
Francês desde o nascimento, carioca desde setembro de 2022. Brasileiro no coração, flamenguista na alma. Uma vez Flamengo, Flamengo além da morte.
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Ídolos #19: Zico

Eu já falei que eu queria escrever a crônica sobre Zico igual à carreira dele com o Manto Sagrado. Mas a perfeição não é atingível para mim e quero transformar esse blog em um livro depois de minha volta na França, que já está chegando. Zico não pode faltar nesse livro, então vem essa crônica, que até duvidei a nomear simplesmente Deus. Zico ou Deus, uma palavra de 4 letras, um sinônimo.
A torcida do Flamengo tem muita sorte de ter um ídolo com Zico. Para 99,99% da torcida, o maior ídolo do Flamengo é Zico. Mas o 0,01% que falta é ou louco ou não flamenguista, então Zico é unanimidade no Flamengo. Acho que não tem muitos outros jogadores que são tão ídolos no clube deles, tão unanimidade. Talvez Messi no Barcelona, Pelé no Santos, Maradona com Napoli. Tem o Rei do futebol e el Dios, e Zico é tudo isso, é Nosso Rei, mas também é Deus. Zico tem a realeza de um rei e a eternidade de um Deus. A Santíssima Trinidade é isso: Zico, Zico e Zico.
Zico era Flamengo antes de nascer e será depois de morrer, Zico é Flamengo para a eternidade. Na família Coimbra, até os animais eram Flamengo. O cachorro se chamava Mengo e o papagaio era rubro-negro. Tudo por causa do pai, o português José Antunes, que chegou ao Brasil em 1911, ano da fundação da seção do futebol do Flamengo. Nessa época, o Vasco como futebol nem existia. E o pai de Deus assistiu a um jogo em 1916, alguns meses depois da fundação da seção do futebol do Vasco. Foi um America x Flamengo. America ganhou, mas Antunes gostou da camisa rubro-negra, gostou do Manto Sagrado. Virou flamenguista, até sócio do Flamengo, e a família agora era flamenguista por todo o tempo que Flamengo vai existir, a família é Flamengo para a eternidade. Quando um filho nascia, ele recebia uma camisa do Flamengo. Zico era Flamengo antes de nascer.
A família Coimbra era predestinada pelo Flamengo, pelo futebol também. O pai teve uma oportunidade no próprio Flamengo, mas o patrão dele na padaria onde ele trabalhava, um vascaíno doente, sabendo que a ausência no trabalho era para fazer um teste no Flamengo, não o liberou. Explica o próprio Zico no livro Zico, 50 anos de futebol, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Quando era rapaz, meu pai foi goleiro do Municipal, chegando a ganhar o tricampeonato da Liga Amadora. Assim, surgiu até uma oportunidade para jogar no Flamengo. À época, ele trabalhava numa padaria e o patrão dele era Vasco. Ao saber que ele poderia jogar no Flamengo, o patrão ameaçou-o de demissão. Mas tomou ódio do Vasco, ódio mesmo, impressionante. Foi terrível para ele aceitar a ida do Edu para o Vasco. Quando brincavam com ele, perguntando-lhe como um português fazia para torcer pelo Flamengo, ele retrucava: ‘Português é sabão e vascaíno, eu sou é lusitano’”.
Zico cresceu com o futebol, cresceu com o Flamengo. Na casa, o antigo jogo de botões. Fala Zico no mesmo livro de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Fazia os campeonatos, havia aqueles botões em que punha a cara dos jogadores: o Flamengo era sempre o campeão; e o Dida, invariavelmente o artilheiro”. Zico cresceu com o Maracanã, com Flamengo e de novo com Dida, o primeiro ídolo. Primeira lembrança do Maraca de Zico é um jogo eterno aqui, o do título do Rio – São Paulo 1961 contra o Corinthians, com gol de Dida. Depois, Zico foi várias vezes no Maracanã, sempre torcendo, vibrando com o Flamengo. Fala Zico no livro Gigantes do futebol brasileiro de João Máximo e Marcos de Castro: “No Maraca, na arquibancada, sempre atrás das balizas. E via a rede balançando. E ouvia. Era música para os meus ouvidos de menino”.
Zico cresceu com futebol em casa, com jogadores de futebol em casa, os irmãos Antunes e Edu. Os irmãos ajudaram Zico para estrear no time de juventude, até jogando contra jogadores mais velhos, mas depois foi só o talento e o trabalho de Zico para segurar a vaga no time. Fala ainda Zico, agora no seu próprio livro Zico conta sua história: “Meus irmãos Antunes e Edu já eram jogadores profissionais e viviam brincando que ‘o melhor da família’ ainda estava em Quintino. O Edu acabou me levando para treinar na escolinha do America. Só que, naquela mesma semana, um amigo da família, o Ximango, que era torcedor fanático do Flamengo, trouxe o Celso Garcia, um locutor esportivo muito conhecido, para assistir a uma partida do River, nosso time de futebol de salão. O Ximango queria que o Celso me visse jogar”.
Precisaria de um livro inteiro para falar do Zico no Flamengo. Em 1967, Zico jogou um torneio na Piedade, com a camisa do Santos, com a camisa 10 de Pelé. Zico fez 9 gols na vitória 14×4, deixou Celso Garcia maravilhado. Zico nunca foi no clube do irmão Edu, o America, foi no Flamengo. A história não começou aqui, começou antes do nascimento de Zico. Mas agora Zico era jogador do Flamengo. E o começo foi muito difícil, o técnico da base e antigo jogador Modesto Bria quase vetou Zico de jogar. Zico treinou, fez um primeiro jogo contra Everest, fez 2 gols na vitória 4×3. Mas como o Everest, nome parece predestinado para Zico, era só o início de um muito longo e muito difícil caminho. Falou depois do jogo para Zico seu irmão e maior conselheiro, Antunes: “Escuta, garoto… Põe isto na cabeça… Você é um jogador de futebol. Nasceu para isso, quer vencer, quer ser muito bom, o melhor, se possível! Então, fique sabendo que você vai ter que renunciar a muitas coisas e que a sua vida vai se transformar. Não vai ser como a vida de outros garotos da sua idade. Vai ter muito sacrifício, treinos que não acabam mais, disciplina…”.
E foi difícil, foi muito sacrifício, foi muita disciplina. Zico era craque, mas ainda muito franzino, sofria com zagueirões altos e fortes, e fez apenas 3 gols em 18 jogos em 1969. Zico era franzino, mas era craque. E o vice-presidente do clube, George Helal, acreditou no Zico, montou um programa com o técnico Joubert, o médico José de Paula Chaves, o preparador físico José Roberto Francallaci. E ainda mais, George Helal pagou da própria bolsa o programa. Mas foi Zico que fez os sacrifícios, que teve uma disciplina de um atleta e ser humano diferenciado. Zico saia de casa de Quintino às 5h30, ia na escolinha do Flamengo na Gávea, depois na escola na Presidente Vargas, depois na academia de Leblon para fazer musculação, cochilando ou estudando no ônibus e no trem, voltando para casa as 10h30 da noite. E no dia seguinte, fazia tudo de novo. Foi um sacrifício que valia a pena, como fala o próprio Zico, no livro Zico, paixão e glória de um ídolo, de Lucia Rito: “Foi um superesforço. É preciso ter muita paciência e querer vencer na carreira para aguentar a barra. As salas de musculação eram ambientes muitos solitários. Não é como as academias de hoje, onde a garotada vai por curtição. Eu precisava cumprir um programa rígido de exercícios, para exercer o meu ofício. Repetia os exercícios centenas de vezes, procurava me superar a cada dia, e não tinha tempo para bate-papo. Minha vida era toda cronometrada naquele tempo. Mas não me arrependo, faria tudo de novo”.
Zico ganhou 16 quilos em 3 anos e estreou no Maracanã em 1970 com os juvenis contra o America. Ainda recebeu as chuteiras de um ídolo perto da aposentadoria, Carlinhos, que tinha recebido 16 anos antes as chuteiras de um outro ídolo, Biguá. Zico fez 27 gols em 22 jogos em 1970 com os juvenis e fez seu primeiro gol no Maracanã, ainda com os juvenis, no 14 de março de 1971, alguns dias depois de seu 18o aniversario. No preliminar de um Flamengo x Botafogo, na frente de muitos dos 142.892 presentes nesse dia, Zico bateu um pênalti, fez passar o Maraca do silêncio mais profundo a alegria mais pura. Fala Zico no livro Zico, 50 anos de futebol: “Fiquei assim impressionado com o silêncio das arquibancadas. Dava para sentir aqueles milhares de olhos me acompanhando, querendo adivinhar, pela minha maneira de ajeitar a bola, de tomar distância, se eu ia acertar o chute. Soube que minha mãe começou a rezar e que meu irmão Edu ficou tão nervoso que queria sair e só voltar depois da cobrança. Corri e chutei – gol. O Maracanã explodiu. Eu ia sentir aquilo muitas e muitas vezes. Juro que senti o chão tremer. O chão treme, a gente treme também, por isso tem que correr, pular, socar o ar, qualquer coisa!”.
Pouco tempo depois, Zico estreou como profissional, no 29 de julho de 1971, num clássico contra Vasco, um eterno Clássico dos Milhões. Estreou com uma assistência e uma vitória 2×1. Foi lançado pelo feiticeiro Fleitas Solich, que também tinha lançado, 17 anos antes, o ídolo do Zico, Dida. Zico fez o primeiro gol da história do Flamengo no Brasileirão, num 1×1 contra Bahia na Fonta Nova, e ganhou do locutor Waldyr Amaral o apelido Galinho de Quintino, por causa do estilo brigador e do cabelo grande, que parecia uma crista. Mas a chegada no topo é um caminho longo, cheio de dificuldades. Ainda franzino e sem a confiança do novo técnico Zagalo, Zico voltou nos juvenis em 1972. Apesar de ter feito o gol do título do pré-olímpico em 1971 contra a Argentina, Zico não foi chamado pelas Olimpíadas, a maior mágoa de sua carreira, por causa da promessa do técnico Antoninho, que tinha garantido ao Zico uma vaga no time. Fala Zico no livro Zico conta sua história: “Fiquei quebrado por dentro. Senti-me traído… Se futebol era isso, então eu não queria mais saber de nada! Minha família inteira me cercou, tentou me animar, mas eu não conseguia me recuperar. Alguma coisa, uma espécie de confiança nos outros, na justiça do mundo, tinha se desfeito. A seleção havia se classificado para os Jogos Olímpicos com um gol meu, eu confiara na promessa da convocação… Fiquei muito abatido e só pensava em largar o futebol. E aquilo me deprimia ainda mais, porque já me via sem fazer a coisa que mais adorava na vida. Os dias foram rolando meio sem vontade nem jeito, até que chegou a final do campeonato dos juvenis. Estávamos decidindo contra o Vasco e terminamos o primeiro tempo vencendo de 1 a 0. Só que, além do meu estado de espírito – ainda bem por baixo – ou justamente por causa disso, havia passado muito mal na concentração. Cheguei até a vomitar, e tudo o que eu queria era que chegasse logo o intervalo, já pensando em pedir para sair – estava me arrastando em campo no final do primeiro tempo”. O irmão Antunes proibiu a substituição e Flamengo foi campeão, Zico fazendo o gol do título. Era a volta por cima, para o topo do mundo.
