
Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
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Jogos eternos #299: Flamengo 3×2 São Paulo 1992

Flamengo acabou sua participação no Mundial dos clubes de uma forma decepcionante mas também honrosa e com motivos para confiar no resto da temporada. E além do otimismo de sempre, tenho uma intuição que Flamengo vai conquistar o Brasileirão, que não vem desde 2020 falando de edição, ou de 2021 falando de calendário. Ou seja, uma eternidade. Antes do jogo contra São Paulo no Maracanã, vou lembrar um outro jogo contra o Tricolor de um ano especial, ano de meu nascimento, ano do pentacampeonato, em 1992.
Flamengo retorna hoje ao Brasileirão como líder e em 1992, também tinha começado bem o campeonato com duas vitórias sobre Guarani e Palmeiras e dois empates contra Bahia e Botafogo. Antes do jogo contra São Paulo, teve uma troca de faixas entre os últimos campeões estaduais, São Paulo no campeonato paulista 1991 e Flamengo no campeonato carioca 1991. Dois times que iam conquistar coisas ainda melhores em 1992, a Libertadores e o Mundial para São Paulo, o Brasileirão para Flamengo. Tinha craques em campo como Raí e Júnior, antigos craques no banco e técnicos eternos como Telê Santana e Carlinhos.
No 19 de fevereiro de 1992, o eterno técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Gilmar; Charles Guerreiro, Wilson Gottardo, Rogério, Piá; Uidemar, Júnior, Zinho, Nélio; Paulo Nunes, Gaúcho. Um timaço que avassalou São Paulo no primeiro tempo. Gaúcho fez um gol bem anulado com a mão e Flamengo colocava pressão na grande área tricolor com escanteios sempre muito bem cobrados pelo Júnior. Depois, foi a vez do goleiro Zetti fazer uma mão, fora da área, e sequer recebeu um cartão amarelo. Flamengo continuava a dominar o jogo, com Gaúcho organizando o time, ele era longe de ser apenas um centroavante matador e artilheiro. Porém, seja de cabeceio ou de voleio, Júnior não conseguiu abrir o placar.
Com 30 minutos, na direita, Paulo Nunes driblou, gingou, cruzou. Como centroavante matador e artilheiro, Gaúcho dominou de peito, abriu o espaço para o voleio do pé esquerdo e fuzilou Zetti. Golaço. No final do primeiro tempo, Gaúcho fez outro gol, agora mal anulado pelo juiz, que viu um impedimento que não existia. No segundo tempo, São Paulo finalmente reagiu. O Tricolor também tinha seus craques, Cafu cruzou na direita e Palhinha, que tinha acabado de entrar, empatou com uma cabeçada.
Oito minutos depois, Júnior cobrou perfeitamente uma falta na direita, Zetti saiu mal, Rogério cabeceou na segunda trave e recolocou Flamengo na frente no placar. O jogo tinha vários craques técnicos em campo, mas o jogo se decidiu nos ares. No final da partida, Júnior fez um drible desconcertante sobre Suélio e cruzou alto, Gaúcho subiu ainda mais alto, e como o gênio do jogo aéreo que era, cabeceou no outro lado do gol, sem chance para Zetti. Mais um golaço do Flamengo, mais uma alegria na antiga geral do Maraca. No finalzinho do jogo, mais um gol de cabeça do Flamengo, agora contra, num cruzamento de Raí, Wilson Gottardo se atrapalhou com Gilmar e fez o gol contra. Sem consequência no final, Flamengo atropelava o São Paulo, futuro campeão sul-americano e mundial. Mas quem será campeão brasileiro no final do ano, era o próprio Flamengo.
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Ídolos #45: Hernane

Para a crônica #45, um nome vem rapidamente na cabeça. Um jogador que escolheu esse número na camisa para seu clube seguinte, em homenagem ao número de gols que fez com o Manto Sagrado, em homenagem à torcida do Flamengo. Um jogador quase comum, mas que virou ídolo da Nação.
Hernane Vidal de Souza nasceu no 8 de abril de 1986 em Bom Jesus da Lapa, interior da Bahia. Começou na várzea da Bahia e nunca passou na base de um grande clube, até de um clube pequeno. Chegou no interior de São Paulo, já com 21 anos. Seu técnico no Atibaia, Eduardo Clara, falou assim do futuro ídolo do Flamengo: “Talento, sorte e estrela. Ele nunca jogou categoria de base na vida. Chegou da Bahia sem nunca ter jogado partida oficial. Lembro que ele era grandão e vi muito potencial. Era um finalizador nato. A bola procurava ele. Batia na trave e voltava para ele fazer”.
Hernane jogou em vários clubes do interior paulistano e se destacou com a camisa do Mogi Morim, sendo vice-artilheiro do campeonato paulista de 2012, atrás apenas de ninguém menos que Neymar. Seus 16 gols em 22 jogos foram suficientes para garantir um lugar na seleção do campeonato paulista e um empréstimo no Flamengo. Mesmo em tempos sombrios do Flamengo, Ronaldinho tinha acabado de sair do clube, o atacante de já 26 anos chegou sem muita esperança, para ser reserva, ou até terceira opção, atrás de Vágner Love e Deivid. Tempos sombrios mesmo.
Mas Hernane era predestinado e mostrou isso logo no primeiro jogo no Flamengo. Entrou no segundo tempo contra Coritiba e precisou de apenas 18 minutos em campo para fazer seu primeiro gol com o Manto Sagrado e garantir a vitória do Flamengo. “Esse foi o primeiro de muitos gols com a camisa do Flamengo” garantiu o então camisa 22, que demorou para cumprir a promessa. Em 2012, foram apenas outros dois gols, na sua amada Bahia e um golaço de voleio contra Figueirense. Uma temporada decepcionante, coletivamente e individualmente.
Em 2013, sem dinheiro nos cofres, Flamengo liberou Vágner Love e Liedson, e comprou Hernane, ainda sem muitas esperanças. Hernane recebeu a camisa 9, Carlos Eduardo tinha a camisa 10. Tempos difíceis no Flamengo, que em cima disso não tinha o Maracanã, na fase de reconstrução, ou destruição, para a Copa. Mas Hernane era predestinado. No primeiro jogo da temporada, fez os dois gols na vitória 2×0 sobre Quissamã. Nos 7 primeiros jogos, fez 8 gols, inclusive gols nos clássicos contra Vasco e Botafogo. Fazia gol de todo jeito, de pé esquerdo, pé direito, de cabeça. Na verdade, tinha uma coisa que não fazia, se não me engano, nos 45 gols com o Manto Sagrado, não fez sequer um de fora da área. Hernane era um jogador de grande área, às vezes de pequena área. O que não mudava era a comemoração, cheia de raça, vontade e garra.
Em boa fase, Hernane começou a ser chamado de “Chicharito Hernane”, mas não gostou e preferia o apelido de Brocador. E gols ele brocava, assim foi prontamente atendido pelo maior patrimônio do Flamengo, a torcida. Porém, ainda no campeonato carioca, Hernane entrou num jejum, com apenas um gol em 8 jogos. Voltou a brocar no melhor clássico, o Fla-Flu, com uma alegoria de gol: Hernane caiu, se levantou e na sequência fez o gol de cabeça. E voltou numa fase de artilheiro, fez 3 na Copa do Brasil contra Remo, outros dois contra Macaé para fechar o campeonato carioca com uma eliminação precoce sim, mas também uma primeira artilharia em 2013, com 12 gols em 15 jogos.
