dos campeões de 2001. Eram anos difíceis, de poucas alegrias.

    Em 2005, Flamengo, apesar de ainda lutar pela permanência na Série A até o último momento, começou a mudar, com a chegada de ídolos: Léo Moura, Renato Abreu e Obina. Em 2006, teve os reforços de Juan e Ronaldo Angelim. O goleiro Bruno também chegou, mas assim como Léo Moura, contudo por motivos bem mais graves, também perdeu a idolatria. A diretoria contratou o pentacampeão Luizão e ainda teve a volta do ídolo Sávio, porém sem brilho: 10 jogos e nenhum gol. Teve até o filho de Zico, Thiago Coimbra, que fez apenas um jogo com o Flamengo. Mas era muita pressão, muitas comparações e o filho não vingou no futebol, muito menos no Flamengo. Zico, só tem um, até na família.

    A temporada de 2006 começou mal e Flamengo teve que esperar a quinta rodada do campeonato carioca para finalmente vencer um jogo! Em amistosos no Uruguai, Fla perdeu tanto contra Peñarol que contra o Nacional. De volta no campeonato carioca, empatou 3×3 contra Friburguense. Na estreia da Copa do Brasil, também empatou, 1×1 contra ASA. Porém, o gol foi marcado por Ronaldo Angelim. Flamengo começava a mudar na temporada.

    Uma nova derrota no campeonato carioca, contra Madureira, foi o fim da linha para o técnico Valdir Espinosa, substituído por Waldemar Lemos. O time não melhorou e foi eliminado depois de uma derrota contra Vasco. Com apenas duas vitórias em 11 jogos, Flamengo terminou o campeonato carioca na penúltima posição. Depois do estadual, teve outras contratações, contrações ruins, com provavelmente o pior pacote da história do Flamengo. O trio Léo Medeiros – Walter Minhoca – Diego Silva chegou junto de Ipatinga. A foto dos três juntos ainda dá pesadelos. Eram anos difíceis, de poucas alegrias.

    No segundo semestre, tinha basicamente dois Flamengos: o Flamengo do Brasileirão e o Flamengo da Copa do Brasil. Na estreia do Brasileirão, perdeu contra o São Paulo, logo depois também perdeu contra o Internacional e Cruzeiro. Na Copa do Brasil, goleou ABC, também goleou Guarani. E mais, goleou 4×1 o Atlético Mineiro, um jogo eterno no Francêsguista, com mais um show de Renato Abreu. A semifinal contra Ipatinga foi mais difícil, mas teve gol de meu ídolo Obina na ida, gol de Renato Abreu na volta, já o sexto dele na competição. E no final, Flamengo na final.

    Na criação do blog, escrevi que eu era brasileirão no coração e flamenguista na alma. Minha primeira lembrança de futebol é a Copa de 1998, na França onde nasci. Mas me apaixonei pela amarelinha, pela magia de Ronaldo Fenômeno. Tinha 6 anos recém-completados e na final, entre meu país natal e meu país de adoção, torci pela Seleção. Torcia tanto que chorei copiosamente com a derrota do Brasil. Na verdade, não lembro direito, foi minha mãe que contou, falando que ela até chorou também de me ver tão triste.

    Depois disso, foi só Brasil, apenas Brasil, sempre Brasil. Também queria saber do futebol de clubes, dos ídolos ainda jogando no país. Mas na França, numa época sem Internet ainda, tinha quase nada sobre o futebol de fora de Europa. De tanto rara que era, lembro das pequenas coisas que tinha sobre o Brasil, uma matéria de Onze Mondial sobre Vasco, as imagens das pedaladas de Robinho em 2004 no Telefoot, os resultados do Brasileirão na revista France Football. Lembrava que olhava especificamente os resultados do Flamengo, sem saber ainda o nome dos jogadores, as regras do campeonato, a luta contra o rebaixamento.

    Em 2005, já com Internet, descobri o site francês Sambafoot, que falava sobre a Seleção, os jogadores brasileiros na Europa e um pouco sobre o futebol local. Mas Flamengo estava mal e minha primeira lembrança forte é do São Paulo que venceu o Mundial contra Liverpool. Em 2006, teve outro França x Brasil na Copa, outra atuação magistral de Zidane, outras lágrimas de tristeza para mim. Na minha França, eu era só Brasil. E no Brasil, eu era só Flamengo. No mesmo mês de julho, teve a final da Copa do Brasil entre Flamengo e Vasco. Já sabia que Vasco era rival, já conhecia alguns nomes do time, meu primeiro ídolo Obina, o meia artilheiro Renato Abreu, talvez a dupla de laterais Léo Moura e Juan. É difícil de lembrar exatamente, só lembro de minha ansiedade na casa de meu padrinho acessando ao Sambafoot, talvez para saber o placar, talvez no pré-jogo ainda, talvez no jogo de ida, quem sabe no jogo de volta.

    Certeza que Flamengo venceu os dois jogos contra Vasco. Na ida, gols de meu ídolo Obina e de Luizão, que jogou pouco tempo no Flamengo, mas honrou o Manto. Na volta, gol de Juan, para efetivar o título, para consagrar o Flamengo, para deixar mais uma vez o Vasco no vice. A invencibilidade do Flamengo sobre Vasco em decisões chegava à maioridade. Fazia 18 anos que Flamengo não perdia uma decisão contra Vasco. E a série ainda tá viva, chegando agora aos 37 anos. De minha vida, de flamenguista consciente ou só na alma, nunca vi Flamengo perder uma final contra Vasco.

    Flamengo era o bicampeão da Copa do Brasil, chegando ao título em cima do maior rival. A temporada já era um sucesso. Teve no Brasileirão algumas alegrias, alguns jogos memoráveis, até eternizados no blog: um 2×2 contra São Caetano com dois golaços de falta de Renato Abreu, uma vitória 4×3 sobre Fortaleza com hat-trick de Obina, uma goleada 4×1 no Fla-Flu com dobletes de Obina e Renato Abreu. Basicamente, a temporada de 2006 foi isso, o brilho de Obina e Renato Abreu, os artilheiros do time no Brasileirão, respectivamente com 11 e 10 gols. O último gol de Obina no campeonato foi um golaço com homenagem a filha recém-nascida e comemoração à la Bebeto para vencer o Góias 1×0 e escapar de qualquer risco de rebaixamento. Foi um Brasileirão modesto, mas bem menos sofrido que os últimos.

    Flamengo ainda teve três derrotas consecutivas, sem nenhum gol marcado, e fechou a temporada com uma goleada 4×1, de virada, sobre São Caetano. Hélder fez dois gols, seus únicos com o Manto Sagrado. Ronaldo Angelim também fez um, de um cabeceio mortal, ainda não imortal. Como um símbolo, o último gol da temporada foi marcado por Renato Abreu, o jogador que mais jogou e marcou no Flamengo em 2006, 18 gols em 53 jogos. Flamengo fechou o Brasileirão no 11.o lugar, bem no meio da tabela. Mas tinha mais importante, tinha o título em cima do Vasco, tinha a volta na Copa Libertadores. E eu na França, como torcedor rubro-negro ainda novo nos olhos e na cabeça, raiz no coração e na alma, tinha muitas coisas a descobrir com o maior amor de minha vida.