Zico voltou no time principal em 1973, como reserva polivalente num ataque cheio de craques, como Rogério, Dario, Afonsinho, Doval e Paulo César Caju. Explica Zico: “Naquele ataque, joguei em todas as posições. Armava, lançava, distribuía da intermediária, invadia pelos flancos e pelo meio, fazia as assistências, centrava e finalizava. Tive que aprender a fazer um pouco de tudo, a aproveitar cada oportunidade que aparecia para mostrar o quanto poderia ser útil ao time”. Uma estrela, nascida há muito tempo, começava a brilhar. Zico trabalhou muito nos treinos, sempre concluídos com 80 faltas e 20 pênaltis. Zico ficou na reserva apesar da chegada como técnico principal de Joubert, seu técnico nos juvenis. Zico continuou a trabalhar, brilhou nos treinos, brilhou nos amistosos, inclusive um 5×1 contra o Corinthians de Rivelino, e um 3×1 contra Zeljeznicar, time da Iugoslávia, Zico fazendo doblete nos dois jogos. Escreveu o eterno mas tricolor Nelson Rodrigues: “Ao longo dos 90 minutos, os iugoslavos foram dominados, envolvidos, batidos. Zico foi uma figura excepcional. É um jogador que está a caminho de uma furiosa plenitude. Como sabe lidar com a bola, como seus passes saem límpidos, precisos. Zico entrou nessa fase em que o jogador faz o que quer com a bola”.
Zico era craque, mas sempre trabalhou como o mais simples operário nos treinos. Sempre tentou melhorar seu futebol, nos treinos, nos jogos também. Ainda Zico: “O que eu mais fazia dentro do campo era pensar. Pensar como estava meu time, quem estava em melhor condição no momento de passar a bola, nas fraquezas que o adversário demonstrava e como eu podia aproveitá-las para vencer o jogo. Com o tempo, aprendi, na hora de bater uma falta, por exemplo, a identificar o lado mais fraco do goleiro. Como ele sai, se sai antes. Eu provocava faltas porque sabia como fazer o gol. Então, sempre acabava uma partida mais cansado da cabeça, do que das pernas. De tanto pensar”. E Zico começou a fazer o que ele ouviu muitas vezes na infância no Maraca, fazia a música das redes balançando depois do gol. Foram muitos gols, 49 gols só em 1974, ultrapassando o recorde do ídolo Dida. Ainda em 1974, Zico foi eleito o melhor jogador do Brasileirão e conquistou no final do ano o campeonato carioca depois de um empate com Vasco. A camisa 10 do Flamengo tinha um dono, a torcida do Flamengo tinha um ídolo.
O ano de 1975 foi ano da primeira artilharia do campeonato carioca, ano da consolidação da dupla com Geraldo, outro craque, que o pai de Zico chamava de “filho marrom”. Também foi o ano da maior conquista de Arthur Antunes Coimbra, o casamento com a namorada da infância, vizinha de Quintinho, também flamenguista, Sandra. Um dos padrinhos do casamento foi George Helal, que ajudou Zico a ser Zico no início da carreira. Em 1976, Zico estreou na Seleção brasileira na Taça do Atlântico com grande estilo: jogo no Centenário contra o Uruguai, vitória 2×1, gol de falta, dois dias depois, jogo no Monumental contra a Argentina, vitória 2×1, gol de falta. Uma estrela amarelinha começava a brilhar. Duas semanas depois, fez 4 gols num jogo eterno contra Fluminense. “Zicovardia” manchetou o Jornal dos Sports. Nelson Rodrigues, jornalista tricolor mas longe de ser um idiota da objetividade ou do clubismo, curvou-se ao Zico: “Tenho dito e repetido que Zico é o maior jogador do mundo. Há os que negam, cegos pelo óbvio ululante. Mas, se a evidência quer dizer alguma coisa, não cabe dúvida, nem sofisma”. Mas Zico não era apenas gols. Explica João Máximo, outro jornalista tricolor: “O Zico foi um desequilibrador de jogo. Quando ele pegava na bola, a jogada podia até não terminar em gol, mas ele tinha uma inteligência, uma habilidade, uma agilidade, uma capacidade de decisão, que o torcedor do time adversário, como era o meu caso, tinha medo. Quando ele chegava na bola era o momento de angústia do jogo”.
Mas o caminho ao topo do mundo, ao Monte Everest, é cheio de dificuldades, de etapas difíceis. Zico perdeu um pênalti decisivo contra Vasco e perdeu a vaga de titular na Copa do Mundo de 1978, uma jogada infeliz do portanto técnico do Flamengo Cláudio Coutinho, influenciado pelo presidente da CBF, o vascaíno e também militar, mas almirante, Heleno Nunes. Uma mudança que talvez custou ao Brasil o Tetra esse ano. Mas Zico voltou no topo de tudo, com um time do Flamengo cheio de craques da casa, mas quase desfeito diante dos insucessos. Flamengo voltou no topo do Rio em 1978, num Clássico dos Milhões eterno, com um escanteio de Zico e uma cabeçada de Rondinelli. Em 1979, Flamengo brilhou na Espanha e completou o tricampeonato carioca. Zico foi artilheiro do campeonato carioca pela quinta vez e chegou ao topo da artilharia geral do Flamengo, ultrapassando mais uma vez o ídolo Dida. Com 81 gols só esse ano, Zico também chegou ao topo da idolatria máxima do Flamengo, a maior conquista de Zico. Diferente de muitos outros clubes, o Flamengo tem como maior ídolo só Zico, apenas Zico, exclusivamente Zico.
E Zico chegou no topo do Brasil em 1980, com um gol na vitória 3×2 sobre o Atlético Mineiro, no Maracanã e seus 154.355 apaixonados. Flamengo era o campeão do Brasil pela primeira vez e Zico no topo da artilharia do Brasileirão pela primeira vez, com 21 gols. Em 1981, Zico foi no topo da América, com dois doblete e golaço de falta na final da Libertadores contra Cobreloa, No final do ano, foi no topo do Mundo, no Monte Everest, com uma atuação magistral de Zico no maior jogo do Flamengo, o 3×0 contra Liverpool, que ficou marcado na história. Em 1982, o passe foi do Zico, o título foi no Olímpico, Zico foi artilheiro, de novo com 21 gols, Zico foi eleito melhor jogador, Zico foi tudo. Só não foi campeão do mundo com o Brasil esse ano, uma pena, uma injustiça. No meu coração, ele é campeão do mundo. Zico é no topo de meu coração rubro-negro.
Em 1983, a primeira Era Zico chegou ao fim no Flamengo. Zico não queria sair do Flamengo, a torcida do Flamengo ainda menos. Zico tinha 30 anos, já uma idade considerada avançada para um jogador de futebol na época, e foi vítima do presidente Antônio Augusto Dunshee de Abranches, que queria o vender. Fala Zico no livro Gigantes do futebol brasileiro: “Eu não tinha o menor interesse em deixar o Flamengo, mas o presidente Antônio Augusto forçou a minha saída. Mostrou que na verdade não queria que eu continuasse no clube, porque existiu essa possibilidade, com a Adidas pagando as luvas de renovação de contrato, como se dispunha a pagar. Mas ele quis jogar para a torcida, invertendo as coisas e dizendo que eu é que estava forçando minha saída do clube. Esse tipo de procedimento infelizmente é comum entre os cartolas brasileiros”. Sem nenhum dos 155.523 presentes no Maracanã nesse dia sabendo da saída iminente do ídolo, Zico jogou muito na final do Brasileirão 1983 contra Santos, abrindo o placar com menos de um minuto de jogo, oferecendo ao Flamengo seu terceiro título nacional em 4 anos, reforçando a sua supremacia no futebol brasileiro.
Zico merecia, igual ao Leandro, vestir só o Manto Sagrado e a Amarelinha na sua carreira. “Ele mudou a história do clube. Existem dois Flamengo: antes e depois de Zico” explica George Helal. Zico é uma divindade, poderia ter seu próprio calendário, com a criação no 3 de março de 1953 do calendário gregoriano. Com apenas alguns meses do ano 1 do calendário Zico, Flamengo já iniciava seu segundo tricampeonato carioca. Até o ano 31, Flamengo tinha vencido tudo no mundo. Zico merecia jogar só no Flamengo, e merecia também um melhor time na Europa do que Udinese, onde se tornou também ídolo. Quase foi artilheiro do campeonato italiano na primeira temporada, perdendo de um gol para Platini, que fez 6 jogos a mais. A única coisa boa da saída do Zico do Flamengo foi que ele voltou. O presidente Augusto Antônio Dunshee de Abranches teve que sair do clube depois de cometer o crime contra o futebol, contra o Flamengo, de vender Zico. George Helal, o apoio de sempre de Zico, foi eleito presidente e montou o Projeto Zico para repatriar o craque. A torcida bancou e Zico era de novo do Mengo. Nunca deixou de ser do Mengo, mas agora era de novo jogador do Flamengo.
No 12 de julho de 1985, ou no 10o dia do 4o mês do ano 32 do calendário Zico, Zico voltou a vestir da camisa 10 do Mengo, num amistoso contra um time de amigos de Zico, que tinha a presença de ídolos jogando na Itália, Júnior, Falcão e até Maradona, que vestiu uma camisa amarela e verde. Zico fez um golaço de falta num ângulo impossível. Dois dias depois, Deus voltou agora de forma oficial, num jogo do Brasileirão contra Bahia. Flamengo ganhou 3×0, Zico fez um golaço de falta no Maraca, como se nunca tinha saído do Flamengo, como se nunca tinha deixado de fazer ouvir a doce música das redes para a geral. O time, treinado pelo Zagalo, era muito bom, e dava para brigar pelos títulos, mas depois de chegar no topo do Mundo, no Monte Everest, tem que descer, com etapas igualmente, às vezes mais, difíceis do que na subida. Depois de Augusto Antônio Dunshee de Abranches, foi Márcio Nunes que cometeu um crime contra o futebol. Com uma entrada criminosa, o jogador de Bangu quebrou os dois joelhos e o tornozelo esquerdo de Zico, quebrou o coração dos flamenguistas. Quase quebrou o futebol de Zico, mas Zico é acima de tudo.
