Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #345: Flamengo 1×1 Palmeiras 2012

    Jogos eternos #345: Flamengo 1×1 Palmeiras 2012

    Desde 2019, quando Flamengo voltou ao topo do futebol brasileiro, o retrospecto contra Palmeiras, maior rival na luta pelos títulos recentes, está em favor do Mengo: 9 vitórias, 7 empates e apenas 3 derrotas. Porém, é verdade, Flamengo perdeu o jogo mais importante até aqui, a final da Copa Libertadores de 2021. Já antecipando a final de 2025, eu vou para o jogo eterno do dia de um Flamengo x Palmeiras, mas de uma época um pouco mais distante, quando os dois times estavam numa fase bem mais difícil.

    Em 2012, Flamengo só garantiu a permanência na Série A na 35.a rodada. Palmeiras estava pior ainda, na zona de rebaixamento, com 7 pontos a menos que o 16.a lugar. Estava quase na Série B e precisava desesperadamente de uma vitória sobre Flamengo para ainda acreditar no milagre. Por sua vez, mesmo sem a rivalidade de hoje, a torcida do Mengão só queria mandar o Palmeiras na segunda divisão.

    Em 18 de novembro de 2012, o técnico Dorival Júnior escalou Flamengo assim: Paulo Victor; Wellington Silva, Marcos González, Renato Santos, Ramon; Amaral, Cléber Santana, Renato Abreu, Ibson; Hernane, Vágner Love. Pode acreditar, mesmo com um time assim, tive o sonho de conquistar a Copa Libertadores. A realidade era apenas a permanência difícil no Brasileirão. Para Palmeiras, o pesadelo se tornava cada vez mais real.

    No estádio Raulino de Oliveira de Volta Redonda, o jogo começou com caixões verdes e provocações da torcida rubro-negra nas arquibancadas e domínio do Palmeiras em campo. Tiago Real quase abriu o placar, mas a bola apenas flirtou com a trave de Paulo Victor. Flamengo reagiu, porém, o chute de Vágner Love, que tinha uma sequência de 8 jogos sem marcar, passou bem longe do gol. Love teve outra oportunidade mais clara, chutou de novo para fora. A seca permanecia, o empate também, os sonhos e pesadelos igualmente.

    No início do segundo tempo, Hernán Barcos forçou o pênalti, que serviu para nada, a não ser perpetuar o choro dos palmeirenses. Com uma hora de jogo, sem muito espaço, Vinícius chutou de longe e surpreendeu Paulo Victor, que tomou o gol. A torcida do Verdão respirava, acreditava, olhava para o resultado do Bahia, outro rival contra a queda. Maikon Leite quase fez o segundo do Palmeiras, mas Paulo Victor espalmou para escanteio.

    Do lado do Flamengo, Paulo Sérgio entrou em campo e assustou de longe o gol de Bruno, sem achar a rede. Logo depois, no limite do impedimento, Maikon Leite teve outra chance para matar o jogo em favor do alviverde. No cara a cara com PV, chutou para fora, para o desespero da torcida palmeirense, que voltou a sorrir pouco tempo depois. Paulo Sérgio deu uma cotovelada e foi expulso, deixando os rubro-negros com um a menos para os dez minutos finais. Palmeiras se aproximava da vitória, quem sabe da permanência na Série A. Porém, Bahia vencia também, e a situação se complicava para o Verdão.

    E se complicou ainda mais. Faltando um minuto antes dos acréscimos, Wellington Bruno, olha o nível do banco do Flamengo, lançou em profundidade Vágner Love. O chute do atacante foi desviado, matou o goleiro, morreu na rede, abateu o Porco inteiro. Revelado pelo Palmeiras, Vágner Love comemorou o gol, que acabava com o jejum pessoal, acabava com o Palmeiras. “Ão, ão, ão, segunda divisão”, cantava a torcida flamenguista, que sabe a diferença entre um grande clube e um gigante: o fato de nunca ter caído. “Agora é enfrentar a realidade”, falou depois do jogo o técnico do Palmeiras, Gilson Kleina. E a realidade era a Série B.

    Há uma controvérsia dentro dos torcedores palmeirenses, que consideram que Flamengo não rebaixou Palmeiras. Alguns falam que foi só empate, que Flamengo não venceu Palmeiras no Brasileirão de 2012. Bobagens. Se um time é campeão depois de um empate, o jogo do título é esse mesmo. Vale a mesma coisa para um rebaixamento. Há quem fala que o jogo não definiu o rebaixamento. Verdade. A oficialização, de 99,99% para 100%, só veio duas horas e meia depois, quando a Portuguesa empatou com Grêmio e conseguiu o ponto necessário para se garantir na Série A de 2013. Cito assim a crônica de GloboEsporte sobre o Flamengo x Palmeiras: “Após o jogo, a delegação palmeirense embarcou de ônibus de volta para São Paulo. Alguns, ainda esperançosos, ouviam no rádio os lances de Portuguesa x Grêmio. A Lusa abriu 2 a 0, os gaúchos empataram em 2 a 2 e por pouco não viraram o placar. Exatamente às 21h22, quando o ônibus estava no km 322 da Via Dutra, na cidade de Itatiaia, o rebaixamento foi confirmado”. Era confirmado, Palmeiras era grande, Flamengo era gigante.

  • Jogos eternos #344: Atlético Mineiro 0x1 Flamengo 2024

    Jogos eternos #344: Atlético Mineiro 0x1 Flamengo 2024

    Flamengo pode conquistar hoje mais um título na Arena MRV, casa do Atlético Mineiro, quase segunda casa do Mengo. Precisa da vitória e da ajudinha do Grêmio, vencendo o Palmeiras, aliás, exatamente o que aconteceu em 2019. Vamos então para um outro título do Flamengo no estádio do Galo, de apenas um ano atrás.

    A competição era a Copa do Brasil, um dos últimos troféus que Flamengo conseguiu desde que voltou ao topo do futebol brasileiro. Campeão de quase tudo em 2019, bicampeão brasileiro em 2020, tricampeão carioca em 2021, o título da Copa do Brasil só veio em 2022. E eu estava no Maracanã para viver uma das minhas maiores alegrias num estádio de futebol. Nem sabia que dois anos depois, eu viveria outra enorme alegria, outra final da Copa do Brasil no Maracanã, com Gabigol calando o Galo, outra crônica na Geral do Francêsguista.

    Quem me acompanha sabe que vivi um ano no Rio de Janeiro entre 2022 e 2023. Morava na Rocinha e ir ao Maracanã acompanhar o Flamengo era uma das coisas mais certas de minha rotina carioca. Em um pouco menos de um ano, fui 27 vezes ao maior palco do mundo, ver o maior time do mundo, fazendo parte da maior torcida do mundo. Em 2024, voltei no RJ para as férias, voltei na Rocinha e voltei duas vezes ao Maraca: um Fla-Flu frustrante e uma quase goleada em cima do Juventude. Teve um jogo extra, já mencionado, o jogo de ida da final da Copa, Flamengo 3×1 Atlético Mineiro, dois gols do predestinado Gabigol.