Hernane já virava um nome importante da temporada do Flamengo. A indicação para a contratação foi do dirigente Jairo dos Santos e vale a pena citar a matéria do SporTV sobre as anotações de Jairo, que primeiramente não gostou do Hernane: “Dificuldade em dominar a bola, não demostrou habilidade em geral, sem condições de ser jogador para o Flamengo, atualmente. Chances de dar certo: 15%”. Depois, Jairo voltou a ver jogar Hernane no campeonato paulista de 2012. “Uma coisa me chamou a atenção: Hernane disputava a artilharia do Campeonato Paulista com o Neymar e, mesmo nas últimas rodadas, deixava o individualismo de lado em prol do jogo coletivo”, disse Jairo, que notou 10 características de Hernane. Além de ser “ambidestro, com forte chute de esquerda”, “oportunista” e “atuando como pivô”, além de ter “boa percepção tática”, ser “finalizador”, de ter “bom jogo aéreo”, são os itens 5 e 10 que me marcam mais. O 5 é: “atento aos lances e decidido nas divididas: luta com o time” e o 10: “não reclama, mostra bom comportamento, concentração, coesão, tranquilidade emocional, espírito de equipe”. E acho que é por isso, além dos gols claro, que Hernane virou ídolo do Flamengo. Num momento complicado para o time e a torcida, honrou o Manto, como muitos, e ao mesmo tempo, poucos, fizeram na história do Flamengo.
No Brasileirão de 2013, Hernane passou em branco nos 4 primeiros jogos, fez gol contra Criciúma e depois não jogou durante quase dois meses. Teve a pausa para a Copa das confederações, Hernane ainda perdeu a posição para a nova contratação de peso (mediano), o boliviano Marcelo Moreno. O Brocador nem saia mais do banco. A volta de Hernane, que também foi a volta do Flamengo no Maracanã depois de 3 anos de obras, foi heroica. Hernane entrou para os 15 minutos finais do clássico contra Botafogo, que vencia 1×0. No último minuto dos acréscimos, fez assistência para Elias e Flamengo escapou da derrota, ainda ficando na vice-lanterna. Hernane saiu do jejum de gols num outro clássico, o Fla-Flu, também de forma heroica. Num jogo eternizado no Francêsguista, fez 2 gols, incluindo um golaço de letra, talvez seu gol mais bonito com o Flamengo.
E Hernane se consagrou como o artilheiro do Novo Maracanã, de uma forma absurda. Entre os meses de setembro e outubro, disputou 8 jogos no Maracanã, passou apenas em branco contra Botafogo e fez ao total 12 gols! E detalhe, no jogo sem gol, o mandante era Botafogo. E no mesmo período, disputou 7 jogos fora do Maracanã e fez apenas um gol! E detalhe, o gol foi marcado num jogo em que Flamengo era mandante, mas deslocalizou a partida no Mané Garrincha, que viu Hernane brocar contra Vasco… Hernane era o homem dos clássicos, o homem do Maracanã, o homem-gol.
Porém, nada supera o jogo contra Botafogo nas quartas de final da Copa do Brasil. Claro, teve os gols na temporada, o estilo brigador e brocador, mas tem o jogo contra Botafogo, um jogo eterno no Francêsguista e na história do Flamengo. O Botafogo favoritaço, o Flamengo lutando para não cair no Brasileirão, o Flamengo sofrendo, mas lutando com toda sua alma, sua história. Teve Elias nas oitavas, tinha Hernane nas quartas. Um Novo Maracanã louco para vibrar, com o Flamengo que tinha, com os jogadores que tinham. Teve um show de Hernane, um primeiro gol do pé esquerdo depois de falta e confusão na grande área, um segundo gol, ainda no primeiro tempo, ainda com o pé esquerdo, depois de chute de Paulinho defendido pelo Jefferson. “Ambidestro, com forte chute de esquerda” e “oportunista” tinha avisado Jairo dos Santos.
Jairo também falou que tinha “bom jogo aéreo” e no segundo tempo, André Santos cruzou, Hernane cabeceou, triplicou e apenas com esse jogo, se eternizou na galeria dos ídolos do Flamengo. Ainda mais que no segundo gol, fez uma comemoração que pode se repetir a cada Flamengo x Botafogo, o chororô criado pelo Souza e repetido por muitos, mas ao mesmo tempo, poucos ídolos do Flamengo. Ainda no Maracanã, Hernane fez seus gols contra Goiás, tanto na Copa do Brasil que no Brasileirão, e Flamengo partiu para uma final da Copa do Brasil, contra o Athletico Paranaense. Outro jogo eterno, e um final mais que perfeito. No estilo oportunista, brigador e brocador, Hernane fez o gol, o sinal do acabou, e acabou mesmo. Acho que nunca antes, e nunca depois, o Novo Maracanã gritou tanto, explodiu tanto que nesse gol do Brocador. Com problemas financeiros e um time limitado, Flamengo conquistou um dos títulos mais festejados de sua história, um título inesquecível para quem pegou essa época, viveu esses momentos de frustrações e glórias ainda maiores.
Hernane conseguia outra artilharia e ainda brocou no final da temporada, o último gol contra Cruzeiro no Maracanã, para ser vice-artilheiro do Brasileirão, para se consagrar o artilheiro do ano no Brasil, com um total inesperado de 36 gols. Inclusive com 20 gols no Novo Maracanã, então um recorde, ultrapassado por um rubro-negro apenas em 2019 pelo Gabigol na goleada histórica sobre Grêmio, exatamente 6 anos após o hat-trick de Hernane contra Botafogo. Em 2014, Hernane ainda fez seus golzinhos, incluindo 4 na goleada 5×2 contra Macaé, mas viveu com lesões, o que não impediu a torcida rubro-negra de pedir sua convocação na Copa. Hernane ainda rendeu uma boa grana ao clube quando foi vendido ao Al-Nassr. No clube de Arábia Saudita, escolheu diretamente o número 45 na camisa, como o número de gols no Flamengo. Depois, teve boas passagens no Sport e com Bahia, joga até hoje, sendo artilheiro do campeonato amazonense 2025 com Confiança, e agora fazendo seus golzinhos no Cianorte.
A Nação já teve como ídolos centroavantes que não eram gênios nem craques, mas que honravam o Manto, jogadores valentes, que compensavam a falta de técnica com um coração enorme. Num duelo entre Obina e Hernane, tenho minha preferência para o primeiro, por ser justamente o primeiro, época em que comecei a assistir aos jogos do Flamengo. Mas o Flamengo também sofreu no início da década de 2010 e não caiu, de divisão ou de tamanho de torcida, muito graças ao Brocador, aos seus gols e seu carisma, se eternizando na galeria dos ídolos rubro-negros, com um temporada inesquecível, 36 gols e algumas noites mágicas no Maracanã.
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Jogos eternos #298: Flamengo 2×1 Athletico Paranaense 2023

Hoje eu vou de uma lembrança nostálgica e pessoal de um jogo que aconteceu exatamente dois anos atrás. E a vida pode mudar muito em dois anos. Morei um ano no Rio de Janeiro entre 2022 e 2023 e neste início de julho de 2023, me aproximava do final de minha temporada. Não contava mais os meses que me restavam no Brasil, mas as semanas, quase os dias.
Para o final, Maxime e Julie, um casal de amigos franceses, foram me visitar. Foram no Rio de Janeiro duas semanas de muitas experiências, trocas, risadas e lembranças inesquecíveis. No dia do 5 de julho de 2023, apesar da tristeza da saída chegando, acordei com um sonho ainda vivo na minha cabeça. Faltando dois dias para meu aniversário, Maxime e Julie me ofereceram um passeio de helicóptero no Rio de Janeiro, da zona oeste até a zona sul, girando 1,5 vez em torno do Cristo. Com certeza, se o dinheiro permite, é uma das 10 coisas a fazer no Rio de Janeiro. Outra coisa que cada guia recomendaria, é assistir a um jogo do Flamengo no Maracanã.