Fala Zico sobre a lesão no seu livro Zico conta sua história: “Se, naquele momento, eu tivesse adivinhado o que me aguardaria nos próximos meses – na verdade, a última operação que realizei, em consequência, mesmo que indiretamente, dessa lesão, foi em 94 –, não sei qual teria sido minha atitude, ali, no momento. Talvez largasse tudo e fosse para casa aproveitar a vida. Ou não… É, acho que não aguentaria mesmo. Sempre disse que queria parar um dia com o futebol, e não que o futebol parasse comigo. Queria parar jogando, não por cause de uma lesão. E, depois, tinha a Copa para disputar, tinha tanta coisa que achava que ainda poderia obter do futebol, tanta coisa que eu achava que ainda poderia fazer…”. Zico trabalhou muito, como nos tempos de juvenil, acordando cedo para trabalhar, para sofrer na academia. Zico voltou no final do ano de 1985 e fez mais um Fla-Flu eterno em 1986, com hat-trick, com música nas redes, com golaço de falta.
Mas depois Zico voltou a se machucar várias vezes, sempre lesões musculares, o que o impedia de pegar ritmo. Jogou a Copa de 1986 e perdeu um pênalti contra a França. Fala Zico sobre a operação, agora no livro Zico, paixão e glória de um ídolo: “Me deu vontade de morrer, achei que nunca mais jogaria futebol novamente. Minha perna passara tanto tempo semi-arqueada, que, até conseguir esticá-la, foi um sofrimento terrível. Eram dores insuportáveis. Fiz um esforço constante, porém cuidadoso, para não romper os pontos. Cada centímetro a mais que meu calcanhar conseguia deslizar, numa risca traçada na banheira lá de casa, era comemorado com choro e palmas. Levei quatro meses para conseguir esticar a perna por inteiro”. Durante o processo, Zico ainda teve a dor de perder o pai, como ele fala no livro Zico, 50 anos de futebol: “Acho que a morte do meu pai foi decorrência também de tudo o que passei. O sofrimento dele de ver um filho na situação em que eu estava. E você acompanhar o trauma de um filho, aos 85 anos, é difícil. Acho que isso o debilitou ainda mais, e depressão gera doença”.
Zico voltou no 21 de junho de 1987, exatamente um ano após o pênalti perdido contra a França. Fez gol num outro Fla-Flu eterno, de pênalti. Depois do pênalti contra a França, Zico nunca mais perdeu um pênalti. E 1987 foi um ano histórico. Já escrevi que gostava muito do título da Copa União, o Brasileirão de 1987, com um dos maiores times da história do Flamengo. Mas adoro esse título principalmente por causa de Zico, que tem uma história de superação no futebol como talvez só o Ronaldo Fenômeno, que tem como ídolo o próprio Zico, tem. “Foi um título emocionante. Não só em função de tudo que eu havia passado, mas por causa do Thiago. Foi o primeiro ano que ele pôde me acompanhar melhor, nunca tinha me visto. E também quando acabou o jogo com o Inter, eu já estava descendo para o vestiário e a torcida começou a gritar o meu nome. Tive que voltar para dentro do campo e dar a volta olímpica, porque eu já tinha saído do jogo” relembra Zico. Zico era agora no Monte Olimpo, a casa dos Doze Deuses, doze nomes, como um time de futebol apoiado pelo décimo segundo Deus, a maior Nação do Mundo, a torcida do Mengo. E o primeiro Deus, o Deus do céu, do raio e do travão, é Zico, Zico é Zeus, Zico é tudo.
Zico ainda jogou em 1988 e 1989 e se despediu como profissional, no 2 de dezembro de 1989, num clássico contra Fluminense, um eterno Fla-Flu. Se despediu com um golaço de falta e uma goleada 5×0. Ainda teve outra despedida, no início de 1990, reunindo vários jogadores do Flamengo e do Mundo. Antes do jogo, meu escritor preferido sobre o futebol, Armando Nogueira, anunciou a festa: “Maracanã, enfeita de bandeiras tuas arquibancadas que hoje é dia de festa no futebol. Encomenda um céu repleto de estrelas. Convida a lua (de preferência a lua cheia). Veste roupa de domingo nos teus gandulas. Põe pilha nova no radinho do Geraldino. E, por favor, não esquece de regar a grama (de preferência com água-de-cheiro). Avisa à multidão que ninguém pode faltar. É despedida de Zico e estou sabendo, de fonte limpa, que hoje à noite, ele vai repetir conosco a bela coleção de gols que fez nos seus 20 anos de Maracanã”. Outro a escrever sobre o jogo foi Sérgio Cabral para o jornal O Dia: “Adeus Zico. Nós, vascaínos, tricolores, botafoguense etc., dormiremos mais tranquilos sabendo que uma falta cometida nas proximidades de nossa área não será tão perigosa assim. Que não teremos de enfrentar os seus dribles, seus lançamentos, suas soluções inteligentíssimas para as jogadas mais difíceis, a sua movimentação que o levava, em frações de segundo, da intermediária à porta do gol e aos gritos de “Zico! Zico! Zico!” quando você fazia uma das suas e chutava aquelas bolas que tocavam na rede e batiam em cheio em nossos corações. Em compensação, nós, que tanto amamos nossos clubes quanto o futebol, estaremos com as nossas tardes de domingo mais pobres. E, aí, veja, que ironia, teremos saudades de você”.
Mas, como essa crônica inútil, nada pode ser escrito que seja maior do que Zico, maior do que a perfeição mais pura. Zico pendurou as chuteiras, e como Biguá para Carlinhos, como Carlinhos fez antes para ele mesmo, Zico deu as chuteiras para uma jovem promessa da base, o chamado Pintinho. A herança era muito pesada, infelizmente, ou felizmente, Zico não tem herdeiro. O futebol de Zico, só Zico mesmo. Depois, Zico voltou a jogar, ajudou a tornar o futebol profissional no Japão, virou ídolo, virou o Deus do Sol. Pendurou definitivamente as chuteiras, com 831 gols em carreira, 509 pelo Flamengo, 333 no Maracanã, mais dois recordes de Zico. Zico é o dono do Maracanã. De todas as estrelas que voaram no Estadio Jornalista Mário Filho, Zico é o filho mais pródigo do Maraca, o prodígio, o maior símbolo. Explica Zico: “Cinco anos depois do meu primeiro jogo, eu me localizava no Maracanã até de olhos fechados. Podia chutar no gol sem olhar, sabia que direção dar ao chute pela posição que os repórteres ocupavam atrás da linha de fundo. Localizava as bandeiras. Mesmo de costas eu sabia onde ia acertar. O Maracanã era a minha casa. Eu conhecia a textura da grama, o pique da bola e o principal personagem do jogo, a torcida. Ainda hoje, quando vou ao Maraca, me emociono ao lembrar dos gols que bati. É de arrepiar”.
Depois da primeira morte do jogador, Zico virou ídolo na Turquia como técnico, trabalhou na politica, ajudou a pôr fim ao sistema do passe, abriu um centro de futebol, fez muitas coisas, principalmente para o futebol. Mas acho que é maior função de Zico é de ser ídolo máximo do Flamengo. Teve vários ídolos do Flamengo, ídolos de gerações, como Leônidas, Zizinho, Dida, Carlinhos, Leandro, Júnior, Romário, Julio César, Adriano, Obina, Hernane, Arrascaeta, Gabigol. Teve muitos, mas só Zico é ídolo de todas as gerações. Quando o menino começa a se apaixonar pelo Flamengo, a vestir sua alma de rubro-negrismo, ele naturalmente vira fã de Zico. Zico é ídolo de todos, Zico é para sempre o ídolo máximo do Flamengo. E é um sentimento que vai além dos flamenguistas. Quando fui assistir ao jogo das estrelas de Zico no final do ano de 2022, meu amigo francês Marco, que sabe quase nada do Flamengo, assistindo ao jogo e vendo a paixão do povo pelo Zico, queria personalizar seu Manto Sagrado com a eterna camisa 10 de Zico.
Mas antes de se apaixonar pelo Zico, o amigo francês apaixonou-se pelo Flamengo, apaixonou-se pela paixão do torcedor. Flamengo tem a maior torcida do mundo, uma torcida diferente, capaz de tudo, ainda mais para Zico. Tem torcedor que poderia vender tudo que tem só para passar um momento com Zico. A torcida do Flamengo fez para Zico inúmeras festas, no Maraca ou em outros lugares do Brasil, do Mundo, sempre endeusando Zico. Zico tem sorte de ser o maior ídolo de uma torcida tão incrível. Mas também, nessa função de ídolo maior do Flamengo, nessa missão, Zico nunca falhou. E a torcida do Flamengo tem muita sorte de ter como maior ídolo um jogador e um ser humano como Zico. Incrível de ser um dos maiores jogadores da história do futebol e de ser tão humilde. A humildade de Zico, como o talento dele em campo ou o amor pelo Mengo, nunca foi questionada. Tem inúmeras histórias de torcedores atendidos pelo Zico com o maior carinho, o maior respeito, a maior humildade. Tive a sorte de encontrar Zico, zerei a vida e foi como encontrar Deus. Estava nervoso, mas Zico, com toda sua simplicidade e jeito de ser, deixa todo mundo confortável. Acredito que no dia de minha morte vou encontrar Deus e espero que o encontro será tão bom que o encontro com Deus nessa vida terrestre, no 18 de novembro de 2022, ou 16o dia do 8o mês do ano 70 do calendário Zico.
Flamengo e Zico é um encontro feito no paraíso, duas entidades misticas e míticas. Zico nasceu antes de Arthur Antunes Coimbra, e vou plagiar duas vezes o grande tricolor Nelson Rodrigues. Primeiramente, Flamengo nasceu 40 minutos antes do nada. E mais, Flamengo e Zico nasceram com a vocação da eternidade.
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Jogos eternos #80: Athletico Paranaense 0x1 Flamengo 2022

O Flamengo x Athletico Paranaense virou um clássico da Copa do Brasil. Depois de Flamengo ganhar a final da Copa do Brasil 2013 contra o Furacão, um jogo eterno aqui, os dois times se encontraram na competição cinco anos conseguidos entre 2019 e 2023, entre oitavas e semis de final. Em 2019 e 2021, deu Athletico, em 2020 e 2022, deu Flamengo. Ambos tiveram um título da Copa nesses anos, Athletico em 2019, Flamengo em 2022. Agora vem o quinto capítulo, talvez o último, para desempatar, para desfazer a igualidade.
Tinha então várias possibilidades para um jogo eterno, e eu vou do último, o da Copa do Brasil de 2022, no caminho do tetra. O empate 0x0 no Maracanã na ida deixava tudo aberto na Arena da Baixada. Para Flamengo, era a oportunidade da vingança da eliminação de um ano antes, quando tomou um 3×0 em pleno Maracanã na semifinal de volta. Para o Athletico, o desejo de vingança era mais fresco ainda. Três dias antes, tomou um 5×0 no Maracanã, no Brasileirão. No 17 de agosto de 2022, para uma vaga na semifinal, Dorival Júnior escalou Flamengo assim: Santos; Rodinei, Léo Pereira, Fabrício Bruno, Filipe Luís; João Gomes, Vidal, Éverton Ribeiro; Arrascaeta, Gabigol, Pedro. Um time eterno, com uma dupla Gabigol – Pedro que funcionou muito bem em 2022.
