Francêsguista

Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.

  • Jogos eternos #257: Flamengo 1×0 Vasco 2017

    Jogos eternos #257: Flamengo 1×0 Vasco 2017

    Hoje é o último dia do desfile do Carnaval de Rio de Janeiro e Flamengo está perto de comemorar mais uma classificação para a final do campeonato carioca, podendo até perder de um gol de diferença contra Vasco. Mas perder contra Vasco nem é uma opção. Dos últimos 31 jogos entre Flamengo e Vasco, Vasco ganhou apenas dois! A série se abriu em 2017, num outro final de semana de Carnaval, numa outra semifinal, da Taça Guanabara.

    Parece bizarro com os dias de hoje, mas em 2017, quem vivia um jejum era o Flamengo. O Mengão não tinha vencido nenhum dos 9 últimos Clássicos dos Milhões, fazendo apenas 3 gols! Vasco não impunha goleadas, no máximo fez 2 gols num jogo, mas não perdia mais para o Flamengo, com ápice a classificação na Copa do Brasil de 2015. Em 2017, Flamengo e Vasco se enfrentaram pela primeira vez do ano na semifinal da Taça Guanabara, Flamengo ainda invicto, Vasco já com 2 derrotas. No 25 de fevereiro de 2017, sábado de carnaval, o técnico Zé Ricardo escalou Flamengo assim: Alex Muralha; Pará, Réver, Rafael Vaz, Trauco; Willian Arão, Rômulo, Diego; Mancuello, Éverton, Paolo Guerrero.

    Antes do clássico, no Raulino de Oliveira de Volta Redonda, teve troca de faixas “Somos rivais, não somos inimigos”, duas semanas depois da morte de um torcedor botafoguense antes do Flamengo x Botafogo. O clima em campo, porém, claro, não foi nada amigável, com várias faltas. Do lado do Flamengo, o nome mais em ação era Éverton, com dribles e chute perigoso. E no final do primeiro tempo, ainda foi Éverton que conseguiu o pênalti, passando na frente de Luan num bom passe de Willian Arão. Na cobrança, Diego, ainda não capitão, ainda não camisa 10 nas costas. Com a camisa 35, com raça, amor e paixão, com calma também, Diego chutou colocado no meio do gol e abriu o placar.

    Flamengo dominou absolutamente o segundo tempo, sem fazer o gol. Diego quase fez o doblete, mas chutou na trave. No finalzinho, Paolo Guerrero chutou no Martín Silva e seguia sem fazer gol no Clássico dos Milhões. Mas tinha mais importante, Flamengo vencia e se classificava na final da Taça Guanabara contra Fluminense, colocava um fim ao incomodante jejum contra Vasco, e ainda sem saber, passava a reinar de forma (quase) absoluta no Clássico dos Milhões, até quando, a gente ainda não sabe.

  • Jogos eternos #256: Flamengo 3×0 Desportiva Ferroviária 1980

    Jogos eternos #256: Flamengo 3×0 Desportiva Ferroviária 1980

    Hoje é um dia especial para todos os rubro-negros, é o aniversário de Deus, Nosso Rei, Zico. O maior artilheiro, o conquistador de tudo, o Galinho de Quintino. O apelido de Galinho foi dado pelo radialista Waldir Amaral, por causa do cabelo longo de Zico, mas também pelo estilo brigador em campo. Zico era pura magia, mas não fez mais de 500 gols com o Manto Sagrado apenas com a perna direita, mesmo tão talentosa. Zico também era raça, brigador, cabeceador mortal.

    No Brasileirão de 1980, Flamengo estreou com vitória 1×0 sobre Santos, gol de Zico claro. Em seguida, venceu o Internacional no Maracanã, um jogo eterno no Francêsguista, outro 1×0, outro gol de Zico. Na terceira rodada, perdeu contra o Botafogo de Paraíba, a única derrota no primeiro turno do Flamengo, que acabou no segundo lugar. No segundo turno, Flamengo foi líder invicto, se vingou da derrota contra Palmeiras no ano anterior com um antológico 6×2, outro jogo eterno no Francêsguista. Zico não jogou os dois últimos jogos do turno, fechando sua participação com uma vitória 2×1 sobre Santa Cruz, sem gol dele.

    No Brasileirão de 1980, mais poderoso e perigoso que o Zico, o Zico que não tinha feito gol no jogo anterior. Até aqui, tinha acontecido 4 vezes no campeonato e Zico reagiu assim: um gol contra Mixto e a Ponte Preta, 2 gols contra Palmeiras, 4 gols contra Itabaiana. Para o jogo contra Desportiva Ferroviária, o gol de Zico estava quase já escrito, só restava a saber como. O jogo valia a estreia da terceira fase, em que apenas o líder do grupo era classificado para semifinal. No 10 de maio de 1980, o técnico Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Rondinelli, Marinho, Júnior; Andrade, Paulo César Carpegiani, Zico; Reinaldo, Tita, Nunes.

    Depois de 20 dias sem jogar, Zico voltou bem, num Maracanã vazio para a época, com 26 mil pagantes. No lado esquerdo, Júnior cruzou para a segunda trave, Zico cabeceou e abriu o placar. De novo, Zico não era só a perna direita, tinha o cérebro para antever a jogada, o testo para concluir a jogada. Mas Zico não era o cabeceador clássico, que pula, cabeceia e vê o que vai. Numa outra bola, agora na direita, Nunes driblou o goleiro e cruzou para Zico. O cabeceio era obvio, necessário, desejado pela Nação. Só que Zico, mesmo com a bola chegando do outro lado, viu um zagueiro se colocar na linha do gol, substituindo o goleiro, pronto para a defesa. Assim, o Galinho pegou o tempo necessário para matar a bola de peito e mandar de voleio a bola na rede, sem chance para o último zagueiro.

    No segundo tempo, jogada com os três jogadores que já participaram dos gols do primeiro tempo, Júnior para Nunes na direita, que cruzou na meia altura. O jogador comum pode se atrapalhar, duvidando entre o chute alto, a cabeçada baixa. Zico não, Zico é craque, é brigador, é artilheiro. Sem pular, porque não precisava, cabeceou, fez o terceiro gol do jogo, o terceiro dele. Três gols de bola alta, porque Zico mexia a maestria na bola no chão com a raça no jogo aéreo, para fazer sempre a alegria da Nação, a glória do Flamengo.