E fui muitas vezes, sempre que podia, ao Maracanã, ver meu maior amor. Quando outros amigos franceses foram me visitar, Marco e Antoine, era o final da temporada e só conseguimos assistir ao jogo das estrelas de Zico. Outro sonho eterno, mas sem ver toda a paixão da Nação, mesmo percebendo um pouco. Com Maxime e Julie, fomos primeiramente ver o jogo contra Aucas, uma goleada para garantir a classificação nas oitavas de final, já um dia de festa. Mas sabia que o jogo contra o Athletico Paranaense seria diferente ainda.
O confronto contra o Furacão na Copa do Brasil marcava o último capítulo de uma história de cinco anos. Na Copa nacional, deu Athletico em 2019 e 2021, deu Flamengo em 2020 e 2022. E pessoalmente, também completava uma novela rubro-negra. Quando cheguei, o primeiro jogo que assisti ao Maracanã foi Flamengo x São Paulo na semifinal da Copa do Brasil, ainda na tribuna oeste. Depois, vi na arquibancada, na minha sagrada Norte, o título contra o Corinthians, em 2023, sempre da Norte, assisti a estreia (e goleada 8×2) contra Maringá na terceira fase, aos dois Fla-Flus nas oitavas e ia para meu último jogo possível da Copa, as quartas de final. Assim, com duas edições distintas, da terceira fase até a final, completava uma Copa do Brasil inteira.
Com meu 20.o jogo do Flamengo apenas no ano de 2023, eu já tinha feito do Maracanã minha segunda casa. E acolhia os amigos em casa, na tribuna Norte. Para um de meus últimos jogos no Maracanã, encontrei meu amigo Gabriel, parceiro de vários rolês, sendo o maior e melhor um jogo do Flamengo no Maracanã. Como ele tinha prometido, me ofereceu um boné da Fla Manguaça, torcida organizada que erguei a bandeira. Não lembro quem, Gabriel, Maxime ou Julie, tirou uma foto de mim que até virou contracapa de meu livro Francêsguista. Tinha no Maracanã, minha pequena tropa, dentro de uma Nação inteira.
No Maracanã, ainda mais na Norte, o pré-jogo vale às vezes tanto que o jogo, até mais. Por isso, não gosto de chegar depois dos jogadores. Chegamos só um pouco antes, já com o Maracanã cheio, em clima de decisão. Com a ajuda de Gabriel, chegamos no lugar de sempre ou quase, muito longe do campo, muito perto do coração da Nação. Um lugar de difícil acesso para os turistas, por isso eu estava feliz de oferecer isso para meus amigos. O jogo contra Aucas já tinha sido diferente de tudo que eles viveram num estádio europeu. E o jogo contra o Furacão era ainda diferente, senti a animação dentro do corpo de Maxime vendo a arquibancada e o campo. Foi um furacão de emoções que apenas o show da Nação e um “estou sempre contigo”, ou talvez um passeio de helicóptero, pode proporcionar.
No 5 de julho de 2023, o técnico Jorge Sampaoli escalou Flamengo assim: Matheus Cunha; Wesley, David Luiz, Fabrício Bruno, Ayrton Lucas; Erick Pulgar, Victor Hugo, Gerson; Arrascaeta, Everton Ribeiro, Pedro. E o jogo, num Maracanã cheio com 66.505 pagantes, começou mal para o Flamengo, com apenas 6 minutos de jogo, Canobbio venceu o cara a cara com Cunha e abriu o placar para o Athletico. Maxime e Julie só tinham conhecido o Maracanã uma vez, com vitória 4×0 do Mengo, ou seja, sem gol tomado. E descobriam aqui uma tradição da Nação. Quando Fla toma um gol, a torcida não se abate, ela se reergue, canta a plenos pulmões o hino, e depois um “Oh, meu Mengão eu gosto de você”. E com 10 minutos, já era a hora de honrar os garotos do Ninho, dez estrelas a brilhar. A torcida do Flamengo é diferente e envolve até quem não tem o contexto, quem não solta uma palavra de português. Em campo, Arrascaeta quase fez um golaço de falta, mas a bola escapou da gaveta. No intervalo, o Athletico vencia 1×0, na tribuna Norte era o momento de respirar um pouco, pegar mais uma cerveja, falar em francês com os amigos, sobre Flamengo claro. Em duas semanas no Rio de Janeiro, morando comigo na Rocinha, eles tinham vivido já muitas coisas. Mas o jogo do Flamengo, sobretudo o clima da arquibancada, era umas das coisas mais marcantes da viagem.
No início do segundo tempo, Arrascaeta quase fez, mas Bento defendeu mais uma vez. Aos 7 minutos, Madson fez falta leve no Arrascaeta e depois de intervenção do VAR, o juiz marcou o pênalti. Explosão de alegria no Maracanã. Sempre vale a pena comemorar um pênalti como um gol, já que não sabe se ele vai ser transformado, melhor comemorar duas vezes que nenhuma. No seu estilo particular, Pedro fez o gol de pênalti e empatou no jogo. Explosão completa no Maraca, que agora cantava “Vamo virar Mengo”. Se fze um gol, pode fazer dois.
Na metade do segundo tempo, Bruno Henrique entrou no jogo ao som de “Ah! É Bruno Henrique!”. Quatro minutos depois, uma falta no lado direito, num lugar que me proporcionou uma de minhas maiores alegrias no Mara, o gol de Willian Arão no Fla-Flu de 2017 que acabou em 3×3 e classificação do Flamengo. Seis anos depois, o ídolo Arrascaeta cobrou na segunda trave, apareceu outro ídolo Bruno Henrique, que cabeceou e desempatou. Flamengo virou, o Maraca explodiu de vez, a Nação, que nessa hora já contava mais dois franceses em seu seio, irradiava de felicidade.
O final do jogo foi de muitos cantos, de “Mengão é paixão”, de “Acima de tudo rubro-negro”, de “Você pagou com traição”, de “Vou festejar”. De muitos vídeos também para Maxime, que registrava os momentos com os olhos alucinados e calor no coração, apenas a barreira da língua o impedia de cantar mais. Até hoje, não posso falar sobre o Flamengo sem que Julie solta um “Flameeeengo” no ar do “Outra vez vou te apoiar” . O Maracanã mudou sim, se elitizou, mas ainda tem o poder de seu maior patrimônio, a torcida do Flamengo. Há dois dias de meu aniversário, mesmo com minha saída do Brasil se aproximando cada vez mais, o 5 de julho de 2023 foi um dos dias mais felizes de minha vida, começado no céu do Rio de Janeiro, acabado no coração do Rio de Janeiro, o Maraca e sua Nação rubro-negra.
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Jogos eternos #297: Flamengo 2×0 São Paulo 2017

Flamengo está eliminado do Mundial dos clubes, uma decepção depois do primeiro lugar na fase de grupos e de um chaveamento muito mais difícil. Flamengo jogou bem contra o Bayern, mas perdeu por detalhes, que fazem toda a diferença. O Bayern foi muito mais realista e ainda teve um pouco de sorte nos dois primeiros gols, punindo friamente os erros do Flamengo. Agora é focar para o resto da temporada, com o Brasileirão, a Copa do Brasil e a Copa Libertadores, para voltar no próximo Mundial. E a volta no Brasileirão, contra São Paulo no Rio de Janeiro, já se aproxima.
E há exatamente oito anos, Flamengo já jogou contra São Paulo no RJ. Depois de oscilar no início do Brasileirão de 2017, Flamengo estava melhor. Venceu de goleada a Chapecoense, um jogo eternizado há poucos dias, venceu 1×0 Bahia com estreia de gala e assistência de Éverton Ribeiro, ainda venceu Santos nas quartas de final da Copa do Brasil. No Brasileirão, Flamengo estava no terceiro lugar, mas já com uma boa distância do líder disparado, o Corinthians, 9 pontos a mais do que o rubro-negro. Já São Paulo tinha apenas 6 pontos a menos que o Flamengo, mas com um conturbado 16.o lugar.