Primeiro tempo não foi de muitos lances perigosos, só Gabigol teve oportunidade, mas Bento mandou para escanteio. Flamengo voltou melhor no segundo tempo e levou perigo ao gol athleticano graças a Rodinei, que jogou muito nesse segundo semestre de 2022. Arrascaeta também quase fez gol, depois de boa jogada de Gabigol e Pedro. O empate permanecia, a invencibilidade do Furacão de 15 jogos na Arena da Baixada também.
Essa crônica, como foi a sobre a goleada de La Calera, é de um gol só, de Pedro, que aconteceu no minuto 12 do segundo tempo. Rodinei, ainda ele, abriu para Éverton Ribeiro e invadiu a grande área. Éverton Ribeiro completou a tabelinha, e com um toque só, Rodinei cruzou. Bola um pouco alta para a cabeçada de Arrasca, bola perfeita para a bicicleta de Pedro, um gesto instintivo e perfeitamente executado, um furacão na Arena da Baixada. Um golaço de Pedro, mais um, seu 20o gol da temporada.
Flamengo continuou a dominar, Santos, antigo da casa, fez boa defesa num chute de longe de Erick, Gabigol perdeu um gol quase feito, tudo isso não importava muito. O que importava era o golaço de Pedro, o que importava era a classificação na semifinal do Flamengo. Ainda faltava um pouco tempo antes da torcida gritar “a copa do Brasil eu tenho 4”.
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Jogos eternos #79: Palmeiras 3×3 Flamengo 1999

Tinha algumas possibilidades para escrever sobre um Palmeiras x Flamengo, no campo deles. A rivalidade entre Palmeiras e Flamengo é bem forte desde a metade dos anos 2010 quando os dois times passaram a brigar juntos pelos títulos nacionais, mas teve jogos eternos antes, o de 1979 para Palmeiras no Maraca, o show de Sávio em 1994, o doblete de Pet em 2009 no Parque Antártica. Parece que ano que acaba com um 9 é ano de jogo eterno entre Palmeiras e Flamengo e eu vou finalmente de um de 1999, um dos últimos jogos de futebol antes dos anos 2000.
A competição era a Copa Mercosul, uma das melhores competições da América do Sul, com apenas grandes times, ou até gigantes, do continente. Já escrevi aqui sobre dois jogos da primeira fase, quando Flamengo goleou no campo de Colo-Colo, e depois quando goleou ainda mais a Universidad de Chile para conseguir uma classificação nada certa antes do jogo. Flamengo nas quartas de final, e depois de passar de outros gigantes, Independiente e Peñarol, Flamengo na final, contra Palmeiras.
Mas entre esses jogos e o da final contra Palmeiras, teve uma grande mudança no Flamengo: Romário não era mais do Mengo. Depois da eliminação frustrante do Flamengo no Brasileirão, Romário fugiu da concentração para ir num boate em Caxias do Sul e a diretoria não perdoou mais um ato de indisciplina, rompendo seu contrato. Acho que foi um erro da diretoria, mas Romário também errou antes, faltando vários treinos.
Mesmo sem Romário, Flamengo fez um grande jogo na ida da final da Copa Mercosul, com uma vitória 4×3 sobre Palmeiras no Maracanã, com apenas 13.414 espectadores, por causa de reformas no estádio. E não era qualquer Palmeiras, o time tinha conquistado sua primeira Copa Libertadores alguns meses antes e tinha muitos jogadores da Seleção brasileira, tinha campeões do mundo, tinha craques, como Marcos, Júnior, Júnior Baiano, César Sampaio, Zinho, Euller e Paulo Nunes, além do paraguaio Arce e do colombiano Asprilla. Ainda mais, muito mais, tinha como camisa 10 e cérebro do time um craque diferenciado, injustiçado na Seleção, Alex. Até injustiçado pelo próprio técnico do Palmeiras e futuro pentacampeão, Luiz Felipe Scolari.
Três semanas depois de perder a oportunidade de conquistar o Mundial, Palmeiras tinha a possibilidade de conseguir um bicampeonato continental inédito no mesmo ano. Flamengo queria concluir os anos noventa com um título, depois de várias frustrações durante a Era Romário. E sem seu maior craque, o time era menos impressionante. No 20 de dezembro de 1999, o saudoso técnico Carlinhos escalou Flamengo assim: Clemer; Maurinho, Célio Silva, Juan, Athirson; Leandro Ávila, Marcelo Rosa, Leonardo Inácio, Caio; Leandro Machado, Reinaldo.
Jogo começou tenso, com Palmeiras dominando a partida, apoiado pelos 32.000 torcedores. Número pode parecer pequeno, mas jogo era no antigo Parque Antártica, lotado esse dia. Um estádio menor, mas mais impressionante com Palmeiras que o Morumbi ou o Pacaembu. Um estádio pronto a explodir, e que explodiu quando depois de uma tabelinha entre Júnior e Zinho, o atacante flamenguista Leandro Machado concedeu o pênalti. Sem tremer, Arce venceu um Clemer muito avançado em cima da linha, e abriu o placar para Palmeiras, igualou o placar no agregado.
Jogo continuou muito animado, com Palmeiras dominando, Paulo Nunes perdendo um gol mais difícil de perder do que fazer. Os dois times voltaram nos vestiários com um gol de diferença para Palmeiras, quase um bom placar para Flamengo, que viu o adversário ameaçar a área do gol várias vezes no primeiro tempo. Flamengo voltou diferente no segundo tempo e com apenas um minuto, Caio empatou depois de bom trabalho de Rodrigo Mendes, que entrou durante o intervalo. E depois de um quase golaço de falta de Arce, Flamengo virou, com um golaço. De novo Rodrigo Mendes, que recebeu na profundidade, cruzou, Júnior Baiano afastou o perigo, mas a bola voltou nos pés de Rodrigo Mendes, que fez um lindo drible e deu um chutaço de fora da área. Bola na gaveta de Marcos, uma pintura, alegria para a torcida flamenguista em bom número no estádio, Flamengo agora perto do título. Não muito perto, porque jogo continuava tenso, com quase uma briga entre os jogadores dos dois times.
Antes da hora do jogo, quase da mesma posição onde quase fez o golaço de falta, de novo numa falta, Arce agora fez o golaço, apesar do esforço de Clemer. No jogo, Palmeiras 2×2 Flamengo, apenas um gol de diferença no placar agregado, e depois do 4×3 na ida, a promessa de um jogo eterno virou certeza. Ainda mais quando alguns meses antes, Palmeiras, no mesmo Parque Antártica, fez uma virada histórica sobre Flamengo na Copa do Brasil, fazendo 3 gols, os dois últimos nos últimos momentos, para se classificar. No 20 de dezembro de 1999, o Parque Antártica lotado acreditava numa nova virada.
E o estádio acreditou ainda mais quando Paulo Nunes, esquecido pela zaga do Flamengo e bem servido pelo Zinho, fez o gol de cabeça, fez o gol de outra virada no jogo. Paulo Nunes comemorou com um chapéu verde de Papai Natal, e agora todo flamenguista tremia de conhecer mais uma dura decepção. Jogo ia agora forçar um jogo desempate, previsto para 23 de dezembro. Os dois times ainda tiveram lances perigos, o maior para Iranildo, que entrou no lugar de Caio e chutou depois de um drible de vaca, mas Marcos fez boa defesa. Em seguida, Oséas, que também entrou durante o jogo, quase fez o gol do título alviverde, mas Clemer também defendeu. Faltando dez minutos para um outro jogo na decisão.
E Carlinhos mostrou mais uma vez que tinha uma boa estrela, uma estrela eterna, com a entrada em campo de Lê, de apenas 20 anos. No meio de campo, Iranildo foi o mais rápido para chegar na bola, que foi nos pés de Lê, que abriu na frente para Reinaldo. De calcanhar, Reinaldo tentou, e conseguiu, a tabelinha. Lê abriu o pé e fechou o placar, fazendo um dos gols mais emblemáticos da história do Flamengo, o último dos anos 1990. Depois de dois lances defendidos pelo Clemer, o juiz apitou o fim do jogo, apitou o início da festa do campeão, mais uma vez Flamengo.
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Jogos eternos #78: Toronto Blizzard 0x2 Flamengo 1989

Hoje é meu aniversario, 7 de julho, dia do primeiro Fla-Flu, dia da estreia de Pelé com a Seleção brasileira. Também dia de um Flamengo x Toronto, para a comemoração do Dia do Canadá, celebrado no 1o de julho. Alguns dias depois, Toronto Blizzard recebeu Flamengo para a “Canada Day Cup” no estádio Vasity.
No 7 de julho de 1989, três anos antes de meu nascimento, o saudoso Telê Santana escalou Flamengo assim: Cantarele; Leandro Silva, Márcio Rossini, Rogério, Leonardo; Ailton, Renato Carioca, Zinho, Zico; Alcindo, Nando. Um time muito bom, com o maior de todos, Zico, 36 anos na época, mas um craque sempre é um craque. Antes do jogo, o narrador do jogo falou sobre Zico: “He can still play, if he gets a free kick outside the box, watch out tonight folks, he can score from anywhere”. Tradução livre: “Ele ainda pode jogar, se ele tem uma falta fora da área, cuidado hoje amigos, ele pode fazer o gol de qualquer lugar”. E não é só de falta que Zico pode brocar de qualquer lugar do campo.
Flamengo abriu o placar com uma grande jogada de Zinho, que iniciou a jogada driblando dois jogadores e depois de uma triangulação, recebeu de volta, fez um passe perfeito na profundidade para Nando, que driblou o goleiro e fez o gol.
Mas essa crônica não é muito sobre meu aniversário ou sobre o Canada Day, mas sim, sobre Zico, sobre seu eterno talento. Ainda no primeiro tempo, Zico recebeu a bola na direita e esperou o momento certo para dar uma caneta num defensor sem recurso. Zico evitou o carrinho de um segundo defensor, passou por um terceiro, passou por um quarto, e antes da chegada do quinto jogador, chutou de pé esquerdo, fez o gol, fez o golaço. Claro, o nível do time adversário é de dúvida, mas o nível de Zico, 36 anos ou não, no Brasil ou no Canadá, não. Zico é craque para a eternidade e um de seus últimos gols com o Manto Sagrado foi um golaço, contra Toronto, no dia de meu aniversário.
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Jogos eternos #77: Flamengo 2×0 Corinthians 1961

O Torneio Rio – São Paulo foi disputado pela primeira vez em 1933, para comemorar a oficialização do profissionalismo. Depois, só voltou a ser organizado em 1950, ainda sem o Maracanã. Gosto muito desse torneio, 10 times só, os 4 gigantes de Rio, os 4 gigantes de São Paulo e a Portuguesa, às vezes Bangu, às vezes o America. Só grandes times e um nível muito alto.