    Pelo roteiro do primeiro jogo, estava quase certo que Flamengo ia ser campeão na Arena MRV. Só faltava saber onde eu ia assistir ao jogo. Na Rocinha, claro. Quando morava lá, quando não estava no Maracanã dia do Flamengo, estava na Rocinha, assistindo ao jogo com a Fla Atrevida, grupo de torcedor(a)s rubro-negr(a)s da maior favela da América. Eu me tornei grande amigo da presidente Paula Madeira. Foram inúmeros jogos do Flamengo, sorrisos e cervejinhas. Faltam-me palavras para descrever a bondade e a generosidade de Paula, e não é porque o português não é minha língua materna, mas porque sua alma rubro-negra é de outro mundo.

    Quando voltei na Rocinha para as férias, não encontrei Paula durante as duas primeiras semanas. Quem frequenta a favela sabe que lá você encontra as pessoas por acaso, mesmo sem procurar. Mas não vi Paula. E dois dias antes do jogo de volta da final, destino da vida, vi Paula e Grécia, outro pilar da Fla Atrevida, na Via Ápia, principal entrada da Rocinha. Paula me chamou para o jogo na quadra da escola de samba da Rocinha. Local perfeito, tropa perfeita, apenas faltava a vitória, a taça.

    Outro predestinado é Filipe Luís. Campeão da Copa Libertadores em 2019 e 2022 como jogador, já podia ganhar um título como técnico do Flamengo, um pouco mais de um mês depois de sua chegada. Já podia se eternizar na grande história do Flamengo, sendo uma espécie de Carlinhos dos tempos modernos. Em 10 de novembro de 2024, o técnico Filipe Luís escalou Flamengo assim: Rossi; Wesley, Léo Ortiz, Léo Pereira, Alex Sandro; Erick Pulgar, Evertton Araújo, Gerson; Arrascaeta, Michael, Gabigol.

    Na minha Rocinha, cheguei bem antes do apito inicial, tempo de pegar a primeira cervejinha, de abraçar as amigas. Porém, Rio sendo Rio, o clima realmente esquentou apenas com bola rolando. E o primeiro susto chegou aos 13 minutos de jogo, com uma falta de longe de Hulk. Chutou forte claro, Rossi defendeu bem. Flamengo reagiu com um belo cruzamento de Gabigol, mas ninguém conseguiu colocar a bola na rede. Num outro chute poderoso de Hulk, Rossi fez outra defesaça. Flamengo quase tomou outro gol numa falha na saída de bola, mas Rossi ainda estava aqui para salvar o Mengo, preservar o 0x0.

    No intervalo, apesar de um certo equilíbrio, Flamengo precisava fazer mais. Filipe Luís mexeu, com a saída de Gabigol para a entrada de Bruno Henrique. O que era pressentido virou oficial uma hora depois: era o último jogo do Gabigol no Flamengo. Saia do clube com números incríveis: 308 jogos e 161 gols, 12 ou 13 títulos, faltava uma hora para definir esse último número. Bruno Henrique, outro ídolo dessa geração multicampeã, logo assustou os atleticanos com a arrancada característica, mas parou no Éverson. Em outra chance, tentou o golaço de cobertura, ainda sem vencer Éverson.

    Aos 65 minutos de jogo, Michael teve uma chance clara de gol. Porém, tentou um drible desnecessário sobre o goleiro e perdeu a bola. Filipe Luís mexeu de novo, com a saída de Michael para a entrada de Gonzalo Plata. Na Rocinha, fiquei um pouco frustrado. Queria o último gol de Gabigol e Plata não me convencia, fazendo apenas um gol nos seus 12 primeiros jogos com o Manto Sagrado. Mas é uma final, tem que respirar se possível, acreditar, gritar e pegar mais uma cerveja. Ao meu lado, notei que Paula não bebia, o que não era costume dela. Confesso que fiquei surpreso mas, para não ser indelicado, não fiz comentário ou pergunta sobre isso, apenas bebi mais uma.

    Com o apoio do público e a obrigação da vitória, o Atlético Mineiro puxou para fazer um golzinho. Com inteligência e leitura de jogo, Filipe Luís fez o time jogar de contra-ataque e colocou em campo jogadores velozes. Faltando dez minutos de jogo, Alex Sandro roubou a bola nos pés de Alisson e lançou Bruno Henrique. O ponta puxou o contra-ataque e abriu na direita para Gonzalo Plata. Uma finta e bola perfeita na grande área para Alex Sandro, quase um gol. Comecei a comemorar, mas Alex Sandro não chutou bem e Éverson defendeu. Lembro que fiquei realmente chateado com o gol perdido, era a chance de acabar com o jogo. A falha deixava o Atlético Mineiro vivo e comecei a tremer uma reação. Um gol de Galo e o jogo se tornaria irrespirável.

    E o gol atleticano quase chegou no minuto seguinte. Num escanteio curto, a bola passou perto do gol rubro-negro, Rossi falhou e quase vi o gol do Galo, quem sabe o título perdido. Mas só teve o gol perdido do Atlético. Na sequência da jogada, com a torcida do Galo ainda recuperando do lance, a torcida do Flamengo respirando aliviada, Bruno Henrique ganhou a bola, acelerou e lançou em profundidade Plata. No um contra um, conseguiu o drible de vaca e avançou na frente do goleiro atleticano. A Nação parou de respirar. E o equatoriano “limpou, entrou, bateu”. De cavadinha, Plata fez o gol de ouro, o gol do título. Não lembro quem falou que nessa arrancada tinha uma coisa de Renato Gaúcho contra o mesmo Atlético Mineiro, no gol eterno de 1987 no Mineirão. Foi bem isso, um gol calando a Massa, fazendo a alegria da Nação.

    Na Rocinha, a comemoração foi até o apito final, até a efetivação do penta. Peguei a última cerveja, já com a ideia de voltar rapidamente na república onde estava hospedado. Lá, peguei meu livro Francêsguista, fiz uma dedicatória para Paula e a Fla Atrevida e voltei na quadra de samba. Ofereci o livro a Paula, que imediatamente caiu em lágrimas. Confesso que mesmo sabendo do lado emotivo dos brasileiros em geral e dela especificamente, fiquei surpreso. Apenas entendi depois. Ela me ofereceu em troca a camisa da Fla Atrevida e teve uma última foto, com sorriso sincero, olhos úmidos e coração cheio. Paula me convidou para a festa dos 3 anos da Fla Atrevida quatro dias depois, mas meu voo para a França estava marcado antes. Nós nos despedimos ali, com uma alegria que apenas Flamengo pode proporcionar.

    Dez dias depois do título rubro-negro, de volta em Paris, recebi a terrível notícia: Paula tinha morrido de um câncer. Fiquei em choque e as lágrimas caíram no segundo seguinte. Até hoje tenho vontade de chorar. A saudade é grande, mas também tenho a gratidão de ter conhecido uma alma tão pura. Hoje, 25 de novembro de 2025, lembro que faz exatamente um ano que Paula nos deixou. E hoje, contra o mesmo Atlético Mineiro, tem a possibilidade de novamente ser campeão. Só vejo uma coisa do destino. Querida, descanse em paz, os próximos títulos do Flamengo serão para você também.