  • Jogos eternos #352: Flamengo 1×0 Vasco 1978

    Jogos eternos #352: Flamengo 1×0 Vasco 1978

    A temporada de 2025 acabou de uma maneira melancólica, triste, até frustrante. Mas foi uma temporada histórica. As conquistas da Supercopa do Brasil e do campeonato carioca no início do ano, o Brasileirão e a Copa Libertadores no final da temporada. O ápice foi o gol de Danilo no Monumental de Lima. Um gol que foi comparado a um outro gol muito importante na história do Flamengo, para outra geração eterna. Um escanteio cedido desnecessariamente pelo adversário, no lado direito, cobrado pelo maior ídolo, craque e camisa 10, e na segunda trave, um zagueiro raiz que subiu, até voou, para fazer o único gol da partida, para oferecer o título ao Mengo.

    Em mais de 350 crônicas, eu ainda não tinha eternizado o jogo contra Vasco de 1978. Um jogo importantíssimo na história do Flamengo, que marcou o início de uma geração, o que podia também ter sido o fim em caso de derrota. Nos anos 1970, o craque, Flamengo fazia em casa. Em alguns anos, teve vários, Cantarele, Rondinelli, Júnior, Adílio, Tita e claro, Zico. Era uma geração promissora, que ainda não vencia. Em duas disputas de penalidades malditas, Flamengo perdeu contra Vasco a Taça Guanabara 1976 e o campeonato carioca 1977. Tita foi quase crucificado e o time desmembrado. Mas tinha união e solidariedade entre os jogadores, o time foi mantido. Apenas trocou do técnico. Depois de um Brasileirão 1978 decepcionante, Joubert cedeu seu lugar para o Cláudio Coutinho, capitão do Exército, preparador físico da Seleção de 1970 e idealizador do maior Flamengo da história.

    No campeonato carioca de 1978, já sob o comando de Coutinho, Flamengo conquistou a Taça Guanabara e andava invicto na Taça Rio: 9 vitórias e apenas um empate. Só que Vasco fazia ainda melhor com 10 vitórias em 10 jogos. Assim, antes do último jogo, Vasco precisava apenas de um empate para forçar uma decisão em 3 jogos. Flamengo precisava da vitória para diretamente se sagrar campeão carioca. Antes do jogo, Abel, o zagueiro do Vasco ainda não conhecido como Abel Braga, mostrava confiança e teve uma antevisão, quem sabe uma anti-visão: “Não sei como o Flamengo vai chegar perto da nossa área. Se vierem com aquelas jogadinhas rasteiras pelo meio, vamos saber pará-los. Por cima, parece até brincadeira pensar que tomaríamos um gol do Flamengo”. Do outro lado do campo, Rondinelli, ainda não o Deus da Raça, já tinha uma coisa a mais: “Quando comecei a jogar pelo Flamengo, aprendi logo que quem veste a camisa daquele time tem de mostrar garra e amor à torcida, não importa a qualidade de seu futebol. Caso contrário, é melhor pedir para ir embora”. Rondinelli não precisava ir embora, já era o maior símbolo da raça rubro-negra.

    Em 3 de dezembro de 1978, o técnico Claudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Manguito, Rondinelli, Júnior; Paulo César Carpegiani, Adílio, Zico; Marcinho, Tita, Cleber. O Maracanã era cheio, com 120.433 pagantes. E Zico inflamou a geral já no primeiro minuto de jogo, com seu característico drible de sola. Zico pedalou, tabelou com Cleber, achou Adílio na profundidade, chutou de pé esquerdo. Mas ainda nada de gol. Flamengo jogava bem, mas parava no Émerson Leão, na época o maior goleiro do Brasil. Do outro lado, Vasco jogava na retranca, mas quase abriu o placar no final do primeiro tempo com jogada de Roberto Dinamite. Cantarele defendeu. No intervalo, ainda 0x0, ainda uma previsão de uma final em 3 jogos.

    No segundo tempo, com triangulação característica do time, Zico teve grande chance de fazer o gol, mas Leão fez outra defesaça, a melhor do campeonato segundo o comentarista. O tempo passava, já era a noite escura no Maraca, e nada de gol. Quanto mais o tempo passava, mais a vitória parecia improvável, mais a decisão em 3 jogos parecia óbvia. A menos de uma tragédia ainda maior. No final do jogo, Rondinelli jogou um pouco mole na luta com Roberto Dinamite, um duelo que já acontecia na época dos juvenis. Roberto Dinamite ganhou a bola nos pés de Rondinelli e cruzou para Paulinho sozinho na grande área. Em um meio segundo, a metade do Maracanã, ou mais, viu um gol vascaíno, uma repetição dos anos de sofrimento em 1976 e 1977. Era a terceira decisão entre os dois rivais, com possibilidade de Flamengo virar freguês. Paulinho pegou mal a bola, que saiu para fora. A geral do Maraca, em maioria rubro-negra, respirou aliviada.

    E dois minutos depois, Júnior na esquerda cruzou alto. Marco Antônio, aquele lateral campeão do mundo em 1970, cedeu o escanteio, de forma desnecessária. O fotografo uruguaio Ruben Etchevarria, conhecido do time rubro-negro por organizar churrascos com os jogadores, entregou rapidamente a bola para Zico: “Pode ser agora, tchê. É a última chance, estamos em cima – 45 minutos – capricha, hê, pelo amor de Dieus”. Durante o jogo, Tita e Marcinho já tinham cobrado escanteios da direita, mas aquele era para Zico, que fazia grande partida até aqui. Rondinelli subiu na grande área. Lembra o zagueirão para Lance!: “Tenho consciência de que dei um vacilo uns três, quatro minutos antes da jogada com ele. O Carpeggiani, que era o capitão, falou algo nesse sentido: ‘Como é que você vai subir pro lance se você deu uma vacilada? Fica lá que você não vai resolver nada na frente’. Eu pensei ‘estou há dois tempos tentando evitar gol, quero ajudar a sair daqui com esse time campeão. Vou desobedecer!’. Eu estava com 23 anos, tentando me firmar como titular. Se eu posso ir, eu vou, pela minha intuição. E o Zico sabia da minha intuição, não à toa eu digo que ele não cruza a bola, ele alça. Ele sabia”.

    Zico fez um sinal para Rondinelli, que já existia nos tempos dos juvenis. Lembra Zico: “A bola caiu no pé do fotógrafo uruguaio que fazia nosso churrasco e ele mandou a bola para mim. Eu a levei para o canto e fiz sinal para o Rondinelli. Havia uma combinação para essa jogada só em cobranças de faltas, mas na hora acabei fazendo o sinal e acho que ele foi malandro, porque ficou esperando. Quando ele subia, o Roberto Dinamite vinha sempre com ele, mas naquela bobeou, eu fiz o sinal e quando ele partiu eu mandei”. Zico cobrou, bem no alto, na segunda trave. Roberto Dinamite deixou a marcação. Rondinelli chegou.