Os paulistas ganharam todas as edições de 1950 até 1955, e depois de um ano sem os cariocas na competição, Fluminense conquistou o título em 1957. No ano seguinte, foi a vez do Vasco. Depois, claro, o Santos de Pelé, e Fluminense voltou a ganhar o título em 1960. Flamengo foi vice em 1957 e 1958, no terceiro lugar em 1959 e 1960. Sempre bem colocado, mas nunca campeão.
Flamengo começou bem a edição do Rio – São Paulo de 1961, com vitórias no Pacaembu, contra São Paulo e Palmeiras, Dida fazendo gols nos dois jogos. Flamengo vinha de uma derrota dolorosa, num amistoso, mas no placar humilhante de 7×2 contra o Corinthians. E na terceira rodada do Rio – São Paulo, Flamengo voltou a ser goleado, em pleno Maracanã, um vergonhoso 7×1 contra o Santos de Pelé, que fez 3 gols nesse dia. Flamengo também perdeu o Fla-Flu e foi derrotado 3×0 pelo Botafogo de Garrincha, que fez o último gol do jogo. Era uma época cheia de craques sim, mas o Flamengo estava numa posição difícil, perto de uma eliminação na primeira fase.
Flamengo voltou a ganhar contra a Portuguesa, também venceu America e Vasco. Na última rodada da primeira fase, mais uma derrota dura, um 3×0 contra Corinthians, que não impediu Flamengo de se classificar, em terceiro lugar, com dois pontos a mais do que Fluminense. Na fase final, 6 times, bem equilibrado entre times cariocas e paulistas: Flamengo, Botafogo e Vasco para Rio, Santos, Corinthians e Palmeiras para SP. E curiosidade da segunda fase, os paulistas jogaram apenas contra os cariocas, e inversamente. Acho o sistema um pouco injusto, mas era assim.
Flamengo começou com vitória 3×1 contra Palmeiras, com gols de craques só: Joel, Dida e Gérson. Ainda mais importante, Flamengo se vingou do 7×1 contra Santos com outra goleada, agora no Pacaembu. Sem Pelé, Santos tomou um 5×1 com 3 gols de Gérson e 2 de Dida. Na última rodada, para ser campeão, Flamengo precisava de uma vitória contra o Corinthians, que tinha perdido seus dois primeiros jogos em São Paulo contra Botafogo e Vasco. Para Flamengo, também era a oportunidade de se vingar do 7×2 no amistoso, do 3×0 no torneio. O outro candidato ao título era o grande rival da época, o Botafogo de Garrincha, que jogava contra o Santos de Pelé, mas também de Pepe e Coutinho, os dois finalmente artilheiros do torneio com 9 gols. Uma época cheia de craques.
No 23 de abril de 1961, o técnico paraguaio Fleitas Solich, que conquistou o tricampeonato carioca com Flamengo entre 1953 e 1955 e voltou ao clube em 1960, escalou Flamengo assim: Ari; Joubert, Balero, Jadir, Bigode; Carlinhos, Gérson; Joel, Henrique, Germano, Dida. Uma época cheia de craques e de ídolos, como Gérson, Joel e Dida e sobretudo, com a classe e maestria de Carlinhos. No primeiro tempo, maior oportunidade do jogo foi de Dida, que acertou o travessão. No segundo tempo, a televisão perdeu o lance, mas o mais importante era a bola nas redes, gol de Joel, explosão no Maracanã e seus 40.000 torcedores, número relativamente pequeno em consideração da época e da importância do jogo.
Na segunda metade do segundo tempo, Joel cruzou na linha de fundo, Dida só teve a empurrar a bola nas redes, fazer seu oitavo gol do torneio, abrir os braços. Flamengo era o campeão. Flamengo conquistava um título nacional graças a uma grande atuação de Joel e Dida, dois jogadores que começaram a Copa do Mundo 1958 como titulares, antes de perder a posição para Garrincha e Pelé. Uma época cheia de craques e ídolos.
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Jogos eternos #76: Flamengo 8×0 Fortaleza 1981

Mais um jogo de 1981, o maior ano da história do Flamengo. Flamengo conquistou no fim do ano a Libertadores contra Cobreloa, o campeonato carioca contra Vasco, o Mundial contra Liverpool, mas também brilhou no início, no Brasileirão. Na primeira fase, começou com um empate contra Santos, uma vitória contra Nacional, uma derrota contra Paysandu. Em seguida, venceu Sampaio Corrêa e Itabaiana, até o jogo contra Fortaleza.
No 4 de fevereiro de 1981, o técnico e ídolo Modesto Bria, que tinha substituído Cláudio Coutinho no início do ano, escalou Flamengo assim: Raul; Vítor, Luís Pereira, Marinho, Carlos Alberto; Paulo César Carpegiani, Adílio, Peu; Fumanchu, Édson, Nunes. Um time misto, sem Zico e Júnior, convocados com a Seleção brasileira para as eliminatórias da Copa do Mundo. Talvez por causa disso e do dia, uma quarta-feira, teve um pequeno publico, apenas 11.804 pagantes no Maracanã.
Com apenas 5 minutos de jogo, já um gol no Maraca, um chute cruzado de Peu. O primeiro gol do Flamengo, não o último. Com meia hora de jogo, um chute forte de Vítor, Ado, goleiro campeão do mundo em 1970 e jogando seu último Brasileirão em 1981, defendeu, mas Nunes fez o gol de cabeça. O primeiro gol de Nunes, não o último.
No segundo tempo, Nunes, depois de um cruzamento de Édson, fez mais um gol de cabeça. E de pênalti, Nunes fez seu terceiro do jogo, fez o hat-trick, pediu a música. Uma chuva de gol, que não parava. Fumanchu, uma grande promessa da base do Vasco quando Zico jogava com os juvenis, chutou na trave de Ado, bola foi na outra trave, foi nos pés de Vítor, que, com a camisa 2 de Leandro, fez o quinto gol do jogo, o quinto gol do Flamengo.
E Nunes voltou a marcar, depois de uma tabelinha com Adílio, bola foi na trave, e em seguida, nas redes. Mais um gol, num passe de Marinho e com chute forte, Peu fez o doblete. A goleada parou no 8×0 com o quinto gol de Nunes, depois de driblar o goleiro. Uma atuação de sonho para Nunes, que era o recorde de mais gols por um jogador num jogo do Brasileirão, recorde que seria batido pelo Edmundo em 1997. Para o recorde de mais gols com a camisa do Flamengo, era, ainda é, de Durval, que fez 7 gols num amistoso no 30 abril de 1950, quando Flamengo goleou 13×1 Campos Atlético Associação. Mesmo assim, o 8×0 contra Fortaleza é um jogo eterno e a prova que mesmo sem Zico, Júnior e Leandro, o Flamengo de 1981 era um timaço.
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Jogos eternos #75: Flamengo 2×0 Emelec 2019

De novo, um jogo de 2019. Mas 2019 foi muita emoção, e esse jogo também. O adversário é um time do Equador, Emelec. Para mim, um trauma, com a eliminação da Libertadores 2012 no último minuto, até depois do fim do jogo para Flamengo, no último minuto do jogo entre Olimpia e Emelec. Sete anos depois, o time do Flamengo era muito diferente, mas vinha de outras decepções, em 2017, em 2018. O time era muito bom, faltava um título, nacional, ou melhor, continental.
A Copa Libertadores sempre é diferente, e em 2019, mais uma vez, Flamengo passou da fase de grupos no sufoco, com um 0x0 em Montevidéu contra Peñarol na última rodada. No final, três times empatados com 10 pontos, mas essa vez, deu Flamengo no primeiro lugar, Flamengo nas oitavas, Flamengo contra Emelec, que por sua vez se classificou com mais um milagre. Depois de ter apenas três pontos nas quatro primeiras rodadas, Emelec conseguiu duas vitórias fora da casa, a última contra Cruzeiro no Mineirão, para se classificar nas oitavas.
E no jogo de ida, Flamengo decepcionou mais uma vez com uma derrota 2×0 em Guayaquil. Essa vez, nem podia culpar a altitude, Guayaquil sendo uma cidade no nível do mar. O placar deixava tudo possível para o jogo de volta, o que era nada reconfortante. A desilusão era possível, como era possível uma noite mágica no Maracanã, cheio com 67.664 espectadores. Tudo era possível, até o impossível.
Depois de um mês a trabalhar no centro de treinamento durante a pausa para a Copa América, Jorge Jesus estreou com o Flamengo contra o Athletico Paranaense na Copa do Brasil. Em 6 jogos, o Flamengo de Jorge Jesus brilhou, como no 6×1 contra Goiás, mas também decepcionou, com eliminação contra o Furacão e derrota contra Emelec. Flamengo precisava ganhar, e não qualquer vitória, mas ao menos de dois gols de diferença, Flamengo não podia viver mais uma frustração na Libertadores. No 31 de julho de 2019, Jorge Jesus escalou Flamengo assim: Diego Alves; Rafinha, Pablo Marí, Filipe Renê; Willian Arão, Cuéllar, Gerson; Éverton Ribeiro, Bruno Henrique, Gabigol.
Na França, jogo aconteceu meio da semana, meio da noite, mas mesmo trabalhando no dia seguinte, eu não podia faltar esse jogo. Num Maracanã pronto a explodir, Flamengo começou bem, Everton Ribeiro quebrando uma linha com um passe em um toque só, para Renê, que de carinho abriu para Gabigol. Gabigol teve duas oportunidades de fazer o gol, na primeira parou no goleiro, na segunda mandou a bola fora do gol. Mas Flamengo queria o gol de qualquer maneira, e num escanteio curto, Rafinha, que já tinha feito duas assistências no jogo anterior, recebeu a bola, entrou na grande área, conseguiu o pênalti. Em Paris, pouco barulho por causa do horário, mas muita vibração e muito estresse quando Gabigol começou a correr, muita libertação quando Gabigol conseguiu fazer o gol de contrapé. O Maracanã, por sua vez, explodiu.
Em seguida, Bruno Henrique também teve a oportunidade de fazer o gol, mas cabeceou fora. Não desistiu, dois minutos depois, Bruno Henrique ganhou uma bola, escapou do carrinho de um zagueiro, e fez o passe atrás, para Gabigol, para o segundo gol de Gabigol, para mais uma explosão do Maracanã. Em menos de 20 minutos, Flamengo já tinha igualado o placar agregado. No Maraca, no Brasil e em Paris, depois de comemorar com gritos, às vezes altos, às vezes abafados, todo mundo esperava agora uma goleada.
Mas a goleada não veio, não teve quase outros lances no primeiro tempo. No segundo tempo, Flamengo levou mais perigo perto do gol, mas sem fazer o gol. E Emelec teve também oportunidades. E em Paris, tive muito medo. Não entendia porque o time tinha parado de jogar depois do 2×0. Se era possível de fazer dois gols em menos de 20 minutos, era possível de fazer mais um, mais dois gols e ter uma classificação tranquila. Mas não foi o caso, e depois do drama de 2012, eu temia, até antecipava, para ter uma dor menos intensa, um gol de Emelec, uma eliminação do Flamengo.