  • Jogos eternos #343: Flamengo 2×1 Guarani 1998

    Jogos eternos #343: Flamengo 2×1 Guarani 1998

    Flamengo perdeu no Fla-Flu uma chance de disparar na liderança do Brasileirão. A vitória contra o Red Bull Bragantino agora é obrigatória. Para o jogo eterno do dia, troco do time do interior de São Paulo, e de roteiro, mas com a mesma necessidade dos 3 pontos.

    Em 1998, Flamengo estava na 11a colocação, a um ponto da zona de classificação para as quartas de final. O Mengão precisava vencer o Guarani para ainda sonhar com o Brasileirão. Em 24 de outubro de 1998, o técnico e ídolo Evaristo de Macedo escalou Flamengo assim: Clemer; Fábio Baiano, Ricardo Rocha, Fabão, Leonardo Inácio; Marcos Assunção, Jorginho Araújo, Beto, Iranildo; Nélio, Romário.

    O Maracanã tinha menos de 10 mil pagantes, mas ainda era o Maraca raiz, pronto para explodir com jogadas de seus ídolos, Romário em destaque. Porém, o primeiro tempo foi uma ducha fria para a torcida. Aos 25 minutos, Dauri aproveitou da apatia da zaga rubro-negra e abriu o placar com um cabeceio. Pior ainda quando Beto conseguiu um pênalti para o Flamengo. Romário na bola, dois passos e um chute para fora. Na arquibancada, o erro provocou uma briga entre um torcedor e o irmão do próprio Romário. Em campo, Romário estava calmo e prometeu um gol no intervalo. E uma promessa do Baixinho já era a metade do gol.

    Flamengo se recuperou logo no início do segundo tempo. Com apenas um minuto de jogo, Marcos Assunção pegou de primeira com o pé esquerdo que também funcionava, e empatou. Na sequência, Romário foi lançado em profundidade. A segunda metade da promessa já estava lá. Dois passos, uma finta para esperar o melhor momento, um chute cruzado, firme e preciso, sem chance para o goleiro. Mesmo sem jogar bem, Flamengo virou e venceu, ainda acreditava no Brasileirão.

  • Jogos eternos #342: Flamengo 3×0 Palmeiras 2023

    Jogos eternos #342: Flamengo 3×0 Palmeiras 2023

    Pedro está fora da final da Copa Libertadores contra Palmeiras. Sua presença estava dada como certa, com tempo suficiente para se recuperar da quebra do braço. Mas não é isso que o tira da final, mas uma lesão muscular na coxa esquerda. O pesadelo parece se repetir. Em setembro de 2024, Pedro também se lesionou num treino, pior ainda, com a Seleção brasileira, e ficou fora do resto da temporada.

    Logo depois do anúncio da ruptura do ligamento, escrevi uma crônica para homenagear Pedro. Na época, escolhi um jogo contra o Athletico Paranaense, com dois gols de Pedro, um golaço com um chute colocado, depois um gol fácil de artilheiro nato. Hoje, já antecipando a final contra Palmeiras, vou com um jogo contra o Verdão, com Pedro brilhando mais uma vez, estufando as redes duas vezes.

    Na reta final do Brasileirão de 2023, Flamengo estava no quinto lugar, com 6 pontos a menos que o líder Botafogo e o vice Palmeiras. A vitória contra o Verdão era a única opção para ainda sonhar com o Brasileirão. Em 8 de novembro de 2023, o técnico Tite escalou Flamengo assim: Rossi; Matheuzinho, Léo Pereira, Fabrício Bruno, Ayrton Lucas; Erick Pulgar, Gerson, Arrascaeta; Luiz Araújo, Éverton Cebolinha, Pedro.

    No Maracanã, com apenas 7 minutos de jogo, Pedro já quase fez um gol, num cabeceio depois de cruzamento de Arrascaeta. Weverton defendeu, na sequência Éverton Cebolinha chutou e Weverton defendeu mais uma vez. Palmeiras reagiu com a ginga e habilidade de Endrick, que cruzou no chão. Breno Lopes esticou a perna, mas por centímetros, não achou a rede. Logo depois, Breno Lopes teve outra chance, Rossi espalmou para escanteio. Ainda era um jogo de goleiros.

    Aos 17 minutos de jogo, chegou o artilheiro. Erick Pulgar pegou a bola e de trivela, deixou na profundidade para Pedro. O artilheiro nato viu o gol, a meta, a saída de Weverton, e só esperou um pouco antes de fazer o toque leve para derrubar tranquilamente o goleiro. Golaço de quem fazer gol é a verdadeira profissão. Dez minutos depois, outro golaço. Rossi cobrou a falta perto de seu gol, longe e diretamente para Éverton Cebolinha, que dominou lindamente, cortou no meio, e cruzou igualmente lindamente. Arrascaeta chegou, cabeceou, golaçou. Apesar da qualidade de Pedro, o Flamengo nunca teve dependência de seu centroavante, já que tinha outros craques no time, Arrascaeta o maior deles.

    No início do segundo tempo, o jogo ficou ainda mais fácil para o Mengo, com a expulsão lógica de Gustavo Gómez, fazendo uma intervenção que parecia mais de wrestling do que de futebol. E Flamengo fez outro golaço. Depois do golaço individual do artilheiro, depois do golaço de apenas três jogadores e jogada rápida, o golaço coletivo e de construção, com 9 jogadores participando da jogada, apenas Rossi e Léo Pereira ficando fora. Vamos para o final da jogada já, Cebolinha na esquerda para Arrascaeta, em dois toques para o cruzamento de Ayrton Lucas. Na segunda trave, Gerson rebateu de cabeça na pequena área para a chegada do consagrado. Pedro esticou a perna, se jogou no chão, fazia o gol fácil do artilheiro nato.

    Na hora que precisava, Flamengo fazia um grande jogo e deixava nenhuma chance para Palmeiras, com dois gols de seu artilheiro. Em 2024, fechei a crônica sobre Pedro com um comentário que hoje parecia profecia: “Pedro vai fazer muita falta essa temporada, mas estou de um otimismo completo quando se trata do Flamengo, e quero acreditar que pode ser a vez do Gabigol, quero acreditar que Flamengo no final vai ser o campeão”. Ainda estou de um otimismo absoluto sobre o Flamengo e se não tem mais Gabigol, tem Arrascaeta e outros para perpetuar a glória do Flamengo.

  • Jogos eternos #341: Flamengo 3×1 Fluminense 1996

    Jogos eternos #341: Flamengo 3×1 Fluminense 1996

    O Fla-Flu já foi tudo na história do futebol carioca, do futebol brasileiro, até no mundo inteiro. Na minha França, não há clássico brasileiro mais conhecido, mais bonito, mais histórico. O Fla-Flu já foi tudo, foi decisão e título, foi suor e lágrima, foi dor e alegria, foi ídolos consagrados e heróis improváveis. Foi tudo, até foi medo.