Flamengo jogava mais uma vez na Ilha do Urubu, e ainda tinha um aproveitamento de 100% no estádio, com vitórias sobre Ponte Preta, Chapecoense e Santos. Para o jogo contra São Paulo, no 2 de julho de 2017, o técnico Zé Ricardo escalou Flamengo assim: Thiago; Pará, Réver, Rhodolfo, Trauco; Márcio Araújo, Cuellar, Diego; Éverton Ribeiro, Everton, Guerrero.
O Mengão dominou o início do jogo, mas Everton e Trauco chutaram para fora. Diego tentou de longe, mas a bola apenas flirtou com a trave. No final do primeiro tempo, Flamengo teve uma falta perigosa, perto da grande área. Nem Zico nem Petkovic, Paolo Guerrero pegou a bola, dois passos, bola em cima da barreira, bola na gaveta, indefensável para o goleiro. Guerrero fazia um golaço e voltava a ser o grande artilheiro que foi, indispensável para os sucessos do Flamengo.
Quatro minutos depois, ainda Guerrero, agora no início da jogada, com bom passe para Éverton Ribeiro. Com a velocidade e inteligência do craque, Éverton Ribeiro dominou de pé esquerdo e levantou levemente a bola de pé direito, para a chegada de Diego, a batida de primeira, um voleio sem chance para o goleiro, outro golaço do Flamengo.
No segundo tempo, São Paulo reagiu, sem fazer gols. Flamengo também não fez. O então são-paulino Rodrigo Caio salvou dois chutes de Guerrero em cima da linha. Depois foi a vez de Rhodolfo de salvar na linha flamenguista. Era um jogo de dois golaços, parar manter o terceiro lugar e o aproveitamento de 100% na Ilha do Urubu. Era um dia lindo de futebol, de nossa maior paixão, as duras derrotas apelando sempre glórias maiores do Mengo.
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Jogos eternos #296: Flamengo 3×1 Bayern 1994

Flamengo está nas oitavas de final do Mundial dos clubes e fez sua parte, até mais, fechando a fase de grupos no primeiro lugar. Infelizmente, com algumas surpresas nos outros jogos, pegou um chaveamento mais difícil, com Bayern de Munique nas oitavas, talvez Paris nas quartas, Real Madrid na semi, Manchester City na final. Apesar da dificuldade, vejo o Bayern como um dos times mais poderosos do torneio, dá para sonhar alto, ainda mais porque Flamengo ganhou o único Flamengo x Bayern da história até aqui, em 1994.
O jogo de 1994 não aconteceu nem no Brasil nem na Alemanha, muito menos nos Estados Unidos, que ao mesmo tempo acolhia a Copa do Mundo, com a conquista do Tetra da Seleção. O jogo aconteceu na Malásia, para a inauguração do estádio Shah Alam. Flamengo estreou no Torneio Internacional de Kuala Lumpur com empate 0x0 contra a seleção olímpica de Austrália. Expulso no primeiro jogo, Charles Baiano cedeu seu lugar ao Magno, que fez um dos gols na vitória 2×1 sobre Leeds United. Flamengo estava na final, contra um gigante europeu, o Bayern de Munique. No 23 de julho de 1994, valendo título, o eterno técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Adriano; Henrique, Gélson, Rogério, Marcos Adriano; Fabinho, Marquinhos, Hugo Rodrigo Mendes; Sávio, Charles Baiano.
Por sua vez, o Bayern andava sem seus jogadores que foram aos Estados Unidos para a Copa, os alemães Lothar Matthäus e Thomas Helmer, o colombiano Valencia e o campeão do mundo Jorginho, que brilhou durante 5 anos com o Manto Sagrado antes de ir na Alemanha. Mesmo assim, o Bayern tinha em campo algumas promessas como Ziege, Hamann e Scholl e um craque na frente, o francês Jean-Pierre Papin, Bola de ouro em 1991. Para GloboEsporte, a então promessa rubro-negra Sávio explica: “A gente sabia que o time do Bayern era forte. Era o atual campeão alemão, mas eles estavam sem o Jorginho, que estava com a Seleção na Copa do Mundo, e sem um outro jogador que também estava na Copa. Mas era um time bom, forte. Para mim, com 20 anos, era uma oportunidade muito grande. Eu só queria jogar. Não queria saber quem estava do outro lado”.
No estádio Shah Alam, com publico de mais de 65 mil, o jogo começou mal para o Mengo. Aos 17 minutos, Papin driblou o goleiro Adriano e foi derrubado. O juiz apitou pênalti e ainda expulsou Adriano. Como o goleiro titular Gilmar estava na Copa, Carlinhos sacou o Rodrigo Mendes para a entrada do terceiro goleiro, Fábio Noronha, de apenas 18 anos e que fazia assim seu primeiro jogo com o Flamengo! Sem tremer, Papin converteu o pênalti e a situação ainda piorou para o Flamengo, com a lesão de Charles Baiano, principal nome do Flamengo no primeiro semestre de 1994. A goleada era temida.
Mas Flamengo é Flamengo, e o Manto Sagrado pesa mais que qualquer outra camisa. “Há de chegar o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará à camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável” escreveu uma vez o escritor tricolor Nelson Rodrigues. Aos 30 minutos, com jogada ensaiada, Rodrigo Lourenço fez golaço de falta e empatou no jogo.
E aos 30 minutos, agora do segundo tempo, Marquinhos fintou um e chutou cruzado, a bola foi desviada e enganou o goleiro, morrendo na rede. Flamengo virou e no final do jogo, a estrela de Sávio brilhou mais uma vez. O Anjo Loiro puxou o contra-ataque e venceu o goleiro, decretando o placar final, 3×1. Flamengo conquistava a taça, ganhava o prêmio de 20 mil dólares, vencia um gigante europeu, de virada, com um a menos, de forma heroica. Para fechar, deixo a palavra para um dos craques do jogo, ao lado do goleiro estreante Fábio Noronha, nosso craque da Gávea, Sávio: “O nosso time era muito jovem, a base do time era jovem e formada no Flamengo. Ganhamos moral com a vitória com o Leeds. Fomos para final, sofremos um pênalti. O Adriano foi expulso e entrou o Fábio Noronha, que foi um dos melhores jogadores em campo. Ele pegou para caramba durante o jogo. Nós ganhamos de 3 a 1, com um jogador a menos, mas foi uma pressão muito grande deles. Até pelo que foi o jogo, com um jogador a menos desde o começo, a gente não esperava muito esse resultado. Mas quando acabou, parecia que tinha sido um título de um campeonato importante. Apesar de ter sido um torneio, foi de virada, um jogador a menos e contra o Bayern, foi um jogo bem legal. E, para mim, foi o meu primeiro torneio internacional e o meu primeiro jogo contra um grande da Europa. Foi super importante”.
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Jogos eternos #295: Flamengo 1×0 Barcelona 1967
Nessa época de Mundial de clubes e encontros entre times de diferentes continentes, aproveito para falar de um jogo que aconteceu exatamente 58 anos atrás contra Barcelona, gigante da Europa mas que não joga o Mundial.
Em meados da temporada de 1967, Flamengo partiu para uma excursão na Europa, atravessando a Cortina de Ferro. Virou um desastre, o técnico Armando Renganeschi andava desmotivado porque sabia que não ia ter seu contrato ampliado, e tinha conflitos entre jogadores e o chefe da delegação, o autoritário Flávio Costa. Flamengo começou com 3 derrotas, contra as seleções olímpica e principal da Alemanha Oriental e contra o Dínamo de Moscovo. Fla finalmente venceu 1×0 o inexpressivo Neftyanik Baku e voltou a perder, agora de goleadas, 0x4 contra Dínamo Tbilissi e 1×4 contra Ferencvaros-Vasas.