    Rondinelli tinha dez centímetros a menos que Abel, aquele que pensava que era brincadeira Flamengo fazer um gol por cima. A solução era na raça. Rondinelli chegou, subiu, voou. Cabeceou, golaçou. Mudou sua história, eternizou seu nome na galeria dos ídolos rubro-negros. De nome completo, Antônio José Rondinelli Tobias. Apenas Rondinelli, ou melhor, o “Deus da Raça”. E o sobrenome virou nome. “Rondinelli é um sobrenome. Mas virou nome! Surgiram depois mais de 4 mil Rondinellis. Virou primeiro nome. E olha que a mídia não era como hoje. Era basicamente jornal impresso e rádio. A paixão da nossa época era de rua, do corpo a corpo. Tudo começou ali, naquele momento”, explicou depois o ídolo do dia, o herói de milhares de vidas.

    Ainda Rondinelli sobre o gol que mudou sua vida: “Sempre fui um jogador aguerrido. Faltava para mim uma referência a tudo que eu praticava em campo. E aconteceu através desse gol. Fui atrás desse lance. Ganhei carro, entrava em lojas e ganhava roupas de graça. Ia jantar em família e na hora de pagar a conta, o maître do restaurante chegava e dizia que outra pessoa havia me reconhecido e deixado tudo pago em agradecimento pela alegria que eu tinha proporcionado”. Com uma cabeçada mortal, Rondinelli se tornava imortal no Flamengo. Já escrevi aqui que gosto de trindades. E eu tenho minha trindade de gols decisivos em cima do Vasco para conquistar o campeonato carioca: Valido em 1944, Rondinelli em 1978, Petkovic em 2001. Ponto. E se precisa de uma trindade de gols de cabeça: de novo Rondinelli, depois Ronaldo Angelim no Hexa, e agora Danilo em Lima. Ponto. Escanteio para Flamengo, quem bate é Zico, Pet, Arrasca, outra Santa Trinidade, quem faz o gol é um zagueiro de raça, quem é o campeão é o Flamengo.

    O gol não só mudou a trajetória de Rondinelli, mudou a do próprio Flamengo e de sua geração de ouro. Sem esse gol, não tem o tricampeonato carioca de 1979, talvez não o Brasileirão de 1980, a Liberta e o Mundial de 1981. O Flamengo será diferente. “Dentro do campo, a conquista do Estadual foi o início de tudo. Até hoje, quando revejo aquele gol, me arrepio. É o que mais me emociona”, explica Zico, que, ninguém lembra, foi expulso no final do jogo. Mas foi reverenciado como maior jogador do país. “O melhor do time pela raça, pela categoria e pela habilidade em se deslocar para os espaços certos e de compor, com talento, tanto o meio-campo como o ataque. Tudo isso sob severa marcação”, escreveu o Jornal do Brasil quando o Jornal dos Sports preferiu: “O que mais pode ser escrito sobre o maior craque do futebol brasileiro. Toques geniais, dribles estonteantes, toques de alta categoria, tudo com absoluta perfeição”.

    Também não posso resistir a tentação de reproduzir a crônica do eterno Nelson Rodrigues: “Amigos, eis a pergunta que sempre faço, sempre fiz, com as dívidas do Flamengo. Se o Rubro-Negro não as tivesse, eu entenderia o espanto, entenderia o escândalo. O brasileiro é, por excelência, o sujeito que deve […] Uns três minutos para acabar a partida, córner a favor do Rubro-Negro. Acontece que baixou uma inspiração sobre Zico. Ele resolveu cobrar o escanteio. Corre, apanha a bola e a coloca no lugar certo. Todo mundo sente que não há mais tempo para ganhar a partida. Mas uma fé obtusa e invencível crispa Zico […] Sucede que Zico caprichou. Sucede, também, que lá vinha Rondinelli. Rompia pela área do Vasco com uma sede mortal de gol. Entre todos que estavam presentes no Mário Filho – em campo ou nas arquibancadas, cadeiras e gerais – só Rondinelli foi iluminado pela certeza de gol. Ele sabia que ia marcar e só não sabia como. E, então, Zico bateu o córner. E, então, Rondinelli subiu, leve, alado. Subiu mais que os outros. A bola saiu redondinha. Leão, naquela tarde, fizera defesas incríveis. Mas qualquer um se cansa de milagre. A bola morreu dentro das redes. Era o gol e, mais do que isso, o título. O Flamengo era campeão da cabeça aos sapatos. E eu dizia, na casa do Marcelo Soares de Moura: – ‘Não me falem em dívidas do Flamengo. O clube que arranca da cidade aquele grito, esse está acima de todas as dívidas’”.

    Para fechar a crônica, volto com a palavra do herói do dia, festejado em todos os lugares do Brasil, em várias gerações e famílias, por ter mudado o destino do Flamengo: “O que mais me orgulha é que aquele gol, que eu tive a felicidade de marcar sobre o Vasco, acabou representando o início da consagração de uma geração de profissionais que vestiu o manto sagrado, e de uma nova mentalidade que passou a existir dentro do Flamengo. Eu não me refiro apenas aos jogadores que levantaram os títulos que aconteceram na sequência, mas a todos os que participaram das conquistas, incluindo treinadores, preparadores físicos, massagistas, médicos, roupeiros e dirigentes, e aí não interessa quanto tempo cada um deles passou lá dentro […] Aquela tarde-noite, enfim, foi única, inesquecível e interminável”.

  • Jogos eternos #351: Flamengo 3×1 Chelsea 2025

    Jogos eternos #351: Flamengo 3×1 Chelsea 2025

    Flamengo tem um retrospecto equilibrado contra o Paris Saint-Germain: uma vitória, um empate e uma derrota. No Mundial de clubes de 2025, estava louco para ver um Flamengo x Paris SG nas quartas de final, mas não aconteceu. Assim, aproveitei, meses depois, do dia aniversário para eternizar no blog a vitória do Flamengo sobre o PSG em 1975. Fechei a crônica assim: “Com um retrospecto equilibrado, o quarto jogo ainda se fez esperar”. E agora, chegou a hora.

    Sem opção de jogo contra Paris, eu vou de um confronto contra outro clube europeu, no já falado Mundial de clubes. Na época da eliminação do Mundial de clubes de 2023 contra Al-Hilal, eu tinha escrito que “a frustração é ainda mais forte que era a última chance de ganhar o Mundial de novo. O próximo Mundial será com 32 times, a metade vindo da Europa. É possível de passar a primeira fase, de fazer um ou dois milagres na fase final, mas ganhar o Mundial é tipo uma seleção africana ganhar a Copa do Mundo hoje. 0,1% de chance”. E a história provou que eu estava certo. Alguns times fora da Europa, Flamengo incluindo, foram bem, Flu chegando até a semifinal, mas na final, foi um duelo europeu, entre Chelsea e Paris.