    Líder do Brasileirão, Flamengo vem hoje no Fla-Flu com a obrigação de vencer. Fluminense também precisa ganhar se ainda quer acreditar numa vaga para a Copa Libertadores. Em 1996, o roteiro era diferente, o sentimento era medo. Flamengo precisava da vitória para se classificar na próxima fase, Fluminense para escapar de um rebaixamento que parecia inevitável.

    Em 17 de novembro de 1996, dia aniversário da fundação do clube, o técnico Joel Santana escalou Flamengo assim: Zé Carlos; Rivera, Juan, Ronaldão, Athirson; Pingo, Mancuso, William, Caíco; Sávio, Marco Aurélio Jacozinho. Destaque para Sávio, que voltava na competição após um mês fora por causa de uma lesão no joelho.

    No Maracanã, tinha apenas 7.280 pessoas, um do Fla-Flu com menos público na Era Maracanã. E Flamengo foi superior desde o início. Marco Aurélio pegou a bola no meio de campo e percorreu 50 metros antes de chutar, mas Adílson defendeu em dois tempos. Fluminense tentou reagir e vale repetir o comentário da Globo: “O chute de Hugo é igual à campanha do Fluminense: fraco”. Aos 14 minutos, a superioridade do Flamengo em campo se traduziu no placar. Caíco cruzou, o pequeno Marco Aurélio Jacozinho, de 1,69 m de altura, levou o melhor sobre Lima e César, tocou de cabeça e abriu o placar.

    De volta em campo para alegrar a geral, mesmo em pequeno número, Sávio fazia tudo em campo. Driblava, cravava a falta e cobrava ele mesmo a falta, que apenas flirtou com a trave. Do lado do Fluminense, Paulo Roberto também cobrou bem uma falta, o saudoso Zé Carlos espalmou para escanteio. Sávio, ainda ele, cruzou para Marco Aurélio Jacozinho, sozinho na grande área. O atacante se precipitou e chutou para fora. A dupla Sávio – Marco Aurélio voltou a funcionar ainda no primeiro tempo, agora com defesa de Adílson. No intervalo, Flamengo dominava inteiramente, mas tinha apenas um gol de vantagem.

    O segundo tempo começou com um fato inusitado, Fluminense teve que trocar de camisa por causa da semelhança com a do Mengo. Para mim, o Fla-Flu é rubro-negro contra tricolor. Sem isso, o Fla-Flu perde sua cor, quase sua alma. Só que essa vez as cores eram muito parecidas e Fluminense jogou o segundo tempo em branco. Foi a única mudança no jogo. A defesa de Fluminense era horrível e jogou muito mal o impedimento. Sávio ficou sozinho na frente, driblou o goleiro com calma e colocou a bola no gol com categoria. Golaço de Sávio, que fazia seu primeiro gol no campeonato, aliás o único. Que saudade tinha a torcida de seu Anjo loiro.

    Logo depois, Fluminense conseguiu um pênalti, Paulo Roberto bateu firme e o Tricolor voltou a acreditar ao menos ao empate, quem sabe a vitória, até a permanência na Série A. Fluminense tentou, Flamengo contra-atacou. Iranildo, que entrou no lugar de Caíco, deixou Alexandre no chão com um drible de vaca e fez passe na profundidade para Marco Aurélio Jacozinho. Outro drible de vaca, outro jogador no chão, agora Lima. O goleiro saiu, o baixinho fez outro toque leve, para tirar o goleiro da jogada e só não entrou com bola e tudo porque teve humildade. Uma pintura para definir o Fla-Flu. O resultado deixava o rebaixamento do Fluminense quase certo, só uma virada de mesa da CBF podia o impedir, isso é outra história.

    A história do dia é de Marco Aurélio Jacozinho, que fez apenas 6 gols em 48 jogos com o Manto Sagrado. Era o dia dele, chegou 40 minutos antes do nada para mudar sua trajetória, era mais um herói improvável do eterno Fla-Flu.

  • Jogos eternos #340: Flamengo 2×1 Botafogo 1974

    Jogos eternos #340: Flamengo 2×1 Botafogo 1974

    Sem jogo do Flamengo hoje, aproveito o momento para homenagear mais uma vez nosso agora segundo maior artilheiro gringo da história, Doval, com um jogo que completa hoje 51 anos, um Flamengo x Botafogo de 1974.

    A competição era o campeonato carioca e a vitória era obrigação. O primeiro turno, a Taça Guanabara, foi conquistada pelo America. No segundo turno, a Taça Oscar Wright da Silva, venceu o Vasco. Faltava apenas uma vaga para o triangular final, o vencedor do terceiro turno, a Taça Pedro Magalhães Corrêa. Flamengo fez alguns amistosos antes do início do turno, quando Vasco e Botafogo já tinham vencido dois jogos no campeonato estadual. A vitória, contra o próprio Botafogo, já era obrigação.

    Em 17 de novembro de 1974, data aniversário da fundação do clube, o técnico Joubert escalou Flamengo assim: Renato; Humberto Monteiro, Jayme, Luís Carlos, Rodrigues Neto; Liminha, Geraldo, Paulinho; Doval, Zico, Arílson. Do lado do Botafogo, o técnico era bem conhecido do Flamengo e da Seleção brasileira, já uma lenda, o Mário Zagallo. Porém, o time, apesar de bons elementos como Dirceu e Rogério, aparecia em decadência.

    No Maracanã, com público de 63.671 pagantes, Botafogo foi o primeiro a levar o perigo. Rogério, de volta ao Botafogo depois de três anos medianos no Flamengo, teve duas oportunidades, mas Renato defendeu. Flamengo começou a tomar a conta do jogo, com a qualidade de jogadores diferentes, como Zico, Doval e Paulinho. Aos 22 minutos do jogo, Arílson escapou na esquerda e cruzou, quem sabe chutou. A bola passou na frente do gol e Paulinho, na direita, cruzou de novo para deixar o lance vivo. Já sem goleiro, Doval cabeceou, abriu o placar e comemorou com a geral.

    Logo no início do segundo tempo, Flamengo quase fez o segundo gol, mas Marinho salvou em cima da linha. Com uma hora de jogo, Luís Carlos falhou na defesa rubro-negra e a bola sobrou para Nilson, que chutou firme, sem chance para o goleiro Renato. Botafogo empatava e Flamengo se complicava no campeonato. Botafogo quase fez o segundo, mas Flamengo teve um pouco de chance, quem diria a chance do campeão. E foi a vez do Botafogo se complicar a vida, Marinho xingou o bandeirinha e foi expulso.

    E Flamengo aproveitou. Faltando 7 minutos para o final do jogo, Zico tabelou com Edson e botou fogo na pequena área. Com oportunismo e raça, Doval chegou na bola, tocou do bico, no fundo da rede. Era o gol da vitória rubro-negra, da felicidade da geral, da esperança do campeão. No Jornal dos Sports, Ruy Porto avaliava a atuação de Doval: “Não pode levar outra cotação e ganha 10, a nota máxima”.