  • Jogos eternos #255: Flamengo 3×2 Vasco 2023

    Jogos eternos #255: Flamengo 3×2 Vasco 2023

    Flamengo joga hoje na semifinal do campeonato carioca, contra Vasco. A última vez que os dois times se enfrentaram nessa fase do campeonato foi em 2023. Oito dias antes do jogo, Flamengo perdeu a invencibilidade no campeonato em cima do próprio Vasco, fechando a Taça Guanabara no terceiro lugar. Mas agora era mata-mata.

    No 13 de março de 2023, uma segunda-feira, o técnico Vítor Pereira escalou Flamengo assim: Santos; Matheuzinho, Rodrigo Caio, Pablo, Fabrício Bruno, Ayrton Lucas; Thiago Maia, Vidal, Arrascaeta; Gabigol, Pedro. Flamengo vinha de duas derrotas, também perdeu contra Fluminense depois de já falada derrota contra Vasco. Assim Vasco, que acabou no segundo lugar, se classificava na final em caso de igualidade depois dos dois jogos da semifinal.

    E pior ainda, jogo começou ruim para o Flamengo, com apenas 10 minutos de jogo, Rodrigo Caio se atrasou para largar uma bola perigosa na grande área, Gabriel Pec pegou de primeira e abriu o placar para Vasco. “Golaço” gritou a torcida vascaína, mas apenas doze minutos depois, a Nação gritou mais forte, mais bonito. Arrascaeta abriu na direita para o cruzamento de Matheuzinho. A zaga do Vasco cortou, bola voltou para Arrascaeta, de fora de área, bem no centro do gol. O craque uruguaio pegou de primeira, fez o golaço-aço-aço. Para a Fla TV, o próprio Arrasca elegeu esse gol como o segundo mais bonito de sua carreira no Flamengo, apenas perdendo para o inesquecível e insuperável golaço de bicicleta contra Ceará.

    No final do primeiro tempo, bem na sua grande área, o zagueiro cruzmaltino Capasso falhou e fez o passe diretamente nos pés de Pedro. O artilheiro não precisa de tanto para fazer um gol, Pedro recuperou, chutou e virou para o Flamengo. Era um Clássico dos Milhões animado e bem jogado, e com uma hora de jogo, num contra-ataque rápido, Vasco chegou ao empate com gol de Alex Teixeira.

    Era um jogo equilibrado, mas Flamengo tinha um craque que desequilibrava os jogos. Na sua melhor apresentação do ano até aqui, Arrascaeta cobrou uma falta, bem na direita, bem na segunda trave, para a cabeçada de Fabrício Bruno, para o gol da virada, da vitória. O jogo, claro, afinal era um Clássico dos Milhões, acabou em confusões e expulsões, mas, mais importante, Flamengo tinha revertido a vantagem, precisava agora apenas de um empate na volta para chegar na final. Claro, foi feito, até com outra vitória, porque afinal, Flamengo era o dono do Clássico dos Milhões.

  • Jogos eternos #254: Flamengo 5×1 Bangu 1955

    Jogos eternos #254: Flamengo 5×1 Bangu 1955

    O Carnaval de Rio de Janeiro se aproxima e Flamengo busca o bicampeonato depois de conquistar o campeonato carioca de 2024. Setenta anos atrás, o bicampeonato já era uma realidade. No início de 1955, o Rolo Compressor derrotou Vasco e conquistou o campeonato carioca de 1954. Para o último jogo do campeonato, contra Bangu, o clima era de festa só.

    E a festa começou antes do jogo, antes da entrega das faixas, com o primeiro desfile de uma escola de samba no Maracanã. E o destino quis que a escola foi minha favorita, a Mangueira. Não tenho a mesma paixão pelo Carnaval que sinto pelo futebol, mas se eu sou torcedor de uma escola de samba, é da Mangueira. Não sei se é por causa das cores, por causa de uma coisa que tenho na minha alma, mas é a Mangueira. E neste dia, no Maracanã, tinha o futebol e a samba, o Flamengo e a Mangueira juntos, duas paixões do brasileiro.

    Uma semana antes, a Mangueira perdeu por muito pouco, apenas dois pontos, o Carnaval, ficando atrás do campeão Império Serrano. No seu livro Almanaque do Flamengo, Roberto Assaf escreve: “No dia 27 de fevereiro, o Maracanã, pela primeira vez em cinco anos de história, serviu de palco para o desfile de uma escola de samba. A Estação Primeira de Mangueira apresentou-se antes do jogo de entrega das faixas aos campeões cariocas de 1954. A verde-e-rosa evoluiu ao som do enredo As Quatro Estações do Ano, de Alfredo Português, Jamelão e Nélson Sargento […] A torcida lotou boa parte do estádio e cantou sucessos do Carnaval encerrado havia cinco dias, especialmente Maria Escandalosa, de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti. Agitando as arquibancadas estava o folclórico torcedor conhecido como Capitão Mengo, que fundara o bloco carnavalesco Regimento Rubro-Negro, e que durante a folia daquele ano lançara a marchinha Quero tricampeonato, na qual homenageava o presidente do clube, Gilberto Cardoso, e o técnico do time, Fleitas Solich. ‘Doutor Gilberto quero tricampeonato / Mister Solich quero ser tricampeão / 42, 43, 44 / imitando, é uma boa imitação / Mengo tu és o maior, Mengo, tu és do farol / ser Flamengo é viver num desacato / ser Flamengo, como o Capitão’, dizia a letra”.

    A Mangueira desfilou no Maraca na frente da Miss Brasil, Martha Rocha, que, como a escola de samba, perdeu por muito pouco uma eleição, da Miss Universo 1954. A história virou outra marchinha de Carnaval, composta por Pedro Caetano, Alcyr Pires Vermelho e Carlos Renato, que alegaram que “Por duas polegadas a mais / passaram a baiana pra trás / por duas polegadas / e logo nos quadris / tem dó, tem dó, seu juiz!”. Ao lado da Martha Rocha, as famosas atrizes americanas Elaine Stewart e Ginger Rogers, e o prefeito do Rio de Janeiro, Alim Pedro, assistiram ao desfile, com participação de atletas de várias modalidades do Flamengo. “Não pode se dizer que tenha sido uma festa organizada, mas foi uma festa tipicamente rubro-negra, em que prevaleceu a espontaneidade das manifestações” escreveu o jornal O Cruzeiro. Apenas faltava a vitória – quem sabe a goleada, do Flamengo para ter uma festa completa.