    Só que o antigo Mundial continuou a existir, virou Copa Intercontinental, com um calendário anual e um formato próximo do que era. Para Flamengo, virou três jogos em vez de dois. Para o europeu, apenas um jogo, a final. De novo, tem a possibilidade de ser campeão mundial vencendo apenas uma vez um gigante europeu. De novo tem a possibilidade de ser bicampeão mundial. Assim, eu vou de um jogo eterno contra Chelsea, o atual campeão mundial, vencendo Paris na final.

    No Mundial de 2025, Flamengo estreou bem, com vitória sobre o Espérance de Tunis. Assim, tinha uma certa tranquilidade antes do jogo contra Chelsea, podia até perder e seguir vivo na competição. Mas tinha a possibilidade de terminar no primeiro lugar com uma vitória e ter uma tabela teoricamente mais fácil na fase final. Flamengo jogava para vencer, como sempre. Em 20 de junho de 2025, o técnico Filipe Luís escalou Flamengo assim: Rossi; Wesley, Danilo, Léo Pereira, Ayrton Lucas; Erick Pulgar, Jorginho, Gerson, Arrascaeta; Luiz Araújo, Plata.

    Flamengo começou bem o jogo, com um chute de longe de Ayrton Lucas. Chelsea respondeu logo depois com Delap, Rossi fez a defesa. Com tranquilidade, Flamengo aplicava seu jogo de passes e jogava de igual para igual. Porém, o realismo era inglês. Numa dupla falha, Wesley deixou Pedro Neto no cara a cara com Rossi, o português não falhou e abriu o placar para Chelsea. O jogo se complicava. No final do primeiro tempo, Colwill salvou uma bola em cima da linha e impediu o empate rubro-negro. Flamengo estava bem no jogo, mas estava atrás no placar. Precisava mudar, precisava mexer.

    No início do segundo tempo, teve um lance quase igual ao do gol de Chelsea, mas para o Flamengo. Gerson ganhou a bola no campo dos Blues, mas perdeu um pouco de tempo, um pouco de espaço. O chute foi desviado. No rebote, Plata tinha o gol aberto, mas pegou mal e chutou para fora. O realismo era do Chelsea, o lamento do Flamengo. Eu assistia ao jogo no Fleurus com meu amado consulado Fla Paris e xingava com todo meu ódio o Gonzalo Plata. Logo depois, Filipe Luís mexeu com a saída de um ídolo, Arrascaeta, para a entrada de um outro ídolo, Bruno Henrique.

    Na sua primeira bola, depois de boa triangulação na direita, Bruno Henrique tabelou com Gerson, que achou do outro lado Gonzalo Plata. O equatoriano tinha espaço para chutar, mas se precipitou e pegou mal de novo, permitindo a defesa de Sánchez. E eu xingava ainda mais, com mais ódio, era um jogo de emoção. No escanteio, Luiz Araújo cobrou mal, mas se precipitou para evitar a saída da bola no rebate da defesa inglesa. A bola foi do lado esquerdo até o direito com troca de passes curtos. Luiz Araújo, Ayrton Lucas, Pulgar, Wesley, Gerson. O capitão cruzou bem, na segunda trave, para o Plata que eu não parava de xingar. Mas essa vez Plata viu o que eu, confortavelmente sentado no Fleurus, não tinha visto. Plata fez um passe de ouro, de cabecinha, do outro lado do gol, para a chegada do ídolo Bruno Henrique, para o gol fácil. Com todo meu amor, comemorei o gol de empate e já queria mais emoção, já queria a virada.

    E três minutos depois, outro escanteio, agora da direita. De novo, Luiz Araújo na cobrança, agora bem batida. De novo na segunda trave, de novo o artilheiro Bruno Henrique, que virou garçom. Outro passe de cabecinha, de novo para o outro lado do gol, para a chegada consagrada de um futuro ídolo, Danilo. De novo bola na rede. O Fleurus em Paris explodiu, o estádio na Filadélfia explodiu, o Brasil inteiro explodiu, a América do Sul, quase o mundo inteiro. Em três minutos, Flamengo virou, escreveu história. Vale citar o narrador francês da DAZN, em versão original, na hora do gol: “Le corner de Araújo, cette fois il a réussi, il est prolongé! En deux minutes, ils ont tout retourné, parce que c’est Flamengo, un monument du football brésilien”. Tradução livre: “O escanteio de Araújo, essa vez conseguiu, foi prolongado! Em dois minutos, viraram tudo, porque é Flamengo, um monumento do futebol brasileiro”. Era Flamengo, um gigante do futebol, um campeão mundial.

    Na sequência da virada, Jackson deu pisão em Ayrton Lucas e foi diretamente expulso. A vitória parecia cada vez mais real. E de novo o predestinado Filipe Luís mexeu perfeitamente com as entradas de Varela e Wallace Yan. Na sua primeira bola, Varela abriu na direita para Plata, que jogou com Wallace Yan. Na sua também primeira bola, Wallace Yan tocou de sola para completar a tabelinha em um toquinho, enganando completamente o campeão europeu Cucurella. Plata entrou na grande área e achou de novo Wallace Yan. E de novo a tabelinha, com um toque de gênio do jovem de 20 anos, agora de calcanhar. Plata recuperou e chutou. Com a sorte de campeão, a bola tocou nos pés de Wallace Yan e seguiu viva. O jovem craque não perdeu tempo, chutou, golaçou. Era o gol do 3×1, da vitória inesquecível, da virada histórica.

    E 44 anos depois de Tóquio, Flamengo marcava de novo a história, contra outro time inglês. Só que agora vencer um europeu não era suficiente para se tornar campeão mundial. Pior ainda, com a vitória, Fla fechou a fase no primeiro lugar, mas com outras surpresas em outros grupos, pegou uma tabela bem mais difícil na fase final. O que era para ser Benfica, Palmeiras e Fluminense, virou Bayern nas oitavas, depois teoricamente Paris Saint-Germain e Real Madrid. Era possível de passar a primeira fase, de fazer um ou dois milagres na fase final, mas ganhar o Mundial é tipo uma seleção africana ganhar a Copa do Mundo hoje. 0,1% de chance. Só que hoje, depois de conquistar o Derby das Américas e derrotar o campeão da Copa África-Ásia-Pacífico, Flamengo precisa vencer apenas uma vez um gigante europeu para conquistar de novo o Mundo.

  • Jogos eternos #350: Flamengo 4×2 Al Ahly 2023

    Jogos eternos #350: Flamengo 4×2 Al Ahly 2023

    Flamengo fez o primeiro passo e eliminou o Cruz Azul da Copa Intercontinental. O destino agora é Pyramids, time do Egito. É a segunda vez da história que Flamengo joga contra um time egípcio, a primeira e última vez foi há quase três anos, na mesma competição, embora com um formato diferente. Só que o jogo contra Al Ahly em 2023 valia nada.