    O gringo fazia dois, seus gols 73 e 74 no Flamengo, faltando apenas um gol para empatar com Benítez, dois para o ultrapassar e se tornar o maior artilheiro estrangeiro do Flamengo. Só aconteceria no início de 1975, porque Doval se machucou e faltou a decisão do campeonato carioca, contra Vasco. O que não impediu o Flamengo de ser o grande campeão.

  • Jogos eternos #339: Sport 1×2 Flamengo 2008

    Jogos eternos #339: Sport 1×2 Flamengo 2008

    Hoje, dia do aniversário do clube, Flamengo joga contra a lanterna e quase rebaixado Sport para tomar a liderança do Brasileirão. Na casa do Sport, onde Flamengo não perde desde 2017, a vitória é obrigação, mesmo que seja suada.

    Em 2008, Flamengo também jogava na casa do Sport para a liderança do Brasileirão. O Mengão não vencia na Ilha do Retiro no Brasileirão desde 1999, gol de Romário. Sport ainda era invicto em casa na temporada de 2008, alcançando 22 jogos sem perder. Flamengo começou o Brasileirão com 5 vitórias em 7 jogos e precisava de mais uma vitória para sonhar com o hexa. Em 29 de junho de 2008, o saudoso técnico Caio Júnior escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Juan; Jaílton, Cristian, Ibson, Renato Augusto; Marcinho, Obina.

    Na Ilha do Retiro, num gramado ruim, os dois times tiveram dificuldades para criar boas jogadas. Na segunda parte do primeiro tempo, Flamengo começou a tomar conta do jogo, Juan achando o travessão num cabeceio. Do outro lado, Bruno fez boa defesa em dois tempos num chute de Daniel Paulista e o jogo ficou no 0x0 até o intervalo.

    No início do segundo tempo, numa falta jogada em dois tempos, Juan cruzou na área, com a precisão de sempre. Obina venceu o duelo com o zagueiro, tocou de cabeça, abriu o placar. Depois de sair do banco em 6 jogos do Brasileirão, Obina era titular pela primeira vez e não decepcionava, fazendo seu primeiro gol no campeonato. Abro um parêntese para dizer mais uma vez que Obina foi meu primeiro ídolo no Flamengo. Aliás, por causa do jogo contra Paraná em 2005, contra Vasco em 2006 e muitos outros, por causa da ligação com a torcida e uma coisa impalpável que só existe com o Manto Sagrado, Obina foi o primeiro ídolo de muitos pequenos flamenguistas que começaram a acompanhar o time nestas horas difíceis.

    Faltando 15 minutos para o final do jogo, Francisco Alex chutou de longe, a bola quicou de forma esquisita e enganou Bruno para ir no fundo do gol. Sport empatava, a liderança rubro-negra estava ameaçada. Aos 48 minutos do segundo tempo, minuto eterno na história do Flamengo em geral e de Obina em particular, Kléberson, com visão de jogo sensacional, abriu na grande área para Juan, ainda ele, que cruzou no chão, para Obina, sempre ele. O predestinado abriu o pé, meio de letra, meio de alguma coisa sei lá e, com a raça de sempre, desempatou. A Nação explodiu, em todos os cantos do Nordeste, do Rio, até da França para um jovem torcedor de 15 anos, ainda novo, mas já com um ídolo no coração, Obina.

    Sport perdia a invencibilidade na Ilha do Retiro, Flamengo mantinha a liderança, o sonho de conquistar um Brasileirão que não vinha desde muito tempo. Porém, logo depois, o Mengão perdeu Renato Augusto, Marcinho e Souza, perdeu a liderança e até a vaga para a Libertadores. Em 2025, com outros ídolos, o roteiro final será diferente.

  • Jogos eternos #338: Flamengo 3×0 Vasco 1969

    Jogos eternos #338: Flamengo 3×0 Vasco 1969

    Ainda homenageando Doval, agora segundo maior artilheiro gringo da história do Flamengo atrás do Arrascaeta, volto para os primeiros encontros, os primeiros amores. Nos seus três primeiros jogos no Flamengo, a partir de abril de 1969, Doval passou em branco. Aliás, o time todo do Flamengo passou em branco. No quarto jogo, contra a Portuguesa, Doval fez um gol na goleada 4×1. Mas não há imagem do gol.

    Doval chegou ao Flamengo para ser o sucessor de Garrincha, que decepcionou no Mengo. O argentino chegou com indicação do técnico Tim, que o conheceu no San Lorenzo onde era ídolo. No livro Doval, o ídolo do povo, Luciano Ubirajara Nassar escreveu: “Na sua chegada já se apaixonou perdidamente pelo Rio de Janeiro. Veio, viu e gamou. Um amor platônico tocou o seu coração de menino e mexeu com a sua alma aventureira e desbravadora. Algo muito forte aconteceu com ele. Nos primeiros treinos já demonstrou toda a sua força e talento. Nas partidas começou a mostrar a sua fibra e habilidade. Todos já perceberam que se tratava de um atacante que jogava em todas as posições do ataque indistintamente. E não reclamava. Se matava com a camisa rubro-negra”.

    Nos seus inícios, Doval jogou dois clássicos, uma derrota contra Botafogo e um empate no Fla-Flu. Fez um gol contra a Portuguesa, no estádio Luso-Brasileiro. Sem imagem. O craque era promissor, mas ainda faltava um jogo marcante, até para limpar as dúvidas dos mais pessimistas, que não acreditavam em grandes jogadores argentinos, ainda mais sem jogar na seleção argentina, isso é outra história. Chegou o jogo contra Vasco, para fechar o primeiro turno do campeonato carioca. Época de estádios cheios, tinha 86.071 torcedores no Maraca, com dois terços de flamenguistas. Em 11 de maio de 1969, o técnico Tim escalou Flamengo assim: Domínguez; Murilo, Guilherme, Onça, Paulo Henrique; Liminha, Rodrigues Neto, Doval; Dionísio, Fio Maravilha, Arílson.

    Vasco dominou o início do jogo, mas o goleiro argentino Domínguez salvou o Mengo. Vasco também tinha seu goleiro argentino, Andrada, que fazia neste jogo sua estreia pelo clube cruzmaltino. Andrada também salvou o Vasco num cara-a-cara com Fio Maravilha. Num outro duelo, o goleiro argentino derrubou Dionísio e cometeu o pênalti. Com tranquilidade, Rodrigues Neto pegou no contrapé Andrada que, meses depois, tomará, também de pênalti, o gol mil de Pelé.

    No final do primeiro tempo, o time do Flamengo trocava passes curtos e a torcida pedia: “Mais um, mais um”. Foi prontamente atendida. Paulo Henrique fintou o chute de longe e deixou de trivela, do lado, para Liminha. O volante carregador de piano, que só vestiu a camisa do Flamengo na carreira, não pensou, pegou de primeira e mandou no fundo da rede. “Um chute igual aquele só acontece de 20 em 20 anos”, inclinou-se o ainda jovem técnico vascaíno e ídolo rubro-negro, Evaristo de Macedo.