Mas não teve gol, teve disputa de penalidades. E eu estava ainda menos confiante, cada vez mais vendo Flamengo eliminando. Os quatro primeiros batedores fizeram, 2×2 no placar geral, 2×2 na disputa de penalidades. Empate. E era a vez de Renê. Estava quase certo que ele ia errar, ainda mais quando eu o vi chegar lentamente na bola, de uma maneira horrível, que quase sempre dá errado. Mas ele fez o gol, quebrou o empate. Claro, o doblete de Gabigol foi importante, mas acho que Flamengo começou a ganhar a Copa Libertadores nesse exato momento, quando Renê fez esse gol de pênalti. Ainda mais quando em seguida, Diego Alves, um dos maiores pegadores de pênalti, se não o maior, da história, defendeu a cobrança de Arroyo.
Outro lateral do Flamengo, Rafinha, também bateu, também fez o gol, agora 4×2 para Flamengo. Em Paris, ainda não um total alívio, mas o estresse agora se sentia de uma maneira positiva. E Queiroz parou no travessão, explosão no Maracanã, Flamengo classificado, no sufoco sim quando a tranquilidade era possível no primeiro tempo, mas Flamengo vivo na Libertadores, ainda não campeão, mas daqui até 4 meses, Flamengo campeão sim.
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Jogos eternos #74: Santos 4×5 Flamengo 2011

Por uma vez, não tive nenhuma dúvida na hora de escolher a lembrança de um Santos x Flamengo. Só apareceu um, o Santos x Flamengo de 2011, um dos maiores jogos da história do Brasileirão, se não o melhor. Como o Flamengo x Vasco de 2001 sobre qual escrevi há pouco, todo mundo que assistiu ao jogo relembra onde era, de tanto alucinante era esse jogo. E quem foi na cama no 3×0 de Santos, se levantou no dia seguinte muito arrependido. E quem não assistiu ao jogo, ficou tanto alucinado que o próprio jogo ao ver o placar, até duvidando da realidade. Foi um jogo de sonho, foi uma obra de Deus, nenhum romancista poderia ter escrito um roteiro tão incrível.
Infelizmente, não assisti ao jogo desde a França, em Troyes mais precisamente. Jogo meio da semana, meio da noite, com trabalho no dia seguinte, não podia assistir. Mas já era um jogaço antes da bola rolando, entre nosso Flamengo e Santos, que tinha conquistado a Copa Libertadores um mês antes, com uma grande atuação de Neymar. Com 19 anos, Neymar era a maior promessa do Brasil, aliás já era realidade, desde talvez Ronaldinho, que brilhou igualmente aos 19 anos num GreNal contra Dunga e depois com a camisa amarelinha. E Ronaldinho vestia justamente o Manto Sagrado nesse ano de 2011 depois de conquistar tudo na Europa. Ganhou o campeonato carioca de maneira invicta, mas o início de Brasileirão, sem ser ruim, era longe do nível do craque que ele foi no Barcelona. Mas o craque é craque para sempre, e pode brilhar a qualquer momento, ainda mais quando tem um outro craque do outro lado do campo, um duelo particular nesse Santos x Flamengo, um duelo de gerações também entre Neymar e Ronaldinho.
Outro duelo desse Santos x Flamengo ficou no banco com dois dos maiores técnicos da história do futebol brasileiro, Muricy Ramalho para Santos, que tinha vencido 4 vezes o Brasileirão, o último um ano antes com Fluminense, e Vanderlei Luxemburgo e seus 5 títulos do Brasileirão, o último em 2004, justamente com Santos. Dois técnicos que gostam do jogo limpo, de um futebol ofensivo, cheio de gols. No 27 de julho de 2011, Vanderlei Luxemburgo escalou Flamengo assim: Felipe; Léo Moura, Welinton Silva, Ronaldo Angelim, Júnior César; Willians, Luiz Antônio, Renato Abreu; Ronaldinho, Thiago Neves, Deivid. Vale a pena também anunciar a escalação toda de Santos, que não ganhou a Libertadores só com o talento de Neymar, tinha também um timaço com grandes jogadores em cada linha: Rafael Cabral; Pará, Edu Dracena, Durval, Léo; Arouca, Elano, Ibson, Ganso; Neymar, Borges. Um jogaço, antes do jogo eterno.
E o Santos x Flamengo de 2011 não esperou muito tempo para se inscrever na eternidade. Com 5 minutos de jogo só, um drible de vaca de Neymar, um outro drible sobre Luiz Antônio e bola para Elano, com um passe preciso para Borges, com bom domínio e finalização também precisa. Já um golaço e Santos na frente. E com 15 minutos de jogo, novo golaço, que começou com um passe errado de Renato Abreu para Neymar, que procurou a tabelinha com seu melhor parceiro no Santos, Ganso. Neymar recebeu de volta, invadiu a grande área com a facilidade dele, e quase conseguiu a cavadinha. Felipe defendeu, mas Neymar era craque, sempre é craque, e de costas ao gol, teve a inteligência de fazer uma bicicleta em dois tempos, talvez diretamente para o gol, mas no final para Borges fazer o doblete, para fazer a alegria dos 12.968 espectadores na Vila Belmiro. E cinco minutos depois, mais alegria na Vila, com um dos gols mais perdidos da carreira de Deivid, que perdeu muitos gols feitos, sozinho no gol vazio depois de bom cruzamento de Luiz Antônio, tocou do pé esquerdo no pé direito, fora do gol. Inacreditável, tanto incrível que o próprio jogo.
E cinco minutos depois, o golaço dos golaços, a obra de arte de uma obra de arte, o gol Puskás de Neymar. Talvez nem vale a pena descrever o gol de tantas vezes a gente assistiu. Passou entre Willians e Léo Moura, “a facilidade de Neymar, levitando o jogador de Santos”, achou em pivô Borges, que devolveu a Neymar para o golaço, a obra de arte, a pintura. Um drible desmoralizante, a palavra parece ser inventada para esse drible, sobre Ronaldo Angelim, um drible de vaca com a sola, e um toque leve para tirar Felipe da jogada. Um golaço. Santos 3×0 Flamengo na Vila Belmiro. Talvez alguns flamenguistas foram dormir depois desse gol. Acontece, o que não acontece mais é esse Santos x Flamengo. Mas eles já estavam errados, o jogo já era jogaço, com golaços só.
E Flamengo reagiu em apenas 3 minutos, com o gol menos golaço do dia, mas uma jogada bem construída, Renato Abreu no meio de campo abriu na direita para Léo Moura, que achou até a linha de fundo Luiz Antônio, que cruzou. Rafael falhou, Ronaldinho não perdoou e fez seu sexto gol do Brasileirão em 11 jogos. Bons números, mas a torcida flamenguista esperava ainda mais genialidade do Ronaldinho Gaúcho. Pelo menos por uma noite em Santos, a torcida ia ter o que ela queria. E dois minutos depois, Flamengo inflamou o jogo, que virou do possível ao impossível, com mais um gol bem construído. Um chapéu de Renato Abreu, uma bola para Deivid que, com inteligência, abriu na direita para Léo Moura. O cruzamento foi ótimo, a chegada de Thiago Neves também, que descontou com uma cabeçada, Santos 3×2 Flamengo.
Nessa altura, já era jogaço, com tanta bola rolando tinha pouco tempo para os replays das jogadas, não tinha câmera lenta para um jogo tão rápido, tão cheio de jogadaças. Na esquerda, mais um pique de Neymar, muito mais veloz do que Willians, que cometeu o pênalti. E mais uma loucura no jogo, uma cavadinha de Elano, o goleiro Felipe antecipou a jogada, ficou de pé, dominou com as mãos e, outra loucura, fez 4 embaixadinhas, de pé e de joelho. Jogo já era na história, foi mais uma peripécia de uma peça teatral que ainda estava longe de seu desfecho. Claro, teve o show de Neymar e Ronnie, teve os 9 gols, muitos golaços, mas tanto essa jogada que o gol perdido de Deivid colocam ainda mais magia nesse jogo eterno. Esse jogo é a pura essência do futebol brasileiro.
Nome do fim do primeiro tempo foi Deivid, que quase empatou, mas gol foi mal anulado, e dois minutos antes do intervalo, num escanteio de Ronaldinho, Deivid desviou de cabeça, fez valer a lei do ex, empatou. O intervalo serviu só para descansar, jogadores, torcedores, comentaristas e todos os envolvidos nesse jogo, 15 minutos, não mais. Com apenas 5 minutos no segundo tempo, Léo avançou no campo do Flamengo, achou com sorte Neymar, que passou na frente de David Braz. Dessa vez, a cavadinha funcionou, mais um golaço, agora Santos 4×3 Flamengo. Uma loucura total, no estádio ou na frente da televisão, a gente não sabia como esse jogo ia acabar, o que ia acontecer ainda num jogo que era o recado de porque nós amamos o futebol.
O segundo tempo foi finalmente um pouco mais tranquilo, mas ainda teve seus momentos de gênio, de bruxo. Numa falta a 20 metros do gol santista, Ronaldinho mostrou que era craque para sempre. O Bruxo chutou bola no chão, a barreira pulou, Rafael viu a bola ir no seu gol, sem ter o tempo de fazer nada. Mais um golaço, mais um momento de pura magia, talvez um gol ainda mais mágico do que o Puskás de Neymar, porque ninguém esperava isso num jogo que já foi além de todas as esperanças. E um gol que mudou o futebol, hoje é comum ver um jogador deitado para completar a barreira e impedir essa jogada. Mas antes, Ronaldinho fez isso, um gol para aplaudir de pé.
Definitivamente um jogo eterno com esse golaço de Ronaldinho, que deixava o placar louco igual os espectadores, Santos 4×4 Flamengo. Talvez num jogo assim o empate teria sido mais justo. Mas tinha um duelo particular, Neymar, que brilhou muito no primeiro tempo, e Ronaldinho, que brilhou ainda mais no segundo tempo. Era um duelo entre os dois maiores gênios brasileiros do século XXI, um duelo entre o pai e o herdeiro. Então precisava de um vencedor, o Deus do futebol não podia deixar o duelo particular empatado. A dez minutos do final, o trio ofensivo flamenguista entrou mais uma vez em ação, Deivid para Thiago Neves para Ronaldinho na esquerda. Ronaldinho abriu o pé, fez o hat-trick, pediu a música, que deveria ser uma música homenageando a beleza do Brasil, de seu futebol tão genial, que brilhou como poucas vezes nesse 27 de julho de 2011.