    Na época, a eliminação na semifinal contra Al-Hilal foi uma desilusão. Acho que pesou o fato do torneio acontecer no início de 2023, com uma nova temporada, com jogadores diferentes, e loucura, com novo treinador depois da brilhante passagem de Dorival Júnior. Mas o Flamengo também teve soberba, principalmente a torcida, louca para ver a hora do Real Madrid chegar. Hoje, a coisa me parece ser bem diferente, talvez pela mudança do formato do torneio, talvez pelas lições aprendidas.

    E assim o jogo no Marrocos contra Al Ahly valia nada. Mas jogando com o Manto Sagrado, o jogo sempre vale. E mais, tinha que escapar de mais uma vergonha, de mais uma derrota para não fechar a competição no quarto lugar, o que no Brasil apenas Palmeiras teve o vexame de fazer, perdendo em 2021 a disputa pelo terceiro lugar, justamente contra Al Ahly.

    Em 11 de fevereiro de 2023, o técnico Vítor Pereira escalou Flamengo assim: Santos; Varela, David Luiz, Fabrício Bruno, Ayrton Lucas; Thiago Maia, Vidal, Arrascaeta; Éverton Ribeiro, Gabigol, Pedro. Na época, eu morava na Rocinha, e depois da desilusão contra Al-Hilal, ninguém ligava para o jogo. Assisti ao jogo no meu amado restaurante Amarelinho, quase vazio neste momento – jogo aconteceu ao meio dia no Brasil. Era um jogo longe de meus sonhos, mas era jogo do Mengo, era jogo para valer.

    Aos 10 minutos de jogo, no estádio Ibn Batouta de Tanger, Arrascaeta achou na grande área Varela, que caiu. O juiz marcou pênalti, Gabigol cobrou e abriu o placar. Na Rocinha e no Brasil inteiro, uma alegria bem tímida, o Mundial já era perdido. Gabigol vestia agora a camisa 10 e já não correspondia mais, fazendo gols apenas de pênalti, perdendo um gol feito depois de cabeceio de Pedro. Flamengo não estava bem no jogo e cedeu o empate no final do primeiro tempo num escanteio. A vergonha maior ameaçava.

    No início do segundo tempo, Gabigol perdeu outro gol no ataque, Thiago Maia na defesa se atrapalhou e cometeu pênalti. Ali Maâloul cobrou, Santos defendeu e salvou o rubro-negro. Porém, três minutos depois, Abdelkader se divertiu na grande área flamenguista, fintou na frente de três jogadores, achou espaço para chutar e vencer Santos. Al Ahly virou, o Flamengo de 2023 parecia ser só frustração.

    Na metade do segundo tempo, Ayrton Lucas chegou perto do gol e foi derrubado pelo Mohahmed. Com auxílio do VAR, o juiz anulou o pênalti que tinha apitado, mas expulsou o jogador egípcio. Mesmo com um jogador a mais, Flamengo não conseguia impor o ritmo do jogo e quase sofreu o terceiro gol. Faltando 15 minutos para o final do jogo, Gabigol cruzou, o goleiro do Al Ahly se atrapalhou com o zagueiro, Pedro aproveitou para tocar de cobertura e empatar. Alguns minutos depois, o juiz marcou outro pênalti, agora para o Flamengo. Gabigol cobrou com categoria, fez o segundo dele no jogo. Flamengo virou e finalmente se aproximou do terceiro lugar.

    Nos acréscimos, Pedro aproveitou de outra falha da zaga egipciana e também fez o segundo dele para definir o placar. Pedro já tinha feito um doblete na semifinal e se sagrou artilheiro da competição com 4 gols. Flamengo, mesmo num ano muito ruim, vencia o time do Egito e conseguia um terceiro lugar de pequena consolação para a torcida. O ano de 2025 é bem diferente, e o jogo contra Pyramids não vale mais nada, vale tudo.

  • Jogos eternos #349: Club América 2×4 Flamengo 2008

    Jogos eternos #349: Club América 2×4 Flamengo 2008

    Em agora quase, quase 350 crônicas dos jogos eternos, eternizei quase só vitórias do Flamengo, no pior dos casos, empates. Ou derrotas com sabor de vitória, como foi o jogo contra São Paulo para conquistar a Copa dos campeões de 2001 ou contra Peñarol para chegar na final da Copa Mercosul de 1999. Hoje, Flamengo joga um dos jogos mais importantes da temporada, quem diria de sua história, contra Cruz Azul, aliás um clube conhecido por sua maldição. Assim, abro uma meia exceção no blog, lembrando uma vitória com sabor de derrota, contra outro clube mexicano, o Club América.

    Em 2008, eu ainda era um torcedor novo do Flamengo. Comecei a realmente acompanhar em 2005, vibrei com o título da Copa de 2006 contra Vasco, mesmo sem imagem. Em 2007, conhecia melhor o time, os jogadores e vivi meu primeiro título carioca. Também minha primeira decepção na Libertadores, uma derrota dura 3×0 contra Defensor na ida, acreditei na volta, mas Flamengo apenas venceu 2×0, uma vitória com sabor de derrota. Aprendi ali que o amor pelo Flamengo, o orgulho de ser rubro-negro, era às vezes maior nas tragédias, nos momentos ruins.

    Em 2008, foi bis repetita. Uma final do campeonato carioca contra Botafogo, um gol de meu primeiro ídolo no Flamengo, Obina. A campanha na fase de grupos da Copa Libertadores foi quase perfeita, a segunda melhor da edição, atrás apenas de Fluminense. Jogava nas oitavas contra a segunda pior campanha, do Club América do México, que quase ficou de fora no último jogo da fase de grupos. Times mexicanos jogaram na Copa Libertadores entre 1998 e 2016 e elevavam ainda mais o nível da competição.

    Em 30 de abril de 2008, o técnico Joel Santana, já de saída do clube para comandar a seleção da África do Sul, escalou Flamengo assim: Bruno; Luizinho, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Juan; Jaílton, Cristian, Kleberson, Ibson; Marcinho, Souza. O palco do jogo era o mítico estádio de Azteca. A Seleção brasileira nunca venceu a Copa do Mundo no Maracanã, mas venceu no Azteca, com brilho de Pelé. Agora era a vez do Flamengo de fazer história lá.

    Bola rolando, vamos diretamente para o final do primeiro tempo, com uma bola longa do goleiro Bruno, diretamente para Marcinho. O ponta vivia uma grande fase e com sua ginga habitual, pedalou, fintou, chutou na rede para abrir o placar. Porém, talvez um anúncio da tragédia, o Club América conseguiu empatar ainda no primeiro tempo, com um cabeceio letal de Cervantes.

    No intervalo, Joel Santana mexeu com a entrada de Léo Moura e Obina. O lateral-direito se infiltrou na defesa mexicana e quase fez o gol, mas tocou na trave. Papai Joel mexeu certo e deu um presente para a torcida do Flamengo. Na metade do segundo tempo, Obina jogou na frente com Marcinho. O camisa 22 pegou de primeira, chutou cruzado e fez o segundo dele no jogo. E de novo, nos minutos seguintes do gol, Flamengo cedeu o empate. O ainda não maldito Cabanãs cruzou para Esqueda, esquecido pela zaga rubro-negra, e que não se esforçou para empatar.