De volta na Europa ocidental, Flamengo continuou a perder: 0x1 contra Betis e 1×4 contra Atlético de Madrid. Na estreia do Troféu Ibérico, disputado pela primeira vez neste ano de 1967 em Badajoz na Espanha, Flamengo perdeu 1×2 contra o Sporting Portugal. A excursão era um desastre, 9 jogos, apenas uma vitoria, 8 derrotas, 7 gols pró, 23 gols contra. Já fora do título, Flamengo enfrentou o Barcelona e reencontrou um ídolo do clube, Silva Batuta, agora no Barcelona. No 26 de junho de 1967, o técnico Armando Renganeschi escalou Flamengo assim: Marco Aurélio; Jarbas, Ditão, Jayme Valente, Leon; Nelsinho, Reyes; Américo, Rodrigues, Osvaldo Ponte Aérea, Fio Maravilha.
Flamengo tinha muitos jogadores machucados, entre eles Aírton, Carlinhos e Ademar, e apenas dois jogadores no banco. Assim, o Atlético de Madrid emprestou o paraguaio Reyes, que de tão bem jogo, acabou contratado pelo Flamengo, onde virou ídolo. Já do lado do Barcelona, Silva Batuta estreou bem no clube catalão, com dois gols contra Botafogo na Pequena Taça do Mundo em Caracas, mas as regras o impediam de jogar os jogos oficiais da liga espanhola. Escreveu no Jornal do Brasil o grande Armando Nogueira: ‘Vejam o que fazem com o rapaz: vendem-lhe o passe para o Barcelona numa hora em que o jogador estrangeiro não pode jogar na Espanha. Tipo da transação cruel em que o jogador é transformado em mercadoria. Já pensaram no drama desse rapaz? Ídolo completo e acabado de um dos maiores públicos do mundo, jogador em plena glória, faturando dignamente o seu ganha-pão, de repente vê-se transferido para um clube onde não pode jogar”.
Como o Troféu Ibérico era amistoso, Silva Batuta conseguiu jogar, mas foi outro ídolo do Flamengo que brilhou em primeiro. Com apenas um minuto de jogo, Fio Maravilha abriu o placar para o rubro-negro. Depois, foi quase só o ataque do Barcelona e as defesas de Marco Aurélio. Na sua edição do dia seguinte, o Jornal dos Sports também fala de uma briga generalizada, uma “verdadeira batalha campal, de que participaram não só os 22 jogadores, como massagistas, reservas, técnicos e auxiliares”. Depois de intervenção da policia e parada de 15 minutos, a partida recomeçou. Ainda o Jornal dos Sports: “Na metade do segundo tempo, Nelsinho fez falta em Zabala, que o juiz Sanchez Ibañez anotou como penalidade máxima, que, cobrada, foi magistralmente desviada a corner pelo goleiro Marco Aurélio”.
No seu livro Silva, o Batuta, Marcelo Schwob escreveu sobre o jogo e o lance: “Fla vencia por 1×0 com um gol milagroso de Fio no primeiro minuto da partida, que se resumiu no ataque espanhol contra a defesa rubro-negra. Mas o gol espanhol não saía. Marco Aurélio fazia milagres. Até que houve um penalty […] Silva iria bater. Jayme, que conhecia bem o modo de Silva cobrar pênalti, disse para o goleiro Marco Aurélio: ‘Pula no canto esquerdo, porque é onde ele costuma cobrar!’. Dito e feito. Silva chutou ali e Marco Aurélio defendeu […] Até jogando contra o Flamengo, Silva era rubro-negro. O curioso é que em depoimento dado para este livro, Jayme Valente nos disse que a indicação foi apenas para estimular o goleiro, pois não tinha certeza do que falara…”.
Nos minutos finais, Rodrigues foi expulso por falta dura, mas, mesmo com um jogador a menos, Flamengo segurou o placar e deixou um pouco menos amargurada a excursão. Foram tempos difíceis, um dos piores períodos do Flamengo. Porém, era só uma fase, tinha um futuro brilhante. Na mesma edição do Jornal dos Sports, bem na página seguinte, podia se ler um convite de “Os Antunes em festa”: “Maria José, José Antunes Coimbra (Zeca), e Sra., Fernando (Nando), Eduardo (Edu), Antônio (Tunico) e Artur (Zico) convidam para a missa em ação de graças pelos 25 anos de casados de seus pais, José Antunes Coimbra e Dona Matilde Silva Coimbra […] É o convite simples que a família Antunes distribuiu para seus amigos e marca a passagem de 25 anos de vida unida de uma família, quase toda ela dedicada ao futebol. Antunes, Edu, Nando e Tunico jogam pelo America. O Zico, com apernas 15 anos, é astro das peladas e espera completar os 16, para também ingressar no America”. Três meses depois, com atuação decisiva de Celso Garcia, Zico chegava na Gávea, mudava a história de toda uma família e uma Nação inteira.
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Jogos eternos #294: Flamengo 4×1 Cosmos 1977

Flamengo joga hoje para o último jogo da fase de grupos do Mundial de clubes, já com o primeiro lugar garantido, contra Los Angeles FC, time fundado em 2014. Vamos então para a lembrança do dia de um jogo contra outro time americano, muito mais mítico, o Cosmos de New York.
No 1.o de outubro de 1977, Pelé se aposentou, com jogo de despedida entre Cosmos e Santos em Nova York. Duas semanas depois, o Cosmos estava no Brasil para um jogo amistoso, parte da contratação de Carlos Alberto Torres, que trocou Flamengo pelo Cosmos meses antes. Detalhe, Flamengo e o Cosmos se reencontraram cinco anos depois, no Giants Stadium, para agora a despedida de Carlos Alberto Torres, outro jogo eterno no Francêsguista.
Mesmo sem Pelé, o Cosmos ainda tinha um timaço. Além de Carlos Alberto Torres, tinha outro brasileiro na defesa, Rildo, um craque italiano na frente, Chinaglia, e uma craque mundial que fazia tudo no time, o alemão Franz Beckenbauer. Por sua vez, Flamengo perdeu o campeonato carioca contra Vasco numa disputa de penalidades traumática contra Vasco, com pênalti perdido do jovem Tita, mas já tinha um timaço que ia se firmar nos anos seguintes. Para o jogo contra o Cosmos, no 14 de outubro de 1977, o técnico Jayme Valente escalou Flamengo assim: Cantarele; Toninho Baiano, Nelson, Dequinha, Júnior; Merica, Adílio, Zico; Osni, Cláudio Adão, Luís Paulo.
O jogo começou com uma decepção na bilheteria, com apenas 11.912 ingressos vendidos no Maracanã. O jogo começou com alegria em campo, com apenas 3 minutos de jogo, Adílio chutou, o goleiro Yasin, não o grande goleiro russo Yashin, mas um goleiro turco, desviou na trave, Luís Paulo seguiu o lance e abriu o placar. Dez minutos depois, Júnior lançou Osni, que cruzou da direita. Zico, que já tinha feito um gol no Maracanã dois dias antes, esta vez com a camisa da Seleção, cabeceou e já liquidou o jogo nos 15 primeiros minutos.
No final do primeiro tempo, Tony Field fez um golaço para os americanos depois de bom passe de Benckenbauer, mas a superioridade rubro-negra era evidente. No segundo tempo, com um belo chute de fora da área, Zico, que se tornou pai pela primeira vez no dia seguinte, fez seu segundo gol do jogo. Zico cedeu seu lugar ao Tita, autor do último gol do dia, decretando um placar de 4×1. “O marcador só não foi maior porque o Flamengo teve o cuidado de evitar maior vexame para o time veterano do Cosmos” escreveu no dia seguinte o Jornal dos Sports. O Cosmos era mítico sim, mas Flamengo também era e ainda é.