    No segundo tempo, Andrada saiu machucado e cedeu seu lugar ao Pedro Paulo. O time do Flamengo tomou ainda mais confiança e testou o goleiro reserva com chutes de longe, de Rodrigues Neto, Arílson, Liminha e Dionísio. Sem achar a rede. Doval, com a camisa 7, já desfilava em campo sua classe, sua técnica, também sua raça. Porém, também sem fazer gol. Fio Maravilha demonstrava sua habilidade, primeiramente com algumas embaixadinhas de joelho. Depois, com uma maravilha de passe para completar a tabelinha com o próprio Doval, que se aproximou do Pedro Paulo para o fuzilar, para matar o Vasco. Era o primeiro golaço de Doval no Maracanã, a primeira fusão com a arquibancada.

    Escreveu o Ubirajara Nassar sobre o gol de Doval: “Chutou cruzado com força e direção e caiu nos braços do povo. Depois da corrida para concluir com precisão e definir o resultado ele aproveitou o embalo da emoção coletiva e foi comemorar com a geral com os braços erguidos. A famosa geral do Maracanã. Sua marca estava definida. Com raça, vigor e técnica conquistou o coração e o sentimento da torcida que clamava por novos ídolos. Nesse momento e instante do gol, nasceu o ídolo do povo. O povo sofrido da arquibancada e geral, o abraçou como a um filho. Ídolo de cara. Ídolo amado. Ídolo lapidado pelo destino. Agora Doval era o ‘Menino do Rio’”.

    “3 a 0 ainda foi pouco” deixou na sua primeira página o Jornal dos Sports no dia seguinte. Muito era o potencial de Doval, de magia em campo e de amor na arquibancada, de aprovação do experiente técnico Tim, que declarou: “Se Doval fosse um blefe, eu jamais deixaria o Flamengo gastar tanto dinheiro para trazê-lo. Não tenho pretensão para agradar ninguém e, quando indico alguém, é porque realmente entende de futebol”. Tim entendia de futebol sim e ofereceu para a Nação um ídolo argentino para sempre.

  • Jogos eternos #337: Flamengo 2×0 Santos 1980

    Jogos eternos #337: Flamengo 2×0 Santos 1980

    Ainda quero acreditar que Flamengo pode conquistar o Brasileirão de 2025. Porém se complicou a vida na Vila Belmiro e vejo com dificuldades Palmeiras tropeçar duas vezes. A vitória hoje contra Santos é mais que obrigação, é questão de vida ou morte.

    Em 1980, o Flamengo x Santos no Maraca também valia tudo. Na última fase de grupos antes das semifinais, Flamengo começou com vitória sobre Desportiva Ferroviária e empate contra a Ponte Preta. O Santos, com vitória sobre a Ponte Preta e empate contra Desportiva Ferroviária. Quem vencia o último jogo se classificava para a semifinal, com vantagem do empate para o Mengo. Em 18 de maio de 1980, o técnico Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Raul; Toninho Baiano, Rondinelli, Marinho, Júnior; Andrade, Paulo César Carpegiani, Zico; Tita, Júlio César, Nunes.

    No Maracanã, tinha mais de 110 mil para ver o time de Zico. Era o time de Zico mesmo. Bem no início do jogo, na parte do campo do Flamengo, Zico ganhou a bola na dividida com Feijão, fez o giro de Cruyff e abriu de trivela para Carpegiani. E Flamengo começou a tocar música. Carpegiani para Júnior, de novo para Carpegiani, em um toque na esquerda para Nunes. O ainda não Artilheiro das decisões, na verdade ainda não comprado em definitivo pelo Flamengo, levou a cabeça e abriu os olhos, cruzou alto. Zico, o “solista dessa orquestra” segundo o Jornal dos Sports, chegou, pulou, cabeceou. A bola foi no fundo da rede, o Maraca explodiu de alegria. Com apenas 12 minutos de jogo, a vitória rubro-negra já parecia certa.

    Aos 12 minutos, agora do segundo tempo, Adílio, que entrou no lugar do Carpegiani, avançou com a bola e transmitiu para Zico, para simplificar o caminho ao gol. Zico driblou Pita, Joãozinho e Neto, este forçado a cometer o pênalti. Mais uma jogada de craque de Nosso Rei que, claro, cobrou o pênalti. E claro, com muita tranquilidade, Zico fez o gol. Flamengo vencia e se classificava para a semifinal. O Santos, e o Brasil inteiro, se rendiam ao Flamengo de Zico. “Pintou o campeão” garantiu o técnico Cláudio Coutinho depois do jogo. Claro, tinha razão, o campeão será o Flamengo.

  • Ídolos #48: Doval

    Ídolos #48: Doval

    Durante mais de 50 anos, Doval foi o maior artilheiro gringo da história do Flamengo. Agora ultrapassado pelo Arrascaeta, Doval segue ídolo do Flamengo. É um dos maiores gringos do Flamengo, talvez só ultrapassado por Arrascaeta e Petkovic, com quem compartilha algumas características. “Doval colocava em campo toda a alma e todo o sangue tão característicos das Pampas. Doval juntou raça, técnica e oportunismo, tornando-se grande ídolo da torcida rubro-negra” escreveu Luís Miguel Pereira no livro Bíblia do Flamengo. Raça, amor e paixão.

    Narciso Doval nasceu na Argentina, em Buenos Aires, em 4 de janeiro de 1944, ano de um título inesquecível do Flamengo, com gol do argentino Valido. Doval era predestinado e já era craque na base de San Lorenzo. Estreou no time principal em 1962 e fez parte do ataque conhecido como “os carasucias”. Conquistou as massas, principalmente femininas. “Ele era a raça, a potência e a sensibilidade da arte” escreveu seu biografo Luciano Uribajara Nassar no livro Doval, o ídolo do povo. Chegou a seleção argentina em 1967 mas depois de um escândalo de assédio nunca bem esclarecido, nunca mais foi chamado. Foi até suspenso e faltou o campeonato argentino de 1968, vencido pelo San Lorenzo. Mesmo assim, conquistou a admiração do técnico do time, o brasileiro Tim, que no ano seguinte foi treinar Flamengo. E assim, Doval também foi.

    “Tim foi o melhor técnico que conheci e com quem trabalhei, muito à frente dos outros. Ele revolucionou o futebol na Argentina, não queria ninguém com posição fixa, nem com funções limitadas” explicou Doval. O presidente rubro-negro George Helal contratou o técnico Tim, o gênio Doval e antes disso, outro gênio, agora brasileiro, já em decadência, Garrincha. Doval começava uma nova vida. Ainda Ubirajara Nassar: “Na sua chegada já se apaixonou perdidamente pelo Rio de Janeiro. Veio, viu e gamou. Um amor platônico tocou o seu coração de menino e mexeu com a sua alma aventureira e desbravadora. Algo muito forte aconteceu com ele. Nos primeiros treinos já demonstrou toda a sua força e talento. Nas partidas começou a mostrar a sua fibra e habilidade. Todos já perceberam que se tratava de um atacante que jogava em todas as posições do ataque indistintamente. E não reclamava. Se matava com a camisa rubro-negra”.