    No Azteca, o placar de 2×2 ainda era bom para o Flamengo, com jogo de volta marcado no Maraca. Mas era um grande time, capaz sim, de vencer a Liberta. E Joel Santana ainda mexeu certinho para o Mengo, com a entrada de Tardelli nos dez minutos finais. Léo Moura, na sua ala direita, fintou o chute e deixou no meio para Obina, que abriu o pé, cobrou com categoria, tocou na trave. Lance seguiu vivo, bola voltou para Léo Moura, mais uma finta de chute e ao mesmo tempo o passe para Diego Tardelli, sozinho na pequena área, para colocar de novo o Mengo na frente.

    Flamengo fazia o terceiro e de novo teve um gol nos instantes seguintes. Só que essa vez era rubro-negro. Léo Moura, ainda ele, driblou um e acelerou, tocou para Ibson e já pediu de novo a bola. Com a visão e a habilidade do craque, Ibson completou a tabelinha, lançando uma bola em cima da zaga mexicana. Léo Moura já viu a saída do goleiro Ochoa e, sendo também um craque, tocou de cobertura para o golaço do dia, no mesmo gol em que o lateral-direito Carlos Alberto Torres tinha feito o quarto gol da Seleção em 1970. Era o quarto do Mengo, o gol da vitória no Azteca – ninguém duvidava, da classificação. O jogo de volta ainda dói na alma de flamenguista. Foi um dos maiores vexames do Flamengo, um segundo Maracanaço, um jogo para esquecer, porém impossível de esquecer.

    Na minha França, torço pelo PSG e a vitória do Mengo em México é igual ao jogo de ida contra Barcelona em 2017. Uma goleada histórica, um show de bola parisiense com uma vitória 4×0, porém impossível de lembrar, de esquecer, por causa da remontada uma semana depois. Hoje, com uma dose de superstição e de orgulho rubro-negro mesmo ferido, lembro do jogo contra América porque em 2025, precisa vencer apenas uma vez o time mexicano.

  • Jogos eternos #348: Náutico 3×4 Flamengo 1982

    Jogos eternos #348: Náutico 3×4 Flamengo 1982

    Flamengo encerra hoje o Brasileirão já de olho na Copa Intercontinental e pode chegar aos 81 pontos. Um número bom na história do Flamengo, teve 1981, 2019 e agora 2025, talvez os três maiores times do clube. Hoje, o Flamengo é atual campeão de tudo no Brasil, campeonato carioca, Supercopa, Copa do Brasil, Brasileirão, mais a Copa Libertadores. Em 1982, Flamengo era também campeão de tudo: carioca, Brasileirão, Copa Libertadores mais o Mundial.

    Eu vou então hoje de um jogo desse time inesquecível. Já eternizei o primeiro jogo da campanha vencedora do Brasileirão de 1982, uma virada contra São Paulo, com um show de Zico, e escolho agora o segundo jogo da campanha, quatro dias depois. Em 24 de janeiro de 1982, para o jogo contra Náutico, o técnico Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Maurinho, Mozer, Júnior; Andrade, Vítor, Zico; Lico, Adílio, Nunes.

    No Arruda, Flamengo começou bem o jogo. Aos 13 minutos de jogo, Nunes abriu na direita. Com a categoria de sempre, Leandro dominou perfeitamente de pé direito. Trocou de pé e mandou a bomba com o pé esquerdo, diretamente na gaveta do goleiro. Leandro era um jogador de poucos gols, mas sempre de gols importantes, de golaços.

    Cinco minutos depois, num escanteio de Náutico, Raul saiu mal, o zagueiro Douglas aproveitou para empatar. No intervalo, apesar do domínio rubro-negro, jogo estava empatado. E logo no início do segundo tempo, do meio da rua, Heider mandou a bomba na gaveta de Raul para o segundo golaço do dia. Náutico virou e mais, apenas três minutos depois, Heider fez o segundo dele com um cabeceio. Náutico vencia agora 3×1, já perto da vitória e ao mesmo tempo, tão longe. Flamengo lembrava do jogo contra São Paulo quatro dias antes e da situação similar, lembrava que tinha craques, o maior de todos, Zico.

    E cinco minutos depois do gol do time pernambucano, Flamengo reagiu. Com o maior de todos, no seu melhor estilo. Numa falta num ângulo impossível, à la Juninho Pernambucano contra Barcelona em 2009, Zico cobrou bem, Lico apenas desviou de cabeça e diminuiu. Na metade do segundo tempo, Mozer, no seu estilo particular, fez a diferença bola no pé e achou Zico, que driblou Douglas e chutou com categoria no gol, sem chance para Jairo. Era o gol do empate, faltava um golzinho ainda para a vitória.

    E o gol da virada, ou melhor da contra-virada, chegou quatro minutos depois. Com Zico, claro, de falta, óbvio. Antes da cobrança, com 20 metros de distância, o Arruda já sabia. E o esperado aconteceu. Num estilo bem similar ao golaço que tinha feito dois meses antes contra Cobreloa para oferecer ao Mengo sua primeira Copa Libertadores, Zico repetiu o golaço. Com uma assistência e dois gols de seu craque e camisa 10, Flamengo virou de novo no Brasileirão de 1982, já era pronto para ser campeão de tudo.

  • Jogos eternos #347: Flamengo 4×1 Ceará 2019

    Jogos eternos #347: Flamengo 4×1 Ceará 2019

    Em 2019, o Flamengo foi campeão da Copa Libertadores e do Brasileirão em 24 horas. A Libertadores foi conquistada no Milagre de Lima e um dia depois, a derrota do Palmeiras oficializou o título brasileiro. Hoje, a situação é um pouco diferente. Já campeão da Libertadores, de novo em Lima, Flamengo precisa vencer hoje para repetir o feito de 2019 e conquistar também o campeonato nacional. E por coincidência, o adversário e o local são os mesmos, Ceará no Maracanã.

    Em 2019, o clima era de festa só. Tinha 67.539 torcedores no Maracanã e um mosaico “Vencemos juntos”. Foi uma união entre a torcida e um time histórico, liderado por craques e um técnico carismático. Era um time de goleadas e de alegria, precisava de mais uma antes do time levantar a taça e comemorar com a Nação. Em 27 de novembro de 2019, o técnico Jorge Jesus escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rodinei, Rodrigo Caio, Rhodolfo, Renê; Willian Arão, Diego, Reinier; Éverton Ribeiro, Arrascaeta, Bruno Henrique.

    Flamengo dominou o início do jogo, sem fazer o gol, Arrascaeta tocando no travessão, depois cabeceando fora do gol. Ceará ainda estava sob risco de rebaixamento e precisava da vitória. No seu primeiro ataque, o Alvinegro abriu o placar com gol de Thiago Galhardo e ameaçou a festa rubro-negra. Bruno Henrique também chutou na trave, Flamengo estava atrás no intervalo. Mas a torcida sabia que esse time era diferente, era capaz de tudo, até de golear em 45 minutos.