    No 27 de fevereiro de 1955, o técnico paraguaio Fleitas Solich escalou Flamengo assim: Garcia; Tomires, Servílio; Luís Roberto, Dequinha, Jadir; Rubens, Paulinho, Índio, Evaristo de Macedo, Benítez. E depois do show do pré-jogo, deu show em campo, deu goleada do Mengo. Contra Bangu, o quarteto ofensivo, apoiado por um Rubens já em conflito com Fleitas Solich, deixou sua marca, com um gol para cada atacante: Benítez, Paulinho, Índio, Evaristo de Macedo. Destaque para Índio que fazia seu 18o gol do campeonato, insuficiente para tirar a artilharia do botafoguense Dino. Edson fez gol contra, e Calazans, irmão do ídolo banguense Zózimo, descontou para Bangu. No final, goleada 5×1 do Mengo e alegria na geral. O Maracanã vibrava com o Flamengo, cantava um Carnaval que não acabava nunca.

    No livro Maracanã, da tragédia à glória, Sérgio Leitão escreve: “A festa rolou até de madrugada. Nas arquibancadas, o ‘Samba Rubro-Negro’, grande sucesso do compositor Wilson Batista, era cantado a plenos pulmões pela galera”. Para a última marchinha da crônica, não posso deixar de lembra a letra: “Flamengo joga amanhã / eu vou pra lá / vai haver mais um baile, no Maracanã / o Mais Querido / tem Rubens, Dequinha e Pavão / eu já rezei pra São Jorge / pro Mengão ser campeão”. Era um dia de felicidade no Maracanã, lá tinha a imortalidade do Mengo, mais uma vez campeão, ao som da Mangueira, da beleza da música brasileira, da alma do povo brasileiro.

  • Jogos eternos #253: Flamengo 3×2 Botafogo 2006

    Jogos eternos #253: Flamengo 3×2 Botafogo 2006

    Flamengo é o novo (também antigo) campeão da Taça Guanabara e enfrentará Vasco na semifinal do campeonato carioca. Por sua vez, Botafogo está eliminado, sequer foi classificado para a Copa Rio. Mas quase 20 anos atrás, as coisas eram diferentes, Botafogo conquistou a Taça Guanabara 2006, Flamengo foi pífio com apenas uma vitória em 5 jogos e o 5o lugar de um grupo de seis times. Na Taça Rio, na época a segunda fase do campeonato, Fla começou com um empate 3×3 contra Friburguense e enfrentou Botafogo.

    No 25 de fevereiro de 2006, sábado de Carnaval, o técnico Valdir Espinosa escalou Flamengo assim: Diego, Léo Moura, Renato Silva, Ronaldo Angelim, André Santos; Felipe Dias, Jônatas, Renato Abreu; Diego Souza; Ramírez, Luizão. Fato curioso para Luizão que vestia a camisa 111. A ideia foi do presidente Kleber Leite, já presidente do Flamengo no fracassado ano do centenário, que ofereceu em 2006 a camisa 111, como a idade do clube, ao Luizão, contratação de peso da temporada.

    Sábado de sol, de carnaval, de festa, mas jogo começou ruim para o Flamengo. Aos 13 minutos, Ronaldo Angelim segurou Reinaldo pela camisa e cometeu pênalti. Na cobrança, o artilheiro do campeonato Dodô abriu o placar. Botafogo ficou apenas 8 minutos na frente, Renato Abreu abriu na direita para Ramírez, que girou bem lentamente e fez o passe para Luizão. De calcanhar, com a ajuda do zagueiro botafoguense Rafael Marques, o camisa 111 fez o gol do empate.

    No final do primeiro tempo, Renato Abreu cruzou para Luizão, que quase fez o doblete, teve tempo para ajustar a cabeça, mas cabeceou para fora. Em seguida, de novo Renato Abreu, que deixou para Ramírez, que fez o gol, mas o bandeirinha viu impedimento do paraguaio. E quem não faz, acaba levando. No minuto seguinte, Dodô, o artilheiro dos gols bonitos, recebeu de Reinaldo, girou sobre Ronaldo, abriu o pé e fez o gol bonito. No intervalo, vantagem de um gol para o Botafogo.

    Já no inicio do segundo tempo, a defesa botafoguense saiu mal a bola, o camisa 10 rubro-negro Diego Souza fez o passe no meio para Juan, poupado no início de jogo e que entrou no intervalo. O lateral-esquerdo teve tempo de abrir o pé, ajustar o goleiro, fazer o golaço do empate. Menos de dois minutos depois, Dodô quase fez o hat-trick, mas Diego salvou Flamengo com uma defesaça. No seu estilo particular, Léo Moura deixou a bola entre as pernas de Bill, invadiu a grande área, mas não conseguiu fazer nem o chute nem o cruzamento perigoso. No Maracanã, ainda Flamengo 2×2 Botafogo.

    E na hora do jogo, Luizão salvou uma bola em cima da linha, cruzou atrás para a chegada de Renato Abreu, de primeira, de voleio, para o golaço, o gol da virada, da vitória. Era um sábado lindo no Maraca, de sol, de Carnaval e de vitória rubro-negra. Era a segunda vitória do Flamengo no campeonato, também a última. Flamengo foi eliminado da Taça Rio, acabou o campeonato na vergonhosa vice-lanterna, quando Botafogo conquistou o título carioca. Mas a última palavra para Flamengo, que conquistou, em cima do próprio Botafogo, o tricampeonato 2007-2008-2009.

  • Jogos eternos #252: Flamengo 4×1 Madureira 2007

    Jogos eternos #252: Flamengo 4×1 Madureira 2007

    Flamengo está perto de conquistar a 25a Taça Guanabara de sua história, precisando de uma vitória contra Maricá, adversário contra quem ainda nunca jogou na história. Vamos então para o jogo eterno do dia de uma outra Taça Guanabara conquistada em cima de um time com um nome um pouco parecido, Madureira, em 2007.