No final, vitória 5×4 do Flamengo, mas alegria na Vila Belmiro, porque, apesar da derrota, ninguém poderia se arrepender de ter ido no estádio. Foi uma vitória do futebol, uma vitória do futebol brasileiro. Falou no fim do jogo o técnico do Flamengo, Vanderlei Luxemburgo: “O jogo de hoje vai entrar para a história. Teve tudo de um grande jogo de futebol. As mexidas, as alternativas, os erros, acertos, gols. A gente fica encantado. O futebol sai enriquecido. Parecia um jogo de pingue-pongue – bola pra um lado, bola pro outro, quase não parava no meio-campo”. Não era pingue-pongue, era futebol, era o futebol brasileiro na sua essência pura, na sua pura magia.
Se tiver um filho, vou deixar esse jogo para ele assistir e se apaixonar pelo futebol brasileiro. Para se apaixonar com o Flamengo, ainda tenho muitos, muitos jogos eternos.
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Times históricos #19: Flamengo 2009

Talvez valia esperar 17 anos par ter um final tão bonito. O ano de 2009 é o ano de hexa, com um final que ninguém tinha imaginado. Mas eu também nunca teria imaginado o início da temporada, que na verdade, começou no fim do ano de 2008, um ano histórico também aqui, começou com uma terrível desilusão.
Ronaldo está no meu top3 dos ídolos, junto com Garrincha e Zico. E ele foi o primeiro ídolo. Com 6 anos recém-completados, meu aniversário foi alguns dias antes da final da Copa do Mundo de 1998, torcia pelo Brasil contra meu próprio país, a França, principalmente por causa do Ronaldo Fenômeno. Se adoro o futebol brasileiro, talvez Ronaldo é a principalmente explicação. Quando ele assistiu a final do campeonato carioca 2008 com uma camisa do Flamengo, fiquei alucinado de alegria, passei a sonhar com a chegada dele no Flamengo, para jogar, para brocar, para ser campeão brasileiro.
E o sonho ficou ainda mais forte quando ele passou a treinar na Gávea, quando ele repetiu diversas vezes que queria jogar no Maior do Mundo. Assistia a todos os jogos do Ronaldo, assistia a todos os jogos do Flamengo. Meu interesse pelo futebol ficou quase apenas no futebol brasileiro quando Ronaldo rompeu os ligamentos do joelho pela terceira vez e saiu do Milan. Antes era Ronaldo e Flamengo, depois só Flamengo, e podia ser agora Ronaldo no Flamengo, Ronaldo com o Manto Sagrado. Daí a decepção foi ainda maior. Foi uma terrível desilusão. E mais, foi uma traição. Sentiu-me traído como nunca quando Ronaldo assinou com o Corinthians. Entre os dois, entre meu ídolo e meu clube de coração, escolhi Flamengo, e mais, passei a odiar Ronaldo. Como se o ídolo nunca tinha existo, como se sempre foi um mercenário. Mas foi muito difícil de parar de amar o Fenômeno.
Foi difícil assistir ao início do Flamengo no campeonato carioca, uma vitória 1×0 contra Friburguense, gol de Juan, ídolo do Flamengo, mas menos ídolo do que Ronaldo no meu coração ferido. Flamengo conseguiu várias vitórias, empatou contra Botafogo, e fechou seu grupo da Taça Guanabara como líder. E na semifinal, perdeu de forma surpreendente contra Mesquita em pleno Maracanã, em pleno Carnaval. Depois de dez dias sem jogos, com Botafogo campeão da Taça Guanabara, Flamengo se recuperou na estreia da Copa do Brasil, goleando 5×0 Ivinhema. A Taça Rio, a segunda fase do campeonato carioca na época, foi difícil, Flamengo até perdeu 2×0 contra Vasco, mas Flamengo conseguiu a primeira colocação e a vaga na semifinal com um 1×1 no Fla-Flu, Emerson Sheik fazendo o gol do empate no último minuto. E uma semana depois, teve outro Fla-Flu, dessa vez com vitória do Fla, com Mengo na final da Taça Rio.
Flamengo conquistou a Taça Rio contra Botafogo e se classificou para a grande final do campeonato carioca, de novo contra Botafogo. De novo, como em 2007, como em 2008. Flamengo tinha conquistado um tricampeonato carioca em cima do Vasco entre 1999 e 2001, podia fazer agora contra Botafogo. Na ida, muitos gols, muita emoção e um empate 2×2. E na volta, muitos gols, muita emoção e um empate 2×2. Grande nome foi Bruno, que pegou um pênalti durante o tempo normal e mais dois na disputa de penalidades. Gostei muito desse time, gostei muito desse título, com Fábio Luciano levantando a taça. Adorava Fábio Luciano, um dos melhores capitães que vi no Flamengo e fiquei muito triste quando ele encerrou a carreira nesse mesmo jogo. E adorei o Tri em cima do Botafogo, por isso também fiquei muito chateado quando Flamengo perdeu o campeonato carioca 2022 contra Fluminense, perdendo a oportunidade de completar um novo tri contra um mesmo rival.
Depois, Flamengo goleou Fortaleza para se classificar nas quartas de final da Copa do Brasil, mas perdeu na estreia do Brasileirão contra Cruzeiro, também foi eliminado da Copa do Brasil pelo Internacional. Mas uma boa notícia veio logo depois, uma ótima notícia, depois de algumas semanas de incerteza, o Imperador voltou, Didico era de novo do Mengo. Na verdade, Adriano nunca parou de ser flamenguista, mas agora era de novo jogador do Flamengo. Estava muito feliz com a volta dele, ele era um de meus ídolos no futebol. Já estava feliz quando ele voltou no Brasil em 2008 com São Paulo, mas agora era diferente, era do Mengo. Um casamento que deu certo, com no início várias camisas diferentes. Teve 29, 27, 92, 90, 100. Era uma espécie de chá revelação para a nova camisa do novo fornecedor, Olympikus, depois de vários anos com Nike, alias para mim o principal motivo da não vinda de Ronaldo no Flamengo. Teve até enquete na Internet para a torcida escolher a camisa de Adriano, deu 9, mas Adriano finalmente escolheu a 10 de Zico. Uma história perfeita.
E outro ídolo voltou, Petkovic. Mesmo sem acompanhar a primeira passagem dele no Mengo, sempre fui muito fã do Petkovic, ele era até a personalização de meu sonho, um europeu fazendo história no Brasil, um camisa 10 clássico, minha posição preferida num campo de futebol. Mas por causa do Didico e da camisa 10, Petkovic escolheu a camisa 43, como o minuto que o eternizou no Flamengo, na hora de conquistar o Tri contra Vasco. Estava feliz com a escolha dele, porém sem o sonho de ver ele como destaque do Brasileirão. Escreve Marcos Eduardo Neves no livro 20 jogos do Flamengo: “Com pendências financeiras para resolver com o clube, Petkovic propôs reduzir e parcelar a dívida, desde que pudesse se despedir do futebol com a camisa que o consagrou. Os torcedores gostaram da ideia, até porque faltava um meia cerebral no elenco. Entretanto, alguns dirigentes torceram o nariz pra Pet, duvidando que, aos quase 37 anos, pudesse dar retorno. O acordo financeiro foi assinado. Contudo, o técnico Cuca e alguns diretores decretaram que o sérvio, no máximo, faria um jogo de despedida”. E quase foi, com o comando de Cuca, Petkovic jogou apenas 27 minutos.
Quem brilhou durante esse tempo foi Adriano. Marcou na estreia contra o Athletico Paranaense, fez um hat-trick contra o Internacional depois de um vexame, quando Fla tomou um 5×0 contra Coritiba. Mas aí aconteceu uma coisa para mim. O Corinthians ganhou a Copa do Brasil, com gol de Ronaldo na final. O traidor já tinha brilhado no campeonato paulista, com gol na estreia como titular contra Palmeiras, com golaço na semifinal contra São Paulo, com golaço e título contra Santos. E agora conquistava um título nacional. Depois de dois anos longe do futebol europeu, do dinheiro e da falta de emoção, eu me afastava do futebol brasileiro e do Flamengo por excesso de emoção. A traição de Ronaldo foi dura, passei a odiar ele, e ver ele brilhando no Brasil doava meu coração. Sem acesso a um computador nos domingos a noite, passei a acompanhar menos o Flamengo, nem os melhores momentos dos jogos eu assistia regularmente. Incrivelmente, o ano 2009 foi o ano que menos acompanhei o Flamengo. Nos tempos difíceis, para mim 2010, 2012 e 2014 em destaque, com pouco futebol, eu estava lá. Mas em 2009, acompanhei menos, de novo não por falta de amor, mas por excesso de amor.
Ainda mais, o Flamengo de 2009 era irregular e depois da vitória 4×0 contra Internacional, conseguiu apenas uma vitória em 6 jogos, empatando contra Fluminense e Botafogo, perdendo contra Palmeiras. E Cuca, sem apoio dos jogadores do time, saiu do Flamengo. O time nesse momento era na 11a colocação, 11 pontos atrás do líder. Próximo jogo já era decisivo, já uma virada no ano, com um técnico interino, um ídolo, Andrade. Esse jogo contra Santos merece um capítulo na categoria dos jogos eternos, mas vamos dizer aqui que Flamengo nunca tinha vencido Santos na Vila Belmiro num jogo oficial, mas ganhou de virada, com gol de Adriano, com lágrimas de Andrade e homenagem ao Zé Carlos, antigo goleiro do Flamengo, que tinha falecido dois dias antes. E no jogo seguinte, Flamengo venceu, de novo em virada, venceu o líder do campeonato, o Atlético Mineiro. Era um novo Mengo.
Até o Petkovic, esquecido pelo Cuca, começou a aparecer com Andrade, saindo do banco, fazendo gol de fora da área contra Goiás. Petkovic passou a ser titular, a ser referência técnica do time. E no jogo seguinte, vitória sobre o Corinthians, sem Ronaldo, gol de Adriano, eu feliz. Mas o Flamengo de 2009 era irregular. Fez 5 jogos sem vitórias, com eliminação na Copa Sudamericana contra Fluminense apesar de dois empates no Maracanã, e três derrotas no Brasileirão. Fla perdeu 3×0 contra Avaí, foi na 14a posição, perto do Z-4, muito longe do G-4. O título nem era um sonho. Mas Flamengo se recuperou, ficou 6 jogos sem tomar gol, golaçou contra Coritiba, venceu o Fla-Flu com doblete de Adriano, outro jogo eterno. Petkovic começou a brilhar, duas assistências no 3×0 contra Sport, um gol e uma assistência contra Coritiba, mais um gol no 3×3 contra Vitória, que interrompeu a série sem ser vazado do Mengo, não a boa fase do Fla.
A recuperação do Flamengo veio com a dupla Petkovic – Adriano, que brilhou ainda mais do que no fim do século passado, no início do terceiro milênio. Olha os números, do 3×0 contra Sport até o hexa, Didico fez 9 gols em 12 jogos, Pet deu 5 assistências e marcou 7 vezes em 14 jogos. Teve outros jogos eternos, até gols olímpicos de Pet, contra Palmeiras e o Atlético Mineiro. E teve a volta do Mengo, no início no G-4, perto do líder, mas ainda não líder. E depois de alguns meses longe do Fla como nunca fui na minha vida, passei a acompanhar de novo o Mengo de perto, perto do título. Mas torcer pelo Flamengo é sofrer, quando podia tomar a liderança, empatou em casa contra Goiás, que tinha nada mais a jogar. Faltava dois jogos, contra o Corinthians de Ronaldo, contra o Grêmio no Maracanã.