    Aos 20 minutos do segundo tempo, Renê cruzou, Lincoln cabeceou, Bruno Henrique esticou a perna e empatou. Era o início da reação, da virada, da goleada. Cinco minutos depois, outro cruzamento, agora da direita, de Arrascaeta. E de novo Bruno Henrique chegou, tocou, virou. A Nação explodia para mais uma felicidade em 2019.

    Já no final do jogo, Arrascaeta cobrou uma falta, o goleiro defendeu de forma parcial e Bruno Henrique chegou pela terceira vez para completar o hat-trick. BH27 chegava ao 21.o gol no Brasileirão e seria, com todos os méritos, eleito o melhor jogador da competição depois de já ter sido o craque da Copa Libertadores. Gabigol marcou a história com seus gols decisivos, mas Bruno Henrique provavelmente foi o melhor jogador do melhor time da América do Sul em 2019.

    Faltava um golzinho para a goleada e nos acréscimos, Vitinho gingou, pedalou, chutou. Era o gol do 4×1, dos recordes de pontos, de melhor ataque, de tudo ou quase. O Flamengo de Jorge Jesus estava definitivamente na história. No Maraca, o time podia levantar mais uma taça, na frente de seu maior patrimônio, a torcida. A festa rubro-negra era completa.

  • Na geral #24: Flamengo é o maior do Brasil

    Na geral #24: Flamengo é o maior do Brasil

    E no Brasil, só Flamengo é tetracampeão. O jogo de sábado valia mais que um título, valia a glória eterna e um feito inédito no Brasil. Quem vencia entre Flamengo e Palmeiras se tornava o primeiro tetracampeão brasileiro. E no final, deu tudo certo, deu a lógica, deu a glória rubro-negra.

    Confesso que das quatro finais da Copa Libertadores que vivi, essa de 2025 foi a que fiquei mais tranquilo. O estresse gradual da semana da decisão, que se torna impossível no dia do jogo, foi relativamente tranquilo esse ano. Não sei se foi excesso de confiança, falta de medo ou outra coisa, mas estava bem. Por superstição – assisti a final de 2019 com a camisa de Gabigol de 2019, peguei o Manto Sagrado de 2025, com Arrascaeta e a camisa 10 nas costas. A vitória começava ali.

    Fui no Belushi’s, bar gigante de Paris perto da Gare du Nord, local apropriado para tanta gente. Cheguei com quase duas horas de antecedência e já tinha mais de 100 pessoas. Até o início do jogo, tinha 500, talvez 600 pessoas. Encontrei a diretoria da Fla Paris, Cidel, Danilo e Bruno, os amigos de sempre, Piriquito, Waldez, Giu, Gio. Tinha minha namorada ao meu lado, francesa e pronta para conhecer a loucura e paixão rubro-negra, eu ensinando um “Vai pra cima deles Mengo”.

    E mais, teve a felicidade de reencontrar Rodrigo. Na minha primeira viagem ao Brasil, para a Copa de 2014, ele foi meu guia para uma visita do centro de Rio. A gente ficou em contato no Instagram e ele se mudou na Noruega. Assim, a gente não se viu durante 11 anos. Na semana passada, ele me mandou uma mensagem falando que estará em Paris no dia do jogo, queria saber de um local para assistir a final. O Belushi’s com a Fla Paris era perfeito. Nós se reencontramos lá, 11 anos depois de Rio. Tinha a mesma simpatia de antes, o mesmo carinho para a gente. Nós falamos sobre minha irmã, com quem viajei ao Brasil, sobre Gabriel, outro guia carioca com quem fiquei muito amigo e estava em Lima para a final, falamos sobre o Flamengo e a vida. Lá na Noruega tem bem menos brasileiros e não tem o mesmo clima para uma final apesar de Rodrigo já ter feito uma festinha legal em casa com outros flamenguistas. Em Paris, o Belushi’s virou um Bar dos Chicos no pré-jogo, uma quadra da Roupa Suja na Rocinha, onde tinha assistido a sagrada final de 2022. Tinha amigos de muito tempo e a namorada ao meu lado, era perfeito, só faltava a vitória do Mengo.

    Antes do jogo, a escalação. A dúvida era no ataque entre Samuel Lino e Éverton Cebolinha. Concordo com a escolha de Filipe Luís, acho que Lino, apesar da falta de confiança, era mais jogador para uma final. No calor do jogo se aproximando, esqueci de olhar para a zaga, outra dúvida. Léo Ortiz ficou vetado e Danilo escalado. São dois craques da defesa, não me preocupava tanto quem ia jogar. Inclusive, Danilo podia se tornar o primeiro bicampeão da Copa Libertadores e da Liga dos campeões, outra pequenina história dentro da grande História.

    Jogo começou atrasado e não teve muitos lances de perigo, de emoção. Mas uma final não se joga, se ganha. E na metade do segundo tempo, teve uma sequência de lances rubro-negros, o palmeirense Khellven deixou a bola sair para mais um escanteio. Na cobrança, Arrasca, craque da competição, ídolo eterno do Flamengo já antes do jogo. Só podia se eternizar mais. Danilo subiu no céu de Lima, cabeceou e inscreveu seu nome na história do Flamengo, ao lado apenas de Zico e Gabigol. O Belushi’s explodiu. Em cada lugar do Mundo, de Rio de Janeiro até a Amazônia, de Paris até a Noruega, o mundo era rubro-negro, a festa era do Mengo.

    Antes do jogo, na revista francesa em que escrevo, escrevi um papel sobre a final da Copa Libertadores de 2021 com o herói improvável Deyverson e o vilão Andreas. Confesso que temia a atuação de Andreas do lado de Palmeiras. Já no Flamengo x Palmeiras do Brasileirão deste ano, assisti ao jogo no Fleurus, local habitual da Fla Paris, e falei para Waldez que eu tinha medo de Andreas na final. O roteiro parecia apontar um grande jogo dele. Mas em Lima, tomou uma caneta de Éverton Cebolina e só.

    Nos minutos finais, tive a mesma tranquilidade que no pré-jogo. Com exceção de uma bola salva pelo Danilo, talvez um herói não tão improvável, Palmeiras parecia não ter poder de reação. Era só realizar que Flamengo ia ser campeão, tetracampeão inédito. E foi. O juiz apitou o final do jogo, a consagração do Flamengo. O Belushi’s explodiu de novo. A América do Sul era rubro-negra pela quarta vez. 1981, 2019, 2022, 2025.

    Um título de Copa Libertadores muda trajetórias, destinos, legados. Em destaque, os únicos tricampeões por um mesmo clube brasileiro, Arrascaeta e Bruno Henrique. Eu tinha a camisa certa, a dez de Arrasca, garçom para a final, melhor jogador do torneio e que, com certeza, será eleito Rei da América, depois de ficar no terceiro lugar em 2019 e no segundo em 2022. Não posso esquecer nosso técnico Filipe Luís, também tricampeão e um dos maiores vencedores da história do Flamengo. Ainda tem a questão do lugar deles no ranking dos ídolos do Flamengo. Zico primeiro é certeza, Leandro segundo também. Depois, tem Júnior e o trio de 2019, Arrascaeta – Bruno Henrique – Gabigol. Cada um tem seus argumentos e são muitos. Recuso-me a fazer um ranking definitivo no momento. Arrasca e BH ainda estão jogando, ainda podem conquistar outros títulos. E o próximo, o Brasileirão, pode chegar já na quarta.