    Eu escrevi há pouco sobre o jogo do título do campeonato carioca, um 2×2 contra Botafogo, depois de outro 2×2 na ida, com Bruno decisivo na disputa de penalidades. O campeonato carioca de 2007, na época dividido entre Taça Guanabara e Taça Rio, foi o primeiro que Flamengo conquistou sem vencer nenhum clássico. Na Taça Guanabara, empatou 3×3 contra Botafogo e fez outro empate na semifinal, 1×1 contra Vasco, Bruno já decisivo na disputa de penalidades, Flamengo classificado na final contra um adversário que nunca tinha chegado lá, Madureira.

    O técnico do Madureira era Alfredo Sampaio, treinador mítico dos times menores de Rio de Janeiro e que treinou Ronaldo no São Cristóvão no início da carreira do Fenômeno. Na fase de grupos, Madureira aplicou uma surpreendente e constrangedora goleada 4×1 ao Flamengo, com 4 gols de Marcelo Macedo. E na ida da final, deu mais uma vez zebra, deu Madureira, que venceu o jogo 1×0. Flamengo precisava de uma reação, de uma virada. Para o jogo de volta, no 7 de março de 2007, Ney Franco escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Irineu, Ronaldo Angelim, Juan; Paulinho Jaú, Claiton, Renato Abreu, Renato Augusto; Roni, Souza.

    A data, 7 de março de 2007, está gravada na minha memória. Neste dia, me registrei no fórum francês Soccers, um tipo de Orkut ou fórum UOL. Passei horas, dias e anos no fórum, falando sobre futebol e outras coisas da vida com amigos virtuais e até alguns reais, Editei muitas imagens com PhotoFiltre, escrevi várias histórias de ficção, joguei, fiz piadas, me diverti, até briguei. Agora tem uma onde de nostalgia, de horas no computador, voltando do ensino médio, aproveitando das férias. E meu primeiro nome de usuário no fórum não tinha muita originalidade, porém me definia bem: flamengo10.

    Por isso me lembro da data do jogo eterno do dia, por isso amplifica a nostalgia. Além de milhares de discussões, tinha no fórum Soccers links streaming para assistir aos jogos. Lembre que sou francês e assistir aos jogos do Flamengo na televisão nem era uma opção. Eu já assistia aos melhores momentos de cada jogo, porém com a grande final, não era suficiente, eu precisava assistir ao jogo. Por isso as minhas lembranças achavam que o jogo foi um sábado. Fui verificar e foi uma quarta-feira, meio da semana, meio da noite na França. Desconfiei de minhas memórias, double checking, e estava de férias nesta semana, no meu último ano do ensino fundamental. Assim, tentei assistir ao jogo, assim descobri o fórum Soccers, uma das diversões de minha adolescência, para assistir ao jogo do Flamengo, a grande paixão de minha vida.

    Confesso que não lembro se consegui assistir ao jogo. Revendo os melhores momentos, a impressão é que sim. E a nostalgia bate maior ainda. Maracanã raiz, torcida raiz, e eu assistindo ao jogo, meu rubro-negrismo de sempre se concretizando. Fui sortudo de nascer flamenguista, de assistir ao jogo, ao menos na minha alma e no meu coração. Com apenas 2 minutos de jogo, Renato Abreu cobrou uma falta na direita, Souza tocou levemente de cabeça, bola ficou no ar, Souza voltou, cabeceou, abriu o placar. Porém, dois minutos depois, outra falta na direita, agora do Madureira, outra indecisão na grande área e Léo Fortunato empatou.

    Mas era um Flamengo avassalador em campo. Aos 8 minutos de jogo, outra bola parada, agora de escanteio, de Renato Augusto. Souza fez a linda cabeçada, achando a rede no contrapé, Souza fez o doblete, a alegria do Maraca. E aos 13 minutos, o artilheiro virou garçom, o garçom virou artilheiro, Souza para Renato Augusto, que passou entre quatro adversários, invadiu a grande área, antecipou a saída do goleiro e fez o golaço. Não me pergunte porquê, mas impressão minha é que assisti a esse gol, mais que os outros, ao vivo, talvez por causa da beleza do gol, da emoção na arquibancada. Com apenas 13 minutos do jogo, título já parecia do Mengo. Ainda no primeiro tempo, Souza quase fez de voleio o hat-trick, mas no intervalo foi assim, 3×1 para Flamengo, eu feliz na França.

    No segundo tempo, Juan parou no goleiro do Madureira, Renato Augusto também. No final do jogo, Claiton, adorava o jogo dele, a raça dele, conseguiu o pênalti. Na cobrança, Renato Abreu, outro jogador que me fascinava, exaltava meu rubro-negrismo. Renato Abreu partiu na velocidade, chutou forte no canto, o goleiro partiu do outro lado. Era o gol do placar final, 4×1, era o gol do título, Flamengo campeão da Taça Guanabara. A história não fala como e a qual hora fui dormir, certeza é que no dia seguinte, com novos amigos virtuais para falar sobre minha paixão, eu acordei ainda mais flamenguista.

  • Jogos eternos #251: Flamengo 2×1 Bangu 1966

    Jogos eternos #251: Flamengo 2×1 Bangu 1966

    O campeonato carioca se aproxima da fase de mata-mata e já tem duas certezas: Flamengo é o único gigante a ser oficialmente classificado, e o campeonato vai perder no próximo ano um de seus clubes mais tradicionais, Bangu, que já está rebaixado. Bangu é até o último time fora dos 4 gigantes a conquistar o campeonato carioca, em 1966. Vamos então para o jogo eterno do dia de um Flamengo x Bangu, de 1966.

    Em 1965, para o quarto centenário da cidade de Rio de Janeiro, Flamengo contratou uma dupla de atacantes carismáticos e habilidosos, Silva Batuta e Almir Pernamquinho. Depois de passar no Sport, Vasco, Corinthians, Boca Juniors e na Itália, Almir chegou no Santos e, já jogando na lama, com a camisa 10 de Pelé, conquistou o Mundial de clubes em cima do Milan. Foi até chamado de “Pelé branco”. No Flamengo, além de “Careca” por motivos óbvios, foi chamado de “Almir-Raça”, também não precisa de explicações. Almir misturava uma boa técnica com uma raça quase insuperável.