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Jogos eternos #293: Flamengo 5×1 Chapecoense 2017

Ainda na empolgação da vitória sobre Chelsea no Mundial de clubes, eu vou de um jogo de oito anos atrás, com um time bem diferente de hoje, mas que também se diferençava dos anos precedentes.
Flamengo começou a mudar em 2015 com uma contratação de peso, o peruano Paolo Guerrero, apesar, com algumas excepções, de não corresponder totalmente em campo. Em 2016, Fla fez outra grande contratação, agora com mais peso nos gramados, Diego Ribas. E em 2017, Flamengo ainda se reforçou, com um jogador que estrearia no jogo seguinte e seria ainda mais importante para os sucessos futuros, Éverton Ribeiro. Campeão do campeonato carioca de 2017, Flamengo começou o Brasileirão de forma bem mediana, com 2 vitórias, uma derrota e já cinco empates, o último no Fla-Flu com gol no último minuto de Miguel Trauco. O companheiro peruano Paolo Guerrero era alvo de críticas, já que em quatro jogos no campeonato nacional, ainda não tinha balançado na rede.
Para o jogo contra Chapecoense, no 22 de junho de 2017, o técnico Zé Ricardo escalou Flamengo assim: Thiago; Rodinei, Réver, Juan, Trauco; Willian Arão, Márcio Araújo, Diego; Berrío, Everton, Guerrero. Na Ilha do Urubu, adorava esse estádio bem característico dessa época ainda sem títulos mas com esperança de volta, a Chape, que meses antes viveu a tragédia da queda do avião, foi a primeira a estar em ação, sem fazer o gol. Para Flamengo, Everton, de cabeça, também não fez. Aos 14 minutos de jogo, num escanteio curto, Berrío cruzou, a bola voltou na entrada da grande área nos pés de Diego, que pegou de primeira, no fundo da rede. O maestro ainda de camisa 35 fez o primeiro gol e cinco minutos depois, cruzou para Paolo Guerrero, que esticou a perna e com um pouco de sorte, fez seu primeiro gol do Brasileirão de 2017. A dominação do Flamengo passou a ser absoluta e Fla só não fez mais gols no primeiro tempo por causa das defesas do goleiro Jandrei.
No segundo tempo, Paolo Guerrero quase fez o doblete, mas uma vez chutou nas mãos de Jandrei, outra vez chutou para fora do gol. Aos 10 minutos do segundo tempo, a Chape aproveitou da falha do goleiro Thiago para fazer um gol e acreditar ao menos a um empate. Mas na Ilha do Urubu, era dia do Mengo, do Guerrero, do Diego. Faltando 15 minutos para o final do jogo, Juan cruzou, Willian Arão cabeceou, Jandrei desviou na trave, e Guerrero, num estilo oportunista, fez seu segundo do dia. Quatro minutos depois, o artilheiro virou garçom, Paolo Guerrero achou Diego, que dominou e chutou, sem chance para Jandrei. Dois de Guerrero, dois de Diego, quatro do Flamengo, que se aproximava da vitória fácil.
E três minutos depois do quarto gol, Everton cruzou, Guerrero pulou, cabeceou, pediu a música. Pela primeira vez, Paolo Guerrero fazia um hat-trick com o Manto Sagrado. Flamengo oscilou em 2017, alegrou e decepcionou, e no caminho, uma goleada sobre a Chape com uma dupla Diego – Guerrero que brilhou na Ilha do Urubu.
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Na geral #23: Entrei de vez no Mundial, o Flamengo também

O Mundial de clubes começou agora de verdade. Eu estava ansioso para o torneio, apesar de não ser perfeito. Lamento o critério das vagas oferecidas, com vantagem para os europeus. Também lamento a sede ficar nos Estados Unidos, dando ao torneio um clima de torneio de pré-temporada europeia. Teria sido muito mais legal a competição acontecer no Brasil, porque os brasileiros sempre valorizaram o Mundial de clubes. E valorizam ainda mais hoje. Agora o clima é de Copa do mundo.
Estava ansioso para a competição e a possibilidade de assistir aos jogos com meu tão amado consulado Fla Paris. O sorteio ofereceu uma sorte contrastada. Com dois jogos às três da manhã, tinha apenas um jogo que era possível de assistir em Paris. Mas era contra o maior adversário, Chelsea, uma sexta-feira, véspera de festa da música. Um clima de Copa do Mundo. Porém, até o dia do jogo, eu não estava tão ansioso. Flamengo estreou bem na competição com vitória sobre Espérance de Tunis e tinha a possibilidade de se classificar na última rodada contra LA Galaxy, mesmo com derrota contra Chelsea.
No Mundial dos clubes, eu tenho uma posição esquizofrênica em relação os clubes brasileiros. Torço para ver o futebol brasileiro, e até sul-americano, brilhar. A Europa se considera muita superior ao resto do mundo e ver o futebol sul-americano lutar pela vitória, até alcançar, é uma coisa linda de ver. Mas mesmo assim, a rivalidade é forte e acho que ficaria feliz com a eliminação dos outros clubes brasileiros. Dias atrás, estava otimista com uma vitória do Flamengo sobre Chelsea, porém com um pouco de superstição, achava que a vitória do Botafogo sobre Paris pegou a vez de Flamengo e não seria possível ter duas vitórias consecutivas contra os europeus.
Assim, comecei o dia do 20 de junho sem ficar muito ansioso, nada a ver com a ansiedade antes de uma final de Copa Libertadores. Também cheguei no Fleurus, antiga sede do consulado Fla Paris e de volta para esse jogo, sem muito estresse. Mas meu amigo Waldez chegou, com uma animação de clima de Copa do mundo, de jogo decisivo. O jogo já tinha começado. Trinta minutos antes do jogo, já tinha 30 pessoas e a previsão era de casa cheia. O bar não é tão grande e ficou superlotado. No final, umas 80-100 pessoas, um dos encontros mais lindos do consulado já antes de bola rolada.
Antes do jogo, começaram os cantos como poucas vezes vi no consulado, talvez só numa final de Copa Libertadores. Bola rolando, Flamengo começou bem o jogo mas tomou o primeiro gol numa vacilada da defesa, na verdade ainda no meio de campo. Aqui era a dura realidade do futebol europeu. Um time, mesmo não jogando bem, aproveita de um erro e garante vantagem no placar. O resto do primeiro tempo, ainda com muitos cantos, viu um Flamengo jogando bem, porém sem conseguir o empate.
Com calor de verão parisiense e bar lotado, aproveitei do intervalo para respirar fora e falar do jogo. Flamengo estava bem e a esperança ainda era de virada. Se dá para empatar, dá para virar. Lá fora, o amigo Perceu perguntou quem devia entrar no segundo tempo. Fui olhar os jogadores disponíveis no banco e o nome de Bruno Henrique foi o destaque na minha cabeça, no meu coração, de tanto ídolo que ele é, de tantos jogos que decidiu. Lembro também que antes do segundo tempo começar, Waldez falou que a gente já tinha visto Flamengo fazer dois gols em 5 minutos. Claro, o Milagre de Lima, um jogo que já assisti com Waldez e todo o consulado. Na Fla Paris, Waldez tem uma fama de ser pé frio e alguns falaram disso no jogo de ontem. Cortei, hoje pé frio não tinha, a vitória era nossa.