    O título muda o próprio Flamengo. Em 2023, quando São Paulo conquistou a Copa do Brasil e se tornou campeão de tudo, tinha argumentos para se considerar o maior clube do Brasil. Agora Flamengo é tetra da América. Sem clubismo, acho que pelos títulos, pela torcida, pelos ídolos, pelos jogadores revelados, pela consistência ao longo dos anos e das décadas, Flamengo é o maior clube do Brasil. São Paulo é o único que pode concorrer, pelo fato de ter três Mundiais. As torcidas dos outros clubes só têm o clubismo mesmo para se achar o maior. Flamengo tem outra chance de fazer história, na Copa Intercontinental, começando nas quartas contra Cruz Azul. Tem os ídolos consagrados, a torcida que vai chegar em peso, a base que vem forte, tem outros títulos para conquistar, outras alegrias para a Nação. De todas as incertezas da vida, uma é certa: Flamengo é o maior do Brasil.

  • Jogos eternos #346: Flamengo 2×1 Cobreloa 1981

    Jogos eternos #346: Flamengo 2×1 Cobreloa 1981

    Antes da final da Copa Libertadores, o jogo eterno do dia só pode ser uma outra final da mais bela das competições. Já eternizei os títulos de 1981, 2019 e 2022, eu vou então do primeiro jogo da final de 1981, aliás a única final do Flamengo no Maracanã até aqui.

    Por mais incrível que pareça hoje, a Copa Libertadores de 1981 foi a primeira participação de Flamengo, e também de Cobreloa, na competição. O time chileno, fundado apenas quatro anos antes, tinha o apoio financeiro de uma empresa estatal de mineração de cobre, daí o nome do time. Para simplificar as coisas, era o time da terrível ditadura de Pinochet. O Flamengo era bem mais tradicional e o grande favorito do jogo, com um time cheio de craques. O técnico do Cobreloa, o argentino Vicente Cantatore, temia em particular Júnior, Adílio e Zico e queria neutralizá-los, com violência se necessário.

    Flamengo tinha mais uma opção no seu esquema tático. Cinco dias antes da final, o ponta Lico foi escalado no lugar de Baroninho. Contra Botafogo, um jogo eterno no Francêsguista, Flamengo goleou 6×0, com grande partida de Lico, que se impunha no time titular. Explica Zico no excelente livro 1981 de André Rocha e Mauro Beting: “Com o Andrade, Tita e Lico no time, eu ficava mais liberado para criar e atacar. Com Chiquinho ou Reinaldo numa ponta e Baroninho na outra, eu e o Adílio voltávamos mais, tínhamos uma responsabilidade diferente na marcação. Quando jogávamos com pontas abertos, os laterais não precisavam apoiar tanto. Ou então passavam por dentro. Com Tita e Lico, Leandro e Júnior passavam mais por fora. Nós ganhávamos ainda mais variações de jogadas”.

    Assim, em 13 de novembro de 1981, para a primeira final da Copa Libertadores do Mengão, o técnico Paulo César Carpegiani escalou Flamengo assim: Raul; Leandro, Figueiredo, Mozer, Júnior; Andrade, Adílio, Zico; Tita, Lico, Nunes. No Maraca, com apenas 5 minutos de jogo, o trio de ouro do meio de campo já entrou em ação. Andrade leu perfeitamente a jogada chilena e ganhou a bola. Deixou de trivela para Zico no círculo central. O Galinho dominou e fez o passe para Adílio. Brown acelerou com bola no pé, e no meio de quatro defensores, achou Zico de volta, já na grande área. Zico chutou bem com a parte externa do pé, mas o goleiro Wirth fez grande defesa.

    Sete minutos depois, um quase replay do primeiro lance. Zico na frente para Adílio, que dominou, girou e devolveu para Zico, chegando em velocidade na grande área. Dessa vez, Zico abriu o pé e colocou a bola fora do alcance do goleiro, dentro do gol. O Maracanã, cheio de 93.985 almas, explodiu. Com apenas 12 minutos, Flamengo já fazia a diferença, com seu maior craque de todos os tempos, Nosso Rei Zico.

    Flamengo continuou a dominar, com chute de Zico, falta de Nunes, dribles de Júnior, que por pouco não fez um golaço. Do lado esquerdo, Zico para Lico, que acionou Adílio. Brown tabelou em um toque antes da chegada violenta de Rojas. Lico avançou com cabecinhas, chegou na grande área e sofreu falta de Mario Soto. Pênalti. O técnico Cantatore tinha razão de tremer Adílio e Zico, só esqueceu de Lico. Flamengo era um time completo, cheio de craques. Antes da cobrança, o goleiro Wirth fez catimba durante longos 90 segundos, levando desnecessário tempo para bater as chuteiras na trave, até lançando grama na bola na marca de pênalti. Tudo para perturbar Zico. Não funcionou. O capitão e camisa 10 bateu firme e preciso, no contrapé do irritante goleiro. Era o segundo gol de Zico, o segundo do Mengo.

    Flamengo continuou a dominar, com o característico jogo coletivo. Numa sequência de passes curtos e bonitos, Zico quase fez o terceiro, mas Wirth defendeu. Júnior fez outro quase golaço, Wirth espalmou para escanteio. Depois de um primeiro tempo brilhante, o segundo ato foi violento, uma pré-visualização do jogo em Santiago uma semana depois. “No segundo tempo, o time do Cobreloa colocou as unhas de fora e distribuiu pontapés. Os rubro-negros começaram a revidar e Carpegiani saiu do banco para pedir que não entrassem na pilha chilena. Não adiantou muito. Mozer, Andrade e Lico foram os que mais bateram”, escreveram Arturo Vaz, Paschoal Ambrósio Filho e Celso Júnior no livro 100 anos de bola, raça e paixão. Flamengo se cansou, Mozer afastou mal a bola e Lico cometeu uma falta na grande área com a falta de jeito de um ponta. Imitando Zico, Merello pegou Raul no contrapé e colocou a bola na rede. O jogo se complicava.

    Com tantas faltas, teve algumas situações perigosas de bola parada, mas nada de gol. No final do jogo, Nunes perdeu gol feito em dois tempos. Não era a vez do Artilheiro das decisões. Era a vez do craque de sempre, Zico, que fazia dois gols para conseguir a difícil vitória rubro-negra no Maracanã. “Complicamos um jogo fácil… Temos feito várias partidas e ainda teremos muitas mais”, lamentou o técnico Carpegiani depois do jogo. De fato, tinha ainda algumas partidas para ser o Rei da América, o maior time do mundo.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”