    Na semana antes da decisão de 1966 contra Bangu, Almir acusou seu companheiro Valdomiro de ter se vendido ao Bangu, já financiado pelo bicheiro Castor de Andrade. E Almir prometeu: “Uma coisa eu garanto, não verei o Bangu dar a volta olímpica”. No Maracanã, na frente de quase 150 mil, Bangu abriu 2×0 antes do intervalo e Paulo Borges fez o gol de 3×0, quase definindo o título. E Almir cumpriu a promessa, partiu para cima de Ladeira e iniciou uma das brigas mais impressionantes da historia do Maracanã. Depois da confusão, o juiz expulsou 9 jogadores e o jogo se terminou assim, sem volta olímpica do Bangu.

    Mas Almir já tinha mostrado raça e amor ao Manto Sagrado no jogo de ida. Flamengo precisava vencer Bangu na última rodada para conquistar o primeiro turno, o empate deixava o título para o time da zona Oeste. No 30 de outubro de 1966, o técnico argentino Armando Renganeschi escalou Flamengo assim: Franz; Murilo, Itamar, Jayme Valente, Paulo Henrique; Carlinhos, Nelsinho; Gildo, Silva Batuta, Almir Pernambuquinho, Osvaldo Ponte Aérea. Flamengo precisava da vitória, mas foi Bangu que abriu ao placar, com gol de Paulo Borges aos 12 minutos de jogo. Flamengo precisava de uma reação, precisava de raça, amor e paixão.

    Mesmo sob forte chuva no Maraca, Flamengo reagiu no segundo tempo, o Violino Carlinhos fez uma incursão da defesa alvirrubra e deixou para Silva Batuta que empatou. Mas Flamengo se complicou dois minutos depois, com expulsão do próprio Silva, o juiz alegando agressão em Cabralzinho, o que não fazia o menor sentido. Pior ainda que Osvaldo Ponte Aérea estava machucado, mas sem substituições autorizadas, ficou em campo, fazendo apenas número. Murilo também estava sem condições de jogar. Era quase 8 homens contra 11 e o empate era do Bangu. Faltava 15 minutos para o final do jogo e nada definido, nada decidido. Faltava agora 5 minutos e chegou a hora do ídolo, que misturava a técnica e a raça, chegou a hora do Pelé branco, do Almir-Raça. Num cruzamento alto, Almir Pernambuquinho cabeceou, caindo na lama. O goleiro Ubirajara Motta, que depois defenderia a meta rubro-negra, fez a defesa parcial. Almir, ainda no chão molhado, cheio de lama, pulou como um cachorro, caiu no chão, sem as mãos para impedir a cara de se encher de lama, e no fundo da alma, bola na cabeça, no fundo do gol. No livro Almanaque do Flamengo, Roberto Assaf escreveu: “A bola ficou presa em uma poça. Pernambuquinho não teve dúvida: mergulhou em sua direção, arrastando-a com a cara até que cruzasse a linha de gol. Atônitos, os jogadores do Bangu reclamaram impedimento, mas na realidade ninguém tinha muito do que se queixar. E o lance entrou para história do Maracanã”.

    No dia seguinte, o grande Nelson Rodrigues imortalizou o lance nas páginas do Jornal dos Sports: “Ontem, vimos um Almir apenas épico. Fez o gol, venceu o jogo, e entrou, no vestiário, chorando lágrimas de esguicho. Mas vejamos o tento maravilhoso. Foi assim: Ubirajara defende e larga. Almir estava no chão, com a cara enfiada na grama, na lama. Pois mordendo a grama, e mordendo a lama, ele enfiou a cabeça na bola, que escapara das mãos de Ubirajara. Eu me lembrei, então, daquele touro de soneto – ‘saudoso de feridas’. Com uma marrada épica, digna desse touro, Almir ganhou a batalha para o Flamengo. O Estádio Mario Filho explodiu de alegria rubro-negra. Amigos, a vitória com dez homens tem a doçura dos vinhos antigos, e, repito, dos vinhos de trezentos anos. Já o empate seria um resultado esplêndido. E o triunfo subiu à cabeça da massa rubro-negra, embriagou a legião que seguirá o Flamengo, com fidelidade e amor, até a consumação dos séculos”. O gol também foi imortalizado por uma foto que virou até capa da revista France Football, com a legenda que deixo em meu querido francês: “Tricolores, prenez exemple sur Almir le Pelé blanc”, a revista de minha infância e tantos outros garotos e idosos franceses durante gerações e gerações, falando de um “gol extraordinário”.

    Para fechar, deixo o depoimento do herói do dia, do Diabo da Raça (grife minha), Almir Pernambuquinho, no seu excelente livro Eu e o futebol, publicado em 1973, ano de sua morte precoce e trágica: “Aquele gol foi o mais espetacular que fiz em toda a minha carreira e mereceu até a capa dupla de uma revista, a France Football […] Acho que fui eu mesmo quem cabeceou para o goleiro Ubirajara rebater, porque sei que estava caído quando vi a bola a mais ou menos meio metro de distância e o Ubirajara, também caído, se esticar todo para tentar agarrá-la. A partir desse momento, me lembro nitidamente de tudo, porque para mim aquele lance rápido durou uma eternidade […] Foi uma luta terrível. Eu não tinha tempo de me levantar, porque tudo tinha que ser decidido em questão de segundos, antes que outros jogadores do Bangu mandassem a bola para córner […] Finalmente consegui vencer Ubirajara naquela corrida desigual: acabei tocando a bola primeiro, de cabeça […] Com os olhos empapados, nem pude ver a bola ir para as redes, mas senti que havia alcançado o meu objetivo: a torcida do Flamengo rugiu com o grito de gol. Até hoje o Ubirajara jura que só levei vantagem porque teria tocado a bola com a mão. É desculpa de mau perdedor. Eu juro pela felicidade dos meus filhos que fiz aquele gol limpamente […] Com a cabeça e o coração”.