No início do segundo tempo, Gerson invadiu a grande área e chutou. O chute foi desviado e chegou até Gonzalo Plata. O gol era tão certo que já comemorei antes da bola ir na rede, o que ela não fez. Acho que a última vez que tanto xinguei um jogador do Flamengo foi Lincoln contra Liverpool em 2019. Acho que foi muito gol perdido, um lance que poderia ter definido o jogo. Ainda mais que no minuto seguinte, Léo Pereira quase fez gol contra, a bola passando por centímetros na trave de Rossi. A sorte era do Mengo.
Bruno Henrique entrou no jogo e estranhei. Não por causa de BH, falei que queria o ver em campo, mas porque o substituído foi Arrascaeta. Nessa hora, já queria Gonzalo Plata sair do jogo, talvez até do Flamengo. Também tinha medo de perder a criatividade de Arrascaeta, o poder de decisão, mas verdade que o craque uruguaio apareceu pouco no jogo. Um amigo na minha esquerda, não lembro quem, falou que tinha que confiar no trabalho de Filipe Luís. Concordei, tinha que confiar, confiei. Na hora de jogo, cinco minutos para Bruno Henrique, Gerson tabelou com Bruno Henrique e abriu na esquerda para Plata, que dominou, cortou na direita e chutou atrapalhado. Não foi gol perdido, mas também não foi bonito e eu tinha tanta raiva que o xinguei ainda mais.
E um minuto depois, a consagração. No início da jogada, ainda Gerson, que aproveitou da ultrapassagem de Wesley para ter espaço e cruzar. E no cabeceio, Plata foi perfeito, fora de alcance do goleiro ou da zaga dos Blues, perfeito para a chegada de um ídolo, Bruno Henrique, quase na mesma posição de Plata no gol perdido. Só que agora era Bruno Henrique, com uma carreira de muitos gol e títulos, com uma idolatria de poucos. Bruno Henrique fez o gol, fez a alegria da Nação, de Filadélfia a Rio de Janeiro, de Paris a qualquer lugar do mundo. Poucas vezes comemorei tão forte, tão intensamente, um gol. Era mais que um clima de Copa do Mundo, porque agora tinha meu maior amor, o Flamengo.
E três minutos depois, a eternidade. Uma jogada semelhante, agora de escanteio, na esquerda, agora Bruno Henrique virando garçom, de cabeça, na segunda trave, agora para Danilo, no fundo da rede. Em três minutos, Flamengo virou, já escrevendo um dos capítulos mais lindos de sua história. Com a luz do sol e a arquibancada rubro-negra, o estádio de Filadélfia virou Monumental de Lima, o Fleurus virou Maracanazinho. Abracei os amigos e os não conhecidos, cantei, gritei, quase chorei, tinha uma felicidade que quase virava insanidade.
Nicolas Jackson, atacante de Chelsea, facilitou o jogo para o Mengo com uma expulsão e quase não tremei no resto do jogo. E Filipe Luís confirmou que tem estrela como técnico do Flamengo. Wallace Yan entrou no jogo e no minuto seguinte, combinou com Plata, com um pouco de sorte (a sorte do campeão?), foi sozinho na frente do gol, botou a bola no gol e a alegria no meu coração. O consulado Fla Paris tinha uma noite de sonho e já um canto: Em junho de 2025, botou os ingleses na roda, 3×1 contra Chelsea, ficou marcado na história.
Além da vitória, a noite foi um sucesso, com o final da campanha de alimentos, um pilar do projeto das embaixadas e consulados, abraçado pelo povo parisiense e rubro-negro. Outro pilar é reunir flamenguistas, reunir pessoas com uma mesma paixão. E até quem ainda não é apaixonado. Um de meus amigos franceses, Mathieu, foi ver o jogo no Fleurus. Apaixonado pelo Brasil e a América do Sul, falou antes do jogo que ainda não tinha time de coração no Brasil. Ao se despedir, me falou que agora tinha um time, Flamengo. Já escrevi que a paixão do rubro-negro é contagiante e ontem foi mais uma prova.
Depois do jogo, entre sorrisos bobos de felicidade, algumas cervejas, risadas e sonhos. Antes do jogo, eu só tinha antecipado as oitavas de final, com o desejo de escapar do Bayern. Agora com a classificação garantida, e o primeiro lugar, ainda tem a esperança de jogar contra Benfica ou Boca Juniors, dois adversários que Flamengo pode vencer, e já vejo mais longe. Com a vitória do Botafogo, tem a possibilidade de escapar do Paris Saint-Germain nas quartas de final, tem a possibilidade de sonhar com uma semifinal, talvez ainda mais. Ainda tem jogos, ainda tem Flamengo, ainda tem um Mundial, em que entrei de vez.
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Jogos eternos #292: Flamengo 3×1 Arsenal 1949

Depois da boa estreia no Mundial dos clubes. Flamengo vem para seu jogo mais importante da competição, até aqui, contra Chelsea. Flamengo já jogou contra times ingleses, teve o jogo mais importância da história do Flamengo, o 3×0 contra Liverpool, quando botou os ingleses na roda, teve também outro jogo eterno no Francêsguista, na inauguração do Camp Nou, quando goleou Burnley em 1957. Hoje eu vou para um jogo contra o vizinho de Chelsea, a primeira vitória do Flamengo sobre ingleses, contra Arsenal em 1949.
Os ingleses, diferentemente dos italianos ou espanhóis, sempre tiveram um certo desdém para o futebol de fora, como se ser o inventor do futebol equivalia a ser o melhor. Por isso a excursão do Arsenal em 1949, ainda mais que o time foi campeão inglês um ano antes, foi tão importante, tão marcante. Arsenal iniciou a jornada brasileira com goleada 5×1 sobre Fluminense. Em São Paulo, empatou contra Palmeiras e venceu o Corinthians. De volta ao Rio de Janeiro, perdeu 1×0 contra Vasco e enfrentava agora o maior de todos, Flamengo.
O Maracanã ainda em obras, o jogo aconteceu no São Januário, com todos os ingressos à disposição vendidos em tempo recorde. Inclusive, os ingleses visitaram o Maracanã, como relatou José Lins do Rego: “Não vi os ingleses de queixo caído, mas o vi de boca aberta… o Estádio Municipal parece já o colosso que será. As formas de madeira, pilastras de cimento, as imensas galerias, tudo mesmo para provocar aquele espanto dos britânicos […] E quando um inglês abre a boca de admiração, é porque a coisa é mesmo para abafar”. E os ingleses ainda tinham coisas maravilhosas para ver, o Flamengo em campo, liderado pelo Jair Rosa Pinto. No 29 de maio de 1949, o técnico Kanela escalou Flamengo assim: García; Juvenal, Job; Biguá, Modesto Bria, Beto; Luisinho, Gringo, Durval, Jair Rosa Pinto, Esquerdinha. Destaque para o goleiro paraguaio García, que estreava neste dia com o Manto Sagrado.
E García, e todos os outros jogadores do Flamengo foram pegos de surpresa, Arsenal abrindo o placar no primeiro minuto de jogo. “O Flamengo entrara em campo disposto a lutar como lutou, a fazer o que fez. O goal de Goring nos cinquenta e cinco segundos foi um golpe para o qual o Flamengo não estava preparado. Daí a desorientação do time” escreveu no dia seguinte no Jornal do Sports o eterno Mário Filho. No São Januário, a torcida vascaína comemorou por 7 minutos, até uma falta para Flamengo, de 35 metros. Sem perigo para os ingleses, para quem não conhecia Jair, com expectativa para quem conhecia o craque de pé pequeno, de talento imenso. Escreveu Mário Filho: “A multidão compreendeu quando a penalidade de quarenta jardas foi marcada que aquele era o grande momento do match para o Flamengo. O Flamengo poderia perder-se definitivamente ou salvar-se. Para o Arsenal tratava-se de um simples foul. Ninguém do Arsenal, por não conhecer bem o shoot de Jair, imaginava que aquele shoot de um jogador de perna fina e de pé de moça podia alterar todo o panorama da partida. Mas quem era brasileiro e estava em São Januário pressentiu o goal”.