E jogo contra Corinthians foi sem Adriano, machucado com uma queimadura, de luminária, de churrasco, de moto, de bala perdida, de ataque alienígena, sei lá, foi mais um capítulo de um ídolo no Flamengo. Enfim, o Imperador não podia estar em campo. E o traidor saiu também machucado, com apenas 25 minutos do jogo. No Brinco de Ouro, teve gol de Zé Roberto, que também jogou muito no fim da temporada, teve gol de outro ídolo do Fla, Léo Moura, num pênalti no último minuto, teve vitória do Mengo, teve Flamengo na liderança. Flamengo nunca foi tão perto do hexa, e ao mesmo tempo, tão longe, tudo pode acontecer em 90 minutos, até o impossível.
Para o último jogo, já eternizado nesse blog, teve volta do Didico, teve Álvaro suspenso, teve David Braz titularizado, teve invasão no Maracanã. Teve polêmica também, já que o adversário era Grêmio e um dos outros candidatos ao título era o Inter. Mas, mesmo com um time misto, mesmo sem jogar nada, Grêmio abriu o placar no Maracanã, e quase no mesmo minuto, o Inter também abriu o placar, voltou a ser o campeão virtual. Teve muito emoção no Maracanã, com bola rolando, na bola parada também. Num escanteio de Petkovic, Adriano parou de jogar, reclamou uma mão, David Braz continuou a jogar, fez seu primeiro gol com o Manto Sagrado. Mas o empate ainda não era suficiente para ser campeão, precisava vencer, vencer na raça, no amor, na paixão.
E na metade do segundo tempo, quando Inter goleava, quando Petkovic estava pronto a sair, o Gringo bateu mais um escanteio, na cabeça de um dos mais flamenguistas do elenco, Ronaldo Angelim. No início do mesmo ano de 2009, Ronaldo Angelim correu o risco de ter uma perna amputada por causa de um problema sanguíneo. Mas o sangue de Ronaldo Angelim era rubro-negro, Ronaldo Angelim era o único Ronaldo que a Nação precisava. De cabeça e de coração, Ronaldo Angelim fez o gol da virada, o gol do título, o gol do hexa. Assisti ao jogo ao vivo, mas sem imagens, sem voz, só com a descrição escrita dos lances. Mas, como se eu nunca tinha me afastado um pouco do Flamengo durante o ano, vibrei igual os 90.000, talvez 100.000 pessoas no Maracanã, comemorei, sozinho mas felizão, meu primeiro título brasileiro com Flamengo. Era o ano de 2009, eu tinha 17 anos. Valia a pena esperar uma vida inteira.
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Jogos eternos #73: Flamengo 1×0 Benfica 1972

Hoje, a Seleção brasileira joga no Portugal, em Lisboa. E Flamengo e Lisboa, só vem para mim uma coisa na mente, um jogo que aconteceu no Rio de Janeiro, mas contra o Benfica, um jogo de um golaço, um jogo de um canto, um jogo de uma polêmica também.
O jogo aconteceu no início da temporada de 1972, um ano histórico aqui. Foi na abertura da segunda edição do Torneio Internacional do Rio de Janeiro, a primeira foi vencida pelo Flamengo, derrotando em 1970 Vasco, Independiente e a Seleção de Romênia. Era os tempos sombrios da ditadura e o futebol era uma das únicas distrações do povo, além da música, quando não era censurada. Pela essa edição do Torneio de Verão, um triangular com um português, um brasileiro e um meio português meio brasileiro, Benfica, Flamengo e Vasco. O primeiro jogo, um Flamengo x Benfica.
Fio Maravilha ia ser o grande nome, a grande estrela do jogo. No site Trivela, Emmanuel do Valle escreve sobre Fio Maravilha: “Capaz de, num mesmo jogo, marcar um golaço ou criar de improviso uma jogada genial e no lance seguinte tropeçar na bola ou dominar de canela, era, não obstante, uma figura carismática com seu jeito simples, suas tiradas espirituosas, corpo troncudo, jeito de andar um tanto desengonçado e, sobretudo, sua pronunciada arcada dentária”. Era isso Fio Maravilha, um jogador que a gente não sabia se era craque ou perna de pau, a cada jogada a dúvida ficava mais forte. Também não sabia se era ponta ou centroavante, se era polivalente ou jogava onde tinha espaço para ele. Certeza que, com o novo técnico do Flamengo, o jovem Zagallo, e com muitos outros técnicos, Fio Maravilha era reserva. Outra certeza é que era ídolo do Flamengo. Talvez por causa justamente dessa dificuldade a saber qual era o verdadeiro nível dele em campo, talvez por causa do jeito simples de ser, talvez por causa da dentição tão particular, não sei, o que eu sei, é que Fio Maravilha era um ídolo do Flamengo, ídolo da arquibancada e da geral do Maraca.
Como no primeiro jogo da temporada, contra Botafogo, Fio Maravilha começou o jogo contra Benfica no banco. No 15 de janeiro de 1972, Zagallo escalou Flamengo assim: Ubirajara; Aloísio, Fred, Reyes, Paulo Henrique; Liminha, Rodrigues Neto, Rogério; Caio Cambalhota (Samarone), Paulo César Caju, Arílson (Fio Maravilha). Do lado de Benfica, o craque que ninguém duvidava que era craque, Eusébio, estava machucado, mas o clube de Lisboa era uma máquina, o líder disparado do campeonato português com 13 vitórias e 2 empates em 15 jogos. O jogo começou equilibrado, com lances de perigo de Rogério para o Flamengo. E depois, Arílson se machucou. E a torcida flamenguista só tinha um nome na boca, uma boca tão grande que a do jogador em questão, Fio Maravilha, o perna de pau mais craque do futebol, o craque mais perna de pau da história do Flamengo, a alegria do Maracanã. No intervalo, pressionado pela torcida flamenguista, Zagallo botou em campo Fio Maravilha e sua camisa 14, não camisa de craque como Cruyff, camisa 14 de reserva, de coringa, às vezes de milagre.
Esse jogo é um jogo de um golaço, um jogo de um lance só. Então vamos diretamente no minuto 33 do segundo tempo, bola nos pés de Samarone no centro, nos pés de Rogério na direita, nos pés de Fio Maravilha para o milagre, para a maravilha de Fio Maravilha que ia maravilhar 44.280 torcedores maravilhados, entre eles, o compositor Jorge Ben Jor. Fio Maravilha pegou a bola, passou entre os defensores Rui Rodrigues e Messias, driblou o goleiro Zé Henrique, deixou a bola no fundo do gol. Um golaço, um dos mais importantes dos 84 gols de Fio Maravilha com o Manto Sagrado. “Fio tem noite de Pelé”, escreveu no dia seguinte Globo. “Gol de rei, não. Gol de Fio, mesmo”, respondeu o humilde Fio Maravilha. “Ainda tentei fazer pênalti, mas não sei como passou por mim. Provou no drible que é mais esperto que eu” inclinou-se o goleiro Zé Henrique.
Pela beleza plástica, o gol já era famoso. Pela importância também, já que Flamengo conquistou o título do torneio internacional de Rio depois de mais uma vitória 1×0, contra Vasco, gol de Paulo César Caju. Mas o gol virou eterno com uma cancão de Jorge Ben e interpretada pela Maria Alcina no Festival Internacional da Canção, vencendo a fase nacional no Maracanãzinho, uma canção que virou hit nas boates de Rio e até de Paris. Uma canção simples como Fio Maravilha, com letras bonitas como o gol contra Benfica. Vale a pena lembrar a letra inteira: “E novamente ele chegou com inspiração, Com muito amor, com emoção, com explosão em gol, Sacudindo a torcida aos 33 minutos do segundo tempo, Depois de fazer uma jogada celestial em gol. Tabelou, driblou dois zagueiros, Deu um toque, driblou o goleiro, Só não entrou com bola e tudo, Porque teve humildade em gol, Foi um gol de classe, onde ele mostrou sua malícia e sua raça. Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa, Que a galera, agradecida, se encantava, Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa, Que a galera, agradecida, se encantava. Filho Maravilha, nós gostamos de você, Ih-ih-ih-ih-ih-ih-ih, Filho Maravilha, faz mais um pra gente ver, Ih-ih-ih-ih-ih-ih-ih”.
E depois teve a polêmica. Diante do sucesso da música, um ingênuo Fio Maravilha deixou seu advogado entrar em processo na Justiça para tentar ganhar dinheiro sobre os direitos autorais. Magoado, Jorge Ben Jor trocou “Fio Maravilha” pelo “Filho Maravilha”. Mas só tem um Fio, só tem uma Maravilha, o golaço contra Benfica, e as duas partes finalmente selaram a paz. O que fica finalmente é o golaço de Fio Maravilha, a música de Jorge Ben Jor, e o Maracanã cheio de alegria com um gol de seus ídolos particulares.
Fecho essa crônica com as lembranças de Fio Maravilha, no livro Grandes jogos do Flamengo, de Roberto Assaf e Roger Garcia: “Foi um jogo interessante. O Eusébio estava machucado, mas o Benfica tinha um grande time. Em 10 anos de Flamengo, só fui titular em 1969 e 1970, com o Yustrich. O Zagallo não era muito simpático ao meu futebol, ao meu estilo. Eu estava na reserva, mas o Zagallo me chamou para entrar. Naquele dia, eu estava inspirado. Numa jogada com o Rogério, saí driblando e fui parar dentro do gol. Daí, veio a música e ela caiu no gosto popular. O problema com o Jorge Ben Jor é que houve um desencontro de informações. Havia um amigo, já falecido, o Joaquim Reis, que era advogado de alguns jogadores, como o Jairzinho, o Rodrigues Neto e meu também. Um dia me perguntou: ‘O autor da música te botou como parceiro? Posso entrar em contato com ele para você ganhar alguma coisa?’. Disse que podia. Pouco depois, fui jogar em Vitória. Quando cheguei ao Rio, já estava um burburinho tremendo. Não tinha a intenção de processar. Mas não culpo o advogado. Se alguém cometeu um engano, fui eu, não ele, que era uma pessoa maravilhosa. Não tiro também a razão do Ben Jor. Seria um prazer um dia reencontrá-lo. Mesmo morando nos Estados Unidos, acompanho os jogos do Flamengo, que defendi com muito carinho. Contra o Benfica foi especial, porque disseram que o Fio fez gol de Pelé. Adorei, porque eu era comparado com um monte de perna de pau. Depois do meu pai, Pelé foi o meu maior ídolo”.