  • Jogos eternos #250: Flamengo 4×2 Vasco 1979

    Jogos eternos #250: Flamengo 4×2 Vasco 1979

    Flamengo venceu Botafogo em jogo com confusão e expulsões, e se aproxima de conquistar a Taça Guanabara 2025, que pode ser (quase) realidade em caso de sucesso hoje contra Vasco. No primeiro semestre de 1979, Flamengo conquistou o campeonato carioca Especial, vencendo os dois turnos de maneira invicta. Era o bicampeonato depois da conquista de 1978 com o gol eterno do ídolo Rondinelli sobre toda a zaga do Vasco. Flamengo buscava assim, ainda em 1979, um tricampeonato que não vinha desde 1955.

    O campeonato carioca de 1979, com inclusão dos times fluminenses, foi bem longo, 17 rodadas apenas para a Taça Guanabara. E Flamengo foi perfeito, ou quase, com 15 vitórias e uma derrota, contra Botafogo, que infelizmente impediu o rubro-negro de ter o recorde apenas por si da maior série invicta, 52 jogos. Zico também foi perfeito com 28 gols em 16 jogos. Passou em branco em apenas dois jogos. Fez 6 gols contra Niterói, um jogo eterno no Francêsguista, e mais 4 na vitória 4×3 sobre Goytacaz.

    Já campeão da Taça Guanabara, com bonificação de um ponto para o turno final, Flamengo entrou em campo contra Vasco para festejar, para lembrar que era o maior time do Rio, daqui a pouco do Brasil, do Mundo. No 22 de julho de 1979, o técnico Cláudio Coutinho escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Rondinelli, Manguito, Júnior; Paulo César Carpegiani, Adílio, Zico; Tita, Júlio César, Cláudio Adão.

    Flamengo queria a vitória para a alegria da maioria dos 87.037 no Maraca, outros tempos do futebol carioca. Aos 14 minutos de jogo, no seu estilo particular, Tita fixou Marco Antônio na ala direita e cruzou de pé esquerdo. Bola chegou até a segunda trave para o chute de Cláudio Adão, Emerson Leão defendeu e Zico, oportunista como um artilheiro nato, tocou de cabeça e abriu o placar. Vasco teve nem tempo de respirar ou avaliar a situação. Dois minutos depois do gol, Júlio César ganhou uma bola no campo do Vasco e com visão de jogo absurda, precisão de passe também, achou na profundidade Júnior, que fez um gol que lembraria muito aquele que fez com a Seleção contra a Argentina na Copa de 1982. No final do primeiro tempo, Osni fez um golaço para Vasco e deixou as coisas mais abertas para o segundo tempo.

    Mas o segundo tempo, como foi o primeiro, era do Mengo. Bem no início, Adílio recebeu de Paulo César Carpegiani e se livrou de dois adversários, voltando atrás mas olhando na frente. Adílio era outro que tinha a visão de jogo e habilidade do craque, abriu na esquerda em cima da zaga vascaína, Tita, mais um craque, dominou quase de quadril e fez o terceiro gol do Mengo. O time cruzmaltino não desistiu, em escanteio em dois tempos, Marco Antônio cruzou para a segunda trave, para a cabeçada de Roberto Dinamite, para o segundo gol do Vasco.

    Mas o Maracanã, com sua geral antiga, raiz e feliz, era rubro-negro, o Clássico dos Milhões era do Mengo. No final do jogo, um golaço coletivo e individual, bem no estilo do Flamengo da época de ouro. Carpegiani para Zico para Cláudio Adão, que tentou sem sucesso a tabelinha. Bola voltou para Adílio, que dominou magistralmente e deixou para Cláudio Adão, sem espaço. Correção, não que tinha nenhum espaço, tinha só um pouco, suficiente para os craques do Flamengo. Agora Adão completou a tabelinha com Adílio, que de bico entre dois adversários, deixou para Carpegiani. Uma finta de chute e o futuro técnico viu a ultrapassagem de Júnior. Mais uma finta para abrir o ângulo e Carpegiani fez o passe certo para Júnior. O Capacete chegou antes da saída de Emerson Leão e tocou em cima do goleiro, fazendo o golaço de cobertura. Restava apenas ao Leão levar a mão e reclamar, não sabe o que, talvez da superioridade do Flamengo.

    O Clássico dos Milhões era do Mengo, a Taça Guanabara também, o tricampeonato se aproximava. Deixo aqui os gols com a narração de um jovem jornalista de coração rubro-negro, que não gritava “Gooooool” na Bandeirantes mas transmitia muita emoção, o Galvão Bueno.

  • Jogos eternos #249: Flamengo 2×2 Botafogo 2007

    Jogos eternos #249: Flamengo 2×2 Botafogo 2007

    Flamengo volta a jogar contra o Botafogo, dez dias depois de conquistar a Supercopa do Brasil. Vamos então para um outro título em cima do Fogão, o campeonato carioca de 2007. Já escrevi em outras crônicas que meu primeiro título de torcedor “consciente” do Flamengo foi a Copa do Brasil de 2006, conquistada em cima de outro rival, Vasco. Porém, na minha França, não tinha imagens dos jogos, conhecia mal os jogadores, não tinha o prazer de os ver jogar, os ver brilhar com o Manto Sagrado. O ano de 2007 foi diferente.

    Em 2007, comecei a acompanhar em vídeo os melhores momentos de cada jogo, as notícias, o calendário. Eu tinha Bruno, Léo Moura, Renato Abreu, Renato Augusto e claro, Obina, como ídolos. Tinha a chegada no Flamengo de Maxi Biancucchi, primo de Messi, e jogo a 4.000 metros de altitude na Bolívia como notícias intrigantes, diferentes da Europa. E claro, tinha a Copa Libertadores como sonho. E como decepção já. Depois de uma fase de grupos quase perfeita, três dias depois de um 2×2 no jogo de ida da final do campeonato carioca, Flamengo perdeu 3×0 no Uruguai contra Defensor, quase matando a esperança de uma classificação. Agora era vencer o campeonato carioca e acreditar na virada.