No seu excelente livro Nação Rubro-Negra, Edilberto Coutinho escreve: “Oito minutos, Mário Vianna pune falta de Smith em Durval. Um pouco longe do gol, mais para o lado esquerdo. Os ingleses armam barreira. Sete homens, orientados por Swindin. O pequenino Jair, de perna esquerda, bate na bola que sai rasteira, queimando a grama. Faz uma curva por volta da barreira e dá a impressão de que vai na direção do goleiro. Mas, de repente, toma um efeito contrário e entra, deixando o inglesão estático, de pernas abertas, tonto, sem compreender como aquilo foi possível: uma bola inverter a curva inicial, descrever um S. Sua perplexidade aumenta, ao fixar as pernas finas do autor do shoot. Tão finas que nem as meias de Jair Rosa Pinto se sustentavam. Ficavam caindo em cima das chuteiras. E o tamanho das chuteiras? Parecia pé de moça ou de menino”. Mário Filho completa: “ Viu-se Swindin curvar-se para defender a bola. Swindin continuou pronto para defender a bola, imóvel, enquanto a bola tomava, subitamente, outra direção, inapelavelmente para o fundo das redes. Quando Swindin percebeu a mudança de direção da bola era tarde. Nem teve tempo de atirar-se para fingir um esforço desesperado. Ficou onde estava. Só que desviou o olhar e viu a bola ganhando as redes”.
Flamengo empatou e tomou conta do jogo, botou os ingleses na roda. Ainda Edilberto Coutinho: “Depois desse maravilhoso gol de empate, começa o baile. Os gringos na roda, a solução que encontram é dar botinadas. Mas nem isso funciona. O Flamengo mostra o que é a arte do futebol: a rapidez, a agilidade e o malabarismo dos artistas da Gávea é grande. Os pontapés dos supermen do Planeta Europa acertam o vento de São Januário. Silêncio na social”. Apenas Swindin, com algumas grandes defesas, impediu o Flamengo de voltar aos vestiários com um gol de vantagem, ou mais.
Arsenal voltou para o segundo tempo com modificações, Rooke entrando em campo. Mas jogo ficou violento, o juiz brasileiro Mário Vianna até parando o jogo para solicitar a intervenção da polícia, e o jogo ficou sob dominação do Flamengo. “O Flamengo é um clube diferente dos outros. Os outros clubes não têm legenda. E legenda aí quer dizer uma expressão, um ‘slogan’ que incarne o clube. O Flamengo é o clube da força de vontade” escreveu Mário Filho, que prossegue assim: “Os jogadores lutando com o entusiasmo de flamengos. Até Jair. Jair lutando como um menino que vê num match a porta da glória. Quem está de fora achando que ele não pode aguentar aquele train de jogo. E Jair continuando a lutar como um menino. Justamente Jair o que parecia o mais anti-flamengo dos jogadores. Um jogador que jogava um shoot, que descansava nos matches, que não queria saber de se matar em campo. Pois Jair correu do princípio ao fim do match, molhando a sua camisa como só molham a camisa os jogadores que aparecem mais pelo entusiasmo do que pela técnica. Só com a diferença: é que correndo em campo, molhando a camisa, Jair não deixou de ser Jair”.
Agora a palavra para Edilberto Coutinho: “Aos oito minutos, Jair Rosa Pinto pega uma bola no meio-campo e parte. A neguinha corre em linha reta, e Jair passando o pé por cima dela, como numa carícia. Dando a impressão – é ginga, é pura dança – de que vai ora para a direita ora para a esquerda. Jajá de Barra Mansa matando um por um os Atletas de Sua Majestade Britânica. Então, ainda fora da área, dribla para a esquerda, escapa à entrada forte de Barnes, puxa a nega, que cai sobre sua perna direita, a do moleque pegar bonde (naquele tempo, havia). Para surpresa dos ingleses – surpresa maior dos brasileiros e da Social vasca – vai de direita mesmo (não sendo o habitual e mortal canhotaço do Jair Rosa Pinto), Mais uma vez a bola faz a trajetória sinuosas, fugindo ao salto de Swindin. Mais uma que Jair Rosa Pinto coloca na última gaveta dos ingleses”.
Essa crônica é uma tabelinha entre Edilberto Coutinho e Mário Filho, este escreveu: “O Flamengo teve grandes figuras. A maior de todas – a maior de campo, inclusive – foi Jair. Pelo espetáculo que ofereceu de virtuosismo. Um virtuosismo que não lhe diminuiu, pelo contrário, a influencia que teve no match e que foi decisiva. Modificou inteiramente o panorama da partida como o goal do empate que deu confiança ao Flamengo, que devolveu ao Flamengo a confiança perdida. E desempatou a partida com um goal magistral de pé direito. E se dizia que Jair não tinha pé direito. Parece que Jair escolheu o dia para desmentir tudo o que de ruim se dizia dele. E Jair tinha coração e Jair tinha pé direito. Jair com coração, Jair como pé direito, dá uma ideia do Flamengo”. De novo Edilberto Coutinho: “O Flamengo está virando Escola de Samba. Tem razão Gilberto Freyre: esse futebol é dança. Tem razão João Nogueira: o Flamengo é música. É a ópera com a bola”.
Depois, foi a vez do goleiro García brilhar pela primeira vez no arco rubro-negro, impedindo os ingleses chegar a um empate que não merecia. E no final, o final perfeito, Durval, lutando com três jogadores do Arsenal, fazendo o terceiro gol do Flamengo, colorindo por um dia os torcedores vascaínos, botafoguenses e tricolores de rubro-negro. Mário Filho fecha sua crônica assim: “Foi, por tudo isso, uma vitória para botar no quadro. Bem do Flamengo e bem do football brasileiro. O team do Flameno soube ser o flamengo e soube ser o football brasileiro jogando com uma disciplina técnica inglesa. […] Uma vitória indiscutível. Do melhor team em campo, do melhor football em campo. Uma vitória maior do que o placar. Os três a um não dizem o que foi a vitória do Flamengo. Por isso é bom botar essa vitória num quadro. Para mostrá-la a todo o team que entrar em campo com a camisa do Flamengo. Foi assim que o Flamengo conquistou o seu público. É por isso que o Flamengo é o Flamengo”. O Jornal do Brasil viu uma “brilhante vitória do Flamengo” e o Correio da Manhã um dos “mais memoráveis triunfos” do Flamengo.
Para fechar, nem Edilberto Coutinho nem Mário Filho, mas o herói do jogo, Jair Rosa Pinto, que fez um depoimento sobre o jogo ao Roberto Assaf em 1999: “ Os ingleses tinham um time muito bom. Não era conversa fiada. Me lembro do Macaulay e do McPherson. Os jornais só falavam do Arsenal. Mas eu fiz naquele dia uma partida fantástica, fora de série, exuberante, coisa nunca vista. Fiz um gol de falta de quase 40 metros. O goleiro quis tirar uma onde. Mandou abrir a barreira, eu dei uma pancada daquelas e ele nem viu por onde a bola passou. Logo, eles acharam que eu era o maior jogador do mundo. O técnico deles, Tom Whittaker, deu uma entrevista dizendo assim: ‘o Flamengo tem um rapaz de pernas finas, que calça 38, um menino… É um menino, mas joga demais, nunca vi nada igual’ […] Não saí muito bem do Flamengo, mas esse jogo contra o Arsenal ficou na minha memória. Foi, sem dúvida, um dos meus grandes momentos no futebol”. Sem dúvida, um dos grandes momentos de Jair e do próprio Flamengo.