    Doval estreou com o Manto Sagrado em 20 de abril de 1969, numa derrota contra Botafogo. O primeiro gol chegou numa vitória 4×1 sobre a Portuguesa. No jogo seguinte, já caiu nas graças da torcida. Contra Vasco, tabelou com Fio e fez o gol para Fla vencer 3×0. E mais, foi comemorar nos braços da torcida, com a alma do povo. E mais, foi brilhante num outro clássico, contra Botafogo. Flamengo não vencia o rival desde uma eternidade. Num jogo que ficou conhecido como “o jogo do Urubu”, já eternizado no Francêsguista, Doval iniciou a jogada no primeiro gol, concluiu a do segundo gol. Flamengo tinha uma nova mascote, a torcida tinha um novo ídolo.

    Em fevereiro de 1970, Flamengo conquistou o Torneio Internacional do Rio de Janeiro. Doval fez um gol contra a seleção da Romênia, dois na goleada 6×1 sobre o Independiente. A chegada do técnico Yustrich mudou a trajetória de Doval no Flamengo. “O principal problema com o craque Doval se deu em função do posicionamento dentro de campo. Yustrich queria que ele jogasse mais próximo da lateral do campo e marcando os avanços do lateral adversário. Um ponta direita marcador. O ‘Gringo’ gostava de jogar solto” explica Ubirajara Nassar. Autoritário, o “Homão” até tentou de obrigar Doval a cortar o cabelo. Sem querer perder definitivamente o jogador, Flamengo emprestou em 1971 Doval ao Huracán, rival de San Lorenzo.

    Doval voltou ao Flamengo em 1972, seguiu ídolo. Reencontrou o caminho do gol contra o Atlético Mineiro para conquistar o Torneio do Povo e fez 3 gols contra São Cristóvão no campeonato carioca. Na decisão da Taça Guanabara, um Fla-Flu eterno no Francêsguista, só não jogou mais que Caio Cambalhota, que fez 3 gols. Na decisão do campeonato carioca, outro Fla-Flu, outro jogaço de Doval, que abriu o placar. Com 16 gols, Doval se consagrou artilheiro do campeonato e Flamengo conquistou um título que não vinha desde 1965. Escreveu o Jornal do Brasil: “Com os cabelos esvoaçados, correndo sem parar de uma área a outra, do campo, demonstrando muita categoria e aplicando toda a sua experiência para levar o jogo, o juiz e o próprio adversário ao seu modo, Doval provou, ontem, que foi um dos melhores do Campeonato Carioca de 1972. O gol que marcou, numa cabeçada precisa, por si só poderia definir a sua atuação […] O Fluminense pressionava, mas o ‘Gringo’ fez o Maracanã explodir e abriu o caminho para a vitória e o título de seu time. Doval não foi só o autor do primeiro gol do Flamengo. Vendo que Paulo César estava severamente marcado, ele assumiu a liderança do time. Cantava as jogadas para os companheiros, prendia a bola para tranquilizá-los e corria o tempo todo se oferecendo para receber os passes”. Doval entrava na história do Flamengo, para sempre, era ídolo das massas, dos idosos e das garotas.

    Em 1973, num ataque de craques só, até no banco, Doval continuou a fazer seus gols, inclusive 3 na goleada 8×0 sobre Bangu. Mas com falta de títulos, o maior jogo de Doval em 1973 não foi com Flamengo, muito menos com a seleção argentina que não o chamava. Em 19 de dezembro de 1973, Doval estava em campo no Maracanã para a despedida de um dos maiores gênios do futebol brasileiro, o Anjo das pernas tortas, Garrincha. Inclusive, Doval sucedeu ao Garrincha no Flamengo, lá em 1969. Além de ser argentino, Doval já era flamenguista, era brasileiro, era carioca.

    E Flamengo mudou em 1974. Mudou primeiramente de técnico, com a chegada de Joubert, que era o técnico da base. Por isso, conhecia bem Zico. No início do ano, Joubert reuniu Zico, Doval e Dario e falou diretamente: “Minha primeira modificação é colocar o Zico como titular. Vocês dois vão disputar a outra posição. Estou fixando o Zico, a partir de hoje, porque acho que ele já está em condições de ser o titular”. Sobrava um lugar só para Dario e Doval. Foi um período de adaptação, até para Sandra, a companheira de vida do Zico: “Doval era o meu ídolo. Eu era apaixonada por ele. De repente o Zico competia com o Doval, tinha que esperar ele sair pra entrar. Foi muita confusão pra minha cabeça”. Claro, Zico não decepcionou.

    Doval também não decepcionou, forçando a saída de Dario para ficar com a dupla Zico – Doval. Lembrava o craque argentino: “Quando Zico surgiu eu já sabia que se tratava de um craque, um jogador fora de série. Fizemos grandes jogos juntos. Presenciei partidas do ‘Galinho’ ainda no juvenil e já era o melhor jogador do time. Me alegra muito ter jogado com ele no seu começo de carreira. Nós conquistamos títulos e fizemos muitas jogadas e tabelas”. Zico retribuiu: “Quando estivemos juntos no Flamengo, tínhamos a nosso favor a presença de Geraldo, que vinha pelo miolo com aquele seu impressionante domínio de bola. Acho que foi com Doval que formei a melhor dupla de área, aquele com quem me senti mais à vontade. E a que mais rendeu”. Foi uma dupla, um trio com Geraldo, que deu muitas alegrias à torcida, algumas taças ao clube, e que só não ficou mais tempo em campo por causa da crueldade do destino.

    Com sua classe, Doval deixou a camisa 10 para o garoto Zico, como lembra o funcionário Ayer Andrade no livro Zico, 50 anos de futebol: “Estávamos no vestiário do Maracanã. Perguntei ao gringo se ele não poderia deixar o menino entrar com a 10. E ele me falou, naquele português enrolado: ‘Ô Andrade… quem joga sou eu, não é camisa, vai lá e dá a camisa ao menino’”. Zico entrou numa fase de craque absoluto, também de goleador. Com 49 gols no ano, ultrapassou o recorde de seu ídolo Dida. Doval foi mais que um coadjuvante, também era ídolo, goleador, craque completo. No campeonato carioca, fez 10 gols para acompanhar os 19 de Zico e ajudar Flamengo a conquistar o campeonato. Infelizmente, por causa de uma lesão, faltou a decisão contra Vasco e a festa do Maraca.

    Em 1975, a dupla Zico – Doval continuou a funcionar, principalmente num jogo de prestigio contra a Juventus da Itália, com vitoria 2×1 no Maracanã, gols de Zico e Doval. Numa goleada 5×0 sobre a Portuguesa, Doval fez seu terceiro e último hat-trick com o Manto Sagrado. Fez gols em clássicos, até participou de uma confusão contra Vasco. Doval tinha essa mistura de bola e briga típica dos craques argentinos. “O ‘Gringo’ entrou na briga dando socos e pontapés para defender e proteger os seus companheiros, como sempre fazia. Não aceitava injustiças e a sua postura era de um valente cuidando das cores do seu clube, dos seus colegas de time e da sua apaixonada torcida” escreveu Nassar.

    O final do ano de 1975 foi mais difícil, Doval não era primeira opção do técnico Froner e ficou no banco durante alguns jogos. Flamengo precisava de uma vitória sobre Santa Cruz para chegar na semifinal, mas foi derrotado em pleno Maracanã e acabou eliminado. Doval ainda participou de alguns amistosos, o último contra a Portuguesa Santista. O último gol saiu um pouco antes, no Brasileirão contra CSA. No final, 263 jogos, 94 gols e uma idolatria que ia além dos estádios. Ia nas ruas, nas praias, nas festas.

    Deixo a palavra para o ídolo do dia e da década de 1970, falando sobre o Mengão: “O Flamengo me acolheu e me ensinou muita coisa. Foi a minha casa e o meu retiro. Se sou o que sou, devo ao Flamengo. Os principais anos da minha carreira e da minha juventude foram passados neste clube. Se hoje sou um brasileiro na alma e no coração devo ao Flamengo. Essa torcida maravilhosa carrega um time. Não existe nada igual. Esse time guardarei para sempre em meu coração […] Jogar no Flamengo é simplesmente fascinante. Esta história de que a camisa do Flamengo corre sozinha, dribla e faz gols é mais que uma história, é uma verdade. É gente que ganha jogo nas arquibancadas. Seu grito é grito de guerra, que empurra o jogador para a frente. A torcida rubro negra é um milagre”.

    Em 1976, Doval fez parte da troca-troca de Francisco Horta e ingressou a Máquina do Fluminense. No seu primeiro jogo, brilhou Zico, com 4 gols no Fla-Flu, um jogo eternizado no Francêsguista. Mas Doval conseguiu idolatria de outro clube carioca, com raça e gols, alguns decisivos. Antes da decisão do campeonato carioca 1976 contra Vasco, Doval foi direto e garantiu o título: “Não é excesso de otimismo. É confiança na nossa equipe. E pode anotar: vou faturar dois gols”. O craque argentino apenas cumpriu a metade da promessa. Aos 118 minutos do jogo, de cabeça, fez o único gol da partida, consagrando o time do Fluminense. E depois de 1972, foi uma segunda vez artilheiro do torneio, com 20 gols. Ainda em 1976, foi eleito no time ideal do Brasileirão, ganhando a tão prestigiosa Bola de prata.

    Porém, o título mais importante do ano foi quando conseguiu a cidadania brasileira. O brasileiro de coração e alma agora era brasileiro de papéis. Esquecido pela seleção argentina, Doval se considerava brasileiro, como falou em 1977 para a revista ¨Placar: “Nós, brasileiros, não temos de imitar os europeus. Nosso futebol é e sempre foi superior ao deles – eles é que tem de nos imitar, afinal fomos nós que ganhamos três Copas. O que nos falta? Simples: manter a tradição de criatividade, a molecagem, os dribles e a nossa ginga”. Depois do Brasil, Doval ainda voltou para San Lorenzo e pendurou as chuteiras nos Estados Unidos.

    Na aposentadoria, ficou dividido entre Argentina e Brasil. Mas Rio tinha a praia tão amada de Doval, que se tornou um dos incentivadores do ainda crescendo futevôlei. Também jogou showbol pelo San Lorenzo e fut7 pelo Flamengo Masters. Em 1991, participou do “Torneio Internacional de Futebol 7” de Buenos Aires. Além do Flamengo, tinha Santos, Boca Juniors, River Plate, Peñarol e Nacional. Escreveu Luciano Uribajara Nassar: “A finalíssima do torneio foi entre o Flamengo e o Boca, vitória brasileira por 5 a 4. Doval fez uma partida exuberante, lembrando o velho guerreiro rubro-negro. Ele dividia todas, brigava, dava ombrada, chutava e batia nos argentinos e como prêmio pela luta incessante virou o jogo, marcando dois gols. E teve a recompensa merecida, a artilharia máxima do torneio”.

    Depois do torneio, ficou em Buenos Aires e aproveitou para visitar a delegação do Flamengo, que jogava contra Estudiantes, um jogo eternizado no Francêsguista há pouco tempo. Em 12 de outubro de 1991, numa discoteca, o ídolo teve uma parada cardíaca. Não resistiu. Morreu jovem, com apenas 47 anos de idade. Mas morreu fazendo o que gostava, jogar futebol, ir numa festa, perto de seu Flamengo, na sua Argentina. No dia seguinte, virou capa dos Jornal dos Sports: “Coração mata Doval”. Nas páginas, podia se ler: “Raríssimos jogadores conseguiram encarnar tão bem a mistica do Flamengo como o gringo Doval. Ele, certa vez, véspera de um jogo contra o Vasco, esmirrou o chão da Gávea e disse que ‘comeria grama’ pela vitória do Flamengo. E não apenas comeu grama, como engoliu o adversário com um futebol de coração, penetrações fulminantes e alucinação pelo grito do gol. Poucos se identificaram tanto com a massa rubro-negra como ele. Cheirava ao povo flamengo e sempre deu tudo de si pelas vitórias. Era incrível como ele e torcida se pareciam”.

    Durante meio século, Doval foi o maior artilheiro gringo da história do Flamengo. Começou no início de 1975, quando ultrapassou os 75 gols de Benítez no primeiro jogo da temporada, uma despercebida goleada 6×0 sobre uma seleção de Vassoura. Até 2025, quando foi ultrapassado pelo Arrascaeta na Vila Belmiro, contra São Paulo. Como Arrasca, Doval teve uma longevidade e uma regularidade impressionantes para um gringo no Flamengo: 8 gols em 1969 e 1970, 23 gols em 1972, 20 gols em 1973, 16 gols em 1974 e 19 gols em 1975. Somando, 94 gols e agora um segundo lugar na artilharia rubro-negra dos gringos.

    Já falei em outras crônicas que gosto de eleger trios, seja de gols, de jogos eternos ou de ídolos. E na Santa Trinidade dos gringos do Flamengo, tenho, como a maioria dos idiotas da objetividade, Doval, Petkovic e Arrascaeta. Em ordem cronológica, porque fazer uma ordem de preferência seria complicado demais. Em comum, os três têm a habilidade dos artistas brasileiros e a raça do futebol estrangeiro, que se chama a garra, a garra charrúa ou quem sabe como se chamava na antiga Iugoslávia. Tinham esse espírito de luta que sempre conquistou os torcedores do Flamengo. Além da beleza plástica e do futebol, foi na raça, no amor e na paixão que Doval se tornou um dos maiores ídolos do Flamengo.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”