    Na ida da final do campeonato carioca, Flamengo e Botafogo empataram em jogo de 4 gols e 3 expulsões. O placar mantinha todos os roteiros possíveis e, por uma vez, simples. Quem ganhava o jogo levava a taça, em casa de novo empate, tinha a disputa de penalidades temida, um pouco menos quando tem um goleiro como Bruno. No 6 de maio de 2007, o técnico Ney Franco escalou Flamengo assim: Bruno; Léo Moura, Irineu, Ronaldo Angelim, Juan; Paulinho Jaú, Jaílton, Renato Abreu, Renato Augusto; Roni, Souza.

    O Maracanã era cheio, com 63.614 pagantes, e vibrava diferente do que hoje. O campeonato carioca também, tinha um toque ainda raiz, dia lindo, Maraca cheio, clássico decisivo. Eu me apaixonei tão rapidamente, tão profundamente com o Flamengo, e o Maracanã, a Nação, o futebol diferente da Europa, foram tão importantes que o próprio time, que o Manto Sagrado. O primeiro tempo foi equilibrado, com vários lances de cada lado, e grande defesa de Bruno em cima de Zé Roberto, tão importante para Flamengo dois anos depois na conquista do Hexa. Do lado do Flamengo, o capitão Renato Abreu ameaçou de longe, mas chutou fora do gol. No intervalo, 0x0, a disputa de penalidades ameaçava.

    Tinha antes ainda 45 minutos de futebol, de bom futebol. Nessa época, eu me afastava um pouco, até muito, do futebol europeu, e reencontrava com o futebol brasileiro minha paixão. Com o Flamengo ainda mais. Nada melhor que um gol do Flamengo, no Maracanã cheio, num clássico de decisão. E o gol chegou, com participação de ídolos só. No seu estilo particular, Léo Moura puxou o ataque rápido e num drible à la Cristiano, fez o passe para Renato Abreu no círculo central. O Urubu-Rei, batizado assim quando inflamou a reação do Flamengo no jogo de ida, abriu na esquerda de trivela para a chegada da Juan. Nenhuma dupla de laterais me deu tanto prazer no Flamengo que Léo Moura – Juan, não vi Leandro – Júnior ou Jorginho – Leonardo, e a dupla Rafinha – Filipe Luís não teve tanto destaque, tanto carinho no meu coração rubro-negro. Voltando ao Maracanã, Juan ganhou de Joílson na corrida, no duelo, invadiu a grande área e cruzou certinho. Com raça e coração, de carrinho, Souza se jogou e fez o gol, a comemoração de punho cruzado, a alegria do Maraca.

    A alegria durou pouco tempo. Quatro minutos depois do gol do Flamengo, Lúcio Flávio cobrou uma falta, Juninho cabeceou e empatou. Nem teve tempo para antecipar a disputa de penalidades. Quatro minutos depois, numa dupla tabelinha entre Jorge Henrique e Dodô, o artilheiro dos gols bonitos antecipou a saída de Bruno, fez o golaço do cobertura, virou para o Fogão. Botafogo dominava e parecia perto do terceiro gol. Na altura da marca de penalidade, Dodô chutou forte, Bruno espalmou, bola até quicou no travessão. Logo depois, na grande área, Joílson chutou para fora, em seguida Bruno fez outra defesa depois de chute de Dodô. A Nação aliviada, Flamengo ainda respirava.

    O jogo era complicadíssimo, a torcida esperava o empate antes de pensar na vitória. Aos 28 minutos do segundo tempo, o zagueiro botafoguense afastou o perigo, chutando na bola. “Acaba de chegar São Judas Tadeu” teria dito Apolinho. Renato Augusto, que tinha completado 19 anos no início do ano e já era titular absoluto e camisa 10, fazendo até gol na decisão da Taça Guanabara, matou de peito aos 35 metros do gol do Botafogo. Fixou Leandro Guerreiro, abriu um pouco de espaço no pé direito, arriscou de longe. Golaço. A bomba foi morrer na rede de Max, matou o torcedor botafoguense, quase matou de alegria o torcedor do Flamengo. No placar, 2×2, antes de pensar na vitória, tinha de pensar na disputa de penalidades.

    O jogo tinha mudado, agora era Flamengo que dominava, Renato Abreu até quase fazendo gol olímpico. Tudo podia acontecer, no contra-ataque, Lúcio Flávio recebeu sozinho na grande área, chutou de primeira, Bruno fez outra defesa milagrosa. Dodô também chegou na grande área, até driblou Bruno, mas Léo Moura chegou, salvou, tomou a pancada de Dodô, que tomou o cartão amarelo justo. Aos 45 minutos do jogo, o último suspiro, Dodô foi lançado na profundidade, em condição de gol. O bandeirinha, que já tinha errado no primeiro tempo marcando impedimento inexistente de Souza, errou de novo e marcou outro falso impedimento. Frustrado, Dodô chutou no gol e levou o segundo cartão amarelo severo porém compreensível, impedindo assim sua participação na disputa de penalidades que se aproximava. Começava ali o chororô botafoguense.

    Apesar da reclamação dos botafoguenses, o técnico Cuca falando até exageradamente de uma “covardia”, o juiz apitou o final do jogo, o início da disputa de penalidades. O rubro-negro tinha a vantagem psicológica por causa do goleiro Bruno, que tinha defendido dois pênaltis na semifinal da Taça Guanabara contra Vasco, começando ali uma idolatria que acabou tristemente em 2010. Ainda mais que Botafogo jogava com seu goleiro reserva depois da expulsão de Júlio César na ida. No Maracanã, era a hora do bicampeonato para Botafogo ou do início do tricampeonato para Flamengo. Na primeira cobrança, Lúcio Flávio. No gol, Bruno, que fez o primeiro milagre, saindo do lado certo, defendendo uma primeira cobrança. O Urubu-Rei Renato Abreu pegou muita distância antes de cobrar, mas chutou mais colocado que forte, chutou no gol, colocou Flamengo na frente. Em seguida, outro capitão, agora do Botafogo, Juninho, cobrando aos gritos “Bruno” do Maracanã. Bruno saiu bem, desviou a bola, que parou no travessão. Bruno fazia a segunda defesaça, já era quase a hora de gritar “É campeão”.

    No contrapé, Maxi colocou dois gols de vantagem para o Mengo. Em seguida, Túlio Guerreiro fez, Juan igualmente fez. Já com cobrança valendo título, Juninho chutou forte e adiou um pouco o título rubro-negro. De um pouco só. Léo Moura, outro que perdeu a idolatria para mim, ainda que por motivos bem menos graves do que Bruno, cobrou, chutou, decidiu o título. Quem segurava a respiração podia respirar, quem rezava podia agradecer o Deus rubro-negro, quem exultava podia gritar, quem chorava podia chorar mais, de alegria para o flamenguista, de ódio e raiva para o botafoguense. Rio vibrava com seu campeonato, o Maracanã respirava rubro-negro, Flamengo era o campeão.

  • Jogos eternos #248: Flamengo 4×3 Fluminense 2004

    Jogos eternos #248: Flamengo 4×3 Fluminense 2004

    Flamengo joga hoje contra o Fluminense, para seu primeiro clássico do campeonato carioca de 2025. Em 2004, Flamengo também começou os clássicos do campeonato carioca com o Fla-Flu, depois de vitória sobre Cabofriense e empate contra Friburguense. No 1o de fevereiro de 2004, o técnico Abel Braga escalou Flamengo assim: Júlio César; Rafael, Júnior Baiano, Fabiano Eller, Roger Guerreiro; Da Silva, Fábio Baiano, Ibson, Felipe; Jean, Rafael Gaúcho. Do lado do Fluminense, um jogador que brilhou muito nos Fla-Flus com o Manto Sagrado, um craque que tinha completado 38 anos 3 dias antes, Romário. O amigo e rival Edmundo, que também assinou no Fluminense em 2004, se machucou no jogo anterior e ficou fora do Fla-Flu.

    No Maracanã, jogo começou animado, com Flu mais no ataque, mas nada de gol. Flamengo tinha seu camisa 10, craque e gênio, Felipe, que quase abriu o placar com um chute, que apenas flirtou com a trave. Logo depois, outro chute de fora da área de Felipe, esta vez o goleiro Kléber fez a defesa. Fluminense reagiu, o futuro rubro-negro Léo Moura invadiu a área e chutou, mas Júlio César defendeu. De falta, Rafael Gaúcho ameaçou o gol tricolor, mas Kléber chegou na bola. Era no momento uma partida de goleiros.

    E Felipe começou a tomar conta do jogo, driblou com classe e categoria Júnior César e cruzou de três dedos, Antônio Carlos mandou a bola para escanteio. No minuto seguinte, mais um drible fácil e desconcertante, agora sobre Marcão, Felipe puxou na frente e abriu na direita para o cruzamento de Rafael. Mais um escanteio para Flamengo, que deu quase um gol de calcanhar de Rafael Gaúcho. Fluminense reagiu na sequência, Ramón cruzou, Júlio César saiu bem do gol, chegou na bola e fez o lançamento rápido. Já no campo do Flu, Jean fez o domínio de classe e puxou o contra-ataque, abrindo na esquerda para Felipe. Com a tranquilidade e sabedoria do craque, Felipe fixou dois adversários e devolveu para Jean, sozinho na grande área, com tempo para abrir o pé e ajustar o goleiro. Gol do Flamengo, o Fla-Flu tinha um dono.

    Porém, ainda no primeiro tempo, Romário, muito pouco acionado até aqui, recebeu de Ramón e já no domínio da bola, passou entre Júnior Baiano e Fabiano Eller, chegou na frente de Júlio César. “No seu habitat natural, na grande área”, sem muita força mas com muita precisão, bateu cruzado e empatou no jogo. E como foi o caso no primeiro tempo, Fluminense dominou o início do segundo tempo. Léo Moura tabelou e invadiu a grande área, conseguiu um pênalti severamente marcado pelo juiz. Romário cobrou certinho e Flu virou no jogo. Com uma hora de jogo, Flamengo quase voltou ao empate com um cabeceio de Júnior Baiano, mas Kléber espalmou para escanteio.

    Logo depois, outro cabeceio de Júnior Baiano, agora na grande área flamenguista, Rodolfo rebateu de cabeça para Romário, que no auge dos 38 anos, com a experiência da idade e a genialidade de sempre, dominou de sola, girou e já completou a tabelinha para Rodolfo, no espaço certo, no timing certo. Júlio César conseguiu tocar na bola, sem impedir o terceiro gol do Fluminense. O Fla-Flu parecia ter um dono.

    Fluminense tinha seu craque, Flamengo também. Numa indecisão da defesa tricolor, bola chegou até o pé esquerdo de Felipe, que com um toque só, abriu para Jean. O camisa 9 dominou e chutou cruzado, também sem muita força, mas bola chegou até o gol, até dentro do gol, com a ajuda da trave. E dois minutos depois, uma tabelinha, mais um tabelão pela longa distância dos passes, entre os laterais Roger Guerreiro e Rafael. No cruzamento de Rafael, Roger Guerreiro cabeceou e empatou para 3×3. Era uma partida de gols, um espetáculo digno da longa tradição do Fla-Flu.

    Roger Guerreiro, que depois virou polonês, disputando até a Eurocopa de 2008 com o país de adoção, virou o herói improvável do jogo, ainda mais quando quatro minutos depois, achou Felipe na esquerda. De novo, a sabedoria do craque e a visão em campo do Maestro. Felipe fixou Léo Moura e Marcão, e quando eles pressionaram mais, o Maestro deixou de trivela para Roger Guerreiro, no espaço certo, no timing certo. Roger Guerreiro fuzilou o goleiro, definiu o Fla-Flu, ou quase. Felipe ainda fez dribles desconcertantes e nos acréscimos, o tricolor Alex chegou na grande área flamenguista e chutou forte, mas Júlio César fez a defesaça salvadora. O Fla-Flu tinha um dono, Flamengo conseguia a vitória 4×3 com uma mega virada, graças à maestria de Felipe, que jogou pouco no Flamengo em tempo, mas jogou muito em campo, com dribles preciosos, passes precisos e golaços eternos.

O autor

Marcelin Chamoin, francês de nascimento, carioca de setembro de 2022 até julho de 2023. Brasileiro no coração, flamenguista na alma.

“Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